0 UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas Bruno Vinícius da Silva Souza CONHECIMENTO E GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO ESPINHAÇO: ALTO JEQUITINHONHA – SERRA DO CABRAL Diamantina 2021 1 Bruno Vinícius da Silva Souza CONHECIMENTO E GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO ESPINHAÇO: ALTO JEQUITINHONHA – SERRA DO CABRAL Minuta de defesa apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Humanas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Fagundes Diamantina 2021  Catalogação na fonte - Sisbi/UFVJM S729p 2022 Souza, Bruno Vinícius da Silva Conhecimento e Gestão Do Patrimônio Arqueológico em Unidades de Conservação do Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço: Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral [manuscrito] / Bruno Vinícius da Silva Souza. -- Diamantina, 2022. 55 p. : il. Orientador: Prof. Marcelo Fagundes. Dissertação (Mestrado Profissional em Ciências Humanas) -- Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas, Diamantina, 2021. 1. Área protegida. 2. Arqueologia da paisagem. 3. Gestão territorial. 4. Patrimônio arquelógico. I. Fagundes, Marcelo. II. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. III. Título. Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da UFVJM com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Bibliotecário Rodrigo Martins Cruz / CRB6-2886 Técnico em T.I. Thales Francisco Mota Carvalho MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI BRUNO VINÍCIUS DA SILVA SOUZA Conhecimento e Gestão do Patrimônio Arqueológico em Unidades de Conservação do Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço: Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, nível de Mestrado /Doutorado, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre(a) em Ciências Humanas Orientador: Prof. Marcelo Fagundes Data de aprovação 29/10/2021 Prof. Marcelo Fagundes (UFVJM) Profa. Vitória Azevedo da Fonseca (UFVJM) Profa. Letícia Carolina Teixeira Pádua (UFVJM) Documento assinado eletronicamente por Marcelo Fagundes, Servidor, em 18/11/2021, às 17:39, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. Documento assinado eletronicamente por Vitoria Azevedo Da Fonseca, Servidor, em 19/11/2021, às 14:06, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. Documento assinado eletronicamente por Leticia Carolina Teixeira Padua, Servidor, em 19/11/2021, às 15:57, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. UPNzLWdyYWR1YefjbzogRm9saGEgZGUgYXByb3Zh5+NvIFBQR0NIIDA1MjM0Nzc= SEI 23086.013298/2021-53 / pg. 1 A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.ufvjm.edu.br/sei/controlador_externo.php? acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0523477 e o código CRC 8EEF870B. Referência: Processo nº 23086.013298/2021-53 SEI nº 0523477 UPNzLWdyYWR1YefjbzogRm9saGEgZGUgYXByb3Zh5+NvIFBQR0NIIDA1MjM0Nzc= SEI 23086.013298/2021-53 / pg. 2 3 AGRADECIMENTOS Reconheço aqui o apoio de pessoas que foram fundamentais para o desenvolvimento desse projeto de pesquisa. Gratidão pelo apoio incondicional da minha família... Mãe, irmãs e irmão. Agradeço ao Professor Marcelo, que presenciou esse processo, desde o início, com gigantesca paciência e atenção. Agradeço às amigas e amigos, de vida, de trabalho, das caminhadas nos campos, que apoiaram e estimularam voltar à academia e experimentar estudos nas ciências humanas e arqueologia. Agradeço também as professoras, professores da UFVJM que contribuíram nessa caminhada. 4 Aqui nesta região do mundo, que a memória mais recente instituiu que se chama América, aqui nesta parte mais restrita, que nós chamamos de Brasil, muito antes de ser “América” e muito antes de ter um carimbo de fronteiras que separa os países vizinhos e distantes, nossas famílias grandes já viviam aqui. Essas nossas famílias grandes, que já viviam aqui, são essa gente que hoje é reconhecida como tribos. As nossas tribos. Muito mais do que somos hoje, porque nós tínhamos muitas etnias, muitos grupos com culturas diversas, com territórios distintos. (KRENAK, 1994). 5 RESUMO A Serra do Espinhaço se estende entre os estados de Minas Gerais e Bahia e é considerada área prioritária para a conservação da sociobiodiversidade. Apresenta considerável riqueza de espécies, algumas das quais só ocorrem nesses ecossistemas, que são, portanto, considerados insubstituíveis. Esse território é também caracterizado por ocupação e uso históricos. Evidências dessas ocupações são facilmente encontradas em sítios arqueológicos pela serra, como grafismos rupestres, artefatos líticos e construções históricas. Devido a esses aspectos socioambientais, algumas iniciativas foram implementadas com objetivo de promover a conservação ambiental e preservação histórico-cultural. Um desses instrumentos de gestão territorial é a criação de Áreas Protegidas. No Espinhaço Meridional existem, atualmente, mais de quinze Unidades de Conservação municipais, estaduais e federais, que fazem parte do Mosaico de Unidades de Conservação do Espinhaço: Alto Jequitinhonha - Serra do Cabral. Esta pesquisa tem o objetivo de avaliar os planos de manejo dos Parques do Mosaico do Espinhaço a fim de analisar o conteúdo relacionado ao conhecimento e gestão do patrimônio arqueológico localizado nessas áreas. As análises realizadas permitiram obter um panorama sobre a gestão do patrimônio arqueológico e apontam para a necessidade de realização de novos estudos. Além disso, foi possível identificar lacunas de informação e produzir a primeira ferramenta de apoio aos gestores para a efetiva e adequada tomada de decisão na gestão desses bens culturais. Por fim, espera-se que estes resultados e produto sejam um catalisador capaz de fortalecer a prática da gestão desses sítios arqueológicos. Palavras-chave: Gestão socioambiental. Unidades de Conservação. Arqueologia da paisagem. 6 ABSTRACT The Espinhaço Mountains, which runs through the states of Minas Gerais to Bahia, is considered a priority area for socio-biodiversity conservation. It presents notable biodiversity, with some species that only occur in those ecosystems, therefore considered irreplaceable. This territory is also characterized by historical occupation and use. Evidence of such occupation is easily found in archeological sites across the mountains, such as rock art, lithic artifacts, and historical buildings. Due to these socio-environmental aspects, some initiatives were implemented aiming to promote environmental conservation and cultural-historical preservation. The creation of Protected Areas is one of these instruments of territorial management. Espinhaço Meridional has more than fifteen Conservation Units under municipal, state and federal administration, which are part of the Mosaic of Conservation Units of Espinhaço: Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral. This research aims to evaluate the management plans of the Espinhaço Mosaic Parks in order to analyze the content related to the knowledge and management of the archaeological heritage located in such areas. The analyses carried out allowed us to obtain an overview of the archaeological heritage management, also demonstrating the need for further studies. In addition, it was possible to identify information gaps and produce the first support tool for effective and adequate decision-making in the management of these cultural assets. Finally, we expect these results and final product to be a catalyst which will strengthen the management practices of these archaeological sites. Keywords: Social Environmental Management. Landscape archeology. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Sítio Arqueológico Lapa da Sentinela no Parque Estadual do Biribiri 13 Figura 2 – Sítio Arqueológico Lapa dos Peixes– Parque Estadual da Serra do Cabral 13 Figura 3 – Sítio Arqueológico Parque Estadual do Rio Preto 14 Figura 4 – Sítio Arqueológico Morro Redondo: Parque Nacional das Sempre-Vivas 14 Figura 5 – Registro de cotidiano de apanhador de flores sempre-vivas 16 Figura 6 – Registro de cotidiano de apanhador de flores sempre-vivas 16 Figura 7 – Mapa do Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço – Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral 21 Figura 8 – Exemplo de listagem contidas nos Planos de Manejo elaborados em 2004 28 Figura 9 – Exemplo de tabela com avaliação de conservação 29 Quadro 1 – Iniciativas de gestão territorial no Espinhaço Meridional 19 Tabela 1 – Dados gerais das Unidades de Conservação 27 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AP Áreas Protegidas FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IEF Instituto Estadual de Florestas IEPHA Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IUCN União Internacional para a Conservação da Natureza PNAP Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas RBSE Reserva da Biosfera do Espinhaço SIPAM Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação UC Unidades de Conservação UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 9 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 10 INTRODUÇÃO 15 1 GESTÃO TERRITORIAL: OS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DA NATUREZA E DA PAISAGEM 20 2 O PROBLEMA: CONHECIMENTO E GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO 24 2.1 Objetivos da pesquisa 25 2.1.1 Objetivo geral 25 2.1.2 Objetivos específicos 25 2.2 Metodologia 25 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 27 4 OUTROS OLHARES E CONTINUIDADES 34 REFERÊNCIAS 35 APÊNDICES 39 10 APRESENTAÇÃO Os quintais foram meus primeiros laboratórios, minhas primeiras vivências nas ciências naturais. Nesses ambientes, desde a infância, me refugiava por horas, enquanto observava os pássaros, insetos, lagartixas, as plantas e suas diversas formas e cores A curiosidade e interesse pelos fenômenos e interações daqueles ambientes eram maiores do que a própria existência dos seres. Interessava-me observar por que determinados pássaros gostavam de se alimentar de algumas frutas e não de outras, ou saber como as pequenas mudas de couve se tornavam grandes, saborosas e verdes. Essa relação com os quintais, construída desde a infância, aliada ao gosto por visitar e conhecer lugares preservados, exuberantes em suas belezas e histórias, foi muito importante para determinar meu caminho de vida e minhas escolhas profissionais. Em 2005, ingressei no curso de Ciências Biológicas, da Universidade Federal de Minas Gerais. Durante a graduação, as relações e transformações que ocorriam nos ambientes continuaram a me chamar a atenção. As Ecologias, a Evolução, a Paleontologia e a Biologia da Conservação foram as disciplinas mais instigantes e valorosas. Interessado pela complexidade das relações, optei por disciplinas que mantinham uma inter-relação dentro das Ciências Naturais. Cursei Fitogeografia e Geomorfologia, do curso de Geografia, e Fotografia da Paisagem, do curso de Belas Artes. Meu caminho profissional, dentro da biologia, estava se definindo, e busquei trabalhar com conservação de áreas naturais. Assim, em 2009, encontrei a oportunidade. por meio de um concurso público de atuar como analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma Autarquia Federal ligada ao Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão de Unidades de Conservação (UC) de todo o Brasil. Iniciei minha experiência e formação prática como gestor no Parque Nacional do Pico da Neblina, localizado na região noroeste do estado do Amazonas, na área conhecida como “Cabeça do Cachorro”. Trata-se de um território ímpar por diversos fatores: ali, no meio de uma exuberante floresta, vivem vinte e três povos indígenas, além dos povos indígenas considerados isolados. Numa paisagem de grandes dimensões, florestas, campinas, afloramentos rochosos, rios e igarapés, vi meu laboratório se expandir significativamente. Morava, à época, em São Gabriel da Cachoeira, a “cidade mais indígena do Brasil”, em um mundo totalmente novo e incrível para mim. Estava trabalhando em um Parque Nacional cujo território encontra-se sobreposto a quatro terras indígenas distintas, sendo a Terra Indígena Yanomami a maior delas. Nesse parque, vivenciei um pouco do fazer a gestão 11 ambiental em Unidade de Conservação, dos conflitos existentes e dos desafios relacionados à implementação de políticas públicas em diversos âmbitos. Porém, o maior aprendizado não estava nos manuais de gestão nem nos cadernos de normativas ambientais. Estava disposto no cotidiano, na relação dos povos com a floresta, nas roças abertas nas matas, nos seus mitos e cosmologias, em suas formas de tomada de decisão e de manejo do espaço. Enxergava ali uma espécie de simbiose entre esses povos e seus ambientes, estruturada e modificada ao longo do tempo. Junto aos Yanomami, foi possível vivenciar e entender um pouco disso, frente minha visão até então ocidental, cientificista e colonizadora. Desenvolvemos juntos um projeto em espeleologia e sua execução deixou evidente a relação, que transcendia os usos físicos, daqueles moradores com seu ambiente. As cavernas são consideradas lugares sagrados, locais de relação com os espíritos da floresta e com o mito da criação do mundo. O projeto, na prática, se tornou uma aula Yanomami a céu aberto. Aliado à experiência com esses povos, diversas eram as trocas e conversas com pesquisadores, sobretudo antropólogas/os, que desenvolviam estudos em São Gabriel. Foi lá que ouvi falar de Eduardo Viveiros de Castro e de sua obra “Inconstância da Alma Selvagem” pela primeira vez, e foi lá também que conheci de forma mais íntima alguns sítios arqueológicos. Na região do Rio Negro, diversos petróglifos se tornam visíveis nas rochas, nos períodos das vazantes dos rios: são desenhos e inscrições feitas em baixo relevo que demonstram antiga ocupação e uso do território. No entanto, o sítio que mais me chamou atenção fazia parte do meu cotidiano. O escritório do Parque estava localizado sobre um sítio repleto de fragmentos de cerâmicas que ficavam expostos a cada temporada de chuvas. Nesse terreno encontramos fragmentos pintados e adornados, além de uma pedra polida, possivelmente vestígio de um machado. Outro laboratório estava aberto, um sítio arqueológico conhecido como Terra Preta de Índio, que me fascinava. Minha vontade de pesquisar aqueles artefatos era enorme: entender como e por quem foram feitos, por que se dispunham daquela maneira, como eram usados e quais eram seus significados. Não houve, porém, essa oportunidade. Depois de alguns anos, quando eu já não estava por lá, o local foi alvo de uma pesquisa em arqueologia desenvolvida pelo Museu Goeldi. Cinco anos após a experiência no Amazonas, iniciei na gestão do Parque Nacional das Sempre-Vivas, localizado na região de Diamantina, em Minas Gerais. Nesse Parque, outros desafios, outros contextos se apresentaram. A semelhança estava novamente na relação histórica e persistente das pessoas com o ambiente: assim como no noroeste amazônico, a região da Serra do Espinhaço Meridional também tem diversos vestígios dessas presenças. 12 Mantinha-se, então, a mesma temática do laboratório no Amazonas: a paisagem historicamente utilizada em um território de grande importância biológica em ambientes legalmente protegidos. Atuando no Parque Nacional das Sempre-Vivas, principalmente com projetos e ações relacionadas à participação social na gestão da UC e na implementação do turismo, denominado institucionalmente como uso público, conheci alguns sítios arqueológicos com grafismos rupestres nas atividades de mapeamento em campo. A partir disso, houve duas constatações principais: • Os sítios arqueológicos que conheci do Parque, até então, não haviam sido alvo de estudos especializados; • Não havia informações, no âmbito do ICMBio, sobre o manejo de sítios arqueológicos. Nesse sentido, em 2019 decidi me aprofundar nessa temática e ingressei no mestrado profissional em Ciências Humanas, mais especificamente na linha de pesquisa da Arqueologia, História e Cultura, com a perspectiva principal de adquirir conhecimento que pudesse favorecer minha prática na gestão dessa paisagem. Cabe informar aqui que, durante minha trajetória institucional junto ao ICMBio, não houve capacitações que se relacionassem ao tema da gestão em arqueologia. Dessa forma, o projeto, desde o início, esteve focado no Conhecimento e Gestão do Patrimônio Arqueológico Pré-Histórico inserido em Unidades de Conservação (Figuras 1, 2 e 3 e 4). 13 Figura 1 – Sítio Arqueológico Lapa da Sentinela no Parque Estadual do Biribiri Fonte: Bruno Vinícius da Silva, 2020. Figura 2 – Sítio Arqueológico Lapa dos Peixes– Parque Estadual da Serra do Cabral Fonte: Bruno Vinícius da Silva, 2019. 14 Figura 3 – Sítio Arqueológico Parque Estadual do Rio Preto Fonte: Bruno Vinícius da Silva, 2019. Figura 4 – Sítio Arqueológico Morro Redondo: Parque Nacional das Sempre-Vivas Fonte Bruno Vinícius da Silva, 2019. 15 INTRODUÇÃO Uma paisagem singular, onde contínuas histórias, usos e significados culturais estão intimamente relacionados aos atributos naturais, às serras, às nascentes, riachos, rios, às formações da vegetação e à diversidade animal: esse é o cenário de desenvolvimento deste projeto, a Serra do Espinhaço. Também conhecida como Cordilheira do Espinhaço, a formação se estende entre Minas Gerais e Bahia e tem altitude média da superfície em torno de 1.200 m, onde predominam afloramentos rochosos de quartzitos. Devido à elevada altitude, a Cordilheira configura-se como divisor de águas das bacias hidrográficas do Rio Doce, Rio São Francisco e do Rio Jequitinhonha (SAADI, 1995; KNAUER, 2007). Esta pesquisa foca em áreas específicas localizadas na porção meridional (SdEM) da Serra do Espinhaço, que, segundo Almeida-Abreu (1995, p. 2) apresenta as seguintes características geomorfológicas: A SdEM estende-se por cerca de 300 Km na direção N-S, desde o Quadrilátero Ferrífero até a região de Olhos d'Água e é edificada essencialmente por litologias do Supergrupo Espinhaço principalmente rochas quartzíticas e, subordinadamente, rochas filíticas, conglomeráticas e vulcânicas de caráter básico e ácido. Em relação à composição vegetacional da Serra do Espinhaço, predominam as fitofisionomias do cerrado, que se distribuem em mosaicos, com influências dos biomas Mata Atlântica e Caatinga. Destacam-se, nas partes altas, os campos rupestres, formados por uma vegetação de baixa estatura, entre arbustivas e herbáceas. Há também as matas, os campos limpos e o cerrado stricto sensu. Ao falar de diversidade biológica, pode-se dizer que esse é um ambiente formado por um conjunto de habitats e ecossistemas com alto grau de endemismo e riqueza de espécies. Os processos de origem e evolução geológica da Serra do Espinhaço produziram feições caracterizadas principalmente por fraturas, o que ocasionou a formação de diversos abrigos rochosos, conhecidos na região de Diamantina como “lapas”. Em muitos desses abrigos, nota-se a presença de vestígios paleontológicos e arqueológicos, históricos e pré- coloniais (LINKE, 2013; SOLARI; ISNARDIS; LINKE, 2012). Além dos aspectos geofísicos e da insubstituível biodiversidade, a Serra do Espinhaço tem forte relevância histórico-cultural, marcada por um continuum de ocupação e uso ao longo do tempo, desde a pré-história. Os grupos e povos que no Espinhaço estiveram e estão deixaram evidências distintas, no tempo e nas paisagens, formatando “identidades biogeográficas”, paisagens culturais, em um território historicamente habitado por povos e 16 comunidades tradicionais: indígenas, quilombolas e apanhadoras e apanhadores de sempre- vivas (Figuras 5 e 6), por exemplo (REVISTA RESERVA DA BIOSFERA DO ESPINHAÇO, 2017). Figura 5 – Registro de cotidiano de apanhador de flores sempre-vivas Fonte: João Roberto Ripper, 2016. Figura 6 – Registro de cotidiano de apanhador de flores sempre-vivas Fonte: João Roberto Ripper, 2016. 17 Essas características naturais e histórico-culturais da Serra do Espinhaço atraem a atenção de pesquisadores de diversas áreas. Em meados de 1820, naturalistas a exploraram e realizaram diversas coletas e análises de caráter botânico, geomorfológico, antropológico, sociológico e arqueológico. Entre esses se destacam August Saint-Hilaire, Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Martius. Na arqueologia, Peter Lund foi um dos precursores, realizando estudos na região de Lagoa Santa desde 1832, onde encontrou ossadas humanas e de mamíferos da megafauna do Pleistoceno. Esses achados permitiram novas formas de pensar a ocupação humana no Brasil, deixando um importante legado para a ciência arqueológica (GODÓI, 2020; LOPES et al., 2011). Recentemente, outros estudos têm sido realizados em arqueologia, com significativa produção de conhecimento. No entanto, no Espinhaço Meridional, na região do Planalto Diamantinense, pode-se afirmar que o conhecimento acerca do patrimônio arqueológico é baixo, pois estima-se que menos de 10% do total de sua superfície foi estudada. Algumas pesquisas foram desenvolvidas nessa região, sobretudo pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e pelo Setor de Arqueologia do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais. De modo geral, os estudos realizados demonstram uma escassa presença de vestígios cerâmicos nos sítios arqueológicos. Em contraposição, os artefatos líticos são abundantes e diversos; essa abundância se relaciona com a disposição do quartzo e quartzito, matérias- primas para a produção dessas ferramentas. Em relação à cronologia das ocupações, os estudos apontam uma ocupação desde o Holoceno Inferior, com datações entre 10.500 e 8.000 anos antes do presente, passando pelo Holoceno Médio, com datações entre 7.255 e 4.420 anos antes do presente, e, enfim, no Holoceno Superior, com datações de 2.500 anos atrás até o contato com os europeus. Outros locais já pesquisados são os sítios de arte rupestre, bastantes conhecidos pelos moradores atuais. Neles predominam pinturas monocromáticas em vermelho, com destaque para a recorrente temática de representações de cervídeos e peixes. Há também representações antropomórficas e de outros mamíferos. Essas características permitiram aos pesquisadores confirmar que a maior parte dos sítios com pinturas é associada à Tradição Planalto (FAGUNDES, 2009; 2016; GRECO, 2017; ISNARDIS, 2013; LOPES et al., 2011; PROUS, 2013). Por apresentar, então, uma importância relacionada à biodiversidade e aos valores históricos e culturais, distintas estratégias de preservação da natureza foram adotadas na região, com destaque para a criação de diversas Áreas Protegidas (AP). Áreas Protegidas são 18 territórios com limites definidos e com objetivos específicos de conservação e proteção dos ecossistemas, como as Unidades de Conservação e Terras Indígenas. A gestão desses territórios é fundamentada por políticas públicas específicas, com destaque para o seu marco legal principal, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), estabelecido pela Lei n.º 9.985 de 2000, que define critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação. No Brasil, a primeira AP criada oficialmente foi o Parque Nacional do Itatiaia, em 1937, com objetivos econômicos e preservacionistas. Atualmente existem 334 Unidades de Conservação federais, sem contar as estaduais e municipais (TOZZO; MARCHI, 2014). A criação e implementação de áreas protegidas são as principais ferramentas de efetiva conservação ambiental no mundo. O processo de estabelecimento desses locais apresenta casos de sucesso e de conflitos ao longo do tempo. A primeira Área Protegida criada como estratégia de prevenção da natureza foi nos Estados Unidos, no Parque Nacional de Yellow Stone, em 1872. Esse foi um marco na história conservacionista e serviu de modelo para diversos países. Porém, naquele momento, entendia-se que essas iniciativas deveriam manter a área a ser preservada sem a presença humana. Esse caráter de dissociação entre homem e natureza provocou e ainda provoca diversos conflitos socioambientais ao restringir a presença de populações tradicionais em seus territórios. É o que Diegues (2008) chamou de “Mito da Natureza Intocada”, um entendimento de que, para a preservação de áreas virgens, não poderia haver uso ou presença humana, desconsiderando diversos povos nativos no processo de criação dessas áreas (DIEGUES, 2008; FERNANDES-PINTO, 2017; MARETTI, 2019). No entanto, essa visão de preservação de uma natureza dissociada da sociedade vem sendo modificada. Nos mais recentes eventos mundiais promovidos pelos dois principais órgãos internacionais que debatem a conservação ambiental e áreas protegidas – a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) –, as resoluções apontam para a adoção de uma de integração entre homem e natureza, uma visão holística e de valorização dos bens culturais, das populações tradicionais e de suas histórias em detrimento de uma visão cientificista e materialista. Desse modo, as APs passam a ser consideradas paisagens culturais, aproximando-se do conceito de paisagem em arqueologia, no qual o território possui concepções culturais, ambientais e simbólicas. Essa abordagem permite compreender os sítios arqueológicos a serem estudados como espaços transformados, utilizados por meio de processos cognitivos e, consequentemente, culturais. Os modos de gestão dessas áreas também adquirem novo aspecto, ao romper com a centralidade administrativa dos Estados em 19 direção à gestão participativa e compartilhada com os povos que mantêm relações de uso e de pertencimento com esses lugares (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2017). No Espinhaço Meridional, além das Unidades de Conservação, outras iniciativas que visam à gestão territorial para a preservação socioambiental coexistem no território e apresentam objetivos complementares. São elas o Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço, a Reserva da Biosfera, os Territórios Quilombolas e um Sistema Tradicional Agrícola das Apanhadoras e Apanhadores de Flores Sempre-Vivas (Quadro 1). Quadro 1 – Iniciativas de gestão territorial no Espinhaço Meridional Instrumentos de gestão territorial Ano de criação / criado por Objetivo geral Reserva da Biosfera do Espinhaço 2005 / UNESCO Conciliar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento humano sustentável e promover o conhecimento científico Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço: Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral 2000 / Ministério do Meio Ambiente Promover a gestão das áreas protegidas de forma integrada e participativa, a fim de compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional Territórios Quilombolas: Quartel do Indaiá, Mata dos Ausentes, Vargem do Inhaí etc. Reconhecidos pela Fundação Palmares e/ou por autodeclaração Garantir a reprodução física, social, econômica e cultural das comunidades remanescentes de quilombos Sistema Tradicional Agrícola das Apanhadoras e Apanhadores de Flores Sempre-Vivas 2020 / Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) Preservar sistemas agrícolas marcados pela harmoniosa interação entre comunidades tradicionais e o meio ambiente Fonte: Elaborado pelo autor. 20 1 GESTÃO TERRITORIAL: OS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DA NATUREZA E DA PAISAGEM Para a UNESCO, a Serra do Espinhaço é uma das regiões prioritárias para a conservação do planeta. Por isso e em decorrência disso e de um trabalho de mobilização e ativismo ambiental de diversos setores da sociedade e do governo do Brasil, em 2005, foi criada a Reserva da Biosfera do Espinhaço (RBSE), através do Programa “O Homem e a Biosfera”, foi criada a Reserva da Biosfera do Espinhaço – RBSE. Reservas da Biosfera são áreas que se envolvem Áreas Protegidas, bacias hidrográficas, e corredores ecológicos, e possuem têm basicamente três funções: • Promover a conservação da biodiversidade, das paisagens e das espécies; • Fomentar o desenvolvimento sustentável do ponto de vista social, econômico e cultural; • Promover o conhecimento científico e tradicional. No Brasil há sete Reservas da Biosfera, a RBSE tem 10,2 milhões de hectares. Para cumprir com suas funções, a gestão participativa e integrada do território aparece como principais estratégias. Dentro de seus limites, a RBSE tem áreas protegidas federais, estaduais e municipais (REVISTA RESERVA DA BIOSFERA DA SERRA DO ESPINHAÇO, 2017). Segundo a Lei n.º 9.985, que institui o SNUC, as Reservas da Biosfera constituem um modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, que têm por objetivo a preservação da biodiversidade e o desenvolvimento das atividades de pesquisa científica, o monitoramento ambiental, a educação ambiental e a melhoria da qualidade de vida das populações (BRASIL, 2000). Outro instrumento de gestão territorial existente no Espinhaço Meridional que visa a proteção socioambiental é o Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço - Alto Jequitinhonha - Serra do Cabral (Figura 7), instituído pela Portaria n.º 444, de 26 de novembro de 2010 do Ministério do Meio Ambiente: (....) conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional (BRASIL, 2000). 21 Figura 7 – Mapa do Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço – Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral Fonte: IBGE, 2010. O Mosaico, criado em 2010, atualmente é composto por dezenove unidades de conservação de proteção integral e uso sustentável de diferentes categorias. São parques, áreas de proteção ambiental, monumentos naturais e estações ecológicas. As categorias das unidades de conservação variam tanto conforme os objetivos como em relação aos usos permitidos em seu interior. Outros reconhecimentos e existências importantes que favorecem a gestão da paisagem local, nos âmbitos sociocultural e ambiental, são os territórios quilombolas e o Sistema Tradicional Agrícola dos Apanhadores de Flores Sempre-Vivas. Esse sistema foi certificado e reconhecido, em 2020, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e se insere em um programa de valorização de Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM). Esse certificado visa reconhecer os patrimônios agrícolas desenvolvidos por povos e comunidades tradicionais em diversas partes do mundo (FAO, 2020). Esses instrumentos de gestão socioambiental têm objetivos consonantes e são regidos por um arcabouço legal. O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), instituído pelo Decreto nº 5.785, de 13 de abril de 2006, é um dos mais importantes. 22 Tanto o SNUC quanto o PNAP são legislações que contêm diretrizes para a proteção desses ambientes em seus aspectos socioambientais, visando ao uso sustentável, à prática do ecoturismo, geração de conhecimento, educação ambiental, participação social e gestão do patrimônio geológico, histórico e arqueológico. A gestão das Unidades de Conservação, conforme explicitado no SNUC, requer um planejamento específico, materializado através de instrumentos de gestão, com destaque para o Plano de Manejo, Plano de Uso Público e Conselhos Gestores (BRASIL, 2000; 2006). Em relação aos atributos socioculturais da paisagem, há também um amplo arcabouço legislativo e diretrizes que orientam sua gestão. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 considera o patrimônio arqueológico bem da União (BRASIL, 1988, art. 20), que deve ser protegido (BRASIL, 1988, art. 23), e o define como Patrimônio Cultural Brasileiro (BRASIL, 1988, art. 216). Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Em relação à proteção desse patrimônio, a Constituição Federal determina a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e prevê a cooperação entre esses entes para cumprir com os objetivos de proteção. A gestão de patrimônios socioculturais em Unidades de Conservação também é amparada pelo SNUC, que prevê a proteção das paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica e as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural (BRASIL, 2000, art. 4º). Ainda em relação ao patrimônio arqueológico, um importante marco legal é a chamada Lei de Arqueologia (Lei n.º 3924, de 26 de julho de 1961), que reconhece que os monumentos arqueológicos ou pré-históricos, tais como sambaquis, sítios com inscrições rupestres, cemitérios, sepulturas, locais de pouso prolongado e aldeamentos, devem ficar sob a guarda e proteção do poder público. Essa mesma lei proíbe o aproveitamento econômico dos sítios sem estudo prévio, e prevê como crime qualquer ato de destruição ou mutilação dos monumentos (BRASIL, 1961). 23 Um dos instrumentos mais conhecidos de gestão do patrimônio arqueológico é o tombamento. Segundo o Decreto Lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937, para que um bem de valor arqueológico seja considerado patrimônio histórico e artístico, esse bem precisa ser tombado (BRASIL, 1937). 24 2 O PROBLEMA: CONHECIMENTO E GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO Diante da ocorrência de uma diversidade de sítios arqueológicos pré-coloniais na paisagem da Serra do Espinhaço Meridional, da competência dos entes governamentais em promover a proteção desses sítios, e dos objetivos das Unidades de Conservação em proteger o patrimônio localizado em seu interior, o problema inicial a ser discutido por esta pesquisa é justamente, o quanto se conhece e como é feita a gestão dos sítios arqueológicos no interior das UCs do Mosaico. Tais questionamentos não são exatamente recentes: o próprio documento de criação do Mosaico, elaborado por pesquisadores de áreas distintas, contém essas questões, evidenciadas por meio da identificação de ameaças e oportunidades relacionadas aos sítios arqueológicos e históricos das áreas protegidas (INSTITUTO BIOTRÓPICOS, 2009). Em relação às ameaças diretas e indiretas, o documento aponta os riscos de depredação, fogo, falta de manutenção, desconhecimento técnico, e ausência de políticas públicas; enumerando as oportunidades, são citados a presença de acervo e o potencial turístico. No entanto, são diversas as áreas protegidas que compõem o Mosaico, de diferentes categorias, que demandam planejamentos específicos. Ao perceber a necessidade de refinar essas informações, foram definidas quais Áreas Protegidas seriam o foco da pesquisa. Optamos pelos Parques do Mosaico, que buscam, além do objetivo básico de preservação dos ecossistemas, a realização de pesquisas, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico. São unidades de conservação que, por conta de sua beleza cênica, costumam atrair muitos visitantes e, consequentemente, precisam delinear planos de ação para a proteção dos sítios arqueológicos. Sendo assim, foram escolhidos como objetos desta pesquisa os parques estaduais da Serra do Cabral, do Biribiri, do Rio Preto, do Itambé e do Parque Nacional das Sempre-Vivas. Além desse recorte, em relação ao patrimônio arqueológico, optou-se pela escolha dos sítios com vestígios pré-históricos. Essa escolha foi fundamentada no fato de tais sítios frequentemente serem alvo de visitação por turistas no interior das UCs, demandando técnicas adequada de manejo, segundo as normativas legais. 25 2.1 Objetivos da pesquisa A partir das delimitações acima foram definidos os objetivos gerais e específicos da pesquisa, descritos a seguir. 2.1.1 Objetivo geral A Identificar status do conhecimento e gestão do patrimônio arqueológico nos Parques do Mosaico de Unidades de Conservação Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral, conforme exposto nos Planos de Manejo dessas Unidades de Conservação. 2.1.2 Objetivos específicos • A Identificar as lacunas relacionadas ao conhecimento, ou seja, a disponibilidade de informações sistematizadas a respeito dos sítios arqueológicos pré-históricos; • Identificar as lacunas relacionadas à gestão do patrimônio arqueológico, a fim de estabelecer diretrizes para ações concretas de manejo dos sítios arqueológicos; • Produzir material de apoio para gestão de sítios arqueológicos em nas UCs do Mosaico do Espinhaço. 2.2 Metodologia Para cumprir com o objetivo geral, identificando o status acerca do conhecimento e gestão atual dos sítios nas APs, foi realizada uma análise documental. Os documentos de referência foram os Planos de Manejo, visto que eles compreendem as principais ferramentas de planejamento e gestão do patrimônio natural e sociocultural das Unidades de Conservação. Algumas questões nortearam as análises: realização e número de pesquisas em arqueologia no interior das áreas protegidas; conteúdo sobre a ocorrência e caracterização dos sítios arqueológicos; definição de objetivos, planos e, ações de gestão dos sítios arqueológicos presentes no interior dos Parques. Para propor as diretrizes de gestão serão utilizadas as informações contidas tanto nos Planos de Manejo como em outros documentos, assim como bibliografia existente sobre a arqueologia local e sobre a gestão de sítios arqueológicos em Unidades de Conservação. Essa 26 proposição será sistematizada por meio de uma cartilha destinada aos atores que trabalham com a gestão das áreas protegidas e sítios arqueológicos. 27 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Este capítulo apresenta os resultados obtidos a partir da análise dos Planos de Manejo e após uma reflexão a respeito desses dados. Para a discussão, foram utilizados outros documentos de referência para a gestão de Unidades de Conservação: Roteiros Metodológicos para Elaboração e Revisão de Planos de Manejos (INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2018), Roteiro Metodológico para Manejo de Impactos de Visitação (INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE 2011) e Manejo de Escalada - Manual sobre questões atuais e a produção de um plano de manejo (WWF-BRASIL, 2016). Os Planos de Manejo dos Parques apresentam algumas similaridades quanto ao conteúdo analisado, no que se refere ao conhecimento e gestão do patrimônio arqueológico localizado dentro de seus limites e também no entorno. Entre as semelhanças foram encontradas informações sistematizadas sobre as leis vigentes a respeito do patrimônio arqueológico, modo de sistematização das informações produzidas em listas, realização de análises de conservação de sítios arqueológicos, estabelecimento de zoneamento e definição de zona específica de ocorrência dos sítios arqueológicos, e a relação entre sítios arqueológicos e atrativos turísticos. Entre as distinções, destaca-se o conteúdo disponível em cada plano sobre a caracterização dos sítios, devido à existência de pesquisas científicas. Tabela 1 – Dados gerais das Unidades de Conservação Unidades de Conservação Data de criação Área (hectares) Data do Plano de Manejo Número de visitantes * em 2018 Número de sítios arqueológicos segundo Plano de Manejo (interior e entorno) Parque Estadual do Biribiri 1998 16.998 2004 56.785 32 Parque Estadual Pico do Itambé 1998 4.753 2004 5.11 33 Parque Estadual da Serra do Cabral 2005 22.500 2013 430 117 Parque Estadual do Rio Preto 1994 10.750 2004 7.088 33 Parque Nacional das Sempre-Vivas 2002 124.000 2016 228 23 Fonte: Elaborada pelo autor com base em dados dos Planos de Manejo (2021). Essas questões são explicadas, principalmente, devido ao processo de elaboração de cada documento: ano de elaboração, documento metodológico de referência, responsáveis pela elaboração e atividades desenvolvidas durante a elaboração. A Tabela 1 apresenta os dados gerais referentes às Unidades de Conservação e aos Planos de Manejo. 28 Acerca do conhecimento dos sítios arqueológicos localizados nos Parques do Pico do Itambé, Biribiri e Rio Preto, elaborado pela mesma equipe, contratada em edital único no ano de 2004, constata-se que no momento da realização dos Planos de Manejo não havia estudos sistemáticos em arqueologia realizados no interior e entorno das Unidades de Conservação. Em decorrência da inexistência de tais estudos, a caracterização geral do patrimônio arqueológico contém referências de estudos realizados em outras regiões da Serra do Espinhaço, como da Serra do Cipó. Por exemplo, a caracterização arqueológica a respeito da arte rupestre remete a estudos feitos em outras localidades. No entanto, dados como localização geográfica e tipologia dos sítios foram gerados no processo de elaboração dos planos, devido à realização de inventários de campo no interior desses parques. Esses inventários foram subsidiados por entrevistas feitas com conhecedores locais, entre moradores das comunidades e funcionários que conheciam os territórios. O banco de dados do IPHAN também foi citado como referência para a execução dos trabalhos de levantamento de campo. A partir desses levantamentos, foram geradas listas contendo a nomenclatura dos sítios arqueológicos, tipologia e localização, como no exemplo da Figura 8. Em relação à tipologia, a maior parte dos sítios listados são construções históricas e abrigos (lapas) com grafismos rupestres. Não há relatos de pesquisas com a realização de escavações, exceto no Parque Estadual da Serra do Cabral. Figura 8 – Exemplo de listagem contidas nos Planos de Manejo elaborados em 2004 Fonte: Plano de Manejo Parque Estadual do Rio Preto (MINAS GERAIS, 2004c). De forma complementar aos inventários, foram realizadas análises sobre o estado de conservação de alguns sítios, sobretudo os pré-históricos, com produção de conhecimento sobre fatores naturais e antrópicos que provocaram alterações nesses sítios, seus usos atuais e conservação, como mostra a Figura 9. 29 Figura 9 – Exemplo de tabela com avaliação de conservação Fonte: Plano de Manejo do Parque Estadual do Biribiri (MINAS GERAIS, 2004a). Essas avaliações, em diversos momentos, reconhecem o uso contínuo dos sítios, sobretudo das lapas e abrigos, por grupos distintos, como vemos neste trecho do Plano de Manejo do Parque Estadual do Rio Preto: Grande abrigo com exposição para Oeste, talvez o que possui maiores proporções no interior do parque, visitado pela equipe. Apresenta testemunhos de ocupação pré́-colonial, tendo sido, no passado mais recente, ocupado, segundo informações, por famílias de garimpeiros, tropeiros e catadores de sempre vivas. MINAS GERAIS, 2004c). Ainda sobre o conhecimento do patrimônio arqueológico, apesar da realização dos inventários, os planos apontam para a necessidade de novas prospecções, a fim de aumentar e sistematizar o conhecimento sobre a ocorrência dos sítios e nesse sentido propõe o estabelecimento de parcerias com instituições de pesquisa, como universidades, e de órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). Os Planos de Manejo estaduais disponibilizam extenso conteúdo relacionado às principais bases legais que normatizam e orientam a preservação e manejo dos sítios arqueológicos históricos e pré-históricos: portarias, decretos e leis federais e estaduais são amplamente apresentados, assim como as atribuições de outros órgãos e instituições que 30 possuem responsabilidades no âmbito do estudo e proteção dos sítios arqueológicos (MINAS GERAIS, 2004a; 2004b; 2004c). O Parque Nacional das Sempre-Vivas conta com um Plano de Manejo que se difere consideravelmente dos planos estaduais (BRASIL, 2016). Trata-se de um documento relativamente recente, elaborado pela equipe de gestores locais em 2016, sem a participação de um profissional em arqueologia. Para sua elaboração, foi utilizada uma metodologia que não demandou a realização de diagnósticos aprofundados. Por esse motivo, esse é o documento de planejamento com menos conteúdo relacionado ao conhecimento do patrimônio arqueológico presente em seus limites. Assim como nos planos estaduais, foi identificada a necessidade de estudos específicos em arqueologia. O Parque Estadual da Serra do Cabral apresenta distinções relevantes, destacando-se a quantidade de conteúdo técnico sobre os sítios presentes no interior do Parque (MINAS GERAIS, 2013). Isso se deve à existência de diversos estudos em arqueologia realizados antes da elaboração do Plano. Essas informações, técnicas e qualificadas, além de estimular e promover a própria criação da Unidade de Conservação permitiram aos pesquisadores o direcionamento de esforços para a proposição de objetivos práticos de gestão, visando à definição de atividades de recuperação e programas específicos de manejo e de educação patrimonial. Em relação à gestão dos sítios, os planos dos parques estaduais apresentam objetivos de manejo e gestão dos sítios arqueológicos nas seguintes áreas: uso público, educação ambiental, pesquisa científica, fiscalização e envolvimento com a sociedade. As principais ações programadas presentes nos planejamentos são: fiscalização, sinalização, instalação de estruturas de apoio ao visitante/turista, realização de pesquisa, monitoramento das visitas, capacitação de condutores e guias turísticos no âmbito da arqueologia, estudo científico da paisagem de inserção dos sítios, e ações de educação ambiental nas escolas. Destaca-se o estabelecimento de um zoneamento territorial com definição da chamada Zona Histórico- Cultural, que tem como objetivos diretos de gestão: Proteger o patrimônio arqueológico pré-colonial (pinturas rupestres da Tradição Planalto); proteger o patrimônio histórico e cultural do Parque, com a disseminação do conhecimento sobre a arqueologia local, através da educação e interpretação ambiental; Propiciar atividade de visitação orientada, à educação e interpretação ambiental, proteção e pesquisa científica. (MINAS GERAIS, 2004a). O Parque Estadual da Serra do Cabral, novamente difere dos demais, pelo mesmo motivo: apresenta um vasto conteúdo sobre os sítios e por isso traz proposições de gestão 31 específicas, como a elaboração de plano de visitação de sítios específicos, além de indicadores e metas de gestão, como a quantidade de patrimônio arqueológico devidamente monitorado e elaboração de roteiros e circuitos para sítios, respectivamente. Por fim, com base nos dados observados, foram obtidas seguem as principais seguintes reflexões e apontamentos relacionados à promoção do conhecimento e proteção dos bens culturais arqueológicos nos parques do Mosaico do Espinhaço. A ausência de estudos acadêmicos em arqueologia realizados nas Unidades de Conservação, anteriormente à elaboração dos Planos de Manejo foi amplamente demonstrada, com exceção do Parque Estadual da Serra do Cabral. No entanto, ficou evidente a existência de conhecimento entre os atores locais, sobretudo a respeito da ocorrência e distribuição dos sítios no território. Isso ficou demonstrado através da realização de consultas a esses atores: , entre moradores e usuários do território. Esse conhecimento foi fundamental para os trabalhos de inventários dos técnicos, e suficiente para a constatação de que diversos desses sítios foram continuamente utilizados por diferentes grupos, sejam tropeiros, garimpeiros ou, apanhadores de flores sempre-vivas. Apesar dos dados gerados a partir dos inventários realizados, os Planos de Manejo apontam para a necessidade de novos estudos, ficando entendido que esses estudos devemrão ser realizados por instituições de pesquisa e por órgãos relacionados à gestão do patrimônio, como o IPHAN e o IEPHA. De fato, considerando as limitações individuais das instituições, como escassez de recursos financeiros e equipe técnica reduzida, o estabelecimento de parcerias favorece a viabilidade dos estudos, para além do planejamento. Porém, não há proposição de inventários coordenados e realizados pela própria equipe gestora das Unidades de Conservação, tampouco pelos conhecedores locais guias e condutores turísticos, moradores das comunidades, usuários dos territórios, estudante e sociedade civil. Tendo isso em vista e considerando o comprovado conhecimento dos atores locais, é imprescindível a institucionalização da participação social nos processos de geração e sistematização de conhecimento, desde a sensibilização para a participação ativa em atividades de campo até o mapeamento e sistematização dos dados gerados. O inventário participativo, segundo publicação do IPHAN, apresenta-se como: um exercício de cidadania e participação social, onde os seus resultados possam contribuir para o aprimoramento do papel do Estado na preservação e valorização das referências culturais brasileiras, assim como servir de fonte de estudos e experiências no contínuo processo de aprendizado. (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2016, p. 7). 32 Portanto, envolver esses atores nos processos de gestão contribui para minimizar possíveis conflitos que prejudicam a preservação dos sítios, bem como para promover o sentimento de pertencimento aos bens culturais em questão. Em relação ao conteúdo gerado durante a elaboração dos Planos de Manejo, há poucas informações qualificadas a respeito da produção dos vestígios arqueológicos pré-históricos, em detrimento da caracterização física dos sítios. Abordagens relacionadas diretamente aos modos de fazer e aos atores que produziram os vestígios são praticamente inexistentes frente aos conteúdos relacionados aos aspectos estruturais dos sítios, ou seja, o conhecimento disponível está focado na enumeração, listagem e mapeamento dos sítios existentes. A ausência dessas informações dificulta o estabelecimento de um olhar amplo sobre o patrimônio, suas origens e características, e, por consequência, entraves para ações profundas relacionadas aos processos de educação patrimonial que valorizem a identidade local e de uso público. Por exemplo: uma vez que os sítios são tratados de formas iguais dentro de um conjunto, a definição de critérios para permitir ou não a visitação em determinado sítio pode estar associada apenas à facilidade de acesso, e não à sua importância e singularidade arqueológica. Independentemente da realização de pesquisas científicas que antecederam os Planos de Manejo das áreas protegidas estaduais, esses documentos trazem propostas práticas de gestão e definem algumas ações de manejo. As informações advindas das normatizações legais, juntamente com os resultados gerados através dos inventários, favorecem o estabelecimento de um planejamento mínimo de ações. Porém, é evidente que quando se tem mais conteúdo sistematizado através de pesquisas, a proposição de ações se torna mais específica e adaptada às demandas e à realidade local, como é notado no plano do Parque Estadual da Serra do Cabral. Nesse caso, as proposições a seguir endossam essa afirmação: a elaboração de um plano de manejo e de um projeto de visitação para sítios específicos; necessidade de recursos para recuperação emergencial, restauração e proteção; previsão de destinação e guarda de material coletado. Em comum a todos os planos, notamos a recorrente proposição de promover o ecoturismo nos sítios arqueológicos. Em alguns desses documentos, os sítios são citados apenas como atrativos turísticos, ou seja, seu valor histórico e cultural se reduz apenas à função de promover o desenvolvimento do turismo local. Ampliar o entendimento a respeito dos sítios é fundamental. É necessário reconhecer que os sítios arqueológicos são bens culturais, que revelam histórias e fortalecem as identidades regionais. As ações de gestão dos sítios, sobretudo para a implementação do Uso Público nas paisagens onde se inserem, 33 demandam um planejamento e monitoramento contínuo e dinâmico, com considerações adequadas para controlar as alterações nos recursos naturais e culturais produzidas pelas atividades de visitação. Para isso, deve-se estabelecer parcerias para promover a participação de especialistas, pesquisadores, praticantes de esportes, lideranças comunitárias, moradores e conhecedores locais. Como afirma Pelegrini (2006, p. 136), O grande desafio consiste em promover a recuperação dos centros históricos e das áreas de proteção ambiental sem necessariamente excluir a população, integrando-a por meio de oficinas, cursos de educação patrimonial e ambiental, projetos de manejo que respeitem as tradições dos habitantes locais, seus costumes e conhecimentos milenares. Por fim, compreende-se que a proteção e gestão dos atributos históricos e culturais das Unidades de Conservação devem fazer parte do planejamento geral de ações, assim como é feito para os atributos naturais. Ou melhor, o planejamento das Áreas Protegidas deve ser realizados de forma integral, levando-se em conta a indissociabilidade dos atributos naturais e culturais. Os sítios arqueológicos estão inseridos numa paisagem na qual acontecem diversas interações ecológicas e sociais, resultados de fatores abióticos, bióticos e antrópicos. O estabelecimento de zonas territoriais, apesar de trazer objetivos específicos de manejo, pode dificultar esse entendimento ao delimitar e fragmentar espaços imaginários no território. Esse olhar, que foge ao dualismo natureza e cultura é urgente, diante da avançada destruição das áreas naturais, e se impõe como um desafio que deve considerar a perspectiva de que as paisagens são impregnadas de valores culturais, experiências e significados, apontando para um modelo de gestão decolonial e desafiador. Como expõe Maretti (2019), proponho o reconhecimento de que estamos no novíssimo paradigma. Defendo a conservação colaborativa como caminho para prestar mais e melhores serviços à sociedade e fortalecer a gestão das áreas protegidas e seus sistemas. As análises aqui geradas, mesmo sem a realização de atividades de campo, que enriqueceriam as reflexões com elementos atuais sobre a gestão e conhecimento dos sítios, foi fundamental para entender como o conjunto de sítios arqueológicos são vistos e tratados dentro do principal documento de gestão socioambiental dos Parques. As percepções aqui contidas, sobretudo aquelas relacionadas às lacunas de conhecimento, foram transpostas para uma ferramenta de apoio aos gestores locais em prol dos bens culturais e naturais. É o primeiro material com diretrizes de gestão para o conjunto arqueológico do Espinhaço Meridional e deverá ser constantemente atualizado, a fim de, de fato, ser útil para a adoção de boas práticas de proteção e valorização desse conjunto arqueológico (APÊNDICE A). 34 4 OUTROS OLHARES E CONTINUIDADES Esta pesquisa foi desenvolvida com o intuito maior de gerar ações e práticas efetivas a favor da valorização e da proteção do patrimônio arqueológico presente nas áreas protegidas do Mosaico. No decorrer de sua execução, mudanças e adaptações fizeram necessárias, sobretudo em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus. Os resultados aqui obtidos representam um passo importante em direção ao objetivo exposto. Para além do produto gerado com esta pesquisa, outras percepções e ideias seguem ativas e poderão contribuir para o fortalecimento de práticas de preservação frente aos movimentos de destruição dos sítios arqueológicos, para além dos limites das Unidades de Conservação. Algumas ideias e possibilidades se embrionaram e possivelmente se desenvolverão, por exemplo, a proposta de formação de grupo de trabalho dentro do Mosaico de Áreas Protegidas para discutir novas ações regionais é uma realidade. Também surge como potencialidade a formatação de um roteiro turístico entre sítios arqueológicos. Seguem alguns vislumbres e possíveis projetos que dariam continuidade a esta pesquisa: Formação de grupo de trabalho interdisciplinar, no âmbito do Mosaico de Áreas Protegidas, com o objetivo de elaborar um programa de gestão do patrimônio arqueológico regional: • Realização de oficina/curso de capacitação sobre o patrimônio arqueológico regional, tendo como público-alvo gestores e atores locais, tais como guias e condutores turísticos; • Promover campanhas de valorização do patrimônio arqueológico, incluindo a criação de uma identidade visual, elaboração de roteiros, exposição fotográfica, projetos de educação patrimonial, etc; • Realização de inventários participativos no Parque Nacional das Sempre- Vivas; 35 REFERÊNCIAS ALMEIDA-ABREU, P. A., O Supergrupo Espinhaço da Serra do Espinhaço Meridional (Minas Gerais): O Rifte, A Bacia e o Orógeno. Geonomos, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1, 1995. BRASIL. Decreto-Lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937. 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