UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal Katharine Vinholte de Araújo ESTADOS DE CONSERVAÇÃO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL MODIFICAM A QUALIDADE DE SEUS SOLOS Diamantina 2023 Katharine Vinholte de Araújo ESTADOS DE CONSERVAÇÃO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL MODIFICAM A QUALIDADE DE SEUS SOLOS Tese apresentada à Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal para obtenção do título de Doutora. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Barros Dobbss Coorientadora: Prof. Dra. Ingrid Horák-Terra Diamantina 2023 Catalogação na fonte - Sisbi/UFVJM D278e 2023 Araújo, Katharine Vinholte de ESTADOS DE CONSERVAÇÃO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL MODIFICAM A QUALIDADE DE SEUS SOLOS [manuscrito] / Katharine Vinholte de Araújo. -- Diamantina, 2023. 88 p. Orientador: Prof. Leonardo Barros Dobbss. Coorientador: Prof. Ingrid Horák-Terra. Tese (Doutorado em Produção Vegetal) -- Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Programa de Pós- Graduação em Produção Vegetal, Diamantina, 2023. 1. Ecossistema de Veredas. 2. Organossolos de zonas úmidas tropicas. 3. Matéria orgânica do solo. 4. Atividade microbiológica do solo. 5. Ácidos húmicos. I. Dobbss, Leonardo Barros. II. Horák-Terra, Ingrid. III. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. IV. Título. Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da UFVJM com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Este produto é resultado do trabalho conjunto entre o bibliotecário Rodrigo Martins Cruz/CRB6- 2886 e a equipe do setor Portal/Diretoria de Comunicação Social da UFVJM KATHARINE VINHOLTE DE ARAÚJO ESTADOS DE CONSERVAÇÃO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL MODIFICAM A QUALIDADE DE SEUS SOLOS Tese apresentada ao DOUTORADO EM PRODUÇÃO VEGETAL, nível de DOUTORADO como parte dos requisitos para obtenção do título de D O U T O R A EM P R O D U Ç Ã O V E G E T A L Orientador (a): Prof. Dr. Leonardo Barros Dobbss Data da aprovação: 28/04/2023 Prof. Dr. LEONARDO BARROS DOBBSS - UFVJM Prof. Dr. FABRÍCIO DA SILVA TERRA - UFVJM Prof. Dr. ANDRÉS CALDERÍN GARCÍA - UFRRJ Prof. Dr.ª ALESSANDRA MONTEIRO DE PAULA - UNB DIAMANTINA OFEREÇO O Deus pai, inteligência suprema e causa primeira de todas as coisas. Ao governador e mestre Jesus. Aos meus alicerces Pai e Mãe. E aos familiares e amigos de jornada. “A vida é sempre o resultado de nossa própria escolha.” Chico Xavier AGRADECIMENTOS Deus eterno, pela benção da vida. Mãe e Pai amados, Guiomar e Erinaldo, alicerces de jornada. Aos irmãos Ana Paula, Roggêr, Sabrine e sobrinho Johan pelo apoio e amizade. Ao companheiro de vida Diego pelo apoio e dedicação diária. Ao orientador querido Leonardo Barros Dobbss pela oportunidade, orientação e confiança. A coorientadora Ingrid Horák-Terra pelo grande enriquecimento e apoio neste trabalho. A todos familiares e amigos de Santarém, Unaí e Diamantina pelas vibrações de amizade. A Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) campus Diamantina e Unaí e ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal. Ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Parque Nacional de Brasília (PNB), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Vila Velha (UVV) pelas contribuições para o desenvolvimento neste trabalho. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - 305255/2020-7). Agradeço a CAPES e ao CNPq pelo apoio financeiro essencial para a realização da pesquisa. i RESUMO KATHARINE VINHOLTE DE ARAÚJO. ESTADOS DE CONSERVAÇÃO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL MODIFICAM A QUALIDADE DE SEUS SOLOS. 2023. 88p. (Tese – Doutorado em Produção Vegetal) – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, 2023. As veredas são zonas úmidas tropicais que desempenham serviços ecossistêmicos essenciais para a manutenção hídrica, estocagem de carbono orgânico no solo e para diversidade biológica no bioma Cerrado. No entanto, a antropização, aliada ao conhecimento limitado sobre aspectos importantes desse ecossistema tem levado ao aumento das perdas, má preservação e a redução de seus serviços ecossistêmicos. Neste sentido, visando a ampliação de pesquisas sobre a qualidade e conservação do solo do ecossistema de veredas os objetivos desse estudo foram: i) compreender como possíveis alterações nos atributos morfológicos, físicos, químicos e biológicos de solos de veredas com diferentes estados de conservação (conservado e antropizado) poderão ser utilizados como indicadores de suas qualidades; ii) avaliar atributos microbiológicos do solo, como a biomassa microbiana, a respiração basal e a atividade enzimática, bem como os índices obtidos a partir destas variáveis, como indicadores de qualidade, para compreensão das correlações, ou ausência delas, entre as suas funções no solo e as características do ecossistema de veredas; iii) avaliar as frações da matéria orgânica do solo por meio de seu fracionamento químico; iv) extrair, purificar e caracterizar química e espectroscopicamente os ácidos húmicos isolados dos solos de veredas em diferentes estados de conservação; e v) estabelecer uma possível interpretação da relação entre os atributos avaliados e a qualidade dos solos e da matéria orgânica por intermédio da utilização de análise multivariada. Para isto, foram estudadas quatro veredas com diferentes estados de conservação: conservada (V1 – vereda em unidade de conservação); e antropizadas (V2 – vereda com uso agrícola no entorno; V3 – vereda cortada por estrada; V4 – vereda em área urbana). Foi realizada a descrição morfológica e avaliados atributos físicos (umidade, densidade, porosidade e composição orgânica e mineral) e químicos (acidez, disponibilidade de nutrientes e fertilidade) do solo em perfis de um metro de profundidade nas diferentes veredas. Também foram avaliados nas camadas superficiais (0-20 cm) os atributos químicos relacionados a matéria orgânica (C no solo e frações da matéria orgânica) e microbiológicos do solo (atividade enzimática, biomassa e respiração microbiana), ainda, caracterizados os ácidos húmicos por meio da análise elementar, acidez total, de dados espectroscópicos (IF, UV-Vis, FTIR e 13C RMN). Os atributos avaliados e suas relações nos distintos estudos mostraram-se eficientes na avaliação da qualidade ambiental das veredas, de maneira geral, ii atestaram que a proximidade das veredas com áreas que são utilizadas por atividades antrópicas alteram a qualidade do solo e da matéria orgânica, em destaque, reduzindo expressivamente o teor de carbono orgânico no solo e nas frações húmicas da matéria orgânica, a capacidade de retenção de água, a biomassa e respiração microbiana, a atividade enzimática, bem como, refletindo em ácidos húmicos com menor evolução química (grau de humificação). Isso sustenta que as veredas são ecossistemas complexos e sensíveis às mudanças no uso do solo originárias de ações antrópicas e sugere-se sua proteção integral para manter suas funções ecossistêmicas. Palavras-chave: Ácidos húmicos. Atividade enzimática. Biomassa microbiana. Matéria orgânica. Mudança de uso do solo. Zonas úmidas tropicais. iii ABSTRACT KATHARINE VINHOLTE DE ARAÚJO. CONSERVATION STATUS OF SAVANNA PALM SWAMPS (VEREDAS) FROM CENTRAL BRAZIL CHANGES THEIR SOIL QUALITY. 2023. 88p. (Thesis – Doctorate in Vegetable Production) – Federal University of the Jequitinhonha and Mucuri Valley, Diamantina, 2023. Veredas are tropical wetlands that provide essential ecosystem services for water maintenance, soil organic carbon storage, and biological diversity in the Cerrado biome. However, the anthropization combined with the limited knowledge about important aspects of this ecosystem has led to increased losses, poor preservation and the reduction of its ecosystem services. In this sense, aiming at the expansion of studies on soil quality and conservation of the veredas ecosystem the objectives of this study were: i) to understand how possible changes in morphological, physical, chemical and biological attributes of soils of veredas with different states of conservation (conserved and anthropized) can be used as indicators of their qualities; ii) evaluate soil microbiological attributes, such as microbial biomass, basal respiration and enzyme activity, as well as the indices obtained from these variables as quality indicators for understanding the correlations or lack thereof between their functions in the soil and characteristics of the veredas ecosystem; iii) avaliar as frações da matéria orgânica do solo através de fracionamento químico; iv) extrair, purificar e caracterizar química e espectroscopicamente os ácidos húmicos isolados de solos de veredas em diferentes estados de conservação; and v) establish a possible interpretation of the relationship between the evaluated attributes and the quality of soils and organic matter through the use of multivariate analysis. For this, four veredas with different conservation status were studied: conserved (V1 - vereda in conservation unit); and anthropized (V2 - vereda with surrounding agricultural activity; V3 - vereda cut by road; V4 - vereda in urban area). A morphological description was made and physical (moisture, density, porosity, and organic and mineral composition) and chemical (acidity, nutrient availability, and fertility) attributes of the soil were evaluated in one-meter deep profiles in different veredas. Chemical attributes related with organic matter (soil C and organic matter fractions) and soil microbiology (enzyme activity, microbial biomass and respiration) were also evaluated in the superficial layers (0-20 cm), and humic acids were characterized through elemental analysis, total acidity, spectroscopic data (FI, UV-Vis, FTIR and 13C NMR). The attributes evaluated and their relationships in the different studies were shown efficient in the evaluation of the environmental quality of veredas, generally attesting that the proximity of the veredas with areas that are used by anthropic activities changes the quality of the soil and organic matter, in iv highlight, expressively reducing the organic carbon content in soil and humic fractions of organic matter, water retention capacity, microbial biomass and respiration, enzymatic activity, as well as reflecting in humic acids with lower chemical evolution (degree of humification). This supports that veredas are complex ecosystems and sensitive to changes in land use originating from anthropic actions, and their integral protection is suggested in order to maintain their ecosystem functions. Keywords: Humic acids. Enzymatic activity. Microbial biomass. Organic matter. Land use change. Tropical wetlands. v LISTA DE FIGURAS ARTIGO CIENTÍFICO I: INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS ALTERAM OS ATRIBUTOS DO SOLO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL Figura 1. (a) Mapa de localização e (b) imagens de satélite (GOOGLE EARTH, 2023) de V1 – vereda em uma unidade de conservação; (c) V2 – vereda com uso agrícola no entorno; (d) V3 – vereda cortada por estrada; (e) V4 – vereda em área urbana. ................. 10 Figura 2. Correlação entre os atributos determinados em amostras de solo de veredas sob diferentes estados de conservação. ........................................................................................ 6 Figura 3. Fracionamento das comunalidades das variáveis utilizadas na PCA. A comunalidade de cada variável corresponde ao comprimento total da barra; as seções das barras representam a proporção sua variância em cada componente principal. As variáveis são ordenadas pelo componente com a maior parcela de variância. Preto: CP1. Cinza escura: CP2. ........................................................................................................................... 7 Figura 4. Perfil das pontuações da PCA dos dois componentes principais (a) componentes principais 1 (CP1) e (b) componentes principais 2 (CP2) utilizando atributos morfológicos, físicos e químicos de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. .................... 8 Figura 5. Biplot das componentes principais 1 e 2 representando distribuições amostrais e autovetores das propriedades avaliadas de solos de vereda sob diferentes estados de conservação (V1 – vereda em unidade de conservação; V2 – vereda com uso agrícola no entorno; V3 – vereda cortada por estrada; e V4 – vereda em área urbana). ........................ 12 ARTIGO CIENTÍFICO II: INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS ALTERAM A QUALIDADE BIOLÓGICA E AS CARACTERÍSTICAS DA MATÉRIA ORGÂNICA EM SOLOS DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL Figura 1. A) Carbono da biomassa do solo (C-BMS), (B) Respiração Basal do Solo (RBS), (C) Quociente metabólico (qCO2), e (D) Quociente microbiano (qMic) da camada superficial de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Letras minúsculas diferentes correspondem a diferenças significativas pelo teste de Tukey a p < 0,05. ......... 28 Figura 2. Biplot da análise de componentes principais (PCA) dos atributos químicos e microbiológicos da camada superficial dos solos de veredas sob diferentes estados de conservação (a). Proporção da contribuição dos atributos avaliados com as variâncias do primeiro componente – CP1 (b) e segundo componente – CP2 da PCA (c). V1: vereda em unidade de conservação; V2: vereda com uso agrícola no entorno; V3: vereda cortada por estrada; e V4: vereda em área urbana. ................................................................................. 32 ARTIGO CIENTÍFICO III: CARACTERIZAÇÃO QUÍMICA E ESPECTROSCÓPICA DE ÁCIDOS HÚMICOS ISOLADOS DE SOLOS DE VEREDAS SOB DIFERENTES ESTADOS DE CONSERVAÇÃO Figura 1. Espectro de emissão de fluorescência por excitação a 465 nm de ácidos húmicos (AH) isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. ........................ 48 Figura 2. Espectros na região de infravermelho obtidos com transformada de Fourier (FTIR) de ácidos húmicos (AH) isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. ........................................................................................................................ 49 Figura 3. Espectros de 13C RMN de ácidos húmicos (AH) isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. ...................................................................................... 51 vi LISTA DE TABELAS ARTIGO CIENTÍFICO I: INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS ALTERAM OS ATRIBUTOS DO SOLO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL Tabela 1. Atributos morfológicos de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. ........................................................................................................................ 13 Tabela 2. Atributos físicos e composição orgânica de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. ....................................................................................................... 16 Tabela 3. Atributos químicos de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. .. 4 ARTIGO CIENTÍFICO II: INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS ALTERAM A QUALIDADE BIOLÓGICA E AS CARACTERÍSTICAS DA MATÉRIA ORGÂNICA EM SOLOS DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL Tabela 1. Teores de carbono orgânico no solo e nas frações húmicas (g kg-1); grau de condensação da matéria orgânica (g kg-1); estabilidade estrutural da matéria orgânica e grau de humificação da matéria orgânica (%) da camada superficial de solos de veredas sob diferentes estados de conservação................................................................................. 25 Tabela 2. Atividade enzimática da camada superficial de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. ....................................................................................................... 29 ARTIGO CIENTÍFICO III: CARACTERIZAÇÃO QUÍMICA E ESPECTROSCÓPICA DE ÁCIDOS HÚMICOS ISOLADOS DE SOLOS DE VEREDAS SOB DIFERENTES ESTADOS DE CONSERVAÇÃO Tabela 1. Composição elementar (livres de cinzas e de água) e relações atômicas de ácidos húmicos isolados das quatro veredas sob diferentes estados de conservação. .................... 45 Tabela 2. Acidez total, carboxílica e fenólica, relação E4/E6 de ácidos húmicos isolados das quatro veredas com diferentes estados de conservação. ...................................................... 47 Tabela 3. Distribuição de carbono (%) nas regiões destinadas a diferentes deslocamentos químicos dos espectros de 13C RMN dos AH isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. ....................................................................................................... 52 SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................................... i ABSTRACT ........................................................................................................................ iii LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................... v LISTA DE TABELAS ........................................................................................................ vi INTRODUÇÃO GERAL .................................................................................................... 1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 3 ARTIGO CIENTÍFICO I: INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS ALTERAM OS ATRIBUTOS DO SOLO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL .............................. 5 RESUMO .............................................................................................................................. 5 ABSTRACT ......................................................................................................................... 6 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7 2 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................. 9 2.1 Localização, descrição e amostragem .......................................................................... 9 2.2 Determinações analíticas ............................................................................................. 11 2.2.1 Atributos morfológicos e classificação do solo ...................................................... 11 2.2.2 Atributos físicos e matéria orgânica ...................................................................... 11 2.2.3 Atributos químicos .................................................................................................. 12 2.3 Análises estatísticas ..................................................................................................... 12 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 13 3.1 Atributos morfológicos e classificação do solo .......................................................... 13 3.2 Atributos físicos e composição orgânica .................................................................... 15 3.3 Atributos químicos ........................................................................................................ 3 3.4 Análise multivariada ..................................................................................................... 5 3.4.1 Entrada de materiais orgânicos e inorgânicos ........................................................ 7 3.4.2 Fertilidade natural ................................................................................................. 10 3.4.3 Efeitos da antropização .......................................................................................... 11 4 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 13 5 AGRADECIMENTOS ................................................................................................... 14 6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 14 ARTIGO CIENTÍFICO II: INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS ALTERAM A QUALIDADE BIOLÓGICA E AS CARACTERÍSTICAS DA MATÉRIA ORGÂNICA EM SOLOS DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL ........................... 18 RESUMO ............................................................................................................................ 18 ABSTRACT ....................................................................................................................... 19 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 20 2 MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................... 21 2.1 Localização e amostragem do solo ............................................................................. 21 2.2 Fracionamento químico e índices de qualidade da matéria orgânica .................... 22 2.3 Biomassa microbiana .................................................................................................. 22 2.4 Respiração basal do solo ............................................................................................. 23 2.5 Atividade enzimática do solo ...................................................................................... 23 2.6 Análises estatísticas ..................................................................................................... 24 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 24 3.1 Carbono orgânico total e frações húmicas da matéria orgânica do solo ................ 24 3.2 Biomassa e respiração microbiana do solo ................................................................ 27 3.3 Atividade enzimática do solo ...................................................................................... 29 3.4 Análise multivariada ................................................................................................... 31 4 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 33 5 AGRADECIMENTOS ................................................................................................... 34 6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 34 ARTIGO CIENTÍFICO III: CARACTERIZAÇÃO QUÍMICA E ESPECTROSCÓPICA DE ÁCIDOS HÚMICOS ISOLADOS DE SOLOS DE VEREDAS SOB DIFERENTES ESTADOS DE CONSERVAÇÃO ............................ 38 RESUMO ............................................................................................................................ 38 ABSTRACT ....................................................................................................................... 39 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 40 2 MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................... 42 2.1 Localização e amostragem do solo ............................................................................. 42 2.2 Extração e purificação dos ácidos húmicos ............................................................... 42 2.3 Caracterização dos ácidos húmicos............................................................................ 43 2.3.1 Composição elementar, acidez total, grupamentos COOH e OH fenólicos .......... 43 2.3.2 Espectroscopia de fluorescência e coeficiente E4/E6 ............................................. 44 2.3.3 Espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier ........................... 44 2.3.4 Espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear de 13C .................................. 44 2.4 Análises dos dados ....................................................................................................... 44 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 45 4 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 53 5 AGRADECIMENTOS ................................................................................................... 53 6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 53 CONCLUSÃO GERAL .................................................................................................... 57 1 INTRODUÇÃO GERAL O bioma Cerrado ocupa aproximadamente dois milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro, e está localizado essencialmente no Planalto Central do Brasil e abriga várias fitofisionomias (vegetações com características comuns que se encontram dentro de uma determinada região) incluindo florestas, campos, formações savânicas como cerrado típico e vereda (RIBEIRO; WALTER, 1998). Compondo uma rica diversidade biológica e fundamental para a manutenção do clima e dos recursos naturais (LAHSEN; BUSTAMANTE; DALLA-NORA, 2016). As veredas são ecossistemas tropicais úmidos, associadas a solos hidromórficos e ao afloramento do lençol freático, usualmente em sua paisagem exibem a predominância da palmeira arbórea Mauritia flexuosa L. f. (buriti) emergente em meio a agrupamentos de espécies arbustivo-herbáceas (RIBEIRO; WALTER, 1998). Possuem grande importância ambiental, pois desempenham serviços ecossistêmicos extremamente essenciais, tais como: nascentes de água; recarga de aquíferos; contribuem significativamente para a biodiversidade, com fauna e flora endêmicas; exibem "efeito esponja" amortecendo as alterações de eventos locais de precipitação; armazenam carbono no solo; filtram resíduos químicos utilizados na agricultura (ROSOLEN; OLIVEIRA; BUENO, 2014; RIBEIRO et al., 2019; HORÁK-TERRA et al., 2022a). Muitos afluentes do Rio São Francisco, que é um dos rios mais importantes do Brasil e da América do Sul, localizados no noroeste de Minas Gerais (região do presente estudo), têm veredas como cabeceiras (HORÁK-TERRA et al., 2022b) No entanto, com o processo de ocupação do solo pela expansão agrícola na região central do Brasil promoveu mudanças no uso do solo e, consequentemente, atingindo o ecossistema de veredas com impactos ambientais diretos e nas áreas adjacentes que são utilizadas principalmente para agricultura e pecuária (SALES et al., 2020), além de outros tipos de exploração antrópica com diferentes fins, desrespeitando a legislação brasileira vigente (Código Florestal Brasileiro - Lei 12.727/12 e Lei Estadual 9.682/8 de Minas Gerais), que estabelece uma faixa marginal, em proteção horizontal, com largura mínima de 50 metros a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado para a proteção dos corpos d'água e do solo (SOUSA et al., 2011; SOUSA et al., 2015). Além dessa problemática, o fogo empregado no manejo de suas áreas marginais e as queimadas que ocorrem periodicamente durante o período de estiagem, origina o rompimento do 2 equilíbrio natural do carbono do solo nesses locais (DUARTE; FERNÁNDEZ-GETINO; DUARTE, 2013). As veredas são ambientes sensíveis a alterações e possuem pouca capacidade regenerativa quando perturbadas (RAMOS et al., 2006). Além disso, as mudanças climáticas (anos mais secos com pouca precipitação e períodos mais quentes) e o desmatamento têm sido uma grande ameaça no processo de degradação das veredas (HOFMANN et al., 2021; NUNES et al., 2022). Neste sentido, seus solos que representam um importante componente no ciclo biogeoquímico do carbono estão susceptíveis a grandes perdas de reservatórios de carbono por volatilização, que podem contribuir como fonte de gases de efeito estufa (CHEN et al., 2018). Nesse cenário, os solos das veredas sofrem os efeitos da ocupação com impactos pouco conhecidos. Atualmente, existem poucos estudos sobre o ecossistema de veredas, especialmente pesquisas para investigar e caracterizar os efeitos das influências antrópicas sobre os atributos do solo e da matéria orgânica. Dentre os estudos sobre solos de veredas na região central do Brasil, destacam-se os desenvolvidas por Sousa et al. (2011); Rosolen et al. (2015); Sousa et al. (2015); Ribeiro et al. (2019); Sales et al. (2020); Moreira et al. (2021); de Horák-Terra et al. (2022a, 2022b); e Santos et al. (2023) que concentram-se principalmente na avaliação da influência da agricultura e agropecuária no estoque de carbono e na contaminação por metais pesados em seus solos e no cerrado do entorno. Portanto, investigações mais detalhadas de solos vereda devem ser realizadas de forma a contribuir para o conhecimento sobre esses ambientes, principalmente para auxiliar em projetos de políticas públicas para o fortalecimento da proteção legal e recuperação ambiental desta fitofisionomia, assim como, para os objetivos de desenvolvimento sustentável e a mitigação e redução de impactos nas mudanças climáticas propostas na agenda 2030 das Organizações das Nações Unidas (ONU). Neste sentido, visando a ampliação de pesquisas sobre a qualidade e conservação do solo do ecossistema de veredas. Este estudo partiu-se da hipótese geral de que interferências antrópicas nos ambientes de vereda levam a modificações da qualidade de seus solos. Para testar essa hipótese foram estabelecidos os seguintes objetivos: i) compreender como possíveis alterações nos atributos morfológicos, físicos, químicos e biológicos de solos de veredas com diferentes estados de conservação (conservado e antropizado) poderão ser utilizados como indicadores de suas qualidades; ii) avaliar atributos microbiológicos do solo, como a biomassa microbiana, a respiração basal e a atividade enzimática, bem como os índices obtidos a partir destas variáveis, como 3 indicadores de qualidade, para compreensão das correlações, ou ausência delas, entre as suas funções no solo e as características do ecossistema de veredas; iii) avaliar as frações da matéria orgânica do solo por meio de seu fracionamento químico; iv) extrair, purificar e caracterizar química e espectroscopicamente os ácidos húmicos isolados dos solos de veredas em diferentes estados de conservação; e v) estabelecer uma possível interpretação da relação entre os atributos avaliados e a qualidade dos solos e da matéria orgânica por intermédio da utilização de análise multivariada. Diante do exposto, o presente estudo foi elaborado em três capítulos estruturados como artigos científicos. O primeiro artigo, intitulado “Intervenções antrópicas alteram os atributos do solo de veredas do Brasil central” teve como objetivo determinar e avaliar atributos morfológicos, físicos e químicos em perfis de solo (até um metro) de quatro veredas da região central do Brasil, sob diferentes estados de conservação. O segundo artigo, intitulado “Intervenções antrópicas alteram a qualidade biológica e as características da matéria orgânica em solos de veredas do Brasil central” objetivou avaliar as mesmas áreas de veredas, porém, a partir da quantificação de atributos químicos e microbiológicos das camadas superficiais de solos, como potenciais indicadores de qualidade do solo. Já o terceiro artigo, intitulado “Caracterização química e espectroscópica de ácidos húmicos isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação” teve como objetivo caracterizar, por meio de métodos químicos e espectroscópicos, os ácidos húmicos oriundos também da camada superficial dos solos das diferentes veredas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DUARTE, R. M. B. O.; FERNÁNDEZ-GETINO, A. P.; DUARTE, A. C. Humic acids as proxies for assessing different Mediterranean forest soils signatures using solid-state CPMAS 13C NMR spectroscopy. Chemosphere, v. 91, v. 11, p. 1556-1565, 2013. HORÁK-TERRA, I. et al. Impacts of anthropization on soil processes and attributes of a savana palm swamp (vereda) in an agricultural area of Central Brazil. Rev Bras Cienc Solo, v. 46, p. 1–28, 2022a. HORÁK-TERRA, I. et al. Soil processes and properties related to the genesis and evolution of a Pleistocene savanna palm swamp (vereda) in central Brazil. Geoderma, v. 410, 115671, 2022b. LAHSEN, M.; BUSTAMANTE, M. M.; DALLA-NORA, E. L. M. Undervaluing and overexploiting the Brazilian Cerrado at our peril. Environ. Sci. Policy Sustain. Dev., v. 58, p. 4–15, 2016. MOREIRA, C. P. et al. Biochemical activity and microbial biomass in wetlands (vereda) and well-drained soils under native vegetation types in Brazilian Cerrado. Applied Soil Ecology, v. 160, 103840, 2021. 4 RAMOS, M. V. V. et al. Veredas do Triângulo Mineiro: Solos, água e uso. Cienc Agrotec., v. 30, p. 283–293, 2006. RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: Sano, S.M., de Almeida, S.P. (Eds.), Cerrado: ambiente e flora. EMBRAPA-CPAC, Planaltina, 1998, p. 89–166. ROSOLEN, V. et al. Contamination of wetland soils and floodplain sediments from agricultural activities in the Cerrado Biom (State of Minas Gerais, Brazil). Catena, v. 128, p. 203–210, 2015. ROSOLEN, V.; OLIVEIRA D. A.; BUENO G. T. Vereda and Murundu wetlands and changes in Brazilian environmental laws: Challenges to conservation. Wetl. Ecol. Manag. v. 23, p. 285–292, 2014. SALES, G. B. et al. Litterfall dynamics and soil carbon and nitrogen stocks in the Brazilian palm swamp ecosystems. For Ecosyst, v. 7, n. 39, 2020. SANTOS, G. L. et al. Soil properties changing and carbono losses by anthropic drainage in savanna palm swamp (vereda), central Brazil. Rev Bras Cienc Solo, v. 47, e0220144, 2023. SOUSA, R. F. D. et al. Soil organic matter fractions in preserved and disturbed wetlands of the Cerrado biome. Rev Bras Cienc Solo, v. Solo 39, p. 222–231, 2015. SOUSA, R. F. D. et al. Matéria orgânica e textura do solo em veredas conservadas e antropizadas no bioma Cerrado. Rev. Bras. Eng. Agríc. Ambient, v. 15, n. 8, p. 861–86, 2011. 5 ARTIGO CIENTÍFICO I: INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS ALTERAM OS ATRIBUTOS DO SOLO DE VEREDAS DO BRASIL CENTRAL RESUMO As veredas desempenham um papel fundamental na manutenção do equilíbrio dos processos biogeoquímicos que regulam a disponibilidade e a qualidade dos recursos hídricos no bioma Cerrado brasileiro. Com a degradação desse ecossistema, observam-se indícios de um ambiente extremamente frágil e muito suscetível à intervenção humana. Neste estudo, foram selecionados quatro perfis de solo (até um metro de profundidade) de veredas da região central do Brasil, localizadas em área conservada (V1 – vereda em unidade de conservação); e antropizadas (V2 – vereda com uso agrícola no entorno; V3 – vereda cortada por estrada; V4 – vereda em área urbana). Foram analisados atributos morfológicos, físicos e químicos e uma análise multivariada (PCA) para identificar os processos que podem estar provocando alterações nos solos das veredas. As veredas situadas em ambientes antropizados apresentaram alterações nos atributos morfológicos, físicos e químicos do solo avaliados, sendo que área urbana no entorno da vereda V4 foi a que teve reduzido expressivamente o teor de carbono (até ~94%), o que refletiu na capacidade de retenção de água. As mudanças nos atributos desses perfis de solo foram relacionadas à entrada de materiais orgânicos e inorgânicos e à sua fertilidade natural. Essas descobertas sustentam que as veredas são ecossistemas complexos muito sensíveis às intervenções humanas e sugerem que elas precisam ser protegidas para manter suas funções ecossistêmicas. Palavras-chave: Bioma Cerrado. Serviços ecossistêmicos. Organossolos. Mudança de uso do solo. Zonas húmidas tropicais. 6 ABSTRACT Veredas play a key role in maintaining the balance of biogeochemical processes regulating the availability and quality of water resources in the Brazilian Cerrado (savanna) Biome. With the degradation of these ecosystems, evidence of an extremely fragile environment and very susceptible to human intervention have been observed. In this study, four soil profiles (up to one meter deep) were selected from veredas in the central region of Brazil, located in conserved (V1 – vereda in a conservation unit); and anthropized (V2 – vereda surrounded by agricultural activities; V3 – vereda cut by a road; V4 – vereda in urban area) conditions. Morphological, physical, and chemical attributes were analyzed, and multivariate analysis (PCA) was performed to identify the processes that may be driving changes in the soils of these veredas. The veredas in the anthropized environments presented changes in morphological, physical, and chemical soil attributes, where the urban area around the V4 had excessively reduced the organic carbon content (up to ~94%) and water retention capacity. The changes in the evaluated attributes of these soil profiles were related to the input of organic and inorganic materials, and their natural fertility. These findings support that veredas are complex ecosystems very sensitive to human interventions and suggests that they need to be protected to maintain their ecosystem functions. Keywords: Cerrado biome. Ecosystem services. Organosols. Land use change. Tropical wetlands. 7 1 INTRODUÇÃO As zonas úmidas tropicais são sistemas únicos que contribuem para uma multiplicidade de serviços ecossistêmicos e desempenham um papel importante no ciclo global de carbono (SJÖGERSTEN et al., 2021). Embora ocupem apenas 4-6% da superfície terrestre, uma quantidade substancial de carbono orgânico do solo é armazenada nessas áreas, correspondendo a 20-25% do armazenamento de carbono orgânico global (Chen et al., 2018). No Brasil, as veredas são zonas úmidas tropicais amplamente encontradas no bioma Cerrado e têm como característica dominante a formação de solos hidromórficos associados a um nível de variação hídrica relativamente estável (HORÁK-TERRA et al., 2022a). Esses ambientes são facilmente reconhecidos na paisagem pela presença da palmeira Mauritia flexuosa L. f. (buriti), que emerge em meio a agrupamentos de espécies arbustivo-herbáceas (RIBEIRO; WALTER, 1998). Como a vegetação da vereda é dominada pela palmeira buriti, seus restos (folhas, frutos, caules e raízes) são importantes fontes de matéria orgânica para a formação de horizontes hísticos (HORÁK-TERRA et al., 2022b). Este tipo de horizonte, de acordo com sua posição no perfil do solo pode definir classes de Organossolos (SANTOS et al., 2018), classe de grande ocorrência neste ecossistema (HORÁK-TERRA et al., 2022a). As veredas desempenham papel fundamental no balanço hídrico dos córregos no ambiente do Cerrado (RAMOS et al., 2006), funcionando como cabeceiras (nascentes) de muitos afluentes no norte e noroeste do estado de Minas Gerais (região deste estudo), que deságuam no Rio São Francisco, um dos rios mais importantes do Brasil e da América do Sul. Por causa de seus solos orgânicos se comportarem como “esponjas”, amortecem as mudanças nos eventos de precipitação locais, armazenando a água da chuva e disponibilizando-a aos córregos por meio de vazão lenta, mesmo nos períodos mais secos do ano (ROSOLEN; OLIVEIRA; BUENO, 2014). Dessa maneira, as veredas são essenciais na manutenção do equilíbrio dos processos biogeoquímicos que regulam a disponibilidade e a qualidade dos recursos hídricos (SOUSA et al., 2015). Além do importante papel das veredas na recarga dos aquíferos, esse ecossistema também contribui significativamente para a biodiversidade, com fauna e flora endêmicas (ROSOLEN; OLIVEIRA; BUENO, 2014). Armazenam carbono em seus solos, impedindo sua liberação como gases de efeito estufa, e são importantes arquivos de mudanças 8 paleoambientais e paleoclimáticas (SOUSA et al., 2015; ROSOLEN; OLIVEIRA; BUENO, 2014; HORÁK-TERRA et al., 2022a, 2022b). As veredas no Brasil central vêm se formando desde o Pleistoceno tardio, por volta de 34.000 anos AP, como visto na vereda de Pau Grande (Parque Nacional Grande Sertão Veredas, norte de Minas Gerais) (HORÁK-TERRA et al., 2022a) e na região do Parque Nacional de Brasília (estado do Distrito Federal), formado antes de 35.000 anos AP (VIANA, 2022). A legislação vigente assegura a preservação dessas áreas úmidas, tanto em nível federal (Código Florestal Brasileiro, desde 1934, e sua versão mais atualizada Lei 12.727/12) quanto em nível estadual (Lei Estadual 9.682/8 de Minas Gerais) ao considerar as veredas como áreas de preservação permanente (APP). No entanto, têm sido observadas extensas áreas de recargas das veredas convertidas em pastagens, cultivos agrícolas e usadas para carvoamento (SOUSA et al., 2015). Com a degradação das veredas, evidências de um ambiente extremamente frágil e muito susceptível a intervenção humana têm sido verificadas. Um estudo realizado na vereda Primavera (Bonfinópolis de Minas, noroeste do estado de Minas Gerais, Brasil) mostrou que vários processos do solo, como subsidência, redução da capacidade de armazenamento de água, redução de carbono orgânico (~22%) e declínio do estoque de carbono (~ 14 kg m-2) foram desencadeadas pela remoção da cobertura vegetal e construção de um canal de drenagem há aproximadamente 20 anos (HORÁK-TERRA et al., 2022a). Normalmente quando os solos orgânicos são drenados, seus poros são reduzidos e seus materiais sólidos tornam-se endurecidos a ponto de se assemelharem a rochas (GRZYWNA, 2017; HORÁK-TERRA et al. 2022b) adquirindo um comportamento hidrofóbico e se tornando muito mais suscetíveis a incêndios, uma vez que a matéria orgânica seca torna um potente combustível (HORÁK-TERRA et al., 2022b). Além disso, outras práticas como mineração de argila e turfa, avanço da urbanização e construção de estradas, também vêm tornando esses ambientes mais vulneráveis e suscetíveis à degradação (ARAÚJO et al., 2002). A antropização combinada com o conhecimento limitado sobre aspectos importantes desse ecossistema leva ao aumento das perdas, má preservação e redução dos serviços ecossistêmicos (HORÁK-TERRA et al., 2022a). Nesse cenário, solos de veredas vêm sofrendo os efeitos da ocupação com impactos pouco conhecidos, necessitando de investigações detalhadas como forma de entendê-los. 9 Deste modo, a hipótese desse estudo é que as diferentes interferências antrópicas nos ambientes de vereda alteram significativamente os atributos de seus solos, tendo como referência os atributos da vereda situada no ambiente conservado. Para testar essa hipótese foi proposto o objetivo de determinar e avaliar atributos morfológicos, físicos e químicos em perfis de solo (até um metro de profundidade) de quatro veredas da região central do Brasil, localizadas em ambiente conservado e antropizados, e identificar os processos que podem estar controlando a natureza e as mudanças nos solos das veredas. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Localização, descrição e amostragem As veredas do presente estudo situam-se no Distrito Federal (V1) e na região noroeste do estado de Minas Gerais (V2, V3 e V4) inseridas no bioma Cerrado, Brasil (Figura 1), mas sob diferentes estados de conservação: conservada (V1 - vereda em unidade de conservação) e antropizadas (V2 - vereda com uso agrícola no entorno; V3 - vereda cortado por estrada; V4 - vereda em área urbana). A vereda V1 está localizada em uma unidade de conservação, no Parque Nacional de Brasília, em Brasília-DF (15°69’00’’S e 48°02’42’’W; 1.075m de altitude). A região é caracterizada pelo clima Aw, ou seja, savana tropical com características de inverno seco, de acordo com o sistema de classificação de Köppen (ALVARES et al., 2013), com temperatura média anual de 21°C e precipitação média anual na ordem de 1600 mm (INMET, 2022). A área da vereda apresenta vegetação natural circundante constituída por Cerrado sensu stricto e mata de galeria inundável (curso d’água) e está situada na sub- bacia do ribeirão do Torto. A vereda também possui afloramento hídrico e abastece a maior massa d´água da unidade de conservação, o lago Santa Maria (Figura 1b). As veredas V2, V3 e V4 estão localizadas na sub-bacia do rio Urucuia, mesorregião noroeste de Minas Gerais, cujo clima é classificado Aw de Köppen (ALVARES et al., 2013). A vereda V2 localiza-se na área do Assentamento São Miguel, zona rural no município de Unaí (15°98’09’’S e 46°56’85’’W; 895 m de altitude), com temperatura e precipitação pluviométrica anual média de 24°C e 1200 mm, respectivamente (INMET, 2022). É determinada como área de preservação permanente, e está circundada por áreas de uso agrícola com cultivo de culturas anuais (milho, soja, feijão e mandioca) e por áreas de vegetação natural (Cerrado sensu stricto) remanescente (Figura 1c). 10 As veredas V3 (15°83’59’’S e 46°01’74’’W; 527m de altitude) e V4 (15°92’14’’S e 46°10’56’’W; 503m de altitude) estão localizadas no município de Arinos, estado de Minas Gerais. A região do município de Arinos apresenta temperatura média anual de 23,6°C e a precipitação média anual é de 1180 mm (INMET, 2022). Figura 1. (a) Mapa de localização e (b) imagens de satélite (GOOGLE EARTH, 2023) de V1 – vereda em uma unidade de conservação; (c) V2 – vereda com uso agrícola no entorno; (d) V3 – vereda cortada por estrada; (e) V4 – vereda em área urbana. 11 A vereda V3 é atravessada pela rodovia MG 479 construída na década de 1980 (Figura 1d), que provocou o represamento do curso d´água natural. Enquanto um lado tem- se uma zona encharcada (local de amostragem), o outro lado encontrava-se seco com resquícios de passagem de fogo na vegetação. Na zona do represamento, também se observou o acúmulo de sedimentos minerais oriundos de solo (bordas da estrada) para as partes mais baixas da vereda. Já a vereda V4 está localizada no perímetro urbano de Arinos (Figura 1e), e é uma área de preservação permanente, embora seu entorno esteja urbanizado desde o início do século XX. Relatos indicam que as primeiras construções foram erguidas em seu entorno devido à proximidade do rio Urucuia. Os perfis de solo foram amostrados nas seguintes profundidades: 0-20, 20-40, 40- 60, 60-80 e 80-100 cm (três perfis para cada vereda) usando um trado holandês em torno de um ponto central dentro do limite das veredas, definidos pela vegetação distinta e próximos as áreas de recarga hídrica (fundo plano). As amostras de solo foram acondicionadas em sacos plásticos pré-identificados e transportadas ao laboratório para caracterização analítica. 2.2 Determinações analíticas 2.2.1 Atributos morfológicos e classificação do solo Descrições morfológicas como textura e consistência foram determinadas seguindo a metodologia descrita no Manual de Descrição e Coleta de Solo no Campo (SANTOS et al., 2015). A classificação do material orgânico foi realizada em função do grau de decomposição com emprego da escala de decomposição de von Post (VP) (STANEK; SILC, 1977). A cor do solo em pirofosfato de sódio e os teores de fibras não esfregadas (FNE) e esfregadas (FE) seguiram os testes para caracterização de Organossolos, conforme a metodologia proposta por Lynn, Mckinzie e Grossman (1974), descrito no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos - SiBCS (SANTOS et al., 2018). O SiBCS (SANTOS et al., 2018) foi utilizado para a classificação dos solos. 2.2.2 Atributos físicos e matéria orgânica Densidade aparente do solo (Ds) e da matéria orgânica (Dmo), resíduo mínimo (RM), material mineral (MM) e umidade gravimétrica (Ug) foram determinados de acordo com os Testes para Caracterização de Organossolos (LYNN; MCKINZIE; GROSSMAN, 1974). Umidade volumétrica (Uv), densidade de partículas (Dp) e o volume total de poros 12 (VTP) foram obtidos através dos métodos descritos no Manual de Métodos de Análise de Solo (TEIXEIRA et al., 2017). O teor de matéria orgânica foi quantificado pelo método de perda de massa por incineração a 600 °C/6h em mufla (MO_MF) (LYNN; MCKINZIE; GROSSMAN, 1974; SANTOS et al., 2018) e através do método Walkley-Black (MO_WB) pela oxidação da matéria orgânica do solo por solução de dicromato de potássio em presença de ácido sulfúrico e titulação do excesso de dicromato com solução de sulfato ferroso amoniacal (WALKLEY; BLACK, 1934; TEIXEIRA et al., 2017). O conteúdo de carbono orgânico por mufla (C_MF) e Walkley-Black (C_WB) foram calculados dividindo os respectivos valores de matéria orgânica pelo fator “van Bemmelen” (1,724). 2.2.3 Atributos químicos As análises químicas foram realizadas de acordo com as metodologias propostas por Teixeira et al. (2017): pH (em água e em solução CaCl2 mol L-1) medindo-se o potencial de hidrogênio com um eletrodo combinado imerso em solução solo/líquido em suspensão na proporção 1:2,5; Al3+, Ca2+ e Mg2+ extraídos com KCl 1 mol L-1, titulando- se, numa fração do extrato, o Al3+ com NaOH 0,025 mol L-1, na presença de azul-de- bromotimol como indicador e Ca2+ e Mg2+ quantificados por espectrofotometria de absorção atômica; Na+, K+ e P em solução extratora Mehlich-1 e quantificados, respectivamente, por espectrofotometria de absorção atômica e espectrocolímetro; e a extração da acidez potencial (H+Al) em acetato de cálcio 0,5 mol L-1 a pH 7,0 e quantificada por titulometria com NaOH 0,025 mol L-1. A partir desses resultados, foi calculada a soma das bases [ ], capacidade de troca catiônica (pH 7,0) [ ], saturação por bases [ ], saturação de alumínio [ ] e saturação de sódio [ ]. 2.3 Análises estatísticas Usando o software R (versão 3.6.2) (R CORE TEAM, 2020) os dados quantitativos foram testados quanto às hipóteses de normalidade e homogeneidade das variâncias por meio dos testes Shapiro-Wilk e Bartlet (p > 0,05). Com os pressupostos atendidos, os dados foram submetidos à análise de variância e teste de médias entre profundidades no próprio perfil e entre os perfis nas mesmas profundidades pelo teste de Tukey ao nível de significância de 5% (p < 0,05). As relações entre os atributos do solo foram investigadas por meio da construção de matrizes de correlação usando o pacote corrplot R (WEI; 13 SIMKO, 2021). Uma análise multivariada “Principal component analysis” (PCA) também foi realizada na mesma matriz dos atributos do solo, usando os pacotes FactoMineR (LE; JOSSE; HUSSON, 2008) e factoextra (KASSAMBARA; MUNDT, 2020). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Atributos morfológicos e classificação do solo De maneira geral, a cor variou de bruno muito escuro (10YR 2/2) a bruno muito claro-acinzentado (10YR 8/2) nos solos das veredas (Tabela 1). V1 variou de bruno-escuro (10YR 3/3) a bruno (10YR 4/3); V2 de bruno muito escuro (10YR 2/2) a bruno-escuro (10YR 3/3); V3 de bruno (10YR 5/3) a cinzento-claro (10YR 7/2); e V4 de bruno a bruno muito claro-acinzentado (10YR 8/2). Tabela 1. Atributos morfológicos de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Hor. Prof. Cor Consistência Textura von Post FNE FE cm Grau Classe % V1 – VEREDA EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Hd1 0-20 10YR 4/3 lpl, lpg nat org 8 Sáprico 68 a A 56 a A Hd2 20-40 10YR 3/4 lpl, lpg nat org 8 Sáprico 68 a A 56 a A Hd3 40-60 10YR 3/4 npl, lpg nat org 8 Sáprico 75 a A 56 a A Hd4 60-80 10YR 3/3 npl, lpg nat org 8 Sáprico 61 a A 51 a A Hd5 80-100 10YR 3/3 npl, lpg nat org 8 Sáprico 67 a A 53 a A V2 - VEREDA COM USO AGRÍCOLA NO ENTORNO Hd1 0-20 10YR 3/3 pl, lpg nat org 7 Sáprico 33 a B 23 a B Hd2 20-40 10YR 3/2 pl, lpg nat org 8 Sáprico 45 a B 23 a B Hd3 40-60 10YR 3/2 pl, lpg nat org 8 Sáprico 45 a A 20 a B Hd4 60-80 10YR 2/2 pl, lpg nat org 8 Sáprico 31 a B 16 a B Hd5 80-100 10YR 2/2 pl, lpg nat org 8 Sáprico 28 a B 13 a B V3 – VEREDA CORTADA POR ESTRADA Hd1 0-20 10YR 5/3 mpl, mpg nat org 7 Sáprico 71 a A 52 a A Hd2 20-40 10YR 5/3 pl, lpg nat org 8 Sáprico 60 a AB 28 a B Hdo 40-60 10YR 5/3 pl, lpg nat org 5 Hêmico 64 a A 47 a AB Ho1 60-80 10YR 6/2 lpl, lpg nat org 4 Fíbrico 72 a A 51 a A Ho2 80-100 10YR 7/2 npl, npg nat org 4 Fíbrico 63 a B 51 a B V4 – VEREDA EM ÁREA URBANA A 0-20 10YR 7/3 pl, pg arg ‒ ‒ ‒ ‒ C1 20-40 10YR 8/2 npl, lpg ar fran ‒ ‒ ‒ ‒ C2 40-60 10YR 8/1 pl, lpg arg sil ‒ ‒ ‒ ‒ C3 60-80 10YR 5/3 npl, npg ar fran ‒ ‒ ‒ ‒ C4 80-100 10YR 5/3 mpl, mpg arg sil ‒ ‒ ‒ ‒ Hor: Horizonte; Prof.: profundidade; FNE: fibras não esfregadas; FE: fibras esfregadas; pl: plástica; lpl: ligeiramente plástica; npl: não-plástica; mpl: muito plástica; lpg: ligeiramente pegajosa; npg: não-pegajosa; mpg: muito pegajosa; nat org: natureza orgânica; arg: argila; arg sil: argilo siltosa; ar fran: areia franca; “‒” dados numéricos não aplicáveis. Letras minúsculas diferentes indicam diferenças significativas entre médias das diferentes profundidades para a mesma vereda e diferentes letras maiúsculas indicam diferenças significativas entre médias para as mesmas profundidades entre diferentes veredas pelo teste de Tukey a p < 0,05. 14 Nos perfis V1 e V2 apresentaram valores e cromas mais baixos, que diminuem com o aumento da profundidade (60-100 cm) exibindo pigmentos mais escuros, que podem ser associados ao avançado estádio de decomposição de matéria orgânica (sáprico) nesses ambientes (CIPRIANO-SILVA et al., 2014). No entanto, é importante ressaltar que o predomínio de uma matéria orgânica muito decomposta pode também estar associada à idade do material depositado (SILVA et al., 2013), haja vista que este componente está a mais tempo sob a atuação dos processos pedogenéticos. Por exemplo, V1 localiza-se no Parque Nacional de Brasília, onde uma vereda tem idade de até 35.000 anos (Pleistoceno Tardio) (VIANA, 2022). Em V3 e V4 os valores e cromas foram altos, apresentando cores mais claras. Nos horizontes hísticos superficiais de V3 predominam resíduos vegetais em estágio de decomposição mais avançados (sáprico), e as subsuperficiais caráter fíbrico (fracamente decompostos), possivelmente reflexo da redução do processo de decomposição, devido à estagnação da água no ambiente. Em V4, as cores mais claras foram devidas à alta contribuição de materiais minerais, de acordo com as texturas verificadas nas amostras de solo (Tabela 1). As texturas em V1, V2 e V3 foram classificadas como de natureza orgânica, assim como foram classificados em Organossolos de ambientes úmidos por Horák-Terra et al. (2022) e Soares et al. (2016). De acordo com Santos et al. (2015), quando há muitas fibras mal decompostas de restos e fragmentos vegetais, impossibilita a identificação das classes de textura. Em V4, devido seu caráter mineral a textura na camada superficial (horizonte A) foi classificada como argilosa, enquanto as camadas subjacentes (horizontes C) alternaram-se entre textura franco-arenosa e argilosa siltosa. Quanto à consistência, V1 apresentou consistência não plástica e ligeiramente pegajosa. Em V2, a consistência de todas as camadas foi plástica. Em V3 e V4, houve maior predominância de consistência plástica a muito plástica e ligeiramente pegajosa em suas camadas. Solos com material orgânico mais decomposto (sáprico) costumam apresentar maior plasticidade, porém, a distribuição granulométrica da fração mineral também pode influenciar nesse atributo, onde grandes quantidades de argila tendem a tornar o solo mais plástico e pegajoso (VALLADARES et al., 2008). Altos teores de fibras foram observados nos perfis V1 e V3 com média de 68% e 64% para FNE e 54% e 45% para FE, respectivamente (Tabela 1). Semelhante aos encontrados por Könönen et al. (2015) (Indonésia central), Soares et al. (2016) (sudeste do 15 Brasil), Valladares et al. (2016) (sudeste do Brasil), Wang et al. (2017) (nordeste da China) e Horák-Terra et al. (2022a) (Brasil central) em solos orgânicos de zonas úmidas de diferentes regiões tropicais do mundo. Ao comparar as profundidades entre esses perfis, em 80-100 cm, o teor de fibras foi maior em V1 do que em V3. O perfil V1 apresentou teor de fibras homogêneo e em estágio de decomposição mais avançado (sáprico) em profundidade. V3 também não apresentou diferenças em profundidade, no entanto, conferiu matéria vegetal pouco decomposta, o que pode ter contribuído para um maior volume de fibras retidas na peneira (método de Lynn, Mckinzie e Grossman, 1974). V2 se diferenciou das demais, com menores teores de FNE e FE, e apresentou distribuição homogênea em seu perfil. Para V4, o teor de fibra não foi avaliado devido ao alto teor de materiais minerais, o que superestimaria os resultados, conforme descrito por Santos et al. (2018). Segundo Ebeling et al. (2013), o teor de fibra tem sido associado ao grau de decomposição da matéria orgânica, refletindo vegetação composta por maior quantidade de fibras (galhos, raízes, troncos) e/ou pela influência do ambiente que proporcione a decomposição do material orgânico de forma mais lenta. Os perfis apresentaram diferenças morfológicas no grau de transformação da matéria orgânica. Os perfis de solo amostrados de V1 e V2 foram classificados como Organossolo Háplico Sáprico típico, relacionados à presença de grandes quantidades de fibras e maior grau transformação da matéria orgânica. V3 foi classificado como Organossolo Háplico Fíbrico típico, devido à saturação/hidromorfismo no ambiente, a presença de grandes quantidades de fibras e menor grau de transformação da matéria orgânica. Já para o perfil V4 encontraram-se relevantes transformações (mineralização da matéria orgânica), sendo classificado como Neossolo Flúvico Tb Distrófico típico (SANTOS et al., 2018). 3.2 Atributos físicos e composição orgânica Os atributos físicos Ug, Uv, Ds, Dmo, RM, MM e VTP utilizados na caracterização e classificação dos Organossolos (SANTOS et al., 2018) estão relacionadas ao teor de carbono orgânico, geralmente, de forma diretamente proporcional (SOARES et al., 2016). Na Tabela 2 observa-se que os valores de Ug, Uv e VTP dentro do perfil de cada vereda foram semelhantes, exceto em V2, que apresentou uma leve redução da Ug e VTP em 40- 60 cm. 16 Tabela 2. Atributos físicos e composição orgânica de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Hor. Prof. Ug Uv Ds Dmo Dp VTP MM RM C_WB C_MF MO_WB MO_MF cm g g-1 cm3 cm-3 Mg m-3 g cm-3 % m m-1 g kg-1 V1 – VEREDA EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Hd1 0-20 5,01 a A 0,82 a A 0,17 a C 0,12 a A 1,23 a C 86 a A 30 a C 0,04 a C 347,7 c A 404,1 a A 599,4 c A 696,6 a A Hd2 20-40 7,13 a A 0,84 a A 0,13 a C 0,11 a A 1,24 a C 89 a A 21 a B 0,02 a C 349,7 b A 457,9 a A 602,9 b A 789,4 a A Hd3 40-60 6,32 a A 0,87 a A 0,14 a C 0,11 a AB 1,16 a C 88 a A 24 a C 0,02 a B 337,2 e A 439,3 a A 581,3 e A 757,4 a A Hd4 60-80 6,84 a A 0,79 a A 0,12 a B 0,08 a AB 1,37 a C 91 a A 30 a B 0,02 a B 337,8 d A 403,3 a A 582,4 d A 695,2 a A Hd5 80-100 6,30 a A 0,79 a A 0,13 a B 0,09 a AB 1,39 a B 91 a A 30 a B 0,03 a B 366,8 a A 405,7 a A 632,4 a A 699,5 a A V2 - VEREDA COM USO AGRÍCOLA NO ENTORNO Hd1 0-20 2,47 a B 0,84 a A 0,34 b BC 0,11 a A 1,89 b B 82 a B 68 a B 0,16 a BC 126,8 c B 187,9 a B 218,6 c B 324,0 a B Hd2 20-40 1,68 ab B 0,79 a A 0,48 ab B 0,13 a A 2,08 a B 77 ab B 73 a A 0,23 a B 112,0 e B 157,6 a B 193,1 e B 271,7 a B Hd3 40-60 0,85 c B 0,55 a AB 0,77 a AB 0,37 a A 2,11 a B 64 b BC 55 a B 0,27 a B 122,4 d B 258,7 a B 211,0 d B 446,0 a B Hd4 60-80 1,55 ab B 0,74 a A 0,48 ab B 0,15 a A 2,12 a AB 77 ab AB 69 a A 0,22 a B 138,5 b B 178,1 a B 238,8 b B 307,1 a B Hd5 80-100 1,67 ab B 0,73 a AB 0,47 ab B 0,14 a A 2,19 a A 79 ab A 69 a A 0,22 a B 146,9 a B 179,0 a B 253,3 a B 308,6 a B V3 – VEREDA CORTADA POR ESTRADA Hd1 0-20 1,48 a B 0,73 a A 0,51 a B 0,13 a A 2,05 a B 75 a BC 75 a B 0,26 a B 91,6 a C 142,7 a B 157,9 a C 246,1 a B Hd2 20-40 1,79 a B 0,77 a A 0,45 a B 0,10 ab A 2,13 a B 79 a B 75 a A 0,23 a B 91,2 b C 139,6 a B 157,2 b C 240,6 a B Hdo 40-60 1,72 a B 0,74 a AB 0,47 a BC 0,12 ab AB 2,20 a AB 79 a AB 76 a AB 0,23 a B 78,5 c C 148,3 a BC 135,3 c C 255,7 a BC Ho1 60-80 2,00 a B 0,45 a A 0,27 a B 0,06 ab B 1,85 a AB 86 a A 66 a A 0,14 a B 73,0 d C 194,5 a B 125,9 d C 335,3 a B Ho2 80-100 4,09 a AB 0,75 a AB 0,25 a B 0,06 b B 2,05 a AB 88 a A 71 a A 0,13 a B 63,3 e C 167,1 a B 109,1 e C 288,0 a B V4 – VEREDA EM ÁREA URBANA A 0-20 0,60 a B 0,54 a B 0,95 a A 0,10 a A 2,55 a A 63 a C 89 a A 0,56 a A 29,6 a D 62,2 a C 51,0 a D 107,2 a C C1 20-40 0,49 a B 0,53 a B 1,09 a A 0,08 a A 2,50 a A 56 a C 92 a A 0,67 a A 17,6 d D 44,0 a B 30,3 d D 75,9 a B C2 40-60 0,39 a B 0,46 a B 1,24 a A 0,06 a B 2,48 a A 50 a C 94 a A 0,79 a A 17,6 d D 32,5 a C 30,3 d D 56,1 a C C3 60-80 0,52 a B 0,48 a A 1,06 a A 0,07 a AB 2,53 a A 59 a C 92 a A 0,66 a A 18,5 c D 47,4 a B 31,9 c D 81,7 a B C4 80-100 0,35 a B 0,38 a B 1,15 a A 0,09 a AB 2,37 a A 51 a B 92 a A 0,71 a A 20,0 b D 44,6 a B 34,5 b D 76,8 a B Hor: Horizonte; Prof.: profundidade; Ug: Umidade gravimétrica; Uv: Umidade volumétrica; Ds: Densidade aparente do solo; Dmo: Densidade da matéria orgânica; Dp: Densidade de partículas; VTP: Volume total de poros; MM: Material mineral; RM: Resíduo mínimo; C_WB: Carbono orgânico por Walkley-Black; C_MF: Carbono orgânico mufla 600°C; MO_WB: Matéria orgânica por Walkley-Black; MO_MF: Matéria orgânica mufla 600°C. Letras minúsculas diferentes indicam diferenças significativas entre médias das diferentes profundidades para a mesma vereda e diferentes letras maiúsculas indicam diferenças significativas entre médias para as mesmas profundidades entre diferentes veredas pelo teste de Tukey a p < 0,05. 1 Ao comparar diferentes profundidades entre as veredas, destaca-se que V1 apresentou as maiores médias, sendo até dez vezes maiores que os valores de Ug no perfil de V4, o que indica para V1, maior capacidade de retenção de água em seus horizontes. Resultados semelhantes foram encontrados por Cipriano-Silva et al. (2014) em horizontes de Organossolos de ambientes de várzea da região nordeste do Brasil, com valores de Ug de até 930%, constituindo um importante reservatório de água. Segundo Bispo et al. (2015), os principais componentes que controlam a hidrologia em solos orgânicos são o alto teor de matéria orgânica e o teor de fibras. Esta afirmação é consistente com o alto teor de fibra e maior teor de matéria orgânica observado em V1. A Ug está diretamente relacionada com os valores de matéria orgânica do solo, o que é esperado, visto que possui grande higroscopicidade (capacidade de captar e armazenar água da atmosfera) (SOARES et al. 2016). Em V4, nota-se a redução gradual da umidade e da porosidade do solo em profundidade (Tabela 2), que se deve provavelmente à mudança de uso do solo para edificações urbanas e pastagem para grandes animais (cavalo e gado) sob e no entorno da vereda ao longo dos anos. Estas perturbações provocam a expulsão de água e a redução dos espaços porosos, que desencadeiam o processo de subsidência (redução de volume e massa) no solo (RODRIGUEZ et al., 2021). De acordo com Cipriano-Silva et al. (2014), as interferências antrópicas como drenagem, desmatamento, cultivo e revolvimento dos solos orgânicos nesses ecossistemas úmidos, causam principalmente alterações no regime hidrológico, assoreamento pela deposição de sedimentos minerais, mineralização e redução dos teores de matéria orgânica e a subsidência. Nos diferentes perfis os valores de Ds e Dp foram homogêneos nas diferentes profundidades e inversamente proporcionais ao teor de matéria orgânica. Maiores valores de Ds e Dp em diferentes profundidades foram observadas no perfil de V4 (1,01±0,11 e 2,49±0,07 Mg m-3, respectivamente), que é fortemente influenciado pela fração mineral. Isto ocorre devido à maior densidade do material mineral em relação ao material orgânico (SOUSA et al., 2020). Nota-se que no perfil da vereda conservada (V1) os valores de Ds foram < 0,17 Mg m-3 e observados nas camadas com até 30% de matéria mineral, e nas veredas com intervenções antrópicas (V2, V3 e V3) os valores de Ds > 0,50 Mg m-3 ocorreram nas camadas com mais de 75% de matéria mineral. Ebeling et al. (2011) mostraram que com a diminuição do volume do solo, há um aumento gradual nos valores de densidade do solo e de partículas, alterando assim as características originais dos 2 Organossolos em ambientes perturbados. Da mesma forma que em veredas, a degradação de ambientes úmidos de turfeiras normalmente aumenta a densidade aparente do solo, o que pode reduzir a condutividade hidráulica da turfa (KÖNÖNEN et al., 2015; SINCLAIR et al., 2020). Os valores de Dmo, em geral, foram semelhantes entre as veredas. Apesar de semelhantes, houve um padrão decrescente em profundidade e seus valores foram semelhantes aos encontrados por Horák-Terra et al. (2022a) em solos de vereda, que variaram de 0,09 a 0,20 Mg m-3. Assim como para a Ds e Dp, os valores de MM foram significativamente maiores em V4, sendo similares com V2 e V3 nas profundidades de 0-20, 60-80 e 80-100 cm, com teores entre 66 a 92%. Os valores mais elevados de MM em V4 devem-se principalmente a supressão da vegetação natural, além de sua posição em fundo plano que podem receber fluxos de água e sedimentos do Rio Urucuia e de solos minerais urbanos em posições mais altas. Logo, o RM estimativa da proporção original de MM, que pode ser usada como índice de mineralização potencial (SILVA et al., 2014), mostrou uma clara distinção dos efeitos da degradação nestes perfis. Maiores valores de RM foram encontrados em V4 (0,56 a 0,79 m m-1), sendo superiores aos encontrados em solos orgânicos de zonas úmidas com algum grau de degradação por Horák-Terra et al. (2022a) (0,53±0,21 m m-1), Soares et al., (2021) (0,13 a 0,73 m m-1) e, Könönen et al. (2015) (0,12 a 0, 22 m m-1). Os perfis V2 e V3 apresentaram valores semelhantes (0,16 a 0,27 m m-1), enquanto foram significativamente menores (0,02 a 0,04 m m-1) em V1, devido a sua vegetação conservada e abundante, que funciona como um filtro na retenção de entrada de sedimentos (HORÁK- TERRA et al., 2022a). Os teores de carbono orgânico e matéria orgânica foram significativamente diferentes entre os perfis e seguiram padrões semelhantes entre os métodos de análise (Tabela 2). Os valores de C_WB e C_MF apresentaram valores elevados na vereda com vegetação conservada (V1) e com maiores teores na base (80-100 cm). Em contraste, baixo teor de carbono orgânico foi identificado em V4, que foram maiores na superfície (0-20 cm). Wang et al. (2017) mostraram tendência semelhante, aumentando teores de carbono em profundidade em perfis de solos turfosos com diferentes usos da terra no nordeste da China, mas mostraram tendência oposta em perfis de solo mineral. Esses resultados sugerem uma redução média de carbono orgânico de ~89% (Walkley-Black) e ~94% (mufla) quando comparados V1 e V4. V2 e V3 apresentaram teores de carbono 3 intermediários, sendo maiores em V2. Em concordância com este estudo, Horák-Terra et al. (2022a) mostraram que o efeito da antropização favoreceu uma redução significativa no teor de carbono e na capacidade de retenção de água em solos de veredas do Brasil central. 3.3 Atributos químicos Na Tabela 3, observa-se que os valores de pH em água foram maiores em comparação aos valores de pH em CaCl2. O pH em CaCl2 não variou em profundidade nos perfis, já o medidos em água, obteve-se valores mais baixos em superfície para V1, V2 e V4, não variando em V3. De acordo com Santos et al. (2018), os valores médios para pH em CaCl2 indicam solos extremamente ácidos (pH < 4,3) em V2, V3 e V4, e fortemente ácidos (4,3 < pH < 5,3) em V1. Para o pH em água, os valores médios para os diferentes perfis são classificados como solos fortemente ácidos. Elevada acidez em Organossolos de veredas tem sido observada em diferentes estudos, como em Rosolen et al. (2015), Sousa et al. (2015), Ribeiro et al. (2019), Horák-Terra et al. (2022a) e Viana (2022), e variando entre 3,30 a 5,16 para pH em água, conforme relatado por Könönen et al. (2015), Könönen et al. (2018) e Arabia et al. (2020) em turfeiras tropicais da Indonésia. Organossolos de zonas húmidas tropicais, em geral, apresentam características de elevada acidez e teores de Al3+ trocável (VALLADARES et al., 2016; EBELING et al., 2011). Analisando os teores de Al3+ e m, os perfis V2 e V3 apresentaram valores significativamente maiores e ambos exibiram tendência crescente em profundidade. Solos com alto teor de matéria orgânica e valores de pH inferiores a 4,7 comumente apresentam a predominância de Al3+ trocável no complexo de troca (HORÁK-TERRA et al., 2022a, 2022b; EBELING et al. al., 2013). No entanto, nos estudos de Pereira et al. (2020), Campos et al. (2014) e Silva et al. (2008) com Organossolos e solos com horizontes superficiais com elevados teores de matéria orgânica, atribuem grande parte da acidez, à dissociação do H+ proveniente dos radicais carboxílicos e fenólicos da matéria orgânica. Já que, pelo método utilizado para quantificar Al³+ em solos com alto teor de matéria orgânica, o H+ pode ser quantificado e superestimar o teor de Al3+ (CAMPOS et al., 2014). Nota-se que a acidez potencial (H+Al) quantificada foi maior nas veredas com teores mais elevados de matéria orgânica (V1, V2 e V3), estando mais relacionada aos teores de ácidos orgânicos do que ao conteúdo de Al3+ trocável. 4 Tabela 3. Atributos químicos de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Hor. Prof. pH CaCl2 pH H2O P Ca2+ Mg2+ K+ Na+ Al3+ H+Al SB CTC V m ISNa cm mg dm³ cmolc dm³ % V1 – VEREDA EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Hd1 0-20 4,7 a A 5,1 c A 4,1 a B 17,9 c A 2,0 a A 0,37 a A 0,3 a C 0,2 a D 7,8 d C 20,5 c A 28,3 c A 72 a A 1,0 a D 0,9 a D Hd2 20-40 4,7 a A 5,2 b A 3,6 b B 15,1 e A 1,4 b A 0,37 a A 0,2 b B 0,1 b D 9,0 c C 17,1 e A 26,1 e A 66 d A 0,6 b D 0,9 a D Hd3 40-60 4,7 a A 5,4 a A 1,5 c C 21,2 b A 1,1 c A 0,11 b B 0,1 c D 0,1 b D 9,7 b B 22,5 b A 32,2 b A 70 b A 0,4 c D 0,4 c D Hd4 60-80 4,8 a A 5,4 a A 1,2 d C 16,3 d A 0,9 d B 0,10 c B 0,1 c B 0,1 b D 10,5 a A 17,4 d A 27,9 d A 62 e A 0,6 b D 0,5 b D Hd5 80-100 4,8 a A 5,4 a A 1,1 e C 22,0 a A 1,1 c B 0,08 d B 0,1 c B 0,1 b D 10,5 a B 23,3 a A 33,8 a A 69 c A 0,4 c D 0,4 c D V2 - VEREDA COM USO AGRÍCOLA NO ENTORNO Hd1 0-20 3,7 b B 4,7 b B 1,4 a D 0,6 a D 0,2 a D 0,11 a D 0,4 a B 3,1 e A 14,1 a A 1,3 a D 15,4 a B 8 a D 71 e A 2,3 a B Hd2 20-40 3,8 a B 4,8 a C 1,0 b D 0,6 a D 0,1 b D 0,04 b D 0,2 b C 3,2 d A 11,3 b B 0,9 b D 12,2 b C 7 b D 78 d A 1,4 c B Hd3 40-60 3,7 ab B 4,7 b C 1,0 b D 0,4 b D 0,1 b D 0,04 b C 0,2 c B 3,6 c A 9,0 d C 0,7 c D 9,7 e C 7 b D 84 c A 1,6 b B Hd4 60-80 3,7 ab C 4,7 b C 0,8 c D 0,6 a C 0,1 b D 0,04 b D 0,1 d C 4,9 b A 9,7 c B 0,9 b D 10,6 d B 8 a D 85 b A 1,1 d C Hd5 80-100 3,7 ab B 4,6 c C 0,8 c D 0,4 b D 0,1 b D 0,04 b C 0,1 e C 5,1 a A 11,3 b A 0,6 d D 11,9 c B 5 c D 89 a A 0,8 e C V3 – VEREDA CORTADA POR ESTRADA Hd1 0-20 3,9 a B 4,6 a C 2,8 b C 0,8 a C 0,4 a C 0,24 a B 0,2 a D 2,6 b B 11,3 b B 1,7 a C 13,0 b C 13 a C 61 e B 1,7 a C Hd2 20-40 3,8 a B 4,6 a D 3,0 a C 0,7 b C 0,3 b C 0,18 b B 0,2 b C 2,4 d B 12,1 a A 1,4 b C 13,5 a B 10 c C 64 d B 1,3 b C Hdo 40-60 3,8 a B 4,6 a D 2,4 c B 0,5 c C 0,3 b C 0,11 c B 0,1 c C 3,3 a B 11,3 b A 1,1 c C 12,4 c B 9 d C 76 a B 1,1 c C Ho1 60-80 3,8 a BC 4,6 a D 2,2 d B 0,4 d D 0,2 c C 0,07 d C 0,1 d C 1,6 e B 8,4 c C 0,8 e C 9,2 d C 9 d C 67 c B 1,3 b B Ho2 80-100 3,8 a B 4,6 a C 1,9 e B 0,6 e C 0,2 c C 0,04 e C 0,1 e C 2,5 c B 7,8 d C 0,9 d C 8,7 e D 11 b C 73 b B 1,1 c B V4 – VEREDA EM ÁREA URBANA A 0-20 4,1 a B 4,7 d B 13,5 a A 2,3 c B 1,0 c B 0,21 a C 0,6 b A 0,9 c C 6,2 a D 4,1 c B 10,3 b D 40 d B 18 b C 5,9 b A C1 20-40 4,1 a B 4,9 c B 8,9 b A 1,9 d B 0,8 d B 0,15 d C 0,5 d A 0,6 d C 5,8 b D 3,3 d B 9,1 d D 36 e B 15 d C 5,1 e A C2 40-60 4,2 a B 5,0 b B 5,6 c A 1,9 d B 0,8 d B 0,16 c A 0,4 e A 0,6 d C 4,6 c D 3,3 d B 7,9 e D 42 c B 15 d C 5,6 d A C3 60-80 4,3 a B 5,3 a B 4,3 e A 2,8 b B 1,2 b A 0,19 b A 0,6 c A 1,0 b C 5,8 b D 4,8 b B 10,6 a B 45 b B 17 c C 5,7 c A C4 80-100 4,0 a B 5,3 a B 4,7 d A 3,2 a B 1,7 a A 0,21 a A 0,6 a A 1,4 a C 4,3 d D 5,7 a B 10,0 c C 57 a B 20 a C 6,3 a A Hor.: Horizonte; Prof.: profundidade; H+Al: acidez potencial; SB: soma de bases; CTC: capacidade de troca catiônica; V: saturação de bases; m: saturação por alumínio; ISNa: saturação com sódio. Letras minúsculas diferentes indicam diferenças significativas entre médias das diferentes profundidades para a mesma vereda e diferentes letras maiúsculas indicam diferenças significativas entre médias para as mesmas profundidades entre diferentes veredas pelo teste de Tukey a p < 0,05. 5 Os teores de Ca2+, Mg2+, K+, e P em geral foram baixos nos perfis, exceto para V1 onde os teores de Ca2+ e Mg2+ foram altos em seus horizontes, devido à contribuição do material calcifilítico do Grupo Paranoá (CAMPOS et al., 2013). Soares et al. (2016) e Cipriano-Silva et al. (2014) e Soares et al. (2016) encontraram comportamento semelhante atribuído à contribuição de material geológico de rochas (calcário e nefelina-sienito, respectivamente), que elevaram os valores de Ca2+ e Mg2+em Organossolos. Em V4, nota- se que os valores de Mg2+ foram semelhantes aos de V1, e que P foi significativamente maior em seu perfil, com maiores teores nas camadas superficiais, provavelmente, associados à adição de materiais provenientes da atividade antrópica. Com resultado da baixa disponibilidade de nutrientes, baixa SB foram exibidas em V2, V3 e V4 que variaram de 0,6 a 5,7 cmolc dm³. Em contrapartida, foi significativamente maior em V1 em todas as profundidades, devido aos altos teores de Ca2+ e Mg2+. Maiores valores de SB e H+Al contribuíram para uma alta CTC em V1, principalmente na base quando comparada a superfície. Os valores da CTC nos perfis de V2 e V3 foram similares, devido à contribuição de Al3+ e H+Al com maiores valores nas camadas superficiais. O valor de V em V1 foi diferente dos demais, com ocorrência de médias superiores a 50% em todas as camadas, o que mostra sua característica eutrófica, ou seja, alta fertilidade (SOBRAL et al., 2015). Os perfis V2, V3 e V4 apresentaram médias inferiores a 50%, expressando a predominância de H+ no complexo de sorção e, consequentemente, a característica distrófica nestes solos (VALLADARES et al., 2016). Nos Organossolos de V2 e V3 por apresentarem baixo Ca2+, Mg2+ e K+ e teor de Al3+ muito elevado, chegando a apresentar m superior a 60%, também podem ser classificados como solos álicos (muito pobres) (RONQUIM, 2010). Maiores teores de Na+ e percentual de ISNa foram encontrados em V4 (ambiente urbano), com maiores valores em ambos atributos na base (80-100cm), enquanto, valores semelhantes foram presentes em V2 e V3 e menores em V1, que apresentaram maiores concentrações nas camadas superficiais, o que mostra baixa proporção de sódio solúvel em relação à CTC no solo nesses ambientes. De acordo com Cipriano-Silva et al. (2014), apesar da alta CTC nos Organossolos, a retenção de cátions monovalentes é menor do que os demais cátions, justificando os teores reduzidos de K+ e Na+. 3.4 Análise multivariada 6 Dois componentes principais foram obtidos do PCA, que correspondem a ~85% da variância total do conjunto de dados. O componente principal 1 (CP1) explicou 54% da variância dos dados, com cargas positivas altas (0,77 a 0,95) para MO_MF, Ug, CTC, MO_WB, C_WB, C_MF, VTP, FE, FNE e Uv e cargas negativas altas (-0,72 a -0,97) para Ds, MM, RM, Dp e ISNa. Esses resultados indicam oposição entre o acúmulo de matéria orgânica e o teor de material mineral. Esse comportamento é corroborado pelos coeficientes de correlação (Figura 2) entre as variáveis, onde os valores de matéria orgânica obtidos por diferentes métodos se correlacionam positivamente entre si (MO_WB e MO_MF, r = 0,97) e apresentaram forte correlação negativa com MM (r = -0,97; -0,99), respectivamente. O componente principal 2 (CP2) explicou 31% da variância dos dados, com cargas positivas altas (0,92 a 0,70) para Mg2+, V, SB, P, pH_H2O, Ca2+, Na+, K+ e pH_CaCl2 e cargas negativas altas (-0,81 a -0,74) para m, Al3+ e H+Al indicando a fertilidade natural do solo. O pH medido em CaCl2 e água apresentaram coeficiente de correlação positiva entre si (r= 0,86), indicando que ambos os métodos são eficazes na determinação do pH em solos com altos teores de matéria orgânica, e apresentaram forte correlação negativa, respectivamente, com m (r = -0,97, -0,90) e Al3+ (r = -0,94; -0,82) (Figura 2). Figura 2. Correlação entre os atributos determinados em amostras de solo de veredas sob diferentes estados de conservação. 7 Na Figura 3 é possível observar o fracionamento das comunalidades de cada variável, ou seja, a proporção de sua variância explicada por cada componente. No CP1, destaca-se que estão altamente associados, com proporção da variância entre 52 a 91% (comprimento da barra). E o CP2, os atributos também se encontram altamente associados com 55 a 85%. Exceto Dmo (abaixo de 30%), que pode estar associados a mais de um componente principal e, assim, participar de processos adjacentes. Deste modo, estes atributos representam bons condutores para identificar os processos que podem estar controlando as alterações nos solos das veredas avaliadas. Figura 3. Fracionamento das comunalidades das variáveis utilizadas na PCA. A comunalidade de cada variável corresponde ao comprimento total da barra; as seções das barras representam a proporção sua variância em cada componente principal. As variáveis são ordenadas pelo componente com a maior parcela de variância. Preto: CP1. Cinza escura: CP2. 3.4.1 Entrada de materiais orgânicos e inorgânicos A maioria dos atributos com cargas positivas do CP1 foram relacionadas ao teor de matéria orgânica, enquanto as cargas negativas foram relacionadas à matéria inorgânica. Portanto, as cargas opostas indicam que, à medida que o teor de material mineral das veredas aumenta, seu teor de matéria orgânica diminui (ou seja, um efeito de diluição). 8 Essa relação também foi verificada por Horák-Terra et al. (2014) e Horák-Terra et al. (2022b) em seus estudos de solos orgânicos em ambientes de veredas e turfeiras, respectivamente. Na Figura 4a, as mudanças nas pontuações do CP1 em profundidade podem ser vistas em diferentes perfis. Em geral, as pontuações positivas no CP1 foram associadas a uma maior predominância de material orgânico (V1), enquanto as pontuações negativas foram associadas a uma entrada de material mineral (V2, V3 e V4). Figura 4. Perfil das pontuações da PCA dos dois componentes principais (a) componentes principais 1 (CP1) e (b) componentes principais 2 (CP2) utilizando atributos morfológicos, físicos e químicos de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Em V1 houve predominância de pontuações positivas em profundidade, pouco variaram, com apenas um leve aumento em ~40 cm. Por estar localizado em um ambiente mais conservado, naturalmente permitiu um maior acúmulo de matéria orgânica e sua contínua manutenção no ambiente. O maior aporte de material vegetal em Organossolos em áreas úmidas auxilia no armazenamento de carbono, proporciona maior porosidade e consequentemente aumenta o teor de umidade (SILVA et al., 2009; CIPRIANO-SILVA et al., 2014). Segundo Horák-Terra et al. (2022a), o alto teor de água nas veredas possivelmente está associado à maior porosidade devido à matéria orgânica mais preservada e com muitas fibras. Isso está de acordo com a abundância de restos vegetais medidos por FNE e FE (Tabela 1) que também apresentaram correlação positiva (r = 0,70 entre Ug e FNE; e r = 0,80 entre Ug e FE) (Figura 2). Nas áreas de turfeiras tropicais da Indonésia, Könönen et al. (2018) demonstraram que a manutenção do solo orgânico com diferentes intensidades de manejo (floresta 9 natural, reflorestadas, degradadas e agrícolas) tem sido sustentada pela alta e contínua deposição e decomposição de material orgânico, mesmo onde a decomposição aeróbica é sazonalmente reduzida pelo aumento do lençol freático, apresentando melhores estados o ambiente de floresta natural. Nas veredas antropizadas V2, V3 e V4 houve predominância de pontuações negativas em profundidade, com pontuações maiores em V4. Em V2 observa-se a predominância de pontuações negativas, com ligeiro pico em ~60 cm. Essa alteração pode estar associada à redução da umidade e da porosidade total, que consequentemente aumentou os valores de densidade do solo (0,77 Mg m-3), bem como o RM (0,27 m m-1) (associada as pontuações negativas), quando comparado com as outras profundidades. O solo da vereda adjacente à área agrícola é protegido por lei, porém, durante a visita de campo, foi observado escoamento de água para uso doméstico e consumo animal, o que pode ter contribuído para esse comportamento. Em V3, o comportamento das pontuações negativas não variou muito em profundidade, exceto abaixo de 80 cm com um pico de redução, o que provavelmente está associado ao maior teor de fibras (FNE e FE) e, principalmente, à alta umidade (Ug e Uv) observada nesta profundidade (Tabela 2), que foram associados ao incremento de material orgânico. No entanto, isso pode ser resultado da estagnação da água, que dificulta a decomposição da matéria orgânica (material mais fibroso) e influencia no volume de água retido no local (CIPRIANO-SILVA et al., 2014). Em V4 as pontuações diminuem até ~60 cm, até atingir os maiores valores negativos, o que indica maior perda de matéria orgânica (mineralização). Isso está de acordo com o aumento simultâneo e a correlação positiva de Ds com RM (r = 0,96) e MM (r = 0,81), uma vez que a matéria inorgânica tem densidade maior que a matéria orgânica (HORÁK-TERRA et al., 2014). Em ~80 cm, apresentou um leve aumento, porém, ainda com pontuações negativas associadas à maior contribuição do material mineral. Essa redução de carbono orgânico no solo pode estar associada a diferentes fatores de degradação causados pela atividade humana ao longo do tempo, e ainda pode estar relacionada à influência de sedimentos depositados pelas cheias do rio Urucuia (aproximadamente 600 m de distância da vereda). Essa situação pode ocorrer em alguns anos durante a estação chuvosa (pico em janeiro e fevereiro), quando o rio transborda, alagando o perímetro urbano de Arinos. No ambiente antropizado de V4, o teor de material mineral mostrou uma redução significativa da matéria orgânica. Além disso, acompanhou a redução da umidade e 10 processos eficazes na ciclagem de nutrientes. Moura, Lacerda e Ramos (2013) observaram comportamento semelhante em Organossolos de áreas protegidas com diferentes usos na região central do Brasil (Brasília, Distrito Federal), exibindo perda de qualidade do solo aqueles situados em áreas antropizadas. Assim como, o estudo de Wang et al. (2017) que mostraram que camadas de solo orgânico de zonas úmidas (turfas) são continuamente afetadas por mudanças no uso da terra, reduzindo o teor de carbono orgânico até mesmo das camadas mais profundas. 3.4.2 Fertilidade natural O CP2 foi relacionado aos atributos de fertilidade natural (V, SB e bases trocáveis) e as variações de pH nos solos (Figura 4b). As cargas opostas representam o aumento das pontuações negativas (Al3+, m, H+Al) quando os solos tendem a ser mais ácidos, ou seja, com valores de pH mais baixos. As pontuações positivas do CP2 refletiram o aumento dos valores de pH relacionados à maior entrada de elementos minerais (Ca2+ e Mg2+), com pontuações mais altas em V1 do que em V4 (Figura 4b). Esses elementos, especialmente o Ca2+, também controlam o aumento dos atributos V e SB, que apresentaram correlação positiva (r = 0,86 entre Ca2+ e V; r = 0,99 entre Ca2+ e SB) e podem vir de diferentes fontes e contribuir para uma maior fertilidade natural nestes ambientes (SOBRAL et al. 2015). Em V1, a predominância de altos teores de Ca2+ e Mg2+ se deve à influência do material geológico pertencente à formação do Grupo Paranoá composta por calcifilitos, que são ricos em carbonatos (dolomita e calcita) (CAMPOS et al., 2013). Igualmente confirmado pelo estudo de Viana (2022) na mesma área de estudo localizada no Parque Nacional de Brasília (Distrito Federal, Brasil). Em geral, esse comportamento não é comum aos Organossolos. Entretanto, efeito semelhante foi observado por Cipriano-Silva et al. (2014) em dois perfis de Organossolos na região nordeste do Brasil, onde os altos teores de Ca2+ e Mg2+ foram atribuídos à influência do material geológico (calcário) da região. Nota-se aumento das pontuações positivas em ~40 cm de profundidade, onde os valores desses elementos também foram maiores (Tabela 3). Em V4, a associação com as pontuações positivas provavelmente é resultado da influência dos efeitos da antropização nesta área, uma vez que, a vereda está inserida na área da Formação Urucuia, que é composta basicamente por arenitos (KIANG; SILVA, 2015), excluindo assim a influência do material geológico local. A vereda V4 tem sido utilizada para contenção de animais e depósito de materiais de diversas naturezas, como 11 entulhos de construção e lixo doméstico. De acordo com Teixeira e Lima (2016), resíduos como urina e fezes de animais, resíduos vegetais e principalmente ossos e espinhas de peixes, que são compostos basicamente por apatita biogênica (fosfatos de cálcio) podem contribuir para o aumento dos teores de Ca2+, P, e Mg2+ em horizontes antrópicos. Da mesma forma, teores mais elevados de P são comumente encontrados em solos que apresentam o horizonte A antrópico (SOUSA et al., 2020), como encontrados no horizonte superficial do perfil de V4. Conforme mostrado na Figura 4b, as mudanças nas pontuações de CP2 apresentaram tendências crescentes da superfície para a base em V4, devido provavelmente à influência dos teores de Ca2+ e Mg2+, que também mostraram tendência semelhante ao longo do perfil (Tabela 3). Avaliando atributos químicos em solos antropizados na Amazônia brasileira [Terras pretas amazônicas] Sousa et al. (2020), Macedo et al. (2019), Teixeira e Lima (2016), e Silva et al. (2011) encontraram altos teores de Ca2+, P, Mg2+, SB e porcentagem de V e atribuíram esses resultados a entrada de materiais advindos da atividade humana ao longo de anos. Portanto, a fertilidade natural em V4 é provavelmente atribuída às atividades antrópicas nas proximidades e sob esse ambiente. As pontuações negativas foram predominantes em V2 e V3, onde os teores de Al3+, H+Al e porcentagem de m foram mais elevados (Tabela 3). V2 apresentou maiores pontuações negativa com aumento em profundidade devido aos maiores teores de Al3+ e m encontradas nessas profundidades. O que também foi observado para V3 principalmente entre as profundidades de 40 e 60 cm. Uma vez que, devido a elevada acidez e a presença de ácidos orgânicos em seus solos, exibem muitos íons e poucos íons Ca2+, Mg2+ e K+ adsorvidos em seu complexo coloidal de troca (RONQUIM, 2010). Assim, a quantidade de cargas negativas disponíveis para adsorver as bases Ca2+, Mg2+ e K+ diminuem, e consequentemente reduz a V e SB e indicam baixa fertilidade natural. O comportamento exposto nos perfis de V2 e V3 encontra-se de acordo com os estudos de Ramos, Haridasan e Araújo (2014), Ribeiro et al. (2019) e Horák-Terra et al. (2022a) em Organossolos de veredas de diferentes regiões do Brasil, que usualmente são solos fortemente ácidos, apresentando alta CTC, dominado por H+Al, baixo V e alto teor de Al3+. 3.4.3 Efeitos da antropização Para entender o comportamento dos perfis de solo avaliados, foi utilizado o gráfico bidimensional, que mostra a sequência temporal das projeções das pontuações do PCA, 12 com as respectivas contribuições dos atributos avaliados (Figura 5). A projeção de CP1 vs. CP2 representou a combinação de matéria orgânica vs. fertilidade natural dos solos de veredas. A dispersão das pontuações mostrou os diferentes estados de conservação em que estas veredas se encontram, onde o principal fator está relacionado à redução de matéria orgânica. Figura 5. Biplot das componentes principais 1 e 2 representando distribuições amostrais e autovetores das propriedades avaliadas de solos de vereda sob diferentes estados de conservação (V1 – vereda em unidade de conservação; V2 – vereda com uso agrícola no entorno; V3 – vereda cortada por estrada; e V4 – vereda em área urbana). Localizada em uma unidade de conservação, V1 apresentou efeito de ambiente com matéria orgânica mais conservada e maior fertilidade natural. Embora seja influenciada pelo aporte de material geológico, a cobertura vegetal natural conservada reflete no maior acúmulo de material vegetal fibroso, armazenamento de carbono orgânico e na capacidade de armazenamento de água. Nunes et al. (2022) mostraram que a estrutura da vegetação (composição, diversidade e riqueza de espécies) e os fatores edáficos refletem diferentes estados de conservação de veredas. V2 e V3, localizadas em área circundada por atividades agrícolas e atravessada por uma estrada, respectivamente, apresentaram comportamentos semelhantes. Embora essas áreas estejam associadas aos atributos químicos (alta acidez), a projeção no biplot revelou 13 uma diminuição significativa no teor de matéria orgânica quando comparadas ao ambiente conservado de V1. Em V2, foi possível observar os efeitos do processo de mineralização da matéria orgânica do solo, pela dispersão das pontuações associadas à diminuição da matéria orgânica, provavelmente, devido à redução da vegetação nativa em seu entorno e a drenagem superficial do fluxo de água observado no local. Em V3, a saturação de água (condicionada pela interrupção do fluxo de água pela estrada) desencadeou redução nas taxas de decomposição da matéria orgânica e uma série de compostos intermediários são formados, alterando a dinâmica da matéria orgânica do solo (NASCIMENTO et al., 2010). Os efeitos da intervenção antrópica foram claramente manifestados no comportamento de V4, com pontuações agrupadas de forma oposta as estados do ambiente natural conservado, consequência da significativa redução da matéria orgânica em decorrência das interferências antrópicas ao longo do tempo. As mudanças no uso e cobertura do solo, principalmente o desflorestamento, proporcionam um forte impacto nas entradas de material orgânico e limitam a capacidade dessas zonas úmidas em acumular carbono orgânico (SINCLAIR et al., 2020). Além disso, segundo esses autores, a drenagem altera drasticamente os processos biogeoquímicos no solo e resulta em perda rápida e irreversível de carbono armazenado ao longo de milênios. O processo de degradação está ativo, mostrando nítida transformação nos atributos morfológicos, químicos e físicos do solo. A antropização dessas áreas causa efeitos negativos no ecossistema, produzindo perda da qualidade do solo e a descaracterização das funções ambientais das veredas no bioma Cerrado. Conforme Santos et al. (2020) e Horák- Terra et al. (2022a), mudanças no uso do solo em zonas úmidas interferem nos processos pedogenéticos, em geral, com diminuição do estoque de carbono, alteração na dinâmica hídrica, bem como desencadeamento de fenômenos de subsidência no solo. 4 CONCLUSÕES As veredas em ambientes antropizados (V2, V3 e V4) apresentaram alterações nos atributos morfológicos, químicos e físicos do solo. De maneira geral, as alterações causadas pelo uso do solo para ocupação urbana no entorno da vereda V4 reduziram expressivamente o teor de carbono orgânico e a capacidade de retenção de água. As mudanças nos atributos avaliados do solo das veredas estão relacionadas a dois principais processos: a) entrada de materiais orgânicos e inorgânicos, e b) fertilidade 14 natural. Isso sustenta que as veredas são ecossistemas complexos e sensíveis às intervenções humanas e sugere-se que precisam ser protegidas para manter suas funções ecossistêmicas. 5 AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio e ao Parque Nacional de Brasília (PNB) por nos permitirem utilizar a área de estudo e ao Laboratório Multidisciplinar de Pesquisas em Sistemas Agropecuários - AGROPECLAB da UFVJM campus Unaí, para execução de análises. 6 REFERÊNCIAS ALVARES, C. A. et al. Köppen’s climate classification map for Brazil. Meteorology Z. v. 22, p. 711–28, 2013. 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No entanto, com expansão urbana e intensificação das atividades agrícolas, extensas áreas de vegetação nativa foram suprimidas e substituídas aos arredores das veredas, comprometendo seus importantes serviços ecossistêmicos. Este estudo teve como objetivo avaliar veredas do Brasil central sob diferentes estados de conservação: conservada (V1 - vereda em unidade de conservação) e antropizadas (V2 - vereda com uso agrícola no entorno; V3 - vereda cortado por estrada; V4 - vereda em área urbana), levando-se em consideração atributos químicos (C no solo e frações da matéria orgânica) e microbiológicos (atividade enzimática, biomassa e respiração microbiana) nas camadas superficiais de solos. Os solos das veredas antropizadas apresentaram alterações nos atributos microbiológicos e nas características da matéria orgânica em relação à vereda conservada. Reduções na ordem de 95% do carbono orgânico, 231% da biomassa microbiana e 74% nas atividades das enzimas desidrogenase, β-glicosidase e fosfatase ácida foram observadas na vereda situada em área urbana (V4) em comparação com vereda em ambiente conservado. Além disso, houve aumento de quociente metabólico nessa área, o que pode estar associado com a influência do adensamento urbano sob a qualidade do solo. As alterações de uso do solo em áreas de veredas, por ação de atividades agrícolas ou urbanas, indicam redução da qualidade do solo desse importante ecossistema do Brasil central. Os atributos avaliados mostraram-se eficientes em atestar as modificações nas características da matéria orgânica e na qualidade biológica nos solos das veredas, em destaque, a avaliação da atividade enzimática do solo. Palavras-chave: Atividade enzimática. Carbono da biomassa microbiana. Matéria orgânica. Mudança de uso do solo; Serviços ecossistêmicos. Zonas húmidas tropicais. 19 ABSTRACT Veredas are important tropical wetlands for storing and supplying local and regional water networks, as well as for storing organic carbon. However, with urban expansion and intensification of agricultural activities, extensive areas of native vegetation were suppressed and replaced in the surroundings of the veredas, compromising their important ecosystem services. This study aimed to evaluate veredas from central Brazil under different conservation conditions: conserved (V1– vereda in a conservation unit); and anthropized (V2 – vereda surrounded by agricultural activities; V3 – vereda cut by a road; V4 – vereda in urban area), considering chemical (soil C and fractions of organic matter) and microbiological (enzymatic activity, biomass and microbial respiration) attributes in superficial soil layers. The soils of the anthropized vereda presented alterations in microbiological attributes and in the characteristics of the organic matter in relation to the conserved vereda. Reductions in order of 95% of organic carbon, 231% of microbial biomass and 74% in the activities of dehydrogenase, β-glicosidase and acid phosphatase enzymes were observed in the vereda located in urban area (V4) compared to vereda in conserved environment. In addition, there was an increase in microbial metabolic quotient in this area, which may be associated with the influence of urban concentration on soil quality. Changes in land use in areas with veredas, due to agricultural or urban activities, indicate reduction in quality of the soil in this important ecosystem in central Brazil. The attributes evaluated showed to be efficient in attesting the changes in characteristics of organic matter and biological quality in the soils of veredas, especially the evaluation of the soil enzymatic activity. Keywords: Enzymatic activity. Microbial biomass carbon. Organic matter. Land use change. Ecosystem services. Tropical wetlands. 20 1 INTRODUÇÃO As veredas são áreas úmidas tropicais do bioma Cerrado, onde predomina o estrato arbóreo-arbustivo que é representado, principalmente, pela palmeira Mauritia flexuosa L. f. (buriti) que ocorre em alinhamentos ou formações mais densas entre ecossistemas adjacentes (RIBEIRO; WALTER, 1998; HORÁK-TERRA et al., 2022a). Constituem-se num importante sistema represador da água armazenada nos planaltos planos, conhecidos como chapadas e chapadões, ocorrentes no Planalto Central Brasileiro e que alimentam os cursos d’água que formam a rede hídrica local e regional (RAMOS et al., 2006; SOUSA et al., 2015). Os solos das veredas têm origem pedogenética relacionada a processos de hidromorfismo, o que resulta em ambiente de baixa oxidação e acúmulo de matéria orgânica (RAMOS et al., 2006; MOREIRA et al., 2021). O Organossolo é a principal classe de solo ocorrente nesse ecossistema (WANTZEN et al., 2012; HORÁK-TERRA et al., 2022b), mostrando sua importância para estocagem de carbono orgânico (WANTZEN et al., 2012; SOUSA et al., 2015). O estoque de carbono orgânico nas veredas do noroeste de Minas Gerais e no Distrito Federal tem sido formado desde o Pleistoceno Tardio, por volta de 35 mil anos AP (HORÁK-TERRA et al., 2022a; VIANA, 2022). No entanto, com a expansão urbana e a intensificação das atividades agrícolas nessas regiões, extensas áreas de vegetação nativa foram suprimidas e deram origem a campos cultivados ao arredor das veredas (ROSOLEN et al., 2015; RIBEIRO et al., 2019). Desta forma, mudanças no solo, causados não só por sua utilização direta, mas, também pelo uso das terras adjacentes podem promover alterações nos teores e qualidade da matéria orgânica, com consequentes perdas de carbono orgânico, colaborando para o aumento das emissões de CO2 e comprometendo seus importantes serviços ecossistêmicos (CHEN et al., 2018; HORÁK- TERRA et al., 2022a). A matéria orgânica e suas frações são atributos chaves para a avaliação da qualidade do solo, uma vez que estão diretamente relacionados à estruturação, fertilidade, infiltração e retenção de água e atividade microbiana (ARAÚJO et al., 2019; PEREIRA et al., 2021). A distribuição relativa das frações da matéria orgânica (ácidos húmicos, ácidos fúlvicos e huminas), bem como proporção de carbono armazenado nessas frações, permite uma avaliação sistêmica da qualidade da matéria orgânica do solo (SOUSA et al., 2015; PEREIRA et al., 2021). Do mesmo modo, a fração viva da matéria orgânica do solo, constituída por microrganismos, é considerada um indicador sensível por exercer funções 21 em vários processos ecológicos que podem impactar nos serviços ecossistêmicos e na qualidade ambiental dos ecossistemas (GONÇALVES et al., 2019; MOREIRA et al., 2021). Muitos processos bioquímicos que ocorrem nas veredas são regulados por microrganismos aeróbicos e anaeróbicos que atuam na decomposição da matéria orgânica, na ciclagem de nutrientes e na degradação de substâncias tóxicas (BLOŃSKA et al., 2021; MOREIRA et al., 2021). Dentre os atributos microbiológicos, a respiração basal, o carbono da biomassa microbiana e a atividade enzimática são empregados como indicadores biológicos em distintos estudos em áreas de diferentes fitofisionomias do bioma Cerrado no Planalto Central Brasileiro (MENDES et al., 2012; SOUSA et al., 2015; CARVALHO et al., 2018; MOREIRA et al., 2021; RIBEIRO et al., 2019, HORÁK- TERRA et al., 2022a, 2022b). A atividade biológica se concentra nas camadas superficiais do solo, e os microrganismos exibem respostas rápidas frente às mudanças no manejo do solo, refletindo em um bom indicador na melhoria ou na degradação do solo (SILVA et al., 2020; SILVA et al., 2021). Além disso, a avaliação de atributos biológicos em solos de veredas não perturbadas pode se constituir em uma referência para avaliar o nível de conservação do solo para áreas de veredas antropizadas (SOUSA et al., 2015). Deste modo, torna-se importante a realização de estudos em veredas que possibilitem a compreensão e o dimensionamento de intervenções relacionadas às alterações das características do solo, bem como, a detecção e avaliação das alterações ambientais. Sendo assim, a hipótese desse estudo é de que as diferentes interferências antrópicas realizadas nos ambientes de veredas alteram significativamente os atributos investigados, afetando negativamente a qualidade de seus solos. Para testar esta hipótese foi proposto o objetivo de avaliar veredas do Brasil central, situadas em estados de ambientes conservados e antropizados, a partir da quantificação de atributos químicos e microbiológicos nas camadas superficiais de solos, como potenciais indicadores de qualidade do solo. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Localização e amostragem do solo As informações detalhadas sobre a localização e as características ambientais das áreas (veredas) avaliadas referentes a este trabalho são apresentadas no item 2.1, Artigo científico I, deste documento. 22 Foram coletadas amostras simples na profundidade correspondente à camada superficial (0-20 cm) de três pontos em cada vereda previamente descrita (V1, V2, V3 e V4), situadas em ambientes com diferentes estados de conservação, utilizando um trado holandês no entorno de um ponto central dentro do limite das veredas, definidos pela vegetação distinta e próximos as áreas de recarga hídrica (fundo plano). As amostras de solo foram acondicionadas em sacos plásticos pré-identificados e transportadas ao laboratório, armazenando-se parte em geladeira a 4 °C para futuras avaliações da atividade microbiana. Outra parte das amostras foi seca ao ar, removendo-se as frações mais grosseiras (folhas e raízes). 2.2 Fracionamento químico e índices de qualidade da matéria orgânica O fracionamento químico da matéria orgânica foi realizado conforme descrito pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas – IHSS (SWIFT, 1996) com modificações. Para isto, 4,0 g de solo (em quadruplicata) secos e peneirados (abertura 2,0 mm) foram acondicionados em tubos Falcon (50 ml), adicionando-se solução de NaOH 0,1 mol L-1, na razão 1:10 (v:v). Os tubos foram agitados por 15 min e então centrifugados (20 min, 2000 rpm), recolhendo-se a suspensão sobrenadante (ácidos húmicos + ácidos fúlvicos), reservada separadamente. Esse procedimento foi repetido até obtenção de extrato com absorbância em 250 e 465 m igual a zero. O resíduo remanescente, a humina (HU), foi lavado três vezes com água destilada e centrifugado (15 min, 2000 rpm) e seco em estufa de circulação forçada de ar a 60 °C, por 48h. O pH do extrato alcalino reservado foi ajustado para pH 1,5 utilizando-se solução de HCl 6,0 mol L-1. Após, o extrato reajustado foi centrifugado em tubos de centrifugas (20 min, 2000 rpm), recolhendo-se a suspensão sobrenadante, correspondente aos ácidos fúlvicos (AF). O material precipitado após acidificação e centrifugação correspondente à fração ácido húmico (AH). A determinação do carbono orgânico total do solo (COT) e o carbono nos extratos das frações AF, AH e HU foi realizada utilizando-se dicromato de potássio como oxidante, seguida de titulação com sulfato ferroso amoniacal (YEOMANS; BREMNER, 1988). A partir desses dados, índices de qualidade foram calculados de acordo com a proposição de Labrador Moreno (1996). 2.3 Biomassa microbiana O carbono da biomassa microbiana (C-BMS) foi determinado pelo método de respiração induzida pelo substrato (RIS) proposto por Anderson e Domsch (1978), em 23 triplicata. Para isto, amostras de 20 g de solo seco receberam 60 mg de glicose em pó, sendo em seguida incubadas à temperatura de 22 ºC, na presença de NaOH 0,1 mol L-1, por 24 h, no escuro. Posteriormente, adicionou-se 0,5 mL de BaCl2 (50 %) e duas gotas de fenolftaleína 0,1%, procedendo-se, ao final, a titulação com HCl 0,025 mol L-1. O cálculo da biomassa microbiana foi realizado empregando-se a Equação (1): (1) Onde: C-BMS = carbono da biomassa microbiana (μg C g-1 solo seco); 30 = constante (mg Cmic h mL CO2-1); b = média do volume de HCl gasto para titular as provas em branco; a = volume de HCl gastos para titular as amostras; K = concentração da solução de HCl; 22 = fator de conversão (1,0 mL HCl 1,0 mol L-1 corresponde a 22,0 mg de CO2); 1000 = fator de conversão de kg de solo para g de solo; 1,8295 = densidade do CO2 a 22 °C; PA = massa de solo seco; 24 = fator de conversão para transformação de 24 para 1 h. 2.4 Respiração basal do solo Para a determinação da respiração basal do solo (RBS), utilizou-se a metodologia apresentada por Alef e Nannipieri (1995). Amostras de 100 g de solo seco em triplicada foram incubadas em estufa a 25 ºC por 168 h na presença de NaOH (0,5 mol L-1) padronizado para captura de CO2 produzido. Após o período de incubação foi retirado o recipiente contendo NaOH 0,5 mol L-1 e adicionado 1,0 mL de BaCl2 (50 %), para completa precipitação de CO2, e duas gotas de fenolftaleína 0,1% como indicador e posteriormente titulado com HCl 0,5 mol L-1. A quantidade de C-CO2 liberado pelas amostras foi calculada de acordo com fórmula Equação (2), proposta por Stotzky (1965): [ ] ] (2) Onde: RBS = respiração basal do solo (µg de C-CO2 g-1 solo dia-1); b = Volume de HCl gasto na prova em branco; a = Volume de HCl gasto na amostra; N = Normalidade do HCl; E = Equivalente do carbono; g = massa de solo seco; T = Tempo de incubação da amostra. Ainda, foram avaliados os seguintes índices ecológicos: quociente metabólico (qCO2) obtido pela relação entre a quantidade de carbono liberada na respiração basal e a quantidade de carbono quantificada na biomassa microbiana [ ], e o quociente microbiano (qMic) pela equação [ ] (ANDERSON; DOMSCH, 1990). 2.5 Atividade enzimática do solo Foram determinadas as atividades das enzimas fosfatase ácida, arilsulfatase e β- glicosidase, de acordo com a metodologia descrita por Tabatabai (1994). As medidas foram obtidas por meio da determinação colorimétrica (410 m) do p-nitrofenol liberado 24 por essas enzimas, após as amostras de solos serem incubadas com solução tamponada de substratos específicos. Para a avaliação da atividade da urease, utilizou-se o método baseado na determinação da amônia liberado após a incubação do solo com ureia (TABATABAI; BREMMER, 1972). A atividade da enzima desidrogenase foi obtida conforme a metodologia de Thalmann (1968), que consiste em incubar a amostra de solo com TTC (cloridrato de 2,3,5 trifeniltetrazólio) e determinação do teor de trifenilformazan (TFF) após o período de incubação. Já a atividade de hidrólise de diacetato de fluoresceína (FDA) foi determinada pelo método de Alef (1995), que se baseia na formação de fluoresceína sódica depois da incubação de amostras de solo com solução de diacetato de fluoresceína por 3 h a 24 °C. Todas as medidas foram realizadas em quadruplicata. 2.6 Análises estatísticas Com auxílio do software R (versão 3.6.2) (R CORE TEAM, 2020) os dados quantitativos foram testados quanto às hipóteses de normalidade e homogeneidade das variâncias por meio dos testes Shapiro-Wilk e Bartlet (p > 0,05). Com os pressupostos atendidos, os dados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey ao nível de significância de 5% (p < 0,05) e uma análise multivariada “Principal component analysis” (PCA), usando os pacotes FactoMineR (LE; JOSSE; HUSSON, 2008) e factoextra (KASSAMBARA; MUNDT, 2020) foi empregada para determinar a relação entre os atributos e os diferentes estados de conservação das áreas de veredas. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Carbono orgânico total e frações húmicas da matéria orgânica do solo Houve diferença no COT das amostras dos solos das diferentes veredas (Tabela 1), que apresentaram a seguinte ordem de ambientes: V1 > V2 > V3 > V4. Essa variação pode estar relacionada aos estados ambientais das áreas de estudo, já que o conteúdo de COT é significativamente reduzido nas veredas com alterações antrópicas, resultado observado principalmente em V4 situada na área urbana no município de Arinos-MG, que apresentou redução de ~95% em relação à vereda em área conservada (363,78±3,23 e 20,97±0,19 g kg-1, respectivamente). Valores de COT menores de 80 g kg-1 indicam solos constituídos essencialmente por compostos inorgânicos (SANTOS et al., 2018), que apresentam intenso processo de degradação da matéria orgânica (MOREIRA et al., 2021). Diferentes estudos 25 verificaram que mudanças resultantes de atividades antrópicas na área de recarga hídrica ou aos arredores das veredas influenciam na redução dos teores de carbono orgânico no solo (SOUSA et al., 2011; WANTZEN et al., 2012; SOUSA et al., 2015; ROSOLEN et al., 2015; PASSOS et al., 2015). Horák-Terra et al. (2022a) observaram que a retirada da cobertura vegetal e a abertura de canal de drenagem em vereda localizada no noroeste de Minas Gerais, há cerca de 20 anos, reduziu em 22% os teores de COT, resultando no declínio do estoque de carbono em torno de 14 kg m-2. De outra forma, as veredas conservadas acumulam resíduos vegetais, elevando os teores de COT a valores superiores a 80 g kg-1 devido à elevada produção de biomassa vegetal e por permanecerem longos períodos de encharcamento (PEREIRA; FIGUEIREDO, 2018). Tabela 1. Teores de carbono orgânico no solo e nas frações húmicas (g kg-1); grau de condensação da matéria orgânica (g kg-1); estabilidade estrutural da matéria orgânica e grau de humificação da matéria orgânica (%) da camada superficial de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Variáveis V1 V2 V3 V4 COT 363,78±3,23 A 135,13±1,41 B 82,75±0,87 C 20,97±0,19 D CAF 51,97±0,71 A 21,63±1,28 B 11,17±0,40 C 3,46±0,14 D CAH 113,39±1,06 A 43,80±1,34 B 17,98±0,60 C 5,40±0,37 D CHUM 164,12±0,8 A 55,23±0,65 B 47,50±1,10 C 10,72±0,49 D CAH/CAF(¹) 2,18±0,03 A 2,03±0,10 B 1,61±0,09 C 0,64±0,04 D CHUM/(CAH+CAF)(²) 0,99±0,01 C 0,84±0,03 D 1,63±0,07 A 1,21±0,11 B [(CAH+CAF+CHUM) /CTOTAL]*100(³) 90,58±1,37 BC 89,29±1,38 C 92,63±0,38 AB 93,38±0,44 A COT: carbono total; CAF: C na fração ácidos fúlvicos; CAH: C na fração ácidos húmicos; CH: C na fração huminas; (1)CAH/CAF: razão entre o conteúdo de C na fração ácidos húmicos pela fração ácidos fúlvicos (indicativo do grau de condensação da matéria orgânica); (2)CHUM/(CAH+CAF): estabilidade estrutural da matéria orgânica; (3) [(CAH+CAF+CHUM/COT]*100: proporção de matéria orgânica humificada no solo (indicativo do grau de humificação). Os valores correspondem a média dos tratamentos mais ou menos os desvios padrão. Letras maiúsculas diferentes na mesma linha correspondem a diferenças significativas pelo teste de Tukey a p < 0,05. Os teores carbono nos AH (CAH), AF (CAF) e huminas (CHUM) apresentaram as mesmas ordens decrescentes que aquela observada para COT (V1 > V2 > V3 > V4). A maior parte do carbono presente nas frações húmicas foi observada em CHUM, independente dos estados de conservação das distintas áreas de veredas. Esse resultado encontra respaldo na literatura (FONTANA et al., 2010; EBELING et al., 2011; 2013) e 26 pode ser atribuído ao processo de humificação direta dos tecidos lignificados modificados por demetilação, já que os mecanismos de insolubilização e neossíntese microbiana são reduzidos em ambientes hidromórficos. Em V4, as alterações provocadas pela urbanização (redução da cobertura vegetal nativa e impermeabilização do solo) provavelmente estimularam a mineralização até mesmo das frações humificadas mais estáveis como CAH e CHUM. De fato, observam-se entre V1 e V4 reduções de 93,5% para CHUM, 95,2% para CAH, enquanto para CAF, essa diferença foi de 93,3%, apontando menor capacidade desse ambiente em armazenar, de forma estável, carbono nas frações humificadas da matéria orgânica. De acordo com a interpretação de Labrador Moreno (1996), a relação CAH/CAF expressa o grau condensação da matéria orgânica e valores superiores à unidade (1,0) indicam uma boa evolução da matéria orgânica. Nas áreas V1, V2 e V3, os valores dessa relação foram de maiores que 1,0, com maior valor presente em V1 (2,18±0,03 g kg-1). De acordo com Santos et al. (2018) e Silva, Valladares e Ferreira (2020) em horizontes hísticos, elevados valores desta relação indicam a influência das condições anaeróbias sobre o processo de humificação (polimerização e condensação). Valores elevados dessa relação foram também observados por Ebeling et al. (2013), Silva, Valladares e Ferreira (2020) e Horák-Terra et al. (2022a) no estudo de Organossolos de diferentes regiões do Brasil. Para V4, a relação CAH/CAF foi menor que 1,0 (0,64±0,04 g kg-1), valor 67,0% menor que a média das três outras áreas (1,94 g kg-1), que usualmente são encontrados em solos tropicais com menor intensidade do processo de humificação (condensação e síntese), que são atribuídas à intensa mineralização dos resíduos e ao baixo conteúdo de bases trocáveis (CANELLAS; FAÇANHA, 2004). A variação na participação das frações humificadas em função dos ambientes resultou também em diferenças nos valores da relação CHUM/(CAH+CAF). Essa relação pode ser empregada como indicativo da estabilidade estrutural da matéria orgânica, sendo que maiores valores significam maior estabilidade (LABRADOR MORENO, 1996) e, no presente trabalho, verificaram-se maiores valores em V3 e menores em V2. Contudo, é preciso avaliar mais a evolução desta relação do que os valores absolutos propriamente ditos. Assim, ao avaliar o grau de humificação da matéria orgânica pelo índice ([(CAH+CAF+CHUM)/COT]*100), observou-se que V3 (92,6%) e V4 (93,4%) estão acima dos valores considerados padrão descritos por Labrador Moreno (1996), que indicam solos 27 empobrecidos sem aporte de matéria orgânica ou uma evolução limitada da matéria orgânica devido a fatores edáficos ou de manejo. Em V4, o valor obtido pode estar relacionado à reduzida cobertura vegetal nativa e a matéria orgânica de origem antrópica, em V3, pode ter sido influenciada pela decomposição mais lenta do material vegetal devido estagnação de água no ambiente. Já em V1 e V2, por apresentarem vegetação natural mais conservada, os índices apresentaram-se dentro dos valores padrões observados por Labrador Moreno (1996), ou seja, o processo de humificação realizou-se inteiramente, corroborando com a maior proporção de frações mais estáveis nesses ambientes. 3.2 Biomassa e respiração microbiana do solo O maior valor de C-BMS foi observado em V1 (312,5 μg C g-1 solo seco), seguido de V2 (251,4 μg C g-1 solo seco), V3 (143,8 μg C g-1 solo seco) e V4 (94,3 μg C g-1 solo seco) (Figura 1A). O valor de C-BMS em V1 foi aproximadamente 231% maior ao observado para V4. Silva et al. (2016) verificaram que mesmo com dificuldade de degradação da serapilheira pelos microrganismos, em função do excesso de água em ambientes como de veredas, a maior produção de biomassa vegetal em ambiente de mata preservada auxilia no estoque do carbono e na biodiversidade de compostos orgânicos. Horák-Terra et al. (2022a) trabalhando em ambiente conservado e antropizado de uma vereda do noroeste de Minas Gerais, reportaram que a área conservada apresentou valores de C-BMS 90% maiores nas camadas superficiais, sendo isto atribuído à elevada proporção de matéria orgânica pouca humificada e ao excesso de água no ambiente. O comportamento da RBS foi similar ao verificado na avaliação da biomassa microbiana, com maior da atividade respiratória dos microrganismos em V1 em comparação às áreas com intervenção antrópica, sendo menores em V4 (Figura 1B). Como a microbiota respira a elevadas taxas para se manter nesses pedoambientes predominantemente saturados com água, as elevadas taxas de respiração fornecem a energia para a manutenção do metabolismo da atividade biológica (SILVA et al., 2009). Dessa forma, em conjunto com maiores valores de COT, C-BMS e baixo qCO2 em V1, indicam atividade biológica intensa neste ambiente. Os valores baixos de qCO2 estão relacionados a áreas mais estáveis e com baixo grau de perturbação, indicando menor perda de C na forma de CO2 através da respiração por unidade de biomassa (SILVA et al., 2016; MARINHO JUNIOR et al., 2021), o que 28 está de acordo com os resultados encontrados nas áreas de veredas com nenhum ou menor grau de perturbação (V1 e V2). Altos índices de qCO2 usualmente são observados em áreas sob algum tipo de evento ou manejo resultante em estados ambientais estressantes para a comunidade microbiana, que pode ser notado a partir do maior gasto energético (PRIMIERI; MUNIZ; LISBOA, 2017; BRITO et al., 2019). O que foi observado para V3, ambiente com excesso de água retido no ambiente e com vegetação reduzida, condições que podem ter contribuído para a menor eficiência metabólica. Figura 1. A) Carbono da biomassa do solo (C-BMS), (B) Respiração Basal do Solo (RBS), (C) Quociente metabólico (qCO2), e (D) Quociente microbiano (qMic) da camada superficial de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Letras minúsculas diferentes correspondem a diferenças significativas pelo teste de Tukey a p < 0,05. Os solos das diferentes áreas de veredas apresentaram valores de qMic abaixo de 1%, e segundo Araújo et al. (2019) e Marinho Junior et al. (2021) valores de qMic inferiores a 1% sugerem existência de fator limitante à atividade microbiológica no solo e processo mais lento da mineralização da matéria orgânica. Nos Organossolos presentes em veredas, a ação dos microrganismos é dificultada por sua condição hidromórfica, resultando em decomposição mais lenta devido ao baixo potencial de oxirredução (MOREIRA et al., 2021; HORÁK-TERRA et al., 2022a). Nesse sentido, em geral, qCO2 e qMic de solos orgânicos são mais baixos comparados aos solos minerais (SILVA et al., 29 2009; CAMPOS et al., 2010; SILVA et al., 2013). Os menores qMic observados em V1 (0,09%), V3 (0,17%) e V2 (0,19%) representam menor ciclagem de nutrientes e, consequentemente, maior acúmulo de carbono. Já em V4, o maior valor de qMic (0,45%) sugere condição de estresse para a população microbiana em decorrência da redução da cobertura vegetal nativa, resultante das ações antrópicas, refletindo diretamente na reserva de substrato orgânico e sugerem proporções mais baixas matéria orgânica do solo estável (SOUSA et al. 2015; NUNES et al., 2022). 3.3 Atividade enzimática do solo De modo geral, os maiores níveis de atividade para todas as enzimas avaliadas foram presentes em V1 (Tabela 3). As atividades da β-glicosidase, desidrogenase, fosfatase ácida, urease e arilsulfatase, enzimas catalisadoras envolvidas nas transformações biogeoquímicas de C, P, N e S (ARAÚJO et al., 2019), apresentaram tendência de diminuição na seguinte ordem: V1 > V2 > V3 > V4. O mesmo comportamento foi observado para FDA, medida específica da atividade hidrolítica (lípases, proteases e esterases) e indicador da atividade enzimática total do solo (ELBL et al., 2019). Tabela 2. Atividade enzimática da camada superficial de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Variáveis V1 V2 V3 V4 FDA(¹) 69,28 ± 2,35 A 52,08 ± 3,97 B 51,79 ± 3,01 B 27,05 ± 1,49 C Desidrogenase(²) 270,73 ± 6,38 A 170,25 ± 5,46 B 170,54 ± 2,63 B 70,02 ± 2,29 C β-glicosidase(³) 606,88 ± 3,91 A 493,43 ± 5,82 B 429,67 ± 7,62 C 164,44 ± 5,34 D Fosfatase ácida(³) 775,16 ± 19,39 A 440,13 ± 12,19 B 326,39 ± 5,96 C 210,56 ± 9,70 D Urease(4) 65,74 ± 1,19 A 52,08 ± 6,66 B 47,07 ± 5,53 B 35,35 ± 3,22 C Arilsulfatase(3) 51,27 ± 1,45 A 37,70 ± 2,15 B 28,90 ± 0,70 C 16,48 ± 0,96 D FDA: hidrólise do diacetato de fluoresceína. (1)μg de fluoresceína g-1 h-1; (2)µg TFFg -1 h-1; (3)μg p-nitrofenol g- 1 h-1; (4)μg de N-NH4 g-1 h-1. Letras maiúsculas diferentes na mesma linha correspondem a diferenças significativas teste de Tukey a p < 0,05. Na atividade da desidrogenase, os maiores valores encontrados foram de 270,73 ± 6,38 µg TFFg-1 h-1 em V1. Para V4 os valores obtidos foram quase quatro vezes menores (70,02 ± 2,29 µg TFFg-1 h-1), representando uma redução de ~74%, bem como, reduções de ~73% para β-glicosidase e fosfatase ácida quando comparados V1 e V4. Esse cenário confirma a redução da atividade microbiana e potencial processo de mineralização do solo 30 (ELBL et al., 2019), além da possível condição de estresse microbiano a partir da avaliação dos dados de qCO2 no ambiente V4, que indicam a influência negativa da concentração urbana sob a qualidade do solo. No ecossistema de veredas, a estabilidade do estoque de carbono no solo é severamente afetada pela drenagem e consequente exposição do solo a elevados potenciais de oxirredução, que podem potencializar a emissão de gases do efeito estufa (MOREIRA et al., 2021). As veredas V2 e V3 apresentaram valores similares para a atividade de FDA (~52 μg de fluoresceína g-1 h-1), desidrogenase (~170 µg TFFg -1 h-1) e urease (52,08±6,66 e 47,07±5,53 μg de N-NH4 g-1 h-1, respectivamente) e com diferenças significativas na atividade da β-glicosidase, fosfatase ácida e arilsulfatase, com menores níveis de atividade em V3. Em V2, a atividade dessas enzimas foi limitada possivelmente em função da reduzida incorporação de matéria orgânica no solo que, por consequência, afetou a comunidade microbiana. O uso e ocupação do solo para agricultura e o desmatamento são os principais fatores responsáveis pela exploração das comunidades de plantas nesse ecossistema, que alteram e levam ao desaparecimento das formações vegetais nativas (NUNEs et al., 2022). Em V3, a retirada da vegetação e o aterramento para construção da rodovia que atravessa a vereda funcionaram como impedimento ao regime de vazão da nascente e/ou curso de água, permitindo a saturação do solo por água por maior tempo, o que pode ter favorecido à formação de compostos intermediários que tornaram esse ambiente desfavorável à atividade microbiana (HORÁK-TERRA et al., 2022a). Por estar em um ambiente com vegetação nativa e sem intervenção antrópica, a vereda V1 provavelmente é um ambiente que apresenta maior acúmulo e diversidade de resíduos vegetais, os quais são incorporados nas camadas superficiais do solo, contribuindo para maior disponibilidade de substratos para biomassa microbiana (NUNES et al., 2022). Isso corrobora com os resultados de maior C nas frações e qualidade da matéria orgânica, assim como, maior qualidade da biomassa e respiração microbiana. Moreira et al. (2021) observaram que de diferentes fitofisionomias existentes no bioma Cerrado (vereda, cerrado sensu stricto e mata seca semidecídua), a vereda apresentou os maiores valores para respiração microbiana, atividade enzimática (β- glicosidase, fosfatase ácida, urease e FDA) e biomassa microbiana, os quais foram influenciados pelo maior teor de matéria orgânica e potencial equilibrado de oxirredução naquele ambiente. A atividade da enzima β-glicosidase, por exemplo, está relacionada ao ciclo do carbono e está diretamente relacionada à quantidade e qualidade da matéria 31 orgânica do solo (ALMEIDA; NAVES; MOTA, 2015). Portanto, em solos preservados e com alta quantidade dos resíduos orgânicos, maior quantidade de açúcares simples é incorporada e disponibilizada para a população microbiana (MOREIRA et al., 2021). 3.4 Análise multivariada Dois componentes principais foram obtidos da PCA, que correspondem a 94,6% da variância total do conjunto de dados, que expressam a relação entre os atributos avaliados e as estados de conservação das veredas. O primeiro componente (CP1) explicou 82,3% da variância dos dados, a partir da contribuição da maioria dos atributos químicos e microbiológicos, com contribuição negativa de qMic e índice de grau de humificação (GRAU_HUM) (Figura 2b). Por outro lado, o segundo componente (CP2) explicou 12,3% da variância pela alta contribuição especialmente dos atributos qCO2, a relação CHUM/(CAH+CAF) indicativo de estabilidade estrutural (EE) e o GRAU_HUM (Figura 2c). Na Figura 2a observa-se que V1 foi o ambiente que mais se relacionou com os atributos do CP1, ou seja, com a maior atividade microbiológica (respiração e atividade enzimática) e aos teores de C no solo e nas frações da matéria orgânica. Isso é um indicativo de que áreas de veredas com vegetação conservada, de fato, contribuem para maior entrada do material orgânico e para a atividade da população microbiana. A partir da relação das enzimas FDA e desidrogenase com RBS no CP1, pode-se considerar que são bioindicadores adequados a avaliação da atividade microbiana total em relação ao estado do ambiente em solos hidromórficos, igualmente consideradas por Komilis; Evangelou e Voudrias (2011), Sousa et al. (2015) e Elbl et al. (2019). Bem como, a relação positiva da atividade das enzimas arilsulfatase e β-glicosidase com a concentração de COT no solo (ROCHA et al., 2022). Destaca-se ainda, que a alta proporção de contribuição de todas as enzimas avaliadas (arilsulfatase, urease, fosfatase ácida, desidrogenase, β-glicosidase e FDA) no comportamento do CP1 (Figura 2b), é um forte indício da relação direta com o comportamento das frações húmicas da matéria orgânica, do conteúdo de carbono orgânico solo e a eficiência dos microrganismos na utilização dos compostos orgânicos mensurados pelo qMic, indicando um alto potencial de uso na avaliação da qualidade do solo devido sua eficiência e a alta resposta as mudanças que ocorrem no uso do solo das veredas. O posicionamento de V2 também está associado ao CP1, mas em menor proporção. Exibiu maior relação com C-BMS, que pode estar associado à proteção do solo pela 32 vegetação natural na área da amostragem (área de recarga hídrica), assim como, as áreas próximas serem cobertas na maioria do ano por cultivos agrícolas, que podem ter contribuído para a manutenção da biomassa microbiana (SOUSA et al., 2015). Figura 2. Biplot da análise de componentes principais (PCA) dos atributos químicos e microbiológicos da camada superficial dos solos de veredas sob diferentes estados de conservação (a). Proporção da contribuição dos atributos avaliados com as variâncias do primeiro componente – CP1 (b) e segundo componente – CP2 da PCA (c). V1: vereda em unidade de conservação; V2: vereda com uso agrícola no entorno; V3: vereda cortada por estrada; e V4: vereda em área urbana. V4 foi fortemente relacionado com qMic e projetou-se negativamente no CP1. Essa relação mostrou o qMic tende a aumentar com a diminuição das frações de carbono do solo e da matéria orgânica (COT, CAF, CAH, CHUM), bem como as atividades enzimáticas, 33 possibilitando inferir que, ao considerar a média das áreas de vereda avaliadas, o aumento do qMic está associado com redução nas frações de carbono no solo. Em consequência, a menor disponibilidade de carbono em relação a biomassa microbiana, afeta negativamente a atividade enzimática no solo. Könönen et al. (2018) descrevem que as interferências antrópicas no manejo do solo em zonas úmidas modicam as condições bióticas e abióticas para processo de decomposição, resultado de alterações na entrada de material orgânico e nível do lençol freático, e consequentemente, a qualidade do substrato para atividade microbiana. V3 foi relacionada positivamente com os atributos contribuintes do CP2, que evidenciou que a condição de estresse microbiano (elevado qCO2) e sua relação com a estabilidade estrutural e o grau de humificação é resultado do baixo aporte e evolução da matéria orgânica, o que sugere intensa competição dos microrganismos pelo carbono orgânico e, consequentemente, maior estresse, provocado pela condição de estagnação de água, que eleva o consumo de energia e a produção de CO2 pelos microrganismos. De acordo com Horák-Terra et al. (2022a) interferências antrópicas nos ecossistemas de veredas refletem diretamente no conteúdo de matéria orgânica e nas perdas de carbono do solo, e consequentemente, na eficiência metabólica dos microrganismos, corroborando com resultados encontrados neste estudo. 4 CONCLUSÕES As características da matéria orgânica e as atividades mediadas por microrganismos foram afetadas pelas mudanças no uso do solo por atividades agrícolas ou urbanas no entorno das veredas. Dentre as diferentes intervenções antrópicas, o uso do solo para edificações urbanas entorno da vereda, foi o que reduziu expressivamente o teor de carbono orgânico, a biomassa microbiana e a atividade das enzimas desidrogenase, β-glicosidase e fosfatase ácida. Em geral, os atributos avaliados mostraram-se eficientes em atestar as modificações nas características da matéria orgânica e na qualidade biológica nos solos das veredas. Em destaque, a avaliação da atividade das enzimas do solo (arilsulfatase, urease, fosfatase ácida, desidrogenase, β-glicosidase e FDA) foi o indicador eficiente e de alta resposta as mudanças no uso do solo das veredas. 34 5 AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e ao Parque Nacional de Brasília (PNB) por nos permitirem utilizar a área de estudo e a Universidade Vila Velha (UVV) pelo auxílio no uso de seus laboratórios para realização de análises. 6 REFERÊNCIAS ALEF, K. Estimation of the hydrolysis of fluorescein diacetate. In: Alef, K.; Nannipieri, P. (Ed.). Methods in applied soil microbiology and biochemistry. New York: Academic, p. 232-233, 1995. ALEF, K.; NANNIPIERI, P. Methods in applied soil microbiology and biochemistry. London: Academic Press, p. 225-227, 1995. ALMEIDA, R. F., NAVES, E. R., MOTA, R. P. Review: Soil quality: Enzymatic activity of soil β-glucosidase. 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Por meio da análise elementar, acidez total, de dados espectroscópicos (IF, UV-Vis, FTIR e 13C RMN) foram caracterizados os AH da camada superficial de quatro perfis de solos pertencentes a veredas do Brasil central, situadas em área conservada (V1 – vereda em unidade de conservação) e antropizadas (V2 – vereda com uso agrícola no entorno; V3 – vereda cortada por estrada; V4 – vereda em área urbana). A análise das características estruturais revelou diferenças entre os AH avaliados. Os AH-V1 apresentaram maiores teores de C e razão C/N, indicando maior estabilidade biológica. A razão H/C mostrou para os AHs dos Organossolos de V1, V2 e V3 maior proporção C em grupos aromáticos, e para o Neossolo de V4, maior presença de C em grupos alifáticos. Dentre os grupamentos funcionais ácidos os diferentes AH apresentaram maior quantidade de grupamentos fenólicos em relação a grupamentos carboxílicos. Foram observados valores elevados da relação E4/E6 para AH- V4, compatível com sua menor complexidade química revelada pelos espectros de IF e FTIR. A ressonância magnética nuclear (13C RMN) mostrou para os AH isolados de V1, V2 e V3 estruturas mais recalcitrante e contribuição geral do carbono hidrofóbico, enquanto AH-V4 maior labilidade e maior contribuição de carbono hidrofílico. Os AH oriundos do solo da vereda pertencente ao ambiente conservado (V1) apresentaram maior evolução química do que aqueles de ambientes antropizados (V2, V3 e V4). Dentre as diferentes intervenções antrópicas no entorno das veredas, o uso do solo para edificações urbanas (V4) foi que exibiu AH menos evoluídos. Palavras-chave: Espectroscopia. Substâncias húmicas. Mudança de uso do solo. Zonas húmidas tropicais. 39 ABSTRACT The evaluation of the quality and changes in chemical/structural composition of humic acids (HA) reflects genesis conditions and soil management. Through elemental analysis, total acidity and spectroscopic data (IF, UV-Vis, FTIR and 13C NMR) the HA of surface layer of four soil profiles belonging to veredas from central Brazil were characterized, located in conserved (V1 – vereda in a conservation unit); and anthropized (V2 – vereda surrounded by agricultural activities; V3 – vereda cut by a road; V4 – vereda in urban area) conditions. The analysis of structural traits revealed some differences between the AH evaluated. The HA-V1 showed higher C contents and C/N ratio, indicating greater biological stability. The H/C ratio showed a higher proportion of C in aromatic groups for HAs from Organosols of V1, V2 and V3, and for Neosol from V4, a greater presence of C in aliphatic groups. Among the acidic functional groups, the different HAs showed a higher amount of phenolic groups in relation to carboxylic groups. High values of E4/E6 ratio were observed for AH-V4, compatible with its lower chemical complexity revealed by the IF and FTIR spectra. Nuclear magnetic resonance (13C NMR) showed for AH isolated from V1, V2 and V3 structures more recalcitrant and general contribution of hydrophobic carbon, while AH-V4 greater lability and greater contribution of hydrophilic carbon. HA from the soil of the vereda belonging to the conserved environment (V1) showed greater chemical evolution than those from anthropized environments (V2, V3 and V4). Among the different anthropic interventions around the veredas, land use for urban constructions (V4) was the one that exhibited less evolved HA. Keywords: Spectroscopy. Humic substances. Land use change. Tropical wetlands. 40 1 INTRODUÇÃO As veredas são ecossistemas tropicais úmidos associados a solos hidromórficos influenciados pela flutuação sazonal do lençol freático, constituindo-se em ambientes de oxirredução e de grande aporte de matéria orgânica (ROSOLEN et al., 2015). Reservas significativas de carbono orgânico são armazenados em solos de zonas úmidas, onde 60- 85% da matéria orgânica consistem em substâncias húmicas (SIRE; KLAVINS, 2010). As substâncias húmicas (SH) formam a maior parte do componente orgânico do solo, turfa e águas naturais e originam-se de plantas e tecidos animais através da transformação química, bem como, da degradação biológica por microrganismos, resultando em estruturas químicas complexas que são mais estáveis do que o material original (CANELLAS et al., 2002). A matéria orgânica humificada do solo é composta por diferentes frações e de acordo com sua solubilidade são classificadas como: ácidos húmicos (AH) solúvel em meio básico e insolúvel em meio fortemente ácido; ácidos fúlvicos (AF) solúvel em meio ácido ou básico; e as huminas (HU) fração residual insolúvel em qualquer valor de pH (STEVENSON, 1994). Estas substâncias fazem parte de um sistema supramolecular extremamente heterogêneo, sendo diferenciadas de acordo com as variações na sua composição química, acidez, grau de hidrofobicidade, e associações de moléculas (ROSA et al., 2017). Entre as frações humificadas (AF e AH), os AH apresentam maior estabilidade da matéria orgânica e são responsáveis pela fixação de carbono orgânico no solo (CANELLAS et al., 2002). Os AH possuem compostos por associações, predominando compostos hidrofóbicos (cadeias polimetilenicas, ácidos graxos, esteroides) estabilizados em pH neutro por forças hidrofóbicas dispersivas (DOBBSS et al., 2009). A composição química, tamanho molecular, estrutura e grupos funcionais dos AH são diferentes dependendo da origem e de seu modo de gênese (ENEV et al., 2014). Estudos capazes de avaliar as características estruturais da matéria orgânica humificada, como AH, são fundamentais para entender a sustentação dos diferentes ecossistemas, e sua participação na ciclagem do solo, disponibilidade de nutrientes e sequestro de carbono (NOBILI; BRAVO; CHEN, 2020; NOVOTNY et al., 2020; TADINI et al., 2021). Os AH são compostos estáveis, ou seja, de difícil degradação e exercem influência sobre os atributos químicos, físicos e biológicos do solo (BALDOTTO; BALDOTTO, 2014). Constituindo, portanto, um indicador natural do processo de 41 humificação e que reflete tanto a condição de gênese como a de manejo do solo (SOUZA et al., 2020). No processo de humificação ocorre a estabilização do carbono no solo, e isso incide da adição de compostos mais estáveis com alta energia de fluorescência, por exemplo, cadeias aromáticas (como grupos quinona), ou pela preservação de compostos mais resistentes à degradação química, gerando grupos quimicamente estáveis (SENESI et al., 2016). Devido intervenções humanas nas áreas de veredas, como o aumento de áreas agrícolas, retirada de água, construção de canais e barragens, supressão da vegetação, e aumento de infraestruturas como a expansão da urbanização, têm contribuído para descaracterização e perdas desse ecossistema (ROSOLEN et al., 2015; BRASIL et al., 2021). Além disso, as mudanças climáticas e incêndios têm sido uma grande ameaça no processo de degradação das veredas (NUNES et al., 2022). De acordo com Dodla, Wang e Cook (2012) o clima e meio ambiente, uso da terra e a composição da vegetação são fatores importantes no controle da formação dos AH. Técnicas químicas e espectroscópicas vêm sendo empregadas na caracterização e identificação dos diferentes materiais húmicos, que auxiliam na avaliação das mudanças estruturais e no grau de evolução química (ENEV et al., 2014; ZHANG et al., 2020; ARAÚJO et al., 2022). Estas ferramentas são consideradas essenciais para avaliação da qualidade e das transformações na composição química/estrutural das SH e das interações desta com a matriz do solo (PEREIRA et al., 2021). Dentre os diferentes procedimentos espectroscópicos destacam-se: a espectroscopia de fluorescência (465 nm) que está diretamente relacionado com o grau de humificação das SH, avaliado pelo incremento de estruturas conjugadas com ressonância de elétrons, tais como anéis aromáticos e radicais livres do tipo semiquinonas (MILORI et al., 2002); a espectroscopia na região ultravioleta-visível (UV-Vis) empregada pela avaliação da razão E4/E6, que está relacionada à condensação estrutural e a aromaticidade dos AH, podendo ser indicativo do grau de humificação (PEREIRA et al., 2021); a espectroscopia na região do infravermelho (IV) utilizada para caracterizar e fornecendo informações estruturais e funcionais das SH, especialmente de grupos oxigenados, proteínas, polissacarídeos e proporção de grupos aromáticos/alifáticos e hidrofílicos/hidrofóbicos (DOBBSS et al., 2009; DUARTE; FERNÁNDEZ-GETINO; DUARTE, 2013); e o procedimento de espectroscopia de ressonância magnética nuclear do carbono-13 em estado sólido (13C RMN) empregada na análise estrutural de materiais complexos, que envolvem a 42 identificação e quantificação dos diferentes grupos funcionais, tipos de carbono e avaliação da aromaticidade dos AH (ZHANG et al., 2020). O emprego dessas técnicas permite correlacionar à qualidade e o processo de evolução dos materiais húmicos com as características do ambiente que são formados (ENEV et al., 2014). As mudanças no ecossistema de veredas devido as interferências antrópicas tornam estes ambientes mais suscetível aos processos de degradação da matéria orgânica, devido à oxidação e que podem levar a mudanças nas características dos AH (ARAÚJO et al., 2021; HORÁK-TERRA et al., 2022). Deste modo, a hipótese desse estudo é de que diferentes intervenções antrópicas ao ecossistema vereda alteram as características estruturais dos ácidos húmicos de seus solos. Para testar essa hipótese foi proposto o objetivo de caracterizar, por meio de métodos químicos e espectroscópicos, os ácidos húmicos dos horizontes superficiais de quatro perfis de solos pertencentes a veredas do Brasil central, situadas em estados de ambientes conservados e antropizados. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Localização e amostragem do solo As informações detalhadas sobre a localização e as características ambientais das áreas (veredas) avaliadas referentes a este trabalho são apresentadas no item 2.1, Artigo científico I, deste documento. Foram coletadas amostras da camada superficial (0-20 cm) de três perfis de solos de veredas sob diferentes estados de conservação: conservada (V1 – vereda em unidade de conservação); e antropizadas (V2 – vereda com uso agrícola no entorno; V3 – vereda cortada por estrada; e V4 – vereda em área urbana), com auxílio de um trado holandês no entorno de um ponto central dentro do limite das veredas, definidos pela vegetação distinta e próximos as áreas de recarga hídrica. 2.2 Extração e purificação dos ácidos húmicos Amostras de solo (em triplicata) foram secas ao ar e peneiradas (peneira de malha de 2 mm), em seguida, 200 g de solo foram colocados em uma solução de NaOH 0,1 mol L–1 com relação solo:solvente de 1:10 (m:v). Após 30 minutos de agitação, a suspensão descansou por 24 h para permitir a separação da humina (fração insolúvel da matéria orgânica) das substâncias húmicas (SH) por sedimentação. Posteriormente, os AH e AF foram separados com o abaixamento do pH das SH para 1,5 com solução de HCl 6,0 mol L–1, sendo AH o precipitado. A redissolução e a precipitação foram repetidas três vezes. 43 Então, seguindo o protocolo da Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (IHSS) (SWIFT, 1996) para purificação, os AH foram lavados com água destilada (20 minutos de centrifugação a 2000 rpm) até teste negativo com AgNO3. Em seguida, o pH dos AH foi ajustado para 7,0 com 0,1 mol L–1 NaOH e imediatamente transferido para a diálise SpectraPor™ tubulação MWCO 15 e dialisados com água destilada (H2O mili-Q) em frascos de 5 L. A água foi substituída duas vezes ao dia até que a condutividade elétrica fosse igual a 0 µs cm–1. Em seguida, o material dialisado foi seco por liofilização (Liofilizador L101) e armazenado a 4°C. 2.3 Caracterização dos ácidos húmicos 2.3.1 Composição elementar, acidez total, grupamentos COOH e OH fenólicos A determinação da composição elementar (C, H, N e O) foi realizada com analisador elementar automático Perkin Elmer 2400 em amostras de 1,0 mg de AH em triplicata. O teor de O foi determinado por diferença, descontado o teor de cinzas. A acidez total foi determinada conforme Schnitzer e Gupta (1965), em triplicata, onde 50 mg de ácido húmico juntamente com 20 mL de solução de hidróxido de bário [(Ba (OH)2)] 0,125 mol L-1 foram submetidos à agitação por 24 horas, isolada do ar. Em seguida, a suspensão foi filtrada em papel de filtro, o resíduo lavado com água desionizada e a mistura (filtrado+lavado) foi titulada com uma solução padronizada de HCl 0,05 mol L- 1. A titulação foi acompanhada com auxílio de um pHmetro até pH 8,4. Foi realizado o preparo do branco, composto somente por 20 mL de solução de Ba(OH)2 0,125 mol L-1. A acidez total foi calculada empregando-se a Equação (1): (1) Onde: VA1 = volume usado para titulação do Branco; VA2 = volume usado para titulação da amostra; CB = concentração da base (mol/L) (0,05) e mAH = massa de AH em mg (50). A acidez carboxílica (COOH) foi determinada conforme Schnitzer e Gupta (1965), em triplicata, onde 50 mg de ácido húmico juntamente com 50 mL de solução de 0,2 mol L-1 de acetato de cálcio [Ca(CH3COO)2] foram submetidos à agitação por 24 horas. Após esse período, suspensão foi filtrada em papel de filtro e o resíduo lavado com água desionizada, em seguida, a mistura (filtrado + água de lavagem) foi titulada com solução de NaOH 0,100 mol L-1 e variação do pH foi acompanhada com auxílio de um pHmetro, até pH = 9,8. Da mesma maneira, foi realizado o preparo do branco, constituído apenas por 50 mL de solução de Ca(CH3COO)2 0,2 mol L-1. A acidez carboxílica foi calculada empregando-se a Equação (2): 44 (2) Onde: VB1 = volume usado para titulação do Branco; VB2 = volume usado para titulação da amostra; CB = concentração da base (mol/L) (0,2) e mAH = massa de AH em mg (50). A acidez fenólica (OH fenólica) foi obtida por diferença entre acidez total e a acidez carboxílica. 2.3.2 Espectroscopia de fluorescência e coeficiente E4/E6 Utilizou-se tanto para obtenção dos espectros de intensidade emissão de fluorescência (IF) quanto para o coeficiente E4/E6, o preparo das amostras conforme Chen, Senesi e Schnitzer (1977), por meio da solubilização de 2,0 mg de AH em 10,0 mL de solução 0,05 mol L-1 de NaHCO3 com pH= 8 e 24h de refrigeração. A IF foi obtida em um espectrômetro de fluorescência Lumina, Thermo Scientific® com excitação no comprimento de onda 465 nm (na região do azul), com faixa de varredura de 485 a 800 nm, sendo essas condições experimentais para excitação da fluorescência as mesmas indicadas por Milori et al. (2002), com algumas modificações. Para determinar os coeficientes E4/E6 dividiu-se a densidade ótica em 465 nm pela em 665 nm obtidas em espectrofotômetro Cary 5000, UV-vis-NIR, Varian®. 2.3.3 Espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier Para a obtenção dos espectros de infravermelho (FTIR) utilizou-se pastilhas, em triplicata, com 1,0 mg de AH homogeneizados em 100 mg de brometo de potássio (KBr) e realizada a leitura na faixa de varredura entre 400 cm-1 a 4000 cm-1, em um espectrômetro modelo 640-IR, Varian® operando com software Varian Resolution. 2.3.4 Espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear de 13C Os principais grupos de carbono dos ácidos húmicos foram avaliados por ressonância magnética nuclear (13C RMN) obtidos em espectrômetro Magneto Ascend 600, Console Avance III HD, Bruker® operando a 150,9 MHz, rotação de 10 ± 1 KHz, polarização cruzada com rotação no ângulo mágico, tempo de aquisição de 22,5 ms, decaimento de 1,0 s e tempo de contato de 2,0 ms. 2.4 Análises dos dados Todos os dados quantitativos (análises químicas) foram verificados quanto à distribuição normal (Gaussiana) pelos testes de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov Para avaliar as diferenças entre as médias de cada tratamento, das análises químicas foi realizado o teste de médias de Tukey a p < 0,05, no programa estatístico SISVAR (versão 45 5.0) da Universidade Federal de Lavras (FERREIRA, 2011). Os dados qualitativos (análises espectroscópicas), os espectros foram comparados com relação a literatura pertinente. As áreas correspondentes a C alquílicos (13Cδ 0-40) e aromáticos (13Cδ 110- 160) dos espectros de 13C RMN foram somadas para quantificar o conteúdo de C hidrofóbico. Da mesma forma as áreas nos intervalos entre 160-200, 90-110, 60-90 e 40-60 13Cδ, foram usadas para estimar a quantidade de C hidrofílico. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados da análise de composição elementar dos AH e as razões atômicas (C/N, H/C e O/C) encontram-se na Tabela 1. A análise elementar mostrou AH-V1 com maiores teores de C e menores teores de O e N, enquanto, AH-V2 exibiu os maiores teores de O e N, e menores de C e H. Já AH-V4 se diferiu dos demais pelos maiores teores de H, assim como, pelos teores de N similares aos encontrados para AH-V2. De maneira geral, os teores de C, H, N e O foram próximos aos valores para AH para solo turfoso fornecidos pela IHSS (2023). Silva et al. (2009) (Brasil), Ebeling (2010) (Brasil), Yustiawati et al. (2015) (Indonésia), Bispo et al. (2015) (Brasil), Soares et al. (2016) (Brasil), Chukhareva, Sartakov e Korotchenko (2016) (Rússia), Silva Neto et al. (2019) (Brasil), e Soares et al. (2021) (Brasil) estudando Organossolos, encontraram nas camadas superficiais teores médios de C de 28,9 a 66,4%, H de 2,7 a 6,3%, O de 15,1 a 40,7%. Entretanto, os teores de N encontrados nos diferentes AH foram mais elevados do que observados nos estudos citados anteriormente (0,7 a 3,7%) o que conferiu uma baixa razão C/N para os AH independentemente da condição de conservação do ambiente. Tabela 1. Composição elementar (livres de cinzas e de água) e relações atômicas de ácidos húmicos isolados das quatro veredas sob diferentes estados de conservação. AH C H N O C/N H/C O/C % Razão atômica V1 61,23±1,07 A 2,31±0,08 B 6,25±0,26 C 30,22±0,89 D 11,45±0,66 A 0,45±0,01 B 0,37±0,02 D V2 42,00±0,45 D 1,35±0,26 D 8,59±0,16 A 48,05±0,53 A 5,71±0,17 C 0,38±0,07 B 0,86±0,02 A V3 46,63±0,60 C 1,82±0,16 C 7,64±0,17 B 43,91±0,27 B 7,13±0,25 B 0,47±0,05 B 0,71±0,01 B V4 49,74±0,43 B 2,92±0,08 A 8,33±0,11 A 39,01±0,46 C 6,97±0,12 B 0,71±0,02 A 0,59±0,01 C Valores representam as médias mais os menos os desvios padrão. Letras maiúsculas diferentes entre colunas correspondem a diferenças significativas pelo teste de Tukey a p < 0,05. 46 A razão C/N indica o grau de incorporação de nitrogênio na estrutura húmica e também pode informar sobre o grau de humificação, onde menores relações C/N indicam maior grau de humificação (CUNHA; MADARI; BENITES, 2007). A razão C/N nos AH- V1 encontra-se dentro da faixa que indica estabilidade biológica (10 – 12), que sugere baixa mineralização secundária da matéria orgânica (nitrogênio presente nas cadeias alifáticas de moléculas orgânicas utilizado no metabolismo dos microrganismos) (STEVENSON, 1994). Entretanto, os AH oriundos de veredas antropizadas (V2, V3 e V4) encontram-se abaixo da faixa sugerida, indicando que o processo de mineralização secundária é maior, sugerindo baixa resistência destes AH a este processo. A razão atômica H/C é considerada um parâmetro de aromaticidade dos AH, quanto menor a razão (< 1,0) indica alta aromaticidade e/ou condensação dos anéis aromáticos (PEREIRA et al., 2021). No presente estudo esta razão variou de 0,38 a 0,71, indicando maior proporção C em grupos aromáticos, especialmente, nos AH isolados dos Organossolos de V1 e V2. De acordo com Silva et al. (2009) em razão da menor taxa de decomposição da matéria orgânica proporcionada pelas condições de anaerobiose nos Organossolos, podem favorecer maiores quantidades de estruturas aromáticas. Nas características estruturais dos AH-V4 isolados de Neossolo Flúvico, obtiveram valores mais elevados na relação H/C, indicando para este, maior presença de C em grupos alifáticos. Com relação à razão atômica O/C, esta reflete o conteúdo relativo de grupos contendo oxigênio nos AH e valores superiores a 0,5 indicam maior quantidade de grupos funcionais oxigenados, como COOH e carboidratos (ZHANG et al., 2020). O conteúdo de grupos contendo O foi maior em AH-V2, seguido de AH-V3 e AH-V4. Para AH-V1, diante do menor conteúdo de O e menor valor de O/C (0,37), sugere-se a menor quantidade de grupos funcionais oxigenados. Na Tabela 2 observa-se que dentre os grupamentos funcionais ácidos há uma maior quantidade de grupamentos fenólicos em relação a grupamentos carboxílicos nos AH das diferentes veredas. Para AH-V4 nota-se elevada acidez total, sendo representada por aproximadamente 87% de agrupamentos fenólicos. Cunha, Madari e Benites (2007) encontram acidez total de 712 cmolc kg-1 em solos antropogênicos sob cultivo agrícola, sugerindo baixo grau de evolução de AH em solos perturbados. Logo, o conteúdo de grupos carboxílicos foram maiores para os AH-V1, exibindo menor acidez total em 47 comparação aos solos de veredas antropizadas, o que sugere menor número de moles de H+ e maior evolução química para os AH-V1. Tabela 2. Acidez total, carboxílica e fenólica, relação E4/E6 de ácidos húmicos isolados das quatro veredas com diferentes estados de conservação. Grupos funcionais ácidos Razão AH Acidez total COOH OH fenólico E4/E6 cmolc kg-1 V1 481,67±68,54 C 247,47±9,29 A 234,20±73,20 C 3,50±0,01 B V2 755,00±69,26 B 175,47±84,81 B 579,53±15,61 B 2,76±0,04 C V3 749,00±112,20 B 159,20±18,75 C 589,80±127,03 B 3,24±0,03 B V4 899,33±73,50 A 112,67±34,49 D 786,67±96,75 A 4,33±0,05 A Os valores correspondem à média dos tratamentos mais ou menos os desvios padrão. Letras maiúsculas diferentes entre colunas correspondem a diferenças significativas pelo teste de Tukey a p < 0,05. Ainda na Tabela 2, observa-se que a razão E4/E6 variou de 2,67 a 4,33, sendo que AH-V4 exibiu maior valor dessa relação e uma baixa relação foi observada em AH-V1, AH-V2 e AH-V3, sendo menor em AH-V2. A baixa razão E4/E6 indica massa molecular mais elevada e a maior presença de estruturas aromáticas em comparação com as alifáticas, consequentemente, maior grau de humificação (ARAÚJO et al., 2021). De acordo com Pereira et al. (2021) existe relação direta entre os valores da razão E4/E6 e os valores da relação atômica H/C, uma vez que um grau elevado de alifaticidade conferem valores maiores para H/C. Esta relação foi observada neste estudo, onde as razões E4/E6 e H/C foram significativamente maiores para os AH-V4, indicando maior presença de estruturas alifáticas em relação as aromáticas. Os espectros obtidos com excitação a 465 nm mostraram variações quanto a IF e apresentaram uma banda larga típica com picos de emissões posicionadas entre os comprimentos de onda 520-548 nm (Figura 1). Os valores mais altos de IF ocorreram nos AH-V1 com pico da intensidade máxima de 698,5 u.a, sendo 2,0 vezes maior que os AH- V4 (331,9 u.a). Os AH isolados de V2 e V3 apresentaram IF intermediária, sendo maiores para AH-V2. Milori et al. (2002) explicam que uma alta intensidade de fluorescência está correlacionada com elevada humificação dos AH, já que a excitação região do azul (λexc= 465 nm) é altamente seletiva com estruturas aromáticas mais complexas. 48 Figura 1. Espectro de emissão de fluorescência por excitação a 465 nm de ácidos húmicos (AH) isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Picos de fluorescência em longos comprimentos de onda como observados em AH- V1 e AH-V2, indicam a presença de anéis aromáticos condensados e outros sistemas de ligações insaturados, com alto grau de conjugação com grupos substituintes doadores de elétrons, como grupos carboxílicos e carbonílicos (CUNHA; MADARI; BENITES, 2007; ENEV et al., 2014). Picos de fluorescência em curtos comprimentos de ondas, como verificados nos AH-V4, sugerem estrutura orgânica menos complexa (menor quantidade de anéis aromáticos condensados na sua composição), compatível com os resultados observados nas relações E4/E6 e H/C. Deste modo, avaliando os índices de humificação em conjunto, aponta-se previamente que AH-V1 é o que apresenta o maior grau de humificação, e AH-V4 sendo o menos humificado. A sequência mais provável de humificação seria então: AH-V1 > AH-V2 > AH-V3 > AH-V4, ou seja, o solo de vereda com vegetação nativa conservada tem AH mais humificados do que os solos de veredas com interferências antrópicas em seus arredores. Da mesma maneira, Araújo et al. (2021) verificaram no estudo em Latossolos no bioma Cerrado, maior grau de humificação para AH isolados da camada superficial de solos em área com vegetação conservada do que para aqueles de um ambiente perturbado. Os espectros do FTIR dos AH, em geral, apresentaram assinaturas espectrais semelhantes e picos característicos em determinadas regiões (Figura 2). As identificações de bandas de absorção foram realizadas com base nos estudos de Niemeyer, Chen e Bollag (1992), Stevenson (1994) e Barancikova, Senesi e Brunetti (1997). 49 Figura 2. Espectros na região de infravermelho obtidos com transformada de Fourier (FTIR) de ácidos húmicos (AH) isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Os espectros de FTIR assemelharam-se aos obtidos de AH originados de Organossolos por Mafra et al. (2007), Ebeling (2010), Klavins e Purmalis (2013), Souza et al. (2020), e Landim (2022). Nos AH das diferentes áreas de veredas foram verificadas oito bandas bem definidas e comuns a todos: uma intensa e larga banda de absorção centrada em 3.440 (variando de 3.480 a 3.440 cm-¹), atribuída ao estiramento de O–H de grupos fenóis, álcool e/ou ácido carboxílico, secundariamente, ao estiramento de N–H de amidas e aminas; uma banda de absorção menos visível centrada em 2.920 e 2840 cm-1 devido ao estiramento simétrico de ligações C–H (−CH2 e −CH3 alifáticos); uma banda de absorção intensa e larga com centro em 1.650 cm-1 (variando entre 1.660 cm-1 e 1.640 cm- 1), associadas ao estiramento de C=C de anéis aromáticos, banda de Amida II e quinonas; uma banda intensa em torno de 1.440–1.400 cm−1 atribuída à deformação O−H e C−H (−CH2; −CH3 alifático); uma banda de absorção centrada em 1.120 cm-1 correspondente ao estiramento de C−O de álcoois secundários e/ou éteres; uma banda aguda com centro em 1.040 cm-1 devida a estiramentos C−O em polissacarídeos, álcoois alifáticos, e C–O–C de 50 ésteres e, por fim, a banda entre 800 e 900 cm−1 que pode ser atribuídas a deformações de C−H em grupos aromáticos e de impurezas inorgânicas e organometálicas. Dessa maneira, nota-se similaridade na funcionalidade dos espectros dos AH independente da origem e indicam a presença de grupos funcionais essenciais em sua estrutura química, residindo as principais diferenças apenas na maior intensidade da banda associada à presença de cadeias aromáticas (1.650 cm-1) para AH-V1 e na região de impressão digital (entre 1.300 e 900 cm-1) que mostra maior intensidade na banda 1.040 cm-1 relacionada ao C−O em polissacarídeos e álcoois alifáticos para os AH isolados de V2, V3 e V4, indicando que há efeito do tipo de solo e/ou da vegetação na assinatura química dos AH, mas não na sua reatividade geral. Segundo Brighenti, Reis e Reis (2010), embora existam diferenças entre os espectros originados de diferentes ambientes, a feição dos espectros de cada substância húmica é bastante similar, ocorrendo variações nas proporções de intensidade e pequenos deslocamentos na frequência de absorção. Nos espectros de 13C RMN (Figura 3) observam-se bandas características em determinadas faixas de deslocamentos químicos (δC) para os AH de todas as veredas. Na Tabela 3, encontram-se os resultados referentes a integração das principais regiões de deslocamento químico dos respectivos espectros, com as intensidades relativas dos grupos: C alquílicos (0-40 ppm); C−N, C metoxil e C−O de carboidratos (40-110 ppm); C aromáticos (110-160 ppm) e; C carboxílicos (160-200 ppm) (STEVENSON, 1994). Os espectros dos AH das diferentes áreas de veredas apresentaram fortes sinais entre 10 e 40 ppm, atribuídos aos grupos CH2 e CH3 nas cadeias biopoliméricas de estruturas de difícil decomposição (CANELLAS et al., 2008). Esses espectros mostram sinal de maior intensidade em 32 e 35 ppm (atribuídos ao C metileno) para AH-V1, AH- V2 e AH-V3, indicando estrutura mais recalcitrante e com maiores conteúdos de estruturas associadas à lignina e C alquílicos de cadeia longa, provavelmente, provenientes de restos vegetais, principalmente de estruturas rígidas e hidrofóbicas como suberinas, comuns em palmáceas de ambientes úmidos (DODLA; WANG; COOK, 2012). Acredita-se que o C metileno surjam da recalcitrância e acúmulo de ceras, lipídios, cutina e polímeros de suberina das plantas, que tendem a acumular no solo com a humificação, devido à sua hidrofobicidade e forte associação com a fração mineral do solo (DUARTE; FERNÁNDEZ-GETINO; DUARTE, 2013). 51 Figura 3. Espectros de 13C RMN de ácidos húmicos (AH) isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Na região de 40-110 ppm são detectados os C alifáticos oxigenados, que pertencem aos fragmentos de celulose e hemicelulose (carbono lábil) (SOUZA et al., 2020). Esses espectros foram significativamente mais expressivos em AH-V4, com sinais intensos em aproximadamente 60 ppm (atribuídos a agrupamentos de O−CH3, metoxila e/ou C protéico) e outro em 73 ppm (atribuídos a polissacarídeos, O−alquila e di−O−alquila da celulose). Essa observação está de acordo com os resultados observados nas relação E4/E6 e H/C e nos espectros de FTIR, que sugerem maior presença de estruturas alifáticas em seus AH. V4 por ser uma área que está sob alta influência antrópica e exibir solo formado predominantemente por compostos inorgânicos (solo mineral), apresentou alto potencial de perdas por oxidação (mineralização) do material orgânico, o que de fato, pode ser associada a maior proporção de estruturas lábeis (NOVOTNY et al., 2009). Já na área correspondente à absorção de C aromáticos (entre 110 e 160 ppm), notou-se maior diversidade de sinais, ou seja, maior quantidade de sistemas aromáticos nos AH-V1 e AH-V2, que foram atenuados em AH-V3 e AH-V4. As amostras de AH-V1 de AH-V2 apresentaram um sinal característico proeminente em 132 ppm (atribuídos a C aromático e C substituído), que conjuntamente com os sinais pronunciados visto em 33 e 52 35 ppm, estão associados à degradação dos anéis aromáticos da lignina (KLAVINS; PURMALIS, 2013). Dessa maneira, observa-se um acúmulo relativo de estruturas mais recalcitrante com grupos aromáticos e alquilas hidrofóbicas, porém com alto grau de aromaticidade. Souza et al. (2020) obtiveram resultados similares para solo orgânico, com predomínio das estruturas predominantemente apolares de característica hidrofóbica (C alquílicos e C aromáticos). A área dos espectros correspondentes a C carboxílico (160-200 ppm) é dominada por um pico em aproximadamente 173 ppm em AH-V4 e AH-V2, com sinal mais intenso para AH-V4, que sugere-se alto teor de grupos carboxila, ésteres, amidas e polipeptídeos (DUARTE; FERNÁNDEZ-GETINO; DUARTE, 2013). Deste modo, os AH-V4 aprentam características alifáticas e oxigenadas, com predomínio de estruturas de C alifáticos e carboxilícos, sugerindo propriedades de caráter hidrofílico, conforme observado na Tabela 3. Em AH-V2 apesar de apresentar predomínio de estruturas hidrofóbicas, contém participação de C carboxílicos em sua estrutura, atribuindo-lhe a capacidade de interagir com cátions (SOUZA et al., 2020). Tabela 3. Distribuição de carbono (%) nas regiões destinadas a diferentes deslocamentos químicos dos espectros de 13C RMN dos AH isolados de solos de veredas sob diferentes estados de conservação. Origem dos AH Deslocamentos químicos (ppm) GA(¹) HB(²) HI(³) HB/HI 160-200 110-160 40-110 0-40 V1 10 19 34 37 21 56 44 1,27 V2 17 23 31 29 28 52 48 1,08 V3 8 10 37 45 11 55 45 1,22 V4 16 18 40 26 21 44 56 0,79 (¹)GA (grau de aromaticidade) = [(110-160) / (0-160) * 100]; (²)HB (C hidrofóbico) = [(110-160) + (0-40)]; (³)HI (C hidrofílico) = [(160-200) + (40-110)]. De maneira geral, os AH isolados de V1, V2 e V3 (Organossolos) apresentaram estruturas mais recalcitrante e devido alta abundância de C alquílico e C aromático que indicam uma contribuição geral do carbono hidrofóbico (HB) em suas composições, enquanto AH-V4 oriundo de solo mineral (Neossolo), com maior labilidade e menor quantidade de C alquílico e um dos menores conteúdos de C aromáticos indicam maior contribuição de carbono hidrofilico (HI) (Tabela 3). O que conferiu grau de aromaticidade (GA) na ordem: AH-V2 > AH-V1 > AH-V4 > AH-V3. Essas mudanças ocorridas nas composições dos AH também refletiram no índice de hidrofobicidade (HB/HI), que foi menor para nos AH oriundos de veredas com intervenções antrópicas, sendo significativamente reduzido em AH-V4. A hidrofobicidade 53 do AH-V1 mostrou-se compatível com as estados de ambiente equilibrado, sugerindo que o conteúdo de C aromático contribui para a associação hidrofóbica de suas moléculas húmicas em solução. 4 CONCLUSÕES As análises químicas e espectroscópicas realizadas em amostras de AH isolados de solos coletados superficialmente em áreas de veredas sob diferentes estados de conservação permitiram aceitar a hipótese previamente delimitada, ou seja, diferentes intervenções antrópicas alteraram as características estruturais dos AH. A partir dos resultados as principais conclusões que puderam ser obtidas foram: i) AH oriundos do solo da vereda pertencente ao ambiente conservado (não alterado) - V1, apresentaram maior evolução química (grau de humificação) do que aqueles de ambientes antropizados (V2, V3 e V4). ii) Dentre as diferentes intervenções antrópicas no entorno das veredas, o uso do solo para edificações urbanas (V4) foi que exibiu AH com características mais alifáticas, o que demonstra a presença de compostos menos evoluídos em relação aos diferentes usos do solo no entorno ou sob as veredas. 5 AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e ao Parque Nacional de Brasília (PNB) por nos permitirem utilizar a área de estudo e a Universidade de Brasília (UnB) pelo auxílio no uso de seus laboratórios para realização das análises. 6 REFERÊNCIAS ARAÚJO, K. V. et al. 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