UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade Edimar da Rocha Pinto Impactos do projeto chinês “Um Cinturão, Uma Rota” no Brasil Teófilo Otoni 2020 Edimar da Rocha Pinto Impactos do projeto chinês “Um Cinturão, Uma Rota” no Brasil Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, tendo requisito para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr Fernando Leitão Rocha Junior Teófilo Otoni 2020 Ficha Catalográfica Preparada pelo Serviço de Biblioteca/UFVJM Bibliotecário responsável: Baltazar José Filho – CRB-6/2775 P659i Pinto, Edimar da Rocha. Impactos do projeto chinês “Um Cinturão, Uma Rota” no Brasil. / Edimar da Rocha Pinto. – Teófilo Otoni, 2020. 309 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade. 2020 Orientador: Prof. Dr. Fernando Leitão Rocha Junior. 1. China. 2. Iniciativa Cinturão e Rota. 3. OBOR. 4. Zonas Especiais Econômicas 5. Empresas de Cidades e Vilas . I. Pinto, Edimar da Rocha. II. Título. III. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. CDD 332.041 Edimar da Rocha Pinto Impactos do projeto chinês “Um Cinturão, Uma Rota” no Brasil Dissertação de Mestrado do Programa de Pós- Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Orientador: Prof. Dr Fernando Leitão Rocha Junior Data de aprovação 20/10/2020. Prof. Dr. FERNANDO LEITÃO ROCHA JUNIOR - UFVJM Prof. Dr. CARLOS HENRIQUE LOPES RODRIGUES - UFVJM Prof. Dr. ROGÉRIO FERNANDES MACEDO - UFVJM Prof. Dr. HENRIQUE ALMEIDA DE QUEIROZ - UFJF Teófilo Otoni Documento assinado eletronicamente por Henrique Almeida de Queiroz, Usuário Externo, em 09/11/2020, às 14:05, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. Documento assinado eletronicamente por Carlos Henrique Lopes Rodrigues, Servidor, em 09/11/2020, às 14:08, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. Documento assinado eletronicamente por Fernando Leitão Rocha Junior, Servidor, em 09/11/2020, às 20:07, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. Documento assinado eletronicamente por Rogério Fernandes Macedo, Servidor, em 09/11/2020, às 20:07, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.ufvjm.edu.br/sei/controlador_externo.php? acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0211995 e o código CRC 398BD588. À memória do meu pai, Getúlio Rocha. AGRADECIMENTOS À minha família, em especial minha esposa, Virgínia, minhas queridas filhas e por que não, minhas netas, pelo apoio irrestrito às minhas empreitadas. Ao meu orientador, professor Dr. Fernando Leitão Rocha Junior, pelo comprometimento e dedicação sempre atencioso e prestativo e desde o princípio encorajador. Um exemplo a seguir pelos restos dos meus dias pela sua bravura e posicionamento ético e retilíneo. A todos os professores que participaram da minha formação neste período. A todos colegas de mestrado que em uma disciplina ou outra onde tive a honra de conhecer, em especial aos agora amigos, Saulo Firmo, Igor Andrade e Hágata Salim. Aos colegas de trabalho que me apoiaram e deram incentivo para que eu não desistisse nunca dessa caminhada, em especial, ao Marco Aurélio Oliveira Dias, ao Daniel Fernandes Sampaio e ao Ervânio Fernandes Matos. À falecida ex-prefeita de Teófilo Otoni, Maria José Haueisen que não mediu esforços para que fosse implantada a Universidade Federal dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha na cidade, que nos últimos 50 anos se mostrou uma das raras tentativas de trazer alento a um povo de uma cultura ímpar, de uma terra rica com suas pedras preciosas, que até por conta dessa riqueza, sofreu e sofre com a ganância alheia, deixando a maioria dos aqui nascidos na miséria. O que para uma lagarta é o fim da vida, para um homem sábio é uma borboleta (Provérbio Chinês) 對於毛毛蟲來說,生命的終結是什麼,因為聰明人是蝴蝶 RESUMO Após dois séculos, que para os chineses, foram de humilhação, contados a partir da primeira guerra do ópio, em 1839, vítimas que foram dos países capitalistas centrais, naquilo que categorizou-se como Imperialismo, a China tem seu primeiro ponto de inflexão na sua história recente, a Revolução Comunista de 1949. Implementa-se um socialismo espelhado no modelo soviético resultando numa sociedade mais igualitária ainda que pobre. Isolados num mundo de maioria capitalista, os chineses resolvem seguir a tese do Karl Marx que prenuncia que para o aparecimento de um novo modo de produção, as forças produtivas do até então experimentado devem se esgotar. O aperto de mãos entre o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon e Mao Tsé-Tung, em fevereiro de 1972, marca um segundo ponto de inflexão na recente história chinesa e ao final da década de 1970, liderados por Deng Xiaoping, inicia-se um processo de abertura econômica na China. Dada a diversidade chinesa, Deng teoriza sobre o socialismo de características chinesas. Um socialismo de mercado com um Estado forte responsável por medidas macroeconômicas, regulando as ações microeconômicas que nascem na base da sociedade chinesa. Nesse sentido, proliferam as Empresas de Cidades e Vilas na década de 1990, pequenas fábricas que crescem formatando uma indústria chinesa de trabalho intensivo, muitas delas hoje entre as maiores do mundo. Surgem as Zonas Especiais Econômicas, regiões estrategicamente escolhidas para a acolhimento de empresas do mundo inteiro que queiram se associar às chinesas, com incentivos de toda a ordem, voltadas para exportação, transformando a China no maior receptor de Investimento Direto do Exterior do planeta. Controlando o câmbio, obtendo sucessivos balanços de pagamentos positivos, a China se transforma no maior detentor de reservas cambiais do mundo. Uma armadilha, que após a crise de 2008, o governo central chinês se esforça em destravar, voltando-se para o mercado interno, utilizando as reservas acumuladas investindo pesadamente em infraestrutura, desenvolvendo suas regiões mais remotas e pobres, procurando diminuir as desigualdades internas e se transformando no maior exportador de capital do mundo, comprando ativos baratos após a crise e implementando, um ambicioso projeto, a Iniciativa Cinturão e Rota. Uma iniciativa de alcance global que já impacta as economias dos países asiáticos mais próximos, reconfigurando a geopolítica da Ásia Central, mas que tem movimentado o Oriente Médio, a Eurásia, a África, começando a chegar a América Latina e questionando a unipolaridade dos Estados Unidos. A distância entre a China e o Brasil a muito deixou de ser um problema. A ascensão chinesa fez dela o maior parceiro comercial brasileiro. O Brasil se tornou um grande exportador de recursos primários para a China num período marcado pela alta do preço das commodities que resultaram em balanços de pagamentos superavitários sustentando um crescimento da economia brasileira nos primeiros quinze anos do século XXI. Agora, sob os efeitos da crise de 2008, estagnação da economia europeia, diminuição do crescimento chinês, crise na América Latina e em especial, nosso maior parceiro, a vizinha Argentina, que acabaram nos arrastando para uma enorme crise econômica e também política, o Brasil se lança ao desafio de como tirar proveito das oportunidades que já são geradas e outras tantas que se apresentarão num futuro próximo da grande Iniciativa Cinturão e Rota, um megaprojeto chinês de investimento. Esse trabalho tem a pretensão de apresentar os aspectos principais da ascensão chinesa que acabaram possibilitando a China propor a ambiciosa Iniciativa Cinturão e Rota e quais os possíveis reflexos na economia brasileira. Palavras-chave: China. Iniciativa Cinturão e Rota. OBOR. Zonas Especiais Econômicas. Empresas de Cidades e Vilas ABSTRACT After two centuries, which for the Chinese, were humiliation, counted from the first opium war in 1839, victims who were from the central capitalist countries, in what was categorized as Imperialism, China has its first turning point in its recent history, the Communist Revolution of 1949. A socialism mirrored in the Soviet model is implemented resulting in a more egalitarian yet poor society. Isolated in a world of capitalist majority, the Chinese decide to follow Karl Marx's thesis that foretells that for the emergence of a new mode of production, the productive forces of the hitherto experienced must be exhausted. The handshake between then-US President Richard Nixon and Mao Zedong in February 1972 marks a second turning point in recent Chinese history and in the late 1970s, led by Deng Xiaoping, began. an economic opening process in China. Given Chinese diversity, Deng theorizes about chinese character socialism. A market socialism with a strong state responsible for macroeconomic measures, regulating the microeconomic actions that are born at the base of Chinese society. In this sense, Town and Town Enterprises proliferated in the 1990s, small factories growing into a labor-intensive Chinese industry, many of them today among the largest in the world. The Economic Special Zones are emerging, strategically chosen regions to welcome companies from around the world who want to join Chinese companies, with export-oriented incentives of all kinds, making China the largest recipient of Foreign Direct Investment on the planet. Controlling the exchange rate, achieving successive positive balance of payments, China becomes the largest holder of foreign exchange reserves in the world. A trap, which after the 2008 crisis, the Chinese central government strives to unlock by turning to the domestic market, using accumulated reserves by investing heavily in infrastructure, developing its remotest and poorest regions, seeking to reduce internal inequalities and becoming the world's largest exporter of capital, buying cheap assets after the crisis and implementing an ambitious project, the Belt and Road Initiative. A global initiative that already impacts the economies of the nearest Asian countries, reconfiguring the geopolitics of Central Asia, but has been moving the Middle East, Eurasia, Africa, beginning to reach Latin America and questioning the unipolarity of the United States. . The distance between China and Brazil is no longer a problem. The Chinese rise made her the largest Brazilian trading partner. Brazil became a major exporter of primary resources to China in a period marked by high commodity prices that resulted in surplus balance of payments supporting a growth of the Brazilian economy in the first fifteen years of the 21st century. Now, under the effects of the 2008 crisis, the stagnation of the European economy, the slowdown in Chinese growth, the crisis in Latin America and in particular, our biggest partner, neighboring Argentina, which eventually dragged us into a huge economic and political crisis. Brazil faces the challenge of how to take advantage of the opportunities that are already generated and many more that will present themselves in the near future of the great Belt and Rota Initiative, a Chinese mega investment project. This paper intends to present the main aspects of the Chinese rise that eventually made it possible for China to propose the ambitious Girdle and Route Initiative and what the possible consequences for the Brazilian economy. Keywords: China. Belt and Route Initiative. OBOR. Economic Special Zones. Township & Village Enterprises LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1-Mapa Político da China............................................................................................112 Figura 2-Rota da Seda.............................................................................................................192 Figura 3: Área de influência da Nova Rota da Seda no Mar Cáspio......................................194 Figura 4-Nova Rota da Seda...................................................................................................196 Figura 5-Um Cinturão, uma Rota – Corredores da Nova Rota da Seda.................................199 Figura 6-Mar da China Meridional/Estreito de Malaca..........................................................209 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Taxa de desemprego na China (Anos x Percentual)..............................................100 Gráfico 2- Taxas de câmbio chinesas (yuan/dólar) de 01/1957 à 09/2018.............................129 Gráfico 3- Credores da dívida pública americana...................................................................130 Gráfico 4: China - Exportações e Importações.......................................................................131 Gráfico 5: Crescimento econômico chinês, 1978 – 2018.......................................................147 Gráfico 6: Reservas internacionais da China. (Anos x US$ bilhões).....................................150 Gráfico 7- Visão Geral dos Investimento chineses no Brasil..................................................259 LISTA DE TABELAS Tabela 2.1 - O crescimento anual médio durante os primeiros planos quinquenais chineses (percentagem)............................................................................................................................57 Tabela 2.2 - Contribuição de cada setor da economia ao crescimento chinês, 1990-2007 (%) 69 Tabela 2.3 - Mudanças na estrutura do emprego na China, 1980-2002....................................87 Tabela 2.4 - Números do emprego na china..............................................................................88 Tabela 2.5 - Lista dos maiores credores de títulos da dívida pública dos Estados Unidos.....132 Tabela 2.6 - Crescimento do PIB 1971-2008 de regiões e países em desenvolvimento e industrializados.......................................................................................................................148 Tabela 3.1-Países inseridos na Iniciativa Cinturão e Rota......................................................202 Tabela 3.2-Acordos e comunicados bilaterais entre China e alguns países ao longo do Cinturão e Rota.......................................................................................................................218 Tabela 4.1-Exportações do Brasil para a China, 2001-2015 (agregado).................................245 Tabela 4.2-Importações da China para o Brasil , 2001-2015 (agregado)................................246 Tabela 4.3-Tratamento tributário às Importações Brasileiras na China-Brasil.......................247 Tabela 4.4 - Balança Comercial Brasil – China por Unidades da Federação 2011-2015 (agregado)...............................................................................................................................250 Tabela 4.5: Principais Produtos Exportados de MG para China, 2011-2015 (acumulado).. . .251 Tabela 4.6: Principais Produtos Exportados do PA para a China, 2011-2015 (acumulado). . .252 Tabela 4.7: Principais Produtos Exportados do MT para a China, 2011-2015 (acumulado). .252 Tabela 4.8: Principais Produtos Exportados do RS para a China, 2011-2015 (acumulado)...253 Tabela 4.9: Principais Produtos Exportados do RJ para a China, 2011-2015 (acumulado)....253 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABDIB – Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base AIIB – Asian Infrastructure Investment Bank (Banco de Investimento Asiático em Infraestrutura) APEC – Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico ASEAN – Association of Southeast Asian Nations (Associação de Nações do Sudeste Asiático) BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BIT – Tratados bilaterais BRI – Belt and Road Initiative (Iniciativa Cinturão e Rota) BRICS – acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul CAF – Corporação Andina de Desenvolvimento CAST – Academia de Tecnologia Espacial da China CBERS – Satélites Sino-Brasileiros de Rastreamento Terrestre CCB – Banco de Construção da China CDRF – Fundação Chinesa para o Desenvolvimento CEBC – Conselho Empresarial Brasil-China CELAC – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos CEO – Chief Executive Officer (Diretor Executivo) CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CIKD – Centro Chinês para o Conhecimento Internacional sobre o Desenvolvimento CPEC – Corredor Econômico China-Paquistão DES – Direitos Especiais de Saque ECV – Empresa de Cidades e Vilas EPE – Empresa de propriedade do Estado EPL – Exército Popular da Libertação EUA – Estados Unidos da América FDCA – Fundo de Desenvolvimento China-África FEAC – Foreign Exchange Adjustment or ''Swap" Center (Centro de ajuste cambial ou ''swap '') FED – Federal Reserv Board (Sistema de Reserva Federal) – Sistema de Bancos Centrais dos Estados Unidos FMI – Fundo Monetário Internacional GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) ICBC – Industrial and Commercial Bank of China (Banco Industrial e Comercial da China) IED – Investimento Externo Direto INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial NCM – Nomenclaturas Comuns do Mercosul NBD – Novo Banco de Desenvolvimento NEP – Nova Política Econômica MAS – Movimiento al Socialismo (Movimento para o Socialismo) MIT – Tratados Multilaterais de Investimento KMT – Kuomintang (Partido Nacionalista) OBOR – One Belt, One Road (Um Cinturão, Uma Rota) OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMC – Organização Mundial do Comércio PCC – Partido Comunista Chinês PIB – Produto Interno Bruto PPP – Parceria Público-privada RPC – República Popular da China LSC – Fundo de Investimentos China SECEX – Secretaria do Comércio Exterior SOE – State Owned Enterprises (Empresas de Propriedade do Estado) TCP – Terminal de Contêineres de Paranaguá TPP – Trans-Pacific Pact (Acordo de Associação Transpacífico) TVE – Township and Village Enterprises (Empresas de Cidades e Vilas) UNCTAD – United Nations Conference of Trade and Development (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ZEE – Zonas Econômica Especial ZPE – Zona de Processamento de Exportação SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................17 2. A ASCENSÃO DO DRAGÃO CHINÊS: AS TRANSFORMAÇÕES PÓS-1949..........30 2.1 Introdução.......................................................................................................................30 2.2 A cortina de bambu, o país que verga e não quebra.......................................................34 2.3 Da grandeza à humilhação; os primeiros passos rumo à liberdade................................38 2.4 A acumulação primitiva no socialismo chinês...............................................................55 2.5 Soltem os grilhões que aprisionam nossas almas: as Reformas de Abertura de 1978.. .59 2.5.1 Empresas de Cidades e Vilas..................................................................................76 2.5.2 Mão de obra de características chinesas.................................................................82 2.5.3 O trabalhador migrante chinês................................................................................91 2.5.4 A evolução histórica da legislação trabalhista chinesa...........................................95 2.5.5 Reflexos da economia chinesa no trabalho no mundo..........................................101 2.5.6 Zonas Econômicas Especiais................................................................................106 2.5.7 A acessão à Organização Mundial do Comércio (OMC)......................................115 2.5.8 O papel dos Investimentos Estrangeiros Diretos na China...................................118 2.5.9 O regime cambial chinês no período pós reformas..............................................124 2.5.10 Investimentos em educação, ciência e tecnologia..............................................133 2.6 E o mundo finalmente realiza o ato do Kowtow..........................................................140 2.7 Desafios pós-crise financeira internacional de 2008....................................................156 2.8 Rumo ao Estrangeiro – Going Global (zouchuqu zhanlue)..........................................163 2.9 Considerações...............................................................................................................173 3. OS GANSOS SELVAGENS DE XI JINPING................................................................178 3.1 Introdução.....................................................................................................................178 3.2 A antiga Rota da Seda...................................................................................................188 3.3 A China tem a solução: uma comunidade e um futuro partilhado para a humanidade. ............................................................................................................................................192 3.4 Considerações...............................................................................................................220 4. O BRASIL E A INICIATIVA CINTURÃO E ROTA.....................................................225 4.1 Introdução.....................................................................................................................225 4.2 As relações China - América Latina.............................................................................227 4.2.1 Nova Rota da Seda avança sobre a América Latina.............................................235 4.3 As relações sino-brasileiras..........................................................................................238 4.3.1 Investimentos Diretos Chineses no Brasil............................................................254 4.3.2 Os BRICS.............................................................................................................262 4.3.3 A Iniciativa Cinturão e Rota e o Brasil.................................................................266 4.4 Considerações...............................................................................................................271 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................276 6. REFERÊNCIAS................................................................................................................281 17 1. INTRODUÇÃO Defendendo que a China não estaria em decadência, em 1816, na ilha de Santa Helena, ao ouvir do Lorde Amherst sobre a fracassada tentativa da Inglaterra em estabelecer relações diplomáticas com os chineses, Napoleão profetizou: “Deixem a China dormir, porque, quando ela acordar, o mundo inteiro tremerá!”1. Se ainda não tremera, no despertar de uma China que cresce economicamente bem acima da média mundial nas últimas décadas, em uma das suas obras mais icônicas, já fizera a velocidade de rotação da terra alterar quando acionou sua monumental hidrelétrica de Três Gargantas2, construída no rio Yang-tsé, o maior rio da China. A economia chinesa é hoje não só responsável por fatos como o relatado mas tem importância fundamental para o crescimento da economia mundial. Sobre o retorno da China ao xadrez geopolítico e econômico internacional: A simples existência da China cria um problema para os registros ocidentais sobre a história mundial. A Bíblia não dizia nada sobre a China. Hegel via a história mundial como tendo começado na China e terminado em uma crescente perfeição com a civilização alemã. A tese do “fim da história” de Fukuyama simplesmente substitui a Alemanha pelos Estados Unidos. Mas, de repente, o Ocidente descobriu que no Oriente existe essa tal de China: um grande império, com uma longa história e um passado glorioso. Um completo novo mundo acaba de surgir (YANG, 2006 apud LEONARD, 2008, p. 17). Karl Marx (1979) em uma das suas previsões, vislumbrou um extremo oriente dinâmico e concorrente diante de um capitalismo amadurecido porém acossado pelas lutas de classe. À sua época, a China era uma colônia vítima do imperialismo cujos símbolos eram a famigerada importação de ópio e consequentes guerras relacionadas a esse comércio. Parece estarmos voltando ao período anterior às grandes navegações, o eixo do poder parece retornar ao Oriente tendo como a China a líder de um grupo de países emergentes desafiando o mundo ocidental e a hegemonia norte-americana. Para Naibitts (2011), enquanto o Ocidente se planeja, no máximo, em décadas, a sociedade chinesa traz no seu inconsciente coletivo as experiências dinásticas. Percebe-se nitidamente que o socialismo chinês é o início de uma grande caminhada e há um longo 1 Não há registro do contexto desse conselho, e a própria citação pode ser inexata ou até apócrifa. Mas, se o líder francês realmente disse essas palavras, ele estava bem à frente de seu tempo. Ver em: (KYNGE, 2007, p. 22) 2 A construção da Usina das Três Gargantas foi iniciada em 1993. Até fins de 2004, 4 turbinas entraram em funcionamento. Em 2009, com 26 turbinas instaladas, a capacidade concebida da barragem passou a ser de 18.200 megawatts, ultrapassando a potência de Itaipu. Ver em: (PRANDI, 2011. n.p). 18 caminho a percorrer em busca de um desenvolvimento sustentável e se o povo chinês continuar a “sentir as pedras à medida que atravessa o rio”, permanecerá paciente nessa trajetória. James Kynge (2007) diz não precisar quando a China se tornou uma questão de importância internacional diária. Talvez tenha sido no final de 2003, pouco provável que exista um momento preciso, entretanto: […] talvez tenha havido um ponto crítico. E ele ocorreu durante várias semanas a partir de meados de fevereiro de 2004, quando, primeiro aos poucos, e depois em velocidade cada vez maior, as tampas dos bueiros começaram a desaparecer de estradas e pavimentos do mundo todo. Como a demanda chinesa levou o preço de sucata a níveis recordes, em quase todos os lugares do mundo os ladrões tiveram a mesma ideia. […] Não foi a primeira vez que uma grande potência anunciou sua chegada de um jeito incomum. O primeiro indício que os ingleses tiveram da invasão da Europa pelos mongóis, no século XIII, por exemplo, foi quando o preço do peixe em Harwich, um porto no mar do Norte, subiu acentuadamente. A explicação para isso, como o povo ficou sabendo depois, foi que as esquadras de transporte dos peixes nos Bálticos, subitamente privadas dos marinheiros necessários para lutar contra o inimigo que se aproximava a cavalo do Oriente, tinham permanecido ancoradas. Isso reduzira o suprimento de bacalhau e arenque para Harwich, e por conseguinte os preços subiram (KYNGE, 2007, p. 20-21). “O mundo hoje é made in China (feito na China). Da mercadoria ‘verdadeira’ à infinidade de cópias, falsificações e réplicas, a China tornou possível, em preço e escala de produção, viabilizar o consumo de massa tal como conhecemos hoje. Não é exagero dizer que o padrão de consumo profundamente entranhado nos imaginários culturais e sociais do que é ‘desenvolvimento’, que dá corpo e materialidade ao modo de vida que associamos à globalização3, só se tornou possível graças à China” (MORENO, 2015, p. 11). 3 A globalização é o estágio supremo da internacionalização. O processo de intercâmbio entre países, que marcou o desenvolvimento do capitalismo desde o período mercantil dos séculos 17 e 18, expande-se com a industrialização, ganha novas bases com a grande indústria, nos fins do século 19, e, agora, adquire mais intensidade, mais amplitude e novas feições. O mundo inteiro torna-se envolvido em todo tipo de troca: técnica, comercial, financeira, cultural. Vivemos um novo período na história da humanidade. A base dessa verdadeira revolução é o progresso técnico, obtido em razão do desenvolvimento científico e baseado na importância obtida pela tecnologia, a chamada ciência da produção. Todo o planeta é praticamente coberto por um único sistema técnico, tornado indispensável à produção e ao intercâmbio e fundamento do consumo, em suas novas formas. Graças às novas técnicas, a informação pode se difundir instantaneamente por todo o planeta, e o conhecimento do que se passa em um lugar é possível em todos os pontos da Terra. A produção globalizada e a informação globalizada permitem a emergência de um lucro em escala mundial, buscado pelas firmas globais que constituem o verdadeiro motor da atividade econômica. Tudo isso é movido por uma concorrência superlativa entre os principais agentes econômicos — a competitividade. Num mundo assim transformado, todos os lugares tendem a tornar-se globais, e o que acontece em qualquer ponto do ecúmeno (parte habitada da Terra) tem relação com o acontece em todos os demais.”Ver em: (SANTOS, 2002, p.79). 19 Para se chegar a esse ponto a China traz consigo uma história milenar de muito sofrimento. Guerras internas de unificação, guerras civis pelo poder no início do século e várias guerras com subjugação por inimigos externos que sempre estiveram de olho na pujança e riqueza do seu território. No modo de produção capitalista se torna vítima contumaz dos países centrais. Com o imperialismo4, não obstante o grande lucro auferido nas suas trocas desiguais com as nações colonizadas, a China se vê vítima de uma história cruel, um doping coletivo fomentado pelo uso indiscriminado do ópio, no intuito que essa droga fosse utilizada nas transações comerciais. A China aprendeu que os auxílios externos de ingleses, japoneses e dos próprios soviéticos são cobrados com juros de uma economia dependente e se propuseram seguir a risca nove princípios: i) prospectar primeiramente oportunidades de crescimento para ousar nas reformas; ii) estabelecer o modelo dual track (duas vias), necessárias para a estabilidade e inovação (regiões, na sua maioria, buscando estabelecer estabilidade social e nas chamadas Zonas Econômicas Especiais, experimentações e inovações com riscos limitados a regiões pré-definidas); iii) divisão entre governo central e administrações locais; iv) o capital, os recursos e a infraestrutura do desenvolvimento regional tutelados às decisões do Partido Comunista Chinês; v) as economias mistas são provedoras do desenvolvimento e reforma5; vi) alta competição levando a disciplina sem privilegiar interesses de alguns (bem verdade dizer que essa premissa não passa de uma imagem). Porém constata-se que inovações e experiências são levadas a cabo por servidores públicos com a decisão de freios e contrapesos levada por um consenso coletivo, não por um poder pessoal, a democracia da China não é 4 Imperialismo é uma palavra que sai facilmente da boca. Mas tem sentidos tão diferentes que seu uso é difícil sem que dele se dê uma explicação como termo antes analítico que polêmico. Defino aqui a variedade especial dele chamada “imperialismo capitalista” como uma fusão contraditória entre “a política do Estado e do império” (o imperialismo como projeto distintivamente político da parte de atores cujo poder se baseia no domínio de um território e numa capacidade de mobilizar os recursos naturais e humanos desse território para fins políticos, econômicos e militares) e “os processos moleculares de acumulação do capital no espaço e no tempo” (o imperialismo como um processo político-econômico difuso no espaço e no tempo no qual o domínio e o uso do capital assumem a primazia). Com a primeira expressão desejo acentuar as estratégias políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um Estado (ou por algum conjunto de Estados que funcionam como bloco de poder político) em sua luta para afirmar seus interesses e realizar suas metas no mundo mais amplo. Com esta última expressão, concentro-me nas maneiras pelas quais o fluxo do poder econômico atravessa e percorre um espaço contínuo, na direção de entidades territoriais (tais como Estados ou blocos regionais de poder) ou em afastamento delas mediante as práticas cotidianas da produção, da troca, do comércio, dos fluxos de capitais, das transferências monetárias, da migração do trabalho, da transferência de tecnologia, da especulação com moedas, dos fluxos de informação, dos impulsos culturais e assim por diante. Ver em: (HARVEY, 2005. p. 31-32). 5 Havendo propriedade privada das terras na China, onde a população rural se faz maioria, levaria um comprometimento do bem-estar social que logo levaria a derrocada do governo. Pudong, o bairro industrial de Xangai, foi criado sem muita emissão de dívidas com todos os projetos de reestruturação da cidade financiados pela venda do direito de uso das terras públicas. Ver em: (BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 14). 20 uma competição por palavras. vii) existe uma nova parceria coordenada entre governos, empresários, trabalhadores e agricultores; viii) os governos criam mercados e os orientam mas não são controlados pelo mercado, inviabilizando o controle político do Estado por interesses privados. Medidas econômicas, como liberalização lenta da taxa de juros, taxa de câmbio e até mesmo sobre a entrada de investimento externo direto são definidas protegendo a indústria nacional para que essa ganhe tempo na assimilação dos avanços tecnológicos; e ix) a China está determinada nos esforços de desenvolvimento do país sem interferir nos conflitos externos (BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 14-15). A China atualmente tem a maior economia do mundo, quando medida em poder de paridade de compra6 sendo responsável por 22% da população global7 com um aspecto diferenciado, um hiato entre o número de homens e mulheres8. Dos últimos 20 séculos a China só não foi a maior nação do mundo em dois deles, sendo líder em avanços científicos e tecnológicos, incluindo desenvolvimento em diversas áreas como ciências naturais, engenharia, medicina, tecnologia militar, matemática, geologia e astronomia e sendo responsável pelas quatro grandes invenções: a bússola, a pólvora, o papel e a tipografia, tendo como símbolo desse poder de empreender e mobilizar grandes recursos naturais e humanos a Grande Muralha da China. Outro símbolo é a produção da seda iniciada por volta do ano 2700 a.C. com a sericultura se transformando numa indústria próspera que gerou um comércio global dinâmico, por meio da famosa rota da seda. Muito antes dos povos ibéricos, no século XV, resultante de inovações na técnica de navegação e construção naval, a China tinha a maior frota do mundo com mais de 200 navios e cerca de 27.800 marinheiros e soldados (ALVES, 2018, n.p). 6 De acordo com a teoria da paridade do poder de compra (PPP), os níveis de preços nacionais seriam iguais quando mensurados em uma mesma moeda. Isso ocorreria devido à arbitragem internacional de bens, sob as hipóteses de ausência de custos de transação e de barreiras ao comércio internacional, e considerando-se informação perfeita e homogeneidade de bens. Ver em: (FREIXO; BARBOSA, 2004, p. 76). 7 1.395,38 bilhão de habitantes. Fonte: 8 Um dos aspectos mais inquietantes da China representa uma guerra contra os bebês do sexo feminino que resulta num aumento da população masculina. O sistema chinês de propriedade contribui para isso. As famílias camponesas recebem um lote de terra e por tradição as moças que se casam vão morar com a família do noivo e as famílias que têm filhos homens possuem melhores chances a longo prazo no sistema de distribuição da terra. Os pais de filhos homens têm maiores possibilidades de que alguém permaneça a seu lado para sustentá-los na velhice com os filhos homens mais capazes de trabalharem a terra. Outro fator é a política chinesa de planejamento familiar. A partir de 1979, o Estado obrigou os casais a terem somente um ou dois filhos. O número depende do lugar da moradia das famílias e da ordem do nascimento dos filhos. Aos casais urbanos somente se permite mais de um filho quando marido e mulher são casados pela segunda vez e desejam ter um descendente. No campo, as famílias podem legalmente ter dois filhos, desde que o primeiro a nascer seja menina. Ver em: (FISHMAN, 2006, p. 113-114). 21 O PIB chinês registrou em 2018 uma taxa de crescimento de 6,60% com Taxa de desemprego a 3,61%, inflação a 2,80% e taxa de juros de 4,35% e dívida pública de 50,50% do PIB. Dos 1,395 bilhão de habitantes, 775 milhões se encontram empregados com o salário- mínimo estipulado em 2.480 yuans (aproximadamente US$ 350,00 com a cotação do dólar a 7,09) e o salário médio chegando a 82.461 yuans/ano (aproximadamente US$ 11.630,00 ao ano, ou US$ 970,00 por mês, com a cotação do dólar a 7,09)9. A China é o terceiro maior país do mundo em extensão com 9,6 milhões de km2. O ponto extremo norte (Heilongjiang) está a 5.500 km do extremo sul (ilhas Nansha) enquanto seus extremos leste-oeste (Wusulijiang-planalto do Pamir) distam 5.000 km entre si. Visto do alto, o relevo do território chinês parece uma escada de três degraus que desce do oeste para o leste. A fronteira com Afeganistão, Paquistão, Índia, Nepal, Sikhin e Butão no degrau mais alto a oeste e sudoeste conhecido como o planalto de Qinghai-Tibet, o “Teto do Mundo”, com altitude média de 4.500 metros despontando os maciços montanhosos e picos mais altos do mundo com destaque para o Himalaia (Terra Natal do Gelo e da Neve, em tibetano) ultrapassando os 6 mil metros, onde se encontram 40 montes de mais de 7 mil metros e 11 com mais de 8 mil metros onde se destaca o Everest10 com 8.848 metros, o mais alto do mundo. Esses montes que se distribuem pelos 2.400 km do planalto tibetano, cobertos de neve, formam um “reservatório natural” alimentando no verão os rios que descem os degraus do leste em direção ao Oceano Pacífico e às encostas do sul em direção ao Índico. O Changjiang (Yang-tsé), o Huanghe (Amarelo) e outros grandes rios chineses possuem suas fontes no Qinghai-Tibet. Descendo as bordas do planalto do Tibet, a altitude cai rapidamente para 2 mil a mil metros dando origem a três grandes bacias, a Junggar, a Tarim e a Sichuan e os planaltos da Mongólia Interior, de Loess a de Yunnan-Guizhou, coberto de numerosas pastagens naturais, estiram-se as estepes de Hulun-Boír e de Xilian Gol, as mais importantes zonas de pastoreiro da China (POMAR, 1987, p. 22-24). A China é dividida atualmente em quatro grandes macrorregiões com a região costeira (Eastern Coastal Region) e a região central (Central Region) concentrando as principais atividades econômicas. Essa concentração se dá principalmente por conta do alto índice populacional, melhores condições climáticas e geográficas e da posição das duas principais 9 Fonte: TRADE ECONOMICS. Disponível em: . Acesso em 09 de outubro de 2019. Publicado em 09 de outubro de 2019. 10 Monte Qomolongma (Terceira Deusa, em tibetano), denominado Sagarmatha pelos nepaleses e, em 1855 rebatizado arbitrariamente de Everest, nome do diretor inglês do Birô de Medicamentos da Índia. Ver em: (POMAR, 1987, p. 21). 22 cidades que constituem os marcos políticos e polos econômicos do país (Beijing e Shangai). Em contrapartida, boa parte da região oeste da China apresenta-se imprópria para a agricultura em grande medida desértica demandando alta soma de investimento e a região norte e extremo nordeste constituem-se zonas restritas de baixa condição econômica, baixo potencial em recursos naturais com clima e geografia desfavoráveis com zonas “proibidas” por serem áreas legais de proteção de reservas naturais. Entretanto, existe um esforço de planejamento para o desenvolvimento dessas últimas regiões onde em linhas gerais busca-se direcionar ações com o objetivo de implantar e desenvolver setores da indústria que possa utilizar a mão de obra existente e os recursos naturais existentes na região propondo o uso racional do espaço voltado para a produção agrícola realizando um processo de industrialização e modernização desse setor. Outra medida importante é a criação de uma infraestrutura básica de transporte (ferrovias e rodovias) interligando à malha já existente no restante do país. Busca-se também a elaboração de uma política de cuidado do solo de forma a evitar o aumento da desertificação criando projetos pilotos de transformação estrutural da base produtiva integrada ao setor agrícola. Ações também são implementadas no sentido de estimular a produção de veículos e maquinário voltados para a produção local e a posteriori exportação e, por fim, o governo central quer aumentar a prestação de serviços básicos a população local como educação, saúde e treinamento técnico. A despeito do crescimento econômico expressivo das últimas décadas com a renda das famílias crescendo em média 7,0% a.a. retirando 853 milhões de habitantes da linha da pobreza11, observa-se uma desigualdade muito grande entre as regiões chinesas, principalmente entre as regiões rural e urbana, uma preocupação latente do governo chinês que teme uma vez mantidas essas disparidades possa acontecer um aumento das tensões sociais principalmente nas 56 minorias étnicas espalhadas pelas regiões mais pobres (LEITE, 2018, p. 263–266). O abandono da planificação central acoplada à adoção de mecanismos de mercado na gestão da economia seria a principal explicação para que, um país saído de um século de humilhações atingisse o posto de uma das economias mais dinâmicas e admiradas, por muitos temidas, do mundo. Juntem-se a isso outros fatores igualmente importantes como: ampla abertura ao comércio internacional; medidas facilitadoras de fluxo de investimento 11 A partir de 1981, a China foi responsável pela redução de 78% das pessoas que vivem na pobreza no mundo, são sete vezes mais do que se registrou na Índia e a Indonésia, vinte vezes mais que na América Latina e oitenta e cinco vezes mais que na África subsaariana. A definição de pobreza do Banco Mundial é um consumo de US$ 1,90 por dia aos preços de 2011, medidos em preços comparáveis internacionalmente – Paridade de Poder de Compra (PPC). Fonte: Calculado pelos indicadores de desenvolvimento do Banco Mundial. Ver em: (ROSS, 2017, n.p.) 23 estrangeiro direto; elevadas taxas de poupança e investimento; marcos regulatórios facilitadores de negócios; elevada taxa de educação primária no início das reformas; controle sobre a migração; e, um reposicionamento gradual da função do Estado sobre as decisões econômicas da China (AMORIM, 2012, p. 109). Reduzir a distância entre ricos e pobres com eventual compensação aos talentos individuais tem sido uma equação difícil de resolver. A China de agora, desenvolve um modelo próprio na tentativa de equacionar liberdade e justiça. Os chineses têm como meta eliminar a pobreza abjeta e o desenvolvimento de uma sociedade igualitária na sua maioria até 2020. Em 2007, o presidente Hu Jintao conclamou: “precisamos aprofundar a reforma do sistema de distribuição de renda e aumentar a renda tanto dos residentes urbanos como dos rurais” (NAISBITT, 2011, p. 204-205). Com objetivo de reduzir diferenças de desenvolvimento econômico entre as regiões Leste e Oeste da China, em 2000, o governo central lançou uma campanha denominada “Desenvolver o Oeste”. Essas regiões que fazem fronteira com mais de 10 nações e rica em recursos naturais e minerais com potencial para ser a próxima “região de ouro” replicando o sucesso econômico da região costeira, recebera investimentos até o fim de 2007 de mais de 3 mil empresas estabelecidas na região em segmentos distintos como logística, tecnologia de informação, comércio, finanças, segurança e exportação (ibidem, p. 218). Na China, o partido comunista12 conquistou o poder na vaga de uma épica luta de libertação nacional em que os projetos de profunda transformação social se entrelaçaram estreitamente com o objetivo da recuperação da dignidade da nação chinesa, protagonista de uma civilização milenar, mas que, a partir da guerra do ópio, fora reduzida à condição semicolonial (e semifeudal) e o desafio estaria em como conduzir o imenso país asiático em direção, ao mesmo tempo, à modernidade e ao socialismo, superando a dilaceração e a humilhação nacionais impostas pelo imperialismo (LOSURDO, 2004, p. 63). O Partido Comunista Chinês trabalha a favor do bem-estar da população chinesa. Estiveram à frente de planejamentos estratégicos de longo prazo sem os descontroles e interrupções de eleições típicas do mundo ocidental. A China não se desmantelou por rivalidades políticas, muito menos deixou-se atrasar por decisões repentinas em seu caminho, 12 O comunismo distingue-se de todos os movimentos que o antecederam até agora pelo fato de subverter as bases de todas as relações de produção e de troca anteriores e de, pela primeira vez, tratar conscientemente todas as condições naturais prévias corno criações dos homens que nos precederam até agora, de despojá-las do seu caráter natural e submetê-las ao poder dos indivíduos reunidos. Por isso sua organização é essencialmente econômica, é a criação material das condições dessa união; faz das condições existentes as condições da união. (MARX; ENGELS, 1998, p.87). 24 muito ao contrário, harmonizou-se em objetivos comuns convergentes desde o processo de reformas de reabertura com um apoio participativo das bases da sociedade chinesa. O mundo ocidental enxerga as reformas de abertura com a mentalidade ocidental onde se julgam superiores; entretanto, os chineses acreditam na legitimidade do desempenho em detrimento do aspecto ideológico onde se o governo é bem administrado, ele é percebido como legítimo. O panda outrora desajeitado agora está em plena ascensão (NAISBITT, 2011, p. 2–8). Não sem se beneficiarem das benesses advindas dos quase 30 anos de uma tentativa de socialização dos meios de produção no modelo socialista, a partir de 1978, a China se propõe a fazer uma reforma de abertura ao mercado e começa a percorrer todas as etapas históricas do modelo capitalista até então, sempre sob a administração forte do Estado e seu Partido Comunista Central que monitora e gerencia as metas criadas de 5 em 5 anos, procurando seguir a risca um planejamento elaborado desde a revolução, para em 2050, retornar ao posto que um dia fora desse país, a maior nação do planeta. Um processo estratégico de transformação da China em uma nação desenvolvida, passa por oito duplicações do PIB chinês até 2050, tendo o ano de 1978 como marco, colocado por Deng Xiaoping da seguinte forma: Nós estamos construindo o socialismo, mas isso não significa que o que nós conquistamos até agora corresponde ao padrão socialista. Não antes da metade do próximo século, quando nós tivermos atingido o nível das nações moderadamente desenvolvidas, poderemos dizer que realmente construímos o socialismo e declarar de forma convincente que o socialismo é superior ao capitalismo. Nós estamos avançando rumo a essa conquista (XIAOPING, 1994 apud JABBOUR, 2012, p.11). Os comunistas enfrentaram dificuldades em suas tentativas de tirar a China do subdesenvolvimento e colocá-la na trilha do desenvolvimento como também souberam tirar lições de seus erros sendo os grandes indutores de todas as mudanças atuais. Ressalta-se que enquanto os ocidentais acreditam que todos nascemos iguais, os chineses creem que todos nascem conectados, elos de uma rede, uma teia. Os chineses se enxergam como parte de uma família, clã, vila, província, grupo étnico e, por conseguinte, de uma nação ou Estado. A cultura ocidental influenciada pela tradição grega baseia-se em indivíduos que se reúnem para formar um grupo ou um Estado. Na China, cultua-se a lealdade ao país, o respeito e a obediência às autoridades, ao governo, aos pais, aos parentes mais idosos e aos professores. Em mandarim, um indivíduo é descrito como xiaowo - “pequeno eu” e o grupo a que uma pessoa pertence, o dawo – o “grande eu”. Partindo dessa premissa, tem- 25 se uma sociedade onde o grupo, o Estado, devem prover direitos culturais, econômicos e sociais às pessoas bem como direito ao trabalho, acesso à educação, à saúde, à habitação e às artes. Em contrapartida do indivíduo se cobra a lealdade ao dawo, condição não facilmente aceita no ocidente onde a liberdade do indivíduo deixar um grupo e se juntar a outro quando contrariado é primordial (NAISBITT, 2011, p. 271-272). Para Guimarães (2009), a transição para uma economia de mercado dependeu de capacidade institucional e regulatória, que demanda certo grau de capacidade estatal melhor ilustrado pela condução da política econômica chinesa que vem combinando uma forte intervenção estatal com a preservação de alguns fundamentos econômicos, especialmente no que diz respeito ao controle da inflação e à manutenção de uma taxa de câmbio favorável às exportações. O Estado chinês promoveu políticas de controle, visando a proteger a indústria nacional, moldando a entrada do capital estrangeiro e obtendo condições favoráveis para a transferência de tecnologia. O governo chinês não mede esforços para produzir grupos empresariais com capacidade tecnológica e competitiva, precondição para o poder internacional do país. O Estado chinês promove medidas no intuito de aumentar o poder competitivo das suas empresas no mercado internacional ofertando linhas de crédito a baixo custo, estimulando o desenvolvimento industrial e tecnológico concedendo subsídios para o esforço de pesquisa e desenvolvimento aproximando universidades e instituições de pesquisa às suas empresas colando-se bem a frente de países como Brasil e México. De acordo com Amsden (2009), conforme citado por Cuco (2016), a China é um dos países que, a partir de 2000, fez parte de dois conjuntos distintos de países do “resto 13”, que estavam concorrendo entre si por recursos e por participação no mercado global, bem como pela liderança em servir de modelo para industrializados ainda mais tardio. Esses conjuntos distintos são, primeiro os “independentes”, que integram a China, Índia, Coreia e Taiwan, que são países que priorizaram modelos próprios de crescimento, por um lado, e, por outro lado, os “integracionistas”, que integram a Argentina, o Brasil, Chile, México e a Turquia, que apostaram em vínculos mais fortes com o capital estrangeiro. Para Amsden (2009), conforme citado por Cuco (2016), o segredo de sucesso desses países só pode ser encontrado na recuperação do lugar do Estado e no seu papel-chave no comando de estratégias nacionais de desenvolvimento14. Este aspecto acabou sendo importante para a China porque, mesmo 13 Países cujo desenvolvimento iniciou ao longo do século XX. Até lá eram considerados do terceiro mundo, resultando daí a designação “resto”. Ver em: (CUCO, 2016, n.p.). 14 O Estado em maior parte dos países altamente desenvolvimento desempenhou um papel preponderante na proteção da indústria local antes de atingirem o nível de desenvolvimento que eles têm hoje, algo que é 26 isolada do mundo e ameaçada pelo Ocidente, aprendeu a mudar suas riquezas de forma drástica nas últimas três décadas. Tal como apontam Lee & Bremmer (2012 apud CUCO, 2012, n.p.), a China começa a se destacar no cenário mundial um pouco depois do avanço diplomático entre ela e os Estados Unidos em 1972. Particularmente na última década, desde a sua adesão à Organização Mundial do Comércio, a China surpreendeu os observadores ao redor do mundo com a sua velocidade de urbanização, a sua modernização, a redução do número de pessoas em situação de pobreza e ao grande volume de reservas em moeda estrangeira que detém. Segundo Belluzzo (apud ANDERSON, 2018, p. 14), a economia chinesa, na década de 1980, equiparava-se ao Brasil com 1% em participação no comércio mundial; em 2010, a China atingiu o percentual de 10,5%, contra 8,4% dos Estados Unidos e 8,3% da Alemanha, com taxa média de crescimento anual na primeira década do século de 10,5% contra 1,7% dos Estados Unidos e 0,9% da Alemanha sendo, ao final dessa mesma época, responsável pela produção mundial de 42% dos televisores a cores, 67% dos produtos de vídeo, 53% dos celulares, 97% dos computadores pessoais e 62% das câmeras digitais, tornando-se a fábrica do mundo. Explicação de crescimento dada nas seguintes condições: Os chineses usam e abusam de políticas industriais e normas destinadas a favorecer as empresas nacionais em detrimento das estrangeiras. Apoiam abertamente a concentração e fusão, usando as grandes estatais como núcleo desse processo de constituição de conglomerados […]. A estratégia da China combina, até agora com sucesso, a atração do investimento direto estrangeiro para parcerias com empresas locais (privadas e públicas), a absorção de tecnologia e a fixação de metas de exportação e de geração de saldos positivos na balança comercial. Integrar a economia significa conquistar mercados, ampliar o superávit comercial e manter rigoroso controle sobre o movimento de capitais. A determinação da taxa de câmbio não é deixada aos mercados, e sim usada como instrumento de competitividade. Isto, obviamente é motivo de escândalo para os economistas liberais (BELLUZZO, 2018 apud ANDERSON, 2018, p. 14-15). Para Li (2018), o surpreendente e irônico de todo o sucesso do crescimento chinês é que ele se transformou na tábua de salvação do sistema capitalista, ainda mais se levarmos em conta a grande crise econômica de 200815. Tem estado nas mãos do Partido Comunista Chinês negado aos países em desenvolvimento, mas que acabou sendo importante para catapultar a economia dos países “independentes” dos quais a China faz parte. Ver em: (CUCO, 2016, n.p.). 15 Crise financeira geral que teve início na crise dos subprimes, hipotecas oferecidas a clientes de qualidade de crédito inferior que eram depois agrupadas em títulos complexos e opacos cujo risco associado era de avaliação difícil, se não impossível, para os compradores. Um desiquilíbrio minúsculo que, na integração do sistema financeiro internacional a um esquema de operações financeiras securitizadas essencialmente frágil, uma vez que inovações e a especulação financeiras tornaram o sistema financeiro como um todo arriscado, se transformou numa crise de proporções globais. Ver em: (BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 24). 27 o destino de empresas capitalistas realocadas para China que se fartam de mão de obra barata e bem comportada16, condições fiscais e de crédito ímpar e logística para escoamento da produção de alto padrão a despeito de serem enxergados ainda assim, com sua “economia de mercado socialista chinesa”, uma ameaça, um desafiante à ordem mundial capitalista. Para manter suas altas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o “país do meio”, agora conhecido como a “fábrica do mundo”, tem uma demanda crescente de matérias-primas, alimentos, energia e capital em abundância. Os investimentos crescem na mesma ordem das demandas. De forma global, acontece um movimento cada vez maior de participação do setor privado nacional e estrangeiro em áreas que não estratégicas (setor de serviços, por exemplo) e, por outro o lado, existe o fortalecimento de conglomerados estatais em setores com alto grau de monopólio e capacidade de competir no exterior – como energia, eletrônica, ferro e aço, farmacêutica, construção, transporte e petróleo, oito grupos que trabalham na geração de energia e a indústria química. Apesar de grandes investimentos internos, a China se vê obrigada a buscar diversos parceiros internacionais com o objetivo de suprir demandas agora criadas fechando acordos com vários vizinhos e na medida do necessário percorrendo terras mais distantes. Nesse processo ressalta-se os imigrantes chineses mundo afora, próximos ou não, maiores responsáveis pelos Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs) como veremos adiante. Parcerias com países da Ásia, África, América Latina e Caribe no que convencionou-se chamar de negócios sul-sul buscam disseminar uma ideia de globalização inclusiva onde todos ganham, com crédito e tecnologia chinesa onde diversos países têm obras, normalmente 16 A máquina sindical do país é bastante complexa. No nível mais alto, está a Confederação Nacional dos Sindicatos Chineses, com mais de 200 milhões de filiados e operando como uma simples correia de transmissão do governo central com o objetivo de levar adiante os programas do Partido Comunista. Seus recursos são imensos, pois provêm de 2% da gigantesca folha salarial da China. Pela via da distribuição do numerário para entidades regionais e locais, essa confederação exerce forte controle da base sindical do país. Mas essa situação está mudando. As federações e os sindicatos regionais e locais começam a ganhar independência. A redução do número de empresas estatais e o aumento das privadas (ou mistas) estão estimulando os sindicatos a falar mais alto. Mudanças expressivas estão ocorrendo nos sindicatos ligados às multinacionais. Foram eles que deflagraram as greves no setor automobilístico em 2010 e que forçaram as empresas a conceder aumentos salariais expressivos - em alguns casos (Honda) de até 30%. (PASTORE, 2011, n.p.) 28 de infraestrutura, financiadas no objetivo de aquisição de commodities17 tão importantes para sustentar seu crescimento. Após décadas de alto crescimento e uma influência crescente no mundo, a política externa de Xi Jiping, presidente chinês desde março de 2013, lidera uma tremenda transformação no comportamento diplomático da China. Com um ambicioso “sonho chinês” de estratégia para o “Renascimento Nacional”, substituindo a “diplomacia discreta” de Deng. A China tem sido mais pró-ativa e confiante no cenário mundial, com uma política militar e de segurança cada vez mais assertiva. Xi fez 28 viagens ao exterior que o levaram a 56 países nos cinco continentes com a China tendo um impacto profundo no desenvolvimento econômico global, com iniciativas como o Banco de Investimento Asiático em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês), o Fundo da Rota da Seda, o Novo Banco de Desenvolvimento, também conhecido como Banco de Desenvolvimento do BRICS, além de investimentos em projetos produtivos e infraestrutura em 112 países, fazendo parte da Iniciativa Cinturão e Rota (ALVES, 2018, n.p.). A ambiciosa e moderna Iniciativa Cinturão e Rota, que nasce como projeto OBOR (On Belt, On Road – Um Cinturão, Uma Rota) e que a imprensa convencionou chamar de Nova Rota da Seda aludindo às antigas rotas comerciais interconectadas feitas em caravanas e embarcações oceânicas e que levavam mercadorias variadas, em especial a seda, do sul da Ásia passando pelo Oriente Médio chegando a Europa, e que atualmente se assenta em um mundo já interligado e de inferências geopolíticas importantes. A China escolheu após 100 anos de experiências traumáticas com a subjugação do seu povo ao Imperialismo das potências centrais capitalistas recorrer à alternativa econômica dada à época, o socialismo, e teve no seu vizinho, a URSS, um representante maior. A posteriori, essa mesma China, na figura do Mao Tsé-Tung, sabiamente e habilmente, aproveitou-se da tensão criada entre URSS e EUA, no que ficara conhecida como Guerra Fria18, conseguindo 17 De acordo com Sinott (2010) as commodities se caracterizariam por serem produtos indiferenciados, com baixo processamento industrial e elevado conteúdo de recursos naturais. Os setores produtores de commodities têm a capacidade de gerar periodicamente altas rendas - rendas diferenciais no sentido ricardiano do termo - ou seja, lucros extraordinários (windfall profits) associados aos ciclos de preços típicos desses produtos. A natureza da produção de commodities e seus ciclos de preços têm sérias implicações sobre os países produtores por meio da valorização da moeda local, acarretando o desestímulo às outras atividades, principalmente as manufatureiras, e ocasionando uma especialização ulterior .Ver em: (Carneiro, 2012, p. 7). 18 Guerra Fria é um termo utilizado a partir de 1946-1947, pouco depois de terminada a Segunda Guerra Mundial. Seu fim é marcado pelo período que vai da “queda” do muro de Berlim e o subsequente esfacelamento político dos regimes da Europa do Leste, até o momento em que a União Soviética passou para o capitalismo, entre 1989 e 1991. Apesar de se terem aliado no enfrentamento à Alemanha nazista e no acordo para uma nova ordem mundial, as potências vencedoras guardavam uma profunda desconfiança 29 benesses comerciais dos Estados Unidos para alavancar sua economia. Aproveitara-se também de um modelo de globalização econômica, de exportação de capitais para criar suas Zonas Econômicas Especiais e seu modelo de economia exportadora. Tudo isso a partir de planos quinquenais discutidos para cumprir um planejamento construído desde 1949 para voltar ao seu lugar de maior nação do mundo. Diante da iniciativa chinesa Cinturão e Rota, que já impacta boa parte do mundo, transformando relações econômicas e sociais mundo afora, como o Brasil está se planejando para esse novo cenário? Que medidas estão sendo tomadas para que possamos, assim como a China historicamente o fez, melhor aproveitarmos dessa nova oportunidade para obtermos melhorias das nossas condições econômicas trazendo desenvolvimento para nosso povo tão sofrido? O objetivo da pesquisa é esmiuçar imbricações históricas vivenciadas pelos chineses que os fizeram chegar na condição econômica que se encontram hoje, fazendo com que a China possa propor um projeto tão ousado, a Iniciativa Cinturão e Rota. A proposta é apresentar suas particulares, projetando os impactos da iniciativa no Brasil. Adota-se para tanto uma metodologia quantitativa por meio de levantamentos, buscas e análises de dados em bases nacionais e internacionais, associando-se a uma pesquisa bibliográfica compreendendo a leitura de livros, revistas científicas, teses e portais eletrônicos. Temos que ter em mente que mesmo uma pequena elevação no padrão de vida na China acarreta uma enorme mudança no tamanho total de sua economia. As consequências reais e concretas da Iniciativa Cinturão e Rota, suas imbricações geopolíticas, seu retorno financeiro para a China e para seus parceiros geram discussões onde defensores e detratores têm seus discursos impregnados de interesses. A dissertação aqui defendida não tem a pretensão de um ponto final, ainda mais para um país, o Brasil, que na aparência estaria fora do alcance da iniciativa mas quê, na essência, até mesmo por conta do histórico recente, tem fortes ligações com a China, sendo essa atualmente sua maior paceira comercial. mútua criando uma tensão mundial por mais de quarenta anos entre o bloco comunista, liderados pela União Soviética, e os capitalistas, liderados pelos Estados Unidos. Ver em: (RIBERA, 2012, p. 88–89). 30 2. A ASCENSÃO DO DRAGÃO CHINÊS: AS TRANSFORMAÇÕES PÓS-1949 Na China estamos na presença de dois comboios que se afastam sintetizados no “subdesenvolvimento”. Sim, um desses dois comboios é muito rápido, ou outro de velocidade mais reduzida: por causa disso, a distância entre os dois aumenta progressivamente, mas não podemos esquecer que os dois avançam na mesma direção; e também é preciso lembrar que não faltam esforços para acelerar a velocidade do comboio relativamente menos rápido e que, de qualquer modo, dado o processo de urbanização, os passageiros do comboio muito rápido são cada vez mais numerosos. No âmbito do capitalismo, pelo contrário, os dois comboios em questão avançam em direções opostas. A última crise pôs em destaque um processo em ação há várias décadas: o aumento da miséria das massas populares e o desmantelamento do Estado social encontram-se a par da concentração da riqueza nas mãos de uma oligarquia parasitária restrita (LOSURDO, 2011 apud JABBOUR, 2012, p. 45). 2.1 Introdução O presente capítulo tem como objetivo analisar como se deu o processo de transformação e crescimento da economia chinesa. A partir das teses de pensadores e pesquisadores que se propuseram a estudar e observar um fenômeno único na humanidade, dada a celeridade e a escala, tem-se a intenção de descrever as inflexões históricas como a revolução que levou ao poder o Partido Comunista Chinês em 1949, o processo de abertura comercial chinesa a partir de 1978 e demais fatores importantes que fizeram desse país nesse século XXI ser reconhecido como a fábrica do mundo e que acabaram por propiciar uma revolução de costumes e que apresenta uma China moderna e protagonista no mundo. Para uma reflexão inicial sobre o crescimento chinês: se em 1949 planejou-se o desenvolvimento pelo socialismo preconizado por Karl Marx, ao final da década de 1970, escancara-se todas as características do capitalismo, principalmente verificadas no Reino Unido, criticadas pelo próprio Marx no século XIX. A principal lei econômica tendencial do movimento do capital, a da queda da taxa de lucro19 e as medidas contrariantes a essa lei 19 A tendência progressiva da taxa geral de lucro a cair é uma expressão peculiar do modo de produção capitalista para o desenvolvimento progressivo da força produtiva social de trabalho. Com isso não está dito que a taxa de lucro não possa cair transitoriamente por outras razões, mas está provado, a partir da essência do modo de produção capitalista, como uma necessidade óbvia, que em seu progresso a taxa média geral de mais-valia tem de expressar-se numa taxa geral de lucro em queda. Como a massa de trabalho vivo empregado diminui sempre em relação à massa de trabalho objetivado, posta por ele em movimento, isto é, o meio de produção consumido produtivamente, assim também a parte desse trabalho vivo que não é paga e que se objetiva em mais-valia tem de estar numa proporção sempre decrescente em relação ao volume de valor do capital global empregado constitui, porém, a taxa de lucro, que precisa, por isso, cair continuamente. Ver em: (MARX, 1985-1986, p. 164). 31 servem como base para entender o que acontece com o país de dois sistemas20. Boa parte das contra tendências à queda da taxa de lucro21 chegam a China, maturadas e ávidas de valoração do capital. Xuan & Doria (2016) fazem observações importantes sobre o papel desempenhado pela ideologia22 em regimes comunistas onde ocupa posição central fundamentando teoricamente as justificativas da revolução, das ações políticas, das instituições do Estado explicando as questões teórico-práticas que envolvem a sociedade humana, oferecendo uma perspectiva racional para a construção de uma sociedade ideal: Os desafios impostos pela prática revolucionária na China demonstraram a importância da ideologia no estabelecimento, desenvolvimento e manutenção do sistema politico comunista. As ideias que fundamentam toda a construção estatal da Nova China estão arraigadas no marxismo que vai desde o próprio Marx, Lênin, Stálin, Mao Tsé-Tung até os desenvolvimentos mais recentes centralizados na liderança coletiva de Xi Jinping (XUAN; DORIA, 2016, p. 118). É preciso lembrar que para Marx, se quisermos conhecer uma sociedade, saber como ela de fato é, como funciona, temos de olhar para seu lado material, isto é, temos de investigar de que forma esta sociedade sobrevive e se reproduz materialmente. Ao final da década de 1970, a China resolve abrir-se ao mercado usufruindo de uma globalização praticada pelos países capitalistas centrais com claros objetivos de revertimento para esses, daquilo que Marx (2011) colocara como a principal lei econômica tendencial do movimento do capital, a queda da taxa de lucro. A partir de então, na China, sob comando de 20 No início dos anos 1980 a China elaborou uma nova política para chegar a uma reunificação pacífica dos territórios ainda colonizados por potências estrangeiras (Hong Kong e Macau), ou separados do país por interferência estrangeira (Taiwan). Chamada de politica de “Um País, Dois Sistemas”, ela sugeria a negociação com a Inglaterra, para a devolução de Hong Kong, com Portugal, para a devolução de Macau, e com os governantes de Taiwan, sem interferência dos Estados Unidos ou do Japão, para a reincorporação desses territórios à soberania chinesa como Regiões Administrativas Especiais (RAE). Nestas RAEs, pelo período de cinquenta anos, o governo central da China apenas cuidaria das relações externas e da defesa, enquanto os governos locais teriam plena autonomia para tratar dos assuntos internos, mantendo o sistema capitalista e suas regras políticas próprias. Hong Kong foi reincorporado em 1997 e Macau em 1999. O processo de reincorporação de Taiwan tem sido mais lento, mas tem avançado paulatinamente. Ver em: (POMAR, 2009, p. 242). 21 Deve haver influências contrariantes em jogo, que cruzam e superam os efeitos da lei geral. As mais genéricas dessas causas são as seguintes: I. Elevação do grau de exploração do trabalho; II. Compressão do salário abaixo de seu valor; III. Barateamento dos elementos do capital constante; IV. Superpopulação relativa; V. Comércio exterior; VI. Aumento do capital por ações. Ver em: (MARX, 1985-1986, p. 177-182). 22 Na Ideologia Alemã, o conceito de ideologia aparece como falsa consciência e que “Mais tarde Marx amplia o conceito e fala das formas ideológicas através das quais os indivíduos tomam consciência da vida real (...)”; mas que “Para Marx, claramente, ideologia é um conceito pejorativo, um conceito crítico que implica ilusão (...)”. Assinala que dentro do marxismo estão presentes essas duas linhas de conceituação da ideologia: uma que utiliza o termo em seu sentido restrito, como em Marx, e outra, inaugurada por Lênin, que utiliza o termo em seu sentido amplo, da ideologia como visão de mundo. Ver em: (LÖWY, 2010, p. 12) 32 um partido comunista, o dito comunismo de características chinesas23, vê-se operando várias práticas capitalistas que a levam ao crescimento e desenvolvimento da sua força produtiva. O Estado chinês forte é o maior exemplo de conciliação da mais valia relativa e absoluta24 no mundo atual transformando a China no maná para o grande capital. Segundo Pomar (2009), a globalização iniciada no final do século XX apresenta aspectos específicos. Ela é resultante de um processo de desenvolvimento histórico do capitalismo desde o século XVIII que dividiu o mundo em países altamente desenvolvidos, mediamente desenvolvidos, em desenvolvimento e países tidos simplesmente como inviáveis. Processo que desencadeou conflitos, inclusive guerras imperialistas de alcance mundial, e revoluções. Ao longo do século XX destacam-se como frutos desse processo histórico o fim do colonialismo, surgimento de países socialistas, implantação de Estados de bem-estar social em países capitalistas europeus e à chamada Guerra Fria. Nos países altamente desenvolvidos, já em meados do século XX, o capitalismo se enveredava pela utilização das ciências e das tecnologias como principais forças produtivas com consequente crescimento do capital constante25 das empresas, elevação da produtividade do trabalho, redução do capital variável26, isto é, da força humana de trabalho, e a queda da taxa média de lucro, ou da margem de rentabilidade. O capitalismo, nesses países, apesar, ou por causa de sua pujança tecnológica, começou a enfrentar crescente dificuldade para realizar sua reprodução ampliada27. Já nos países mediamente desenvolvidos, seu capitalismo se esforça para ingressar 23 A expressão “com características chinesas” tem sido empregada ironicamente hoje em dia para significar quaisquer atividades para as quais a China haja trazido soluções originais, sobretudo as que tenham aspecto oportunismo e ética casuística. Alguns autores se referem, por exemplo, à “justiça com características chinesas” ao tratar do ataque do governo contra manifestantes na praça da Paz Celestial, e à “democracia com características chinesas” ao falar da repressão em Hong Kong. A expressão é frequentemente empregada com referência a aspectos culturais importados que tenham recebido um verniz chinês. Ver em: (FISHMAN, 2006, p. 98). 24 Marx chama mais-valia absoluta à mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho. Quanto à mais-valia resultante da redução do tempo de trabalho necessário e da modificação correspondente na relação de duração das duas partes constitutivas da jornada de trabalho, Marx chama-lhe mais-valia relativa. Ver em: (LAPIDUS; OSTROVITIANOV, 1944, p.119) 25 “A parte do capital, portanto, que se converte em meios de produção, isto é, em matéria-prima, matérias auxiliares e meios de trabalho, não altera sua grandeza de valor no processo de produção. Eu a chamo, por isso, parte constante do capital, ou mais concisamente: capital constante.” Ver em: (MARX, 1996, p. 325). 26 “A parte do capital convertida em força de trabalho em contraposição muda seu valor no processo de produção. Ela reproduz seu próprio equivalente e, além disso, produz um excedente, uma mais-valia que ela mesma pode variar, ser maior ou menor. Essa parte do capital transforma-se continuamente de grandeza constante em grandeza variável. Eu a chamo, por isso, parte variável do capital, ou mais concisamente: capital variável.” Ver em: (MARX, 1996, p. 325). 27 Existem dois tipos de reprodução: simples e ampliada. A reprodução simples é a repetição do processo de produção em escala igual ao anterior, quando os novos produtos obtidos apenas bastam para repor os meios de produção e os objetos de consumo pessoal que foram gastos. A reprodução ampliada é a repartição do processo de produção em escala aumentada, quando a sociedade não apenas repõe os bens materiais consumidos, mas também produz meios de produção e artigos de consumo pessoal complementares. 33 nessa era das ciências e tecnologias na tentativa de competir com os produtos dos países altamente desenvolvidos ficando expostos a problemas semelhantes a seus pares já em estado mais avançado. Ainda segundo Pomar (2009), em países caracterizados como em desenvolvimento, o capitalismo mesclou-se a formas historicamente anteriores de produção, gerando altas taxas de exploração dos trabalhadores e pouco investimento em ciências e tecnologias. Nos inviáveis, países africanos, asiáticos e latino-americanos, o capitalismo se apresentava ainda como no século XIX e início do século XX, como exportador de matérias-primas e importador de manufaturados. Entre os países socialistas havia a União Soviética, mediamente desenvolvida, os países do Leste europeu e a China, em desenvolvimento, e a Mongólia, Vietnã, Cuba e Coreia do Norte, considerados inviáveis que sem contar com os mecanismos capitalistas de desenvolvimento das forças produtivas encontraram enormes obstáculos para gerarem riqueza ampliada. A partir dos anos 1980, tendo como parâmetro o capitalismo avançado, muitos acreditaram que a nova globalização consistiria na destruição de tudo que não fosse gerado pelas ciências e tecnologias. A indústria seria suplantada pelos serviços e os trabalhadores pelas máquinas. A nova globalização capitalista estava fadada a implantar o mundo pós-industrial, a era da informação. Quem não estivesse integrado ao mercado mundial dos serviços estaria condenado ao atraso. E a não subjugação aos centros financeiros globais teria como consequência a não obtenção de créditos para realização do comércio internacional. O mercado seria comandado pelos Estados Unidos de forma unipolar e pelas corporações transnacionais. O capitalismo encontrou na fragmentação, segmentação ou realocação de suas plantas industriais, na especulação financeira, na reutilização do trabalho escravo e no tráfico de drogas, as principais condições para aumentar sua taxa de lucro e expandir-se. A fragmentação, ao transferir setores industriais inteiros dos países desenvolvidos para as regiões periféricas invertendo uma relação que foi predominante durante a globalização imperialista dos séculos XIX e XX. Nessa migração não estavam dispostos a produção de produtos com alto teor tecnológico avançado, os países periféricos continuaram a ser exportadores de matérias-primas e mercados importadores de produtos industriais. Nessa globalização moderna, vários países periféricos se industrializaram com os novos métodos científicos de processos e produtos tornando-se fábricas do mundo e com a participação de (ACADEMIA DE CIÊNCIAS DA URSS, 1961, n.p.) 34 capitais estrangeiros e corporações transnacionais elevaram suas forças produtivas científicas e tecnológicas a novo nível incorporando mais de um bilhão de pessoas no mercado mundial recriando a classe operária industrial em suas fronteiras nacionais dando nova musculatura a seus Estados transferindo o centro dinâmico da economia mundial para a Ásia acelerando a multipolaridade mundial disputando a pauta da globalização (POMAR, 2009, p. 53). Segundo Lima (2018), a China ainda manteria seus quatro pilares em matéria de política externa: 1) manutenção de sua integridade territorial; 2) reconhecimento pela comunidade internacional de “uma só China”; 3) propiciar o desenvolvimento econômico; e 4) incrementar seu prestígio no âmbito internacional. Para tanto apresenta estudos do Qin Yaqing, que discorre sobre as três teorias das relações internacionais a saber: o realismo, o liberalismo e o construtivismo, expondo detalhes onde o primeiro girava em torno da abertura da China para o mundo consolidando a paz e o desenvolvimento a partir de 1979. O segundo inicia-se no princípio dos anos 1990 onde os chineses focaram na melhor forma de convergir esforços de interesse nacional, caracterizando-se como uma discussão entre realistas e liberais e o terceiro, uma vez já dominadas as três escolas teóricas pelos acadêmicos chineses, na virada do século XX para o XXI, a questão da ascensão pacífica28. Já para Xu Jin, pesquisador do World Economics and Politics, da Chinese Academy of Social Sciences, mais detalhista, diz que de 1978 a 2012, as principais ideias do governo chinês foram: 1) paz; 2) desenvolvimento; 3) cooperação; 4) prioridade à economia; 5) interesse nacional; 6) multipolarização; e 7) globalismo. 2.2 A cortina de bambu29, o país que verga e não quebra30. Para Jabbour (2012), da Idade Média aos tempos contemporâneos onde encontra-se arranha-céus na Zona Econômica Especial de Pudong em Xangai e beduínos no deserto de 28 Embora a expressão “ascensão pacífica” tenha sido discretamente abandonada em favor de “desenvolvimento pacífico” ou “coexistência pacífica”, permanece firme, como testemunha a proclamação do presidente Hu Jintao, em 2004, sobre os “quatro nãos” (não à hegemonia, não à força, não aos blocos, não à corrida armamentista” e os “quatro sins” (“à construção de confiança, à redução das dificuldades, ao desenvolvimento da cooperação e ao evitamento do confronto”). Ver em (ARRIGHI, 2008, p.299). 29 O termo cortina de bambu foi utilizado para se referir a China em alusão a versão leste asiática da cortina de ferro marcando a divisão ao redor de Estados comunistas do leste da Ásia durante a guerra fria, especialmente da República Popular da China, mas excluindo a União Soviética. Ver em: (CONHECIMENTOGERAL, 2016, n.p.). 30 Sob uma visão filosófica, o bambu nos ensina a não desistirmos facilmente diante das dificuldades levando- nos a cultivar a persistência e paciência. Precisa-se muita fibra para se chegar às alturas e muita flexibilidade para se curvar ao chão, características do bambu. (CAMPO GRANDE NEWS, 2013, n.p.) 35 Gobi, moderníssimas formas de produção e arados típicos do século XVII, classifica-se as diferentes formações econômico-sociais e os setores da economia chinesa: a) Economia natural de subsistência: cerca de 80 milhões de chineses, sendo a maioria composta de minorias étnicas, ainda estão nos limiares dessa forma de produção mas já em franco processo de decomposição; b) Pequena produção mercantil: caracterizada pela produção agrícola voltada para o mercado, principalmente nas cidades médias, mas é também crescentemente praticada na periferia de grandes cidades como Pequim e Xangai. Estima-se que cerca de 400 milhões de chineses ocupam-se desse tipo de atividade, sendo que grande parte em transição à produção cooperativada onde convive e compete entre si a economia privada de variado tamanho, desde a pequena produção mercantil até a produção de escala capitalista predominando a grande propriedade estatal, peça fundamental do sistema; c) Indústria rural privada e/ou coletiva: trata-se da grande novidade do processo recente chinês sob a forma das Empresas de Cidades e Vilas, ocupadas na acoplação de nichos de mercado deixados pela grande indústria estatal e privada na China e com grande participação na estratégia chinesa de ocupação de espaços no mercado internacional. Nessas empresas, produzem-se desde quinquilharias e têxteis até automóveis e helicópteros militares. Trata-se da essência da chamada urbanização rural chinesa. Pode-se discutir se as Empresas de Cidades e Vilas constituem-se por si uma formação econômico-social, mas não se pode questionar seu papel de proa no processo em curso na China; d) Capitalismo privado: encerrado em pequenas, médias e grandes empresas chinesas e estrangeiras, em regime ou não de joint ventures31, presentes no país com grande importância na estratégia chinesa tanto de assimilação de novas e novíssimas tecnologias, de modernas formas de gerenciamento, quanto de assimiladora de mão de obra e reservas internacionais. Vale colocar também a predominância sobre o setor de serviços, o que explica em grande parte a crescente presença privada no total do PIB; 31 Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as joint ventures são um tipo de associação entre duas ou mais empresas que se associam em prol de adquirir benefícios em determinado setor, mediante a alguma atividade. Vale destacar que essa associação não afeta a identidade de ambas as empresas. Ainda segundo o IPEA, “A China facilita a entrada no país para companhias que formem joint ventures com empresas chinesas do mesmo setor, de modo a facilitar a transferência de tecnologia. Caso algum empreendedor queira se estabelecer na China sem se associar a nenhuma companhia local, enfrentará barreiras quase intransponíveis”. Ver em: (LEITE, 2018. p. 270-271). 36 e) Capitalismo de Estado32: conformado nas relações de dependência do capital privado com as políticas executadas pelo governo chinês; f) Socialismo33: hegemônico em todos os setores com alto grau de monopólio, como o de siderurgia, transportes, energia e comunicações. Além, evidentemente, da propriedade sobre o solo urbano e rural. Sua principalidade não deve ser medida por sua composição no PIB, e sim sobre as indústrias cujo monopólio privado poderia acarretar em ampla margem de manobra para formas anárquicas de produção. Acrescentemos a essa formação econômico-social o sistema financeiro com seu cerne. Ainda para Jabbour (2012), o desenvolvimento não se daria com um fim em si mesmo, muito pelo contrário, ele ocorre a partir de impulsos que servem para pressionar, por exemplo, a proscrição de formações como o da economia natural pela sucção de mão de obra para a economia de mercado: Poucos entendem o socialismo como um modo de produção e que, como modo de produção, guarda todas as características de seu predecessor, o capitalismo, com uma única diferença: a forma de apropriação do excedente econômico34. […] no socialismo continuam existindo linhas de produção e também, por mais estranho que pareça, mais valia (JABBOUR, 2012, p. 202). Para Pires (2011), a China em 1949 se torna uma República Popular com um comando central de um partido comunista, tendo como base o modelo socialista da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS): 32 A expressão “capitalismo de Estado” foi usada por Lenin para indicar uma fase transitória da economia soviética, em que alguns setores seriam de propriedade do Estado, embora o modo de produção capitalista predominasse em grande parte da economia. Em sua argumentação, Lenin referiu-se ao exemplo da Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial enquanto uma economia capitalista gerida pelo Estado como um truste único, o que, a seu ver, era de se considerar como o limite máximo do processo de CENTRALIZAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL previsto por Marx. Depois de fixar as diferenças entre o contexto político da Rússia Soviética e o da Alemanha no período da guerra, Lenin tratou o capitalismo de Estado como um avanço para além da etapa capitalista. Ver em: (BOTTOMORE, 2001, p. 54). 33 Ao contrário do que representava para a maior parte de seus antecessores, para Marx e Engels o socialismo não era um ideal para o qual se podia fazer planos atraentes, mas o produto das leis do desenvolvimento do capitalismo que os economistas clássicos haviam sido os primeiros a descobrir e procurar analisar. A forma ou as formas que o socialismo poderia assumir só se revelariam, portanto, em um processo histórico que ainda se estava desdobrando. Tendo isso em vista, Marx e Engels abstiveram-se, muito logicamente, de qualquer tentativa de descrição detalhada, ou mesmo de definição, do socialismo. Para eles, o socialismo era, antes de qualquer outra coisa, uma negação do capitalismo, que desenvolveria sua própria identidade positiva (o comunismo) através de um longo processo revolucionário no qual o proletariado transformaria a sociedade e, com isso, transformaria a si mesmo. Ver em: (BOTTOMORE, 2001, p. 339). 34 A questão sobre o socialismo ser ou não um modo de produção é cada vez mais uma falsa polêmica. É só observarmos as formas de estrutura produtiva e a divisão social do trabalho, nas experiências socialistas passadas e presentes. Ver em; (JABBOUR, 2012. p. 202). 37 Cabe recordar que o modelo econômico da República Popular da China foi inspirado nas experiências da ex-União Soviética, particularmente na criação de um sistema centralizado de planejamento econômico. De acordo com a visão dos teóricos soviéticos, o planejamento centralizado teria como vantagem a possibilidade de administrar racionalmente a economia, já que a alocação dos recursos produtivos poderia ser feita por meio de sofisticadas técnicas de programação, calculadas por um complexo sistema de equações. Ademais, apresentaria a vantagem de suprimir um dos principais vícios da economia capitalista, qual seja, o ciclo econômico. De fato, ao se ajustar a oferta de bens de produção e bens de consumo aos objetivos traçados no Plano, aparentemente se suprimiria uma das principais causas das crises econômicas que era a superprodução, decorrente da “anarquia” da produção capitalista (NOVE (1988) apud PIRES, 2011, p. 9). As experimentações da era maoísta na prática geraram um clima de enorme disputa ideológica e grande comoção social refletindo diretamente nos resultados econômicos do país. Conclamava-se o “espírito revolucionário das massas”, influenciando diretamente na produtividade per capita que em contrapartida resultava em distorções econômicas fruto de processos produtivos pouco eficientes e descentralizados e/ou disputas ideológicas com reconsiderações que em alguns casos levaram ao deslocamento de quadros técnicos e científicos para o trabalho de reeducação nos campos (PIRES, 2011, p. 10). Para Jabbour (2012), o alargamento da economia de mercado é a base do crescimento econômico. Esse, seria uma relação e consequência do aumento da produtividade do trabalho. Porém no caso chinês, de forma geral, obedeceria a estímulos externos que, por sua vez, levam a transformações qualitativas, seja pela via da transformação da economia natural em pequena produção mercantil ou pela transformação da pequena produção mercantil (pequena produção cada vez mais voltada ao abastecimento de um mercado nacional em concomitância com os próprios entornos consumidores) em indústria, ora privada, ora coletiva, como por exemplo, as chamadas Empresas de Cidades e Vilas, tratadas a posteriori nesse capítulo, e algumas empresas privadas de grande porte como a Hayer, cujos proprietários eram, em 1978, camponeses de médio porte. A dinâmica do crescimento econômico e da divisão social do trabalho, neste caso, não é somente resultado da qualificação da mão de obra e do aumento da intensidade dos meios de produção, mas também expressão do processo de especialização da própria agricultura. Pode-se atribuir a China uma diversidade fruto de duas transições incompletas. Primeiro, a China ainda está longe de completar a sua transição do socialismo burocrático para uma economia de mercado. Segundo, a China está no meio da industrialização, um prolongado processo de transformação de uma sociedade eminentemente rural para uma sociedade urbana. A China está no meio de um “desenvolvimento econômico” que transforma 38 aspectos econômicos, sociais e culturais. Essas transições estão longe de estarem completas e, por isso, se misturam hoje na China tradição, modernidade, socialismo e o mercado causando confusão nas interpretações (NAUGHTON, 2007, p. 5). 2.3 Da grandeza à humilhação; os primeiros passos rumo à liberdade A riqueza histórica chinesa parece não ter início: A civilização chinesa se origina numa antiguidade tão remota que são baldados nossos esforços por descobrir seu início. Não há vestígios do estado de infância entre esse povo. Esse é um fato muito peculiar com respeito à China. Estamos acostumados na história das nações a encontrar algum ponto de partida bem definido, e os documentos, as tradições e os monumentos históricos que chegam até nós em geral nos permitem seguir, quase que passo a passo, o progresso da civilização, estar presentes a seu nascimento e assistir ao seu desenvolvimento, sua marcha adiante e em muitos casos, suas subsequentes decadência e ruína. Mas não é assim com os chineses. Eles parecem ter vivido sempre no mesmo estágio de progresso dos dias atuais; e os dados da antiguidade tendem a confirmar essa opinião. (KISSINGER, 2011, p. 7). A grandeza das raízes históricas da China também será enfatizada por (POMAR, 2009, p 93 - 94) ao relatar que restos do Homo erectus foram encontrados em território chinês datados de 500 mil a um milhão de anos e que as primeiras aglomerações agrárias datam de 10 mil anos e que acredita-se que a escrita teria surgido no século 21 a.C., apesar de novas descobertas arqueológicas estarem indo além. Os reinos chineses entre os séculos 6 e 4 a.C, transitando do escravismo para o feudalismo, deram surgimento à filosofia clássica, à estratégia e à história militar, tendo Laotse, Mêncio, Confúcio e Sun Zu como expoentes. Jabbour (2012) sustenta que a estrutura social estalecida no território chinês durante um processo de sedentarização de tribos nômades sobre imensos vales férteis datado de 5 mil anos atrás, criou condições de surgimento tanto de uma pequena produção camponesa como de um império centralizado, desde seus estertores (cerca de 2.500 anos atrás, com a unificação do país), a um acelerado e precoce processo de desenvolvimento das forças produtivas, surgimento de instituições estatais, do mercado e comércio interno e externo e milenar utilização de mecanismos de planejamento estatal, o que significa dizer que o surgimento da economia de mercado é datada de cerca de 3.600 anos e complementa: 39 (…) a China, desde seus primórdios civilizacionais, com uma massa camponesa assentada sobre vales férteis rapidamente, dadas as boas condições naturais, permitiu o surgimento de uma divisão social do trabalho35 ou, em outras palavras, do mercado como instituição. Esta tradição comercial pode-se fazer sentir tanto na expansão territorial chinesa quanto nas centenas de expedições feitas pelo mundo por chineses (diga-se de passagem, os chineses foram os inventores da caravela) entre o século XII e o XV (JABBOUR, 2012, p. 97, 98). E nunca é bastante lembrar como o fez Ferguson (2012) que dos últimos 20 séculos, em dezoito, tiveram a China, com alguma vantagem, como a maior economia do mundo36 e 35 O Dicionário do Pensamento Marxista de Bottomore, traz uma leitura sobre a divisão social do trabalho nos textos de Marx, colocada da seguinte maneira: Primeiro, há a divisão social do trabalho, entendida como o sistema complexo de todas as formas úteis diferentes de trabalho que são levadas a cabo independentemente uma das outras por produtores privados, ou seja, no caso do capitalismo, uma divisão do trabalho que se dá na troca entre capitalistas individuais e independentes que competem uns com os outros. Em segundo lugar, existe a divisão do trabalho entre os trabalhadores, cada um dos quais executa uma operação parcial de um conjunto de operações que são, todas, executadas simultaneamente e cujo resultado é o produto social do trabalhador coletivo. Esta é uma divisão do trabalho que se dá na produção, entre o capital e o trabalho em seu confronto dentro do processo de produção. Embora esta divisão do trabalho na produção e a divisão de trabalho na troca estejam mutuamente relacionadas, suas origens e seu desenvolvimento são de todo diferentes. Ver em: (MOHUN, 2018, p.112). 36 Essa narrativa é contestada pelo jornalista James Kynge. Os chineses dominavam técnicas que só vieram a ser desenvolvidas na Europa milhares de anos mais tarde. Porém, o desenvolvimento da China aconteceu aos arrancos. Houve centenas de anos durante os quais pouca coisa de importância parece ter sido inventada, seguidas de um aparentemente florescimento repentino de talento criativo. Em épocas mais modernas, exemplos de navios e porcelana fornecem provas de superioridade tecnológica da China. Estaleiros chineses do século XV construíam navios mercantes três vezes maior que qualquer coisa que os ingleses tenham posto na água antes dos anos 1800. O impacto econômico das importações de porcelana foi tal que muitas das famílias mais poderosas da Europa lançaram-se numa busca desesperada para descobrir como era feito o material maravilhoso. No final do século XVIII e início do XIX, a China perdeu a liderança tecnológica que, de modo discutível, tivera durante milênios. Esse declínio foi parcialmente relativo; a Revolução Industrial espalhara por grande parte da Europa um turbilhão de engenhosidade. O governo chinês vê como razão principal para seu declínio a diminuição de sua importância tecnológica dada a ganância das potências ocidentais, que atacaram os portos chineses, venderam ópio ao seu povo e ocuparam partes de seu território. O zênite da prosperidade chinesa foi a dinastia Tang (618 - 906 d.C.). Nessa era a Rota da Seda ia da cidade central de Chang’na (Xi’na) a cidades da Ásia Central como Samarcanda, Bukhara e mais além. Os portos de Quanzhou e Guangzhou, no litoral sul, estavam pesadamente envolvidos no comércio, sobretudo, como o sudeste da Ásia. Cerca de duzentos anos mais tarde as coisas começaram a se deteriorar lentamente. Em 1400, os chineses ainda eram mais ricos, em média, que os europeus com os chineses ganhando em média, per capita, US$ 500 (calculados em valores de 1985) distribuídos numa população de 74 milhões de pessoas. Os europeus ocidentais, em contrapartida, ganhavam US$ 430 per capita e tinham uma população de 43 milhões. Porém, em 1820, a renda per capita da China permaneceu em torno dos US$ 500, mas os europeus já estavam ganhando em média US$ 1.034 cada e em 1950 a diferença aumentou com os chineses ganhando menos do que ganhavam no século XV, US$ 454, e, os europeus atingindo uma média de US$ 4.902 cada ainda que, a população europeia, fosse ainda menor que a da China. Durante centenas de anos a China se viu presa num ciclo de crescimento sem desenvolvimento. Seu povo, em média, levava a mesma vida, em 1950, que tinham vivido mil anos antes, apesar das evidentes mudanças na tecnologia, nos costumes e na política. O único impulso por trás da expansão da economia chinesa durante esses séculos parece ter sido o aumento em tamanho de sua população. Mas isso não trouxe prosperidade e vitalidade ao povo; ao contrário, intensificou a competição por recursos limitados, inflacionou as taxas de mortalidade por causa das fomes e dos desastres naturais periódicos, e obrigou o governo a gastar cada vez mais energia no controle social. Resumindo, embora a China certamente tivesse sido uma grande economia, e com muita frequência a maior economia do mundo, a vida da maior parte de seu povo raramente passou do nível de subsistência. Ver em: (KYNGE, 2007, p. 57-62). 40 que Smith (1996) fazia crer que a China adormecia enquanto a Europa fervilhava com suas revoluções. A China foi por muito tempo um dos países mais ricos, isto é, um dos mais férteis, mais bem cultivados, mais industriosos e mais populosos do mundo. Ao que parece, porém, há muito tempo sua economia estacionou (SMITH, 1996, p. 122). Já a Inglaterra, vivia sua revolução gloriosa e fez impor sob a égide do imperialismo as ideias liberais de Smith (1996) mundo afora chegando ao oriente asiático, naquela China, que de nada estava adormecida, muito pelo contrário, se tratava de um comércio 10 vezes maior que todo o mercado europeu. Mesmo no século XVIII, o maior mercado do mundo não estava na Europa, a caminho de sua II Revolução Industrial, e sim na China. Como atesta (MARIANA, 2018, p. 186), desde o Império Romano até o final do século XVIII, a China manteve constantes superávits nas relações comerciais com o continente Europeu e por volta de 1820, detinha 30% do PIB mundial. Sobre a Economia de Mercado, Luxemburgo (1970) vai teorizar num tom mais áspero ao esclarecer como se estabelece a introdução dessa economia, dando exemplos cruéis de subjugação do modelo de produção capitalista na sua fase imperialista: A segunda condição indispensável, tanto para a aquisição de meios de produção como para realização da mais-valia37, é a ampliação da ação do capitalismo nas sociedades de economia natural. Todas as classes e sociedades não-capitalistas devem adquirir as mercadorias produzidas pelo capital e vender-lhe seus próprios produtos. (…) A marcha triunfal da compra e venda de mercadorias pode começar pela construção de transportes modernos, como estradas de ferro, que atravesse selvas virgens e que transponham montanhas; linhas telegráficas que passam pelos desertos; paquetes que fazem escala nos portos do mundo inteiro. O caráter pacífico desses eventos técnicos é ilusório. As relações comerciais da Companhia das Índias Orientais com os países fornecedores de matérias-primas foram de roubo e de 37 Com base na teoria do valor-trabalho desenvolvida por Adam Smith e David Ricardo, e que já vem de Aristóteles, Marx desenvolveu a teoria da mais-valia. Para compreender esta teoria é necessário que se tenha em conta que o valor criado no processo produtivo é superior ao valor da força de trabalho, dividindo-se em duas partes: a) Uma que corresponde ao valor da força de trabalho, como mercadoria, que se traduz, em termos concretos, no salário, e que constitui o custo de produção da força de trabalho na óptica do capitalista (e que constitui rendimento para o trabalhador); b) Outra parte do valor criado no processo produtivo que excede o valor da força de trabalho e que é propriedade do capitalista. A este excedente do valor criado pelo trabalhador sobre o valor recebido chama Marx a mais-valia e que, através da sua realização (venda das mercadorias) se transforma em lucro em sentido lato, tomando as formas de lucro em sentido restrito, de juros e de rendas. Por realização da mais-valia, sua transformação em lucro, entende-se a venda dos bens e serviços produzidos. Sem realização da mais-valia não existe lucro, o que explica a busca de mercados para as mercadorias por parte das empresas. Deste modo, a mais-valia é a fonte do lucro, em sentido lato (englobando o lucro em sentido restrito, os juros e as rendas). Com efeito, o valor da força de trabalho, que tendencialmente é expressa pelo preço de mercado, corresponde apenas ao nível de subsistência cultural e historicamente determinado. Dado que o trabalhador é capaz de produzir o valor da sua subsistência em menos tempo do que o da jornada de trabalho, o restante valor criado sobre o recebido constitui a mais-valia, que é criada pelo trabalhador e apropriada pelo capitalista. Ver em: (DONÁRIO; SANTOS, 2016, p. 16-17). 41 chantagem sob a bandeira do comércio, como são hoje em dia as relações capitalistas americanos com os índios do Canadá, de quem compram peles, e dos negociantes alemães com os negros africanos. Um exemplo clássico dos “suave” e “pacífico” comércio de mercadorias com sociedades atrasadas é a moderna história da China, onde, no decorrer do século XIX, os europeus empreenderam guerras com a finalidade de abrir, pela violência as portas da China ao tráfico de mercadorias. Os métodos empregados para inaugurar o comércio de mercadorias nessa região da Ásia, que perdurou do ano 40 do século passado até a revolução chinesa, foram os seguintes: perseguições aos cristãos, provocadas pelos missionários; tumultos ocasionados pelos europeus; massacres periódicos, onde uma população de camponeses pacíficos e sem possibilidades de defesa teve de se debater com a técnica mais aperfeiçoada das forças europeias aliadas, grandes contribuições, com todo sistema de dívida pública; empréstimos europeus; controle das finanças e ocupação das fortalezas; abertura forçada de portos livres e concessões de estradas de ferro obtidas sob pressão dos capitalistas europeus (LUXEMBURGO, 1970, p. 334-335). Nas palavras de Sukup (2002), há cinco séculos, a população chinesa já ostentava os cem milhões de habitantes com um nível de vida e desenvolvimento geral mais elevado que o da Europa. O PIB, no século XIX era seis vezes superior ao da Grã-Bretanha. No decurso dos três séculos da Primeira Ordem Econômica Mundial, séculos XVI ao XVIII, na China, como nos impérios otomano, persa e mongol, acontece uma ruptura dos processos de desenvolvimento econômico e cultural dessas grandes civilizações propiciando uma crescente penetração europeia no território chinês. A desconhecida e enigmática China estaria entre parceira, rival ou inimiga, mas com certeza, junto a Índia, de heterogeneidade interna, causa principal da sua fácil conquista pelos ingleses, único país oriental e no mundo que poderia ser considerado como “igual”, quando não muito “superior”, e complementa: Quando chegaram os portugueses por via marítima como primeiros europeus, não foram recebidos com manifestações de amizade. Junto aos recém-chegados, contudo, predominavam juízos positivos. Os visitantes ficaram muito impressionados com o império chinês, “merecedor da maior admiração e do mais profundo interesse, não só por sua enorme extensão e sua incrível riqueza, mas também pela forma eficiente como tinha conseguido superar os principais problemas materiais”. Logo houve relações comerciais pacíficas entre os chineses e os portugueses instalados desde 1557 no minúsculo território de Macau e importantes intercâmbios culturais e científicos, mutuamente benéficos, protagonizados pelos jesuítas que foram a Pequim passando pelo porto português (SUKUP, 2002, p. 85). Entre os séculos 21 a.C. e 10 d. C., as relações chinesas se resumiam às internas e seus vizinhos mais próximos, em especial os reinos nômades do norte, considerados bárbaros. A partir do domínio mongol (dinastia Yuan, até 1368) a China iniciou um vagaroso processo de expansão de suas relações internacionais, prioritariamente através de suas rotas terrestres, com o mundo árabe e europeu. A dinastia Ming (1368/1644) é invadida pelo pequeno reino feudal 42 manchu, aliado a uma parte de sua própria nobreza, e essa dinastia que parecia destinada a levar a China a expansão muito além dos limites anteriores, derrotada, dá lugar a dinastia Qing (1644/1911). Os imperadores Qing estabelecem uma monarquia absolutista, de alto grau de autarquia produtiva deixando o porto do Cantão (Guangshou) como o único aberto para contatos com os estrangeiros se recusando permanentemente a receber os enviados “bárbaros” do oeste, e a manter relações com outros países, o que faz com que a China, fechada em si mesma, não participe e nem acompanhe as mudanças técnicas, econômicas, sociais e políticas que aconteciam no resto do mundo à época, perdendo várias de suas próprias conquistas tecnológicas do passado ficando despreparada para enfrentar a segunda onda de expansão colonial, no século XIX, comandada pelas potências industriais (POMAR, 2009, p. 231-232). Ainda sobre esse autoisolamento chinês Thubron (2017) relata que no meio do século XV, enquanto a Ásia Central se dividia entre povos turcos beligerantes e canados mongóis, a China se fechou com a dinastia Ming aposentando sua vasta frota mercante de 3.500 navios abandonando seus contatos comerciais pela terra e pelo mar. Em 1498, os portugueses foram pioneiros em seguir uma rota marinha em torno da África num anúncio de tudo o que estava por vir. Como em uma profunda movimentação tectônica, os pesos do mundo civilizado estavam mudando. Por ironia, após 100 anos de uma relação marcada por trocas desiguais, uma exploração marcante no neocolonialismo38, não só a Inglaterra, mas também outras nações que passavam por suas revoluções industriais, levaram a China uma vez pujante a bancarrota. Quando a Grã-Bretanha aproveitando a proibição do comércio do ópio em Cantão inicia em 1840 a primeira Guerra do Ópio39, a dinastia Qing não resiste às tropas britânicas e indianas, vendo-se obrigada a pagar pesadas indenizações fazendo concessões territoriais e econômicas ao império inglês. Nos setenta anos seguintes, a China se vê vítima de constantes 38 Do ponto de vista epistemológico, neocolonialismo e extrativismo são expressões da colonialidade do poder. A expressão ‘colonialidade’ refere-se a estruturas de poder, controle e hegemonia que surgiram durante a época colonial e se estendem da conquista das Américas até os dias atuais. Colonialidade é um conceito criado para atribuir sentido a essa característica constitutiva da modernidade que, contudo, não pode ser compreendido fora do contexto dos padrões hegemônicos eurocêntricos de conhecimento e sua reivindicação de universalidade. Esse universalismo almejado justifica a chamada missão civilizadora à qual áreas colonizadas têm sido submetidas: em primeiro lugar, o mito do progresso e da modernização, ainda hoje associado a esse poderoso portador simbólico de promessas de uma vida melhor - o desenvolvimento. Ver em: (MISOCZKY; BÖHM, 2013, p. 315). 39 Guerra do Ópio (1840-1842) – O ópio, junto com o chá, era o principal produto de exportação da Inglaterra para a China. Em 1840, a proibição do comércio do ópio, por decreto do imperador chinês, levou a Inglaterra a provocar a guerra. Derrotada, a China foi obrigada a aceitar o comércio da droga, ceder Hong Kong e fazer concessões comerciais em cinco portos. Ver em: (POMAR, 1996. p. 7). 43 agressões de outras potências imperialistas e tratados desiguais40 assinados, que a transformaram em uma semi-colônia transformando-se numa fonte de matérias-primas agrícolas e minerais para as potências industriais e um mercado cativo para produtos dessas potências (POMAR, 2009, p. 232). No início do século XIX a Inglaterra introduziu na China o ópio em larga escala, através do contrabando, acarretando-lhe graves consequências econômicas e sociais. A Guerra do Ópio, entre 1840 e 1842, marca o ponto de inflexão da história chinesa, tornando-a uma sociedade semi colonizada na qual, além dos senhores de terra continuarem submetendo os camponeses ao trabalho servil ou semi servil, agregou- se a espoliação estrangeira. O imperialismo, na medida em que se implantava no país, estabelecia drenos de uma riqueza já distribuída em termos extremamente desiguais. (POMAR, 1987, p. 28) A abertura comercial entre a China e a Europa tem seu início a partir da Guerra do Ópio com a imposição aos chineses de aquisição do veneno indígena por um dinheiro destinado aos capitalistas ingleses. A Companhia inglesa das Índias Orientais, no século XVII, introduziu o cultivo do ópio em Bengala que a partir de sua sucursal em Cantão difundiu a droga pela China. Com o barateamento da droga no início do século XIX o consumo se espalhou pela população chinesa com efeitos desastrosos transformando-se numa calamidade pública levando ao governo chinês uma reação e consequente proibição da importação da droga. Em resposta a essa medida estabeleceram-se plantações de dormideiras em grande escala no interior da China e a Inglaterra declarou guerra à China dando origem a “gloriosa abertura” chinesa à cultura europeia simbolizada pela semente do ópio (LUXEMBURGO, 1970, p. 335-337). Os fuzis europeus que arrasaram as fortalezas de Cantão abrindo caminho a Pequim aniquilaram as barreiras do isolamento da China socavando a sua civilização reposicionando-a numa nova e perigosa posição no mundo. O Japão que teve um contato diferente com o ocidente, também vindo de dois séculos de isolamento, pôs se à altura do Ocidente 40 Às práticas imperialistas, do ponto de vista da lógica capitalista, referem-se tipicamente à exploração das condições geográficas desiguais sob as quais ocorre a acumulação do capital, aproveitando-se igualmente do que chamo de as “assimetrias” inevitavelmente advindas das relações especiais de troca. Estas últimas se expressam em trocas não-leais e desiguais, em forças monopolistas especialmente articuladas, em práticas extorsivas vinculadas com fluxos de capital restritos e na extração de rendas monopolistas. A condição de igualdade costumeiramente presumida em mercados de funcionamento perfeito é violada, e as desigualdades resultantes adquirem expressão espacial e geográfica específica. A riqueza e o bem-estar de territórios particulares aumentam à custa de outros territórios. As condições geográficas desiguais não advêm apenas dos padrões desiguais da dotação de recursos naturais e vantagens de localização; elas são também, o que é mais relevante, produzidas pelas maneiras desiguais em que a própria riqueza e o próprio poder se tornam altamente concentrados em certos lugares como decorrência de relações assimétricas de troca. Ver em: (HARVEY, 2005. p. 35). 44 preservando sua cultura. Replicar-se-ia a China a fórmula japonesa, muita miséria e sofrimento seria evitado. Durante a guerra sino-japonesa em 1894, um almirante japonês escrevera uma carta a um antigo amigo chinês, então adversário, que se os chineses não saíssem do isolamento abrindo-se ao Ocidente, eles afundariam e foi isso que acabou acontecendo (SUKUP, 2002, p. 86-87). O declínio do Império do Meio veio com as “ingerências” ocidentais a partir do século XIX, principalmente o Reino Unido, que já dominava a Índia, promovendo o comércio do ópio levando a duas guerras desastrosas para o povo chinês, a Primeira Guerra do Ópio em 1840 e a Segunda Guerra do Ópio entre 1856 e 1860, estabelecendo à China, derrotada, concessões forçadas como Hong Kong, que fora cedida aos britânicos em 1842 pelo Tratado de Nanquim e a duas fomes extremas comprometendo fortemente sua economia. O colapso fez com que a população se mobilizasse proclamando a república em 1912 fazendo um levante militar, derrubando a Dinastia Qing e designando o médico Sun Yat-sen a primeiro presidente do país. Ao término da Segunda Guerra Mundial a República chinesa entrou em guerra civil sendo que o Partido Comunista Chinês (PCCh), liderado por Mao Tsé-Tung proclamou a República Popular da China, em primeiro de outubro de 1949 fazendo com que Chiang Kai-shek inimigo na guerra civil e que assumira o controle do Kuomintang (Partido Nacionalista, ou KMT) em 1925, refugiasse junto com o que restara de seu governo para a ilha de Formosa, onde instalaram a China Nacionalista (Taiwan41). 41 Taiwan foi avistada pela primeira vez por navegadores portugueses no século XVI e batizada de Formosa. Oficialmente autodenomina-se República da China (em chinês: Zhonghua Minguo)., composta territorialmente pela ilha de Taiwan, ilhas das Orquídeas e Verde (no lado Pacífico) e pelas ilhas Pescadores (Penghu), Kinmen e Matsu no estreito de Taiwan com aproximadamente 36.000 Km2 a cerca de 180 km da costa da província de Fujian, China Continental. Taiwan tem uma população de cerca de 25 milhões de pessoas, sendo 98% chineses da etnia han. Em termos históricos, alguns entendem que Taiwan faz parte da China desde os tempos antigos, desde a dinastia Qin (221-206 a.C.) ou mesmo antes. Outros, entretanto, situam o controle da China em princípios do século XIV. O fato incontroverso é que em 1624 Taiwan ficou sob controle holandês, que estabeleceu uma base comercial e tornou Taiwan uma colônia; os holandeses foram expulsos em 1662 por forças da dinastia Qing. Em 1683, Taiwan foi incorporada à província de Fujian do império chinês e, posteriormente, elevada à condição de província em 1885. Em decorrência da derrota na primeira guerra Sino-Japonesa (1894-1895), a China teve que assinar o tratado de Shimonoseki em abrir de 1895, em que as ilhas de Taiwan e Pescadores foram cedidas ao Japão em caráter perpétuo. As ilhas permaneceram sob controle japonês até 1945. No entanto, após a guerra civil entre o KMT (Kuomintang) – o partido nacionalista de Chiang Kai-shek que governava a República da China – e as forças lideradas por Mao Tsé-Tung as forças restantes do KMT se retiraram para Taiwan, estabelecendo o governo em Taipei. A República Popular da China foi criada em 1º de outubro de 1949. O Tratado de paz assinado em São Francisco em 8 de setembro de 1951 entre o Japão e quarenta e oito potências aliadas (excluídas União Soviética e China) nos termos do artigo 2(b) o Japão renunciou a “todos os direitos, títulos e reivindicações sobre Formosa e Pescadores”, sem, entretanto, mencionar em favor de quem. Como nem os representantes da China nem os de Taiwan estiveram presentes em São Francisco e como o tratado menciona de maneira expressa que o tratado é válido somente para os Estados signatários, o tratado não é exigível para a China. Na oportunidade, o governo da China declarou que recusaria reconhecer a legalidade e a validade do tratado de paz e que manteria seu direito de exigir reparações ao Japão. Ver em: (SILVA, 2018, p. 180–182). 45 Contrastando com a pujança da civilização chinesa, Hong Kong não foi um título de glória para a civilização ocidental. Nesse entreposto de comércio internacional a civilização ocidental aflorou suas piores características: a fundação foi consequência da primeira Guerra do Ópio (1840-42), de importância vital para imposição do moderno narcotráfico capitalista, negócio considerado essencial para os ingleses pagarem suas importações de chá, seda e porcelana da China. A China era autossuficiente e não tinha interesse algum em estreitar relações com o Ocidente. Em 1793, em plena revolução industrial inglesa, o imperador Qian Long escreveu ao rei Jorge III: “o nosso Império Celestial possui todas as coisas em abundância prolífica e não carece de nenhum produto de dentro de suas fronteiras. Não tem por isso nenhuma necessidade de importar produtos” (SUKUP, 2002, p.85). No acirramento das disputas por matérias-primas e mercado consumidor que sustentassem seus acúmulos de riquezas, os países capitalistas centrais imperialistas chegaram a um impasse que culminou em duas grandes guerras mundiais e a divisão do mundo em dois blocos de modelos econômicos distintos, um fruto da decantada revolução liberal com os meios de produção nas mãos de alguns, o Capitalismo e, outro onde socializava-se esses meios de produção com um planejamento centralizado do uso desses meios, o Socialismo. Para Pomar (2009) a revolução chinesa só foi possível num quadro de intensa disputa capitalista pela China incorporando elementos do modo de produção capitalista numa sociedade ainda essencialmente feudal que culminou numa intensa luta de classes travada entre camponeses e latifundiários, com revoltas camponesas de vulto, como a dos Taiping42 e dos Boxers43. Conforme Pomar (1996) no início do século XX, a China era um país atrasado, com uma enorme população constituída principalmente de camponeses submetidos a duras obrigações feudais e que desde a Guerra do Ópio, em 1840, teve sua economia dominada pelas potências industriais europeias. O processo de dominação gerou revoltas que culminaram com o Movimento de Reforma de 1882 e a insurreição camponesa dos Boxers. A 42 A conjugação da espoliação externa com a opressão interna culminou, dez anos após a Guerra do Ópio, na maior revolta camponesa da história da China, a revolução do Reino Celeste Taiping - Tai Pin Tian Guo. Apoderando-se de mais de seiscentas cidades e espalhando sua influência pelos campos, os Taiping escolheram Nanjing como capital, em 1853, e promulgaram diversas medidas igualitárias na divisão das terras e nas relações entre as pessoas, antes de sucumbir, em 1864, sob a ação das forças armadas estrangeiras e da corte Qing. Ver em: (POMAR, 1996. p. 28). 43 Insurreição dos Boxers (1899-1900) – Revolta que se espalhou pelo China, através de sociedades secretas camponesas e urbanas. O movimento só foi dominado pela ação conjunta das forças armadas das grandes potências. No Ocidente, ficou conhecida como Guerra dos Boxers porque foi pela prática das artes marciais, chamadas genericamente de “box” pelos ocidentes, que os rebeldes organizaram. Ver em: (POMAR, 1996. p. 7). 46 derrota dos Boxers, pela intervenção de oito potências estrangeiras – Inglaterra, Estados Unidos, Japão, Rússia, Alemanha, França, Áustria e Itália, aumentou a interferência desses países. Por outro lado, favoreceu o crescimento do nacionalismo, das aspirações camponesas pela terra e dos anseios pela democracia. A luta entre camponeses pobres e camponeses abastados, assim com a forte tradição igualitária do campesinato chinês, levaram a uma cooperativização agrícola prematura, e à suposição de que seria possível socializar, o campo e o país, através de mobilizações sociais massivas. As aventuras da burguesia nacional, na especulação com os grãos, levaram a uma estatização também prematura (POMAR, 2009, p. 315). A monarquia Qing, em meados do século XIX, era amplamente odiada, tida com um braço corrupto do ocidente e que após a Rebelião Taiping nunca mais recuperaria o controle total do país. Debilitado, o Estado imperial ruiu em 1911. A República se dissolveu em feudos rivais comandados por senhores de guerra a priori e depois em um regime híbrido baseado em Nanquim, com o Partido Popular (Kuomintang) dominando o centro do país a partir do delta do Yang-tsé e variados caudilhos militares regionais. Foi nesse confuso conflito de poder que o Partido Comunista Chinês conseguiu se sobressair ocupando os espaços e criando um poder paralelo móvel. Nacionalismo e comunismo se antagonizaram contemporaneamente, sob o mesmo molde organizacional em disputa do país. Com o conflito do Japão, os comunistas promoveram no norte da China uma guerra de guerrilhas com eficácia saindo fortalecido conjugando a resistência ao invasor estrangeiro com estabelecimento de reformas nas aldeias com redução dos preços de arrendamento, anulação de dívidas e redistribuição limitada das terras. No período entre 1937 e 1945, o número de militantes do PCCh passou de 40 mil para 1,2 milhão, e o efetivo dos seus exércitos, de 90 mil para 900 mil e com a rendição do Japão, o partido estabeleceu-se rapidamente na planície ao norte da China e uma vez estourada a guerra civil em 1947, o partido já contava com 2,7 milhões de chineses. O Kuomintang e seus exércitos desmoralizados ao sul e centro do país comprometidos com a inflação e a corrupção sem apoio das bases urbanas, embora com o apoio bélico dos Estados Unidos acabaram por sucumbir ao poderio do Exército Popular de Libertação dos comunistas. A revolução chinesa veio na esteira de uma guerra civil com o Partido Comunista Chinês restaurando uma soberania nacional e uma paz interna (ANDERSON, 2018, p. 28-30). Para Kissinger (2011), cada concessão chinesa tendia a gerar exigências adicionais do Ocidente. Os tratados, a priori, concessões temporárias, inauguraram um processo pelo qual a 47 corte Qing perdeu o controle da maior parte da política comercial e externa chinesa. Seguindo-se ao tratado britânico, o presidente dos Estados Unidos, John Tyler, prontamente enviou uma missão à China para obter concessões similares para os americanos, ação que precedeu a posterior política de “Portas Abertas”. Os franceses negociaram seu próprio tratado em termos análogos. Cada um desses países, por sua vez, incluiu uma cláusula da “Nação Mais Favorecida” que estipulava que qualquer concessão oferecida pela China a outros países devia também ser concedida ao signatário. Esses tratados estariam, para a história chinesa, como os primeiros de uma série de “tratados desiguais” firmados à sombra da força estrangeira. Complementando: As subsequentes catástrofes são vistas com considerável desalento na China contemporânea, como parte de um infame “século de humilhação” que terminou apenas com a reunificação do país sob uma forma de comunismo assertivamente nacionalista. Ao mesmo tempo, a era de dificuldades chinesa constitui de muitos modos um testemunho da notável capacidade do país de superar crises que poderiam destruir outras sociedades (KISSINGER, 2011, p. 72). A incessante interferência externa na China favoreceu o crescimento do nacionalismo, das aspirações camponesas pela terra e dos anseios pela democracia (POMAR, 1996, p. 7). Desde a formação do Império Chinês até a fundação da República Popular em 1949, o processo de substituição de dinastias é caracterizado pela erupção de revoltas camponesas. Foi assim em 221 a.C., em 1368, 1644, 1820 e na proclamação da República da China em 1911. A última rebelião camponesa chinesa levou o Partido Comunista da China ao poder em 1949. Isso se explicaria, para Jabbour (2012), tanto pela formação de uma subjetividade nacional (confucionismo e taoismo), para a qual “todo poder emana dos céus, porém o mesmo é revogável pelo povo”, quanto pelo próprio modo de produção surgido neste tipo de formação social: o modo de produção asiático44. Para Procópio (2012, p.109) o colonialismo jogou lama sobre a China, limpa pela Revolução de 1949, onde a partir de então seu povo priorizou a solução dos problemas internos tratando de reconstruir o país para ter comida e casa honrando primeiramente a vida e a cidadania e posteriormente as obrigações com o estrangeiro, para, de cabeça erguida negociar com a comunidade internacional. 44 O modo de produção asiático correspondeu ao primeiro grande esforço de planejamento estatal ao intervir – com o apoio de massas camponesas – em imensas obras hidráulicas que permitiram ampliar as áreas agriculturáveis, a partir de áreas propícias (centrais) para áreas menos favorecidas pela natureza. Ver em: (JABBOUR, 2012. p. 96). 48 A busca existencial para se reafirmar como nação e entidade política forte e próspera tem sido a preocupação fundamental na história moderna da China. Desde a derrota na Guerra do Ópio no início da década de 1840, questões acerca de poder e riqueza nacionais, sobrevivência da nação e identidade cultural tornaram-se preocupações centrais de todos os chineses, especialmente dos intelectuais e revolucionários pioneiros (XING; SHAW, 2018, p. 57). Em 1905, o médico Sun Yat-sen fundou o primeiro partido político chinês, o Kuomintang (Partido Nacional do Povo). Em 1911, liderando um movimento revolucionário, Sun conseguiu derrubar a monarquia Qing e instalar a República. Em maio e junho de 1919 a China foi sacudida por manifestações populares, reclamando o retorno de Sun Yat-sen e exigindo democracia, o fim do domínio estrangeiro e medidas contra os exércitos particulares. Apesar disso, uma parcela do Kuomintang não aceitou a volta do presidente, que foi forçado a uma nova renúncia, em 1921. Nesse mesmo ano, um grupo de marxistas chineses identificados tanto com a Revolução Russa, quanto com os princípios de Sun Yat-sen, fundou o Partido Comunista. A seguir, propuseram ao ex-presidente uma união e a colaboração resultou na reorganização do Kuomintang e em expedições militares contra os caudilhos do Norte (POMAR, 1996, p. 7). A colaboração durou até a morte de Sun Yat-sen. A partir de então, a direção do Kuomintang passou para o general Chiang Kai-chek, que começou a distanciar dos comunistas. Em 1927, desencadeou um golpe de Estado sangrento, no qual cem mil comunistas foram massacrados, e forçou a retirada dos sobreviventes para o campo. Começou então uma nova guerra civil. Mergulhada nesse conflito interno, a China sofreu uma crescente agressão dos japoneses. Em 1931, os comunistas propuseram ao Kuomintang a cessação da guerra civil e uma aliança para enfrentar o invasor. Chiang Kai-chek, porém, recusou a proposta e empreendeu, até 1934, cinco grandes campanhas contra as bases vermelhas. Na última, forçou os comunistas a uma prolongada retirada para a base rural de Ienan, ao norte. Essa retirada, de 12 mil quilômetros, comandada por Mao Tsé-Tung, ficou conhecida como a Longa Marcha45 (ibidem, p. 8). Em janeiro de 1937 os japoneses lançaram uma ofensiva geral para dominar a China. Isso reforçou a proposta de coalizão contra o invasor, que contava com a simpatia do povo e de vários generais do Kuomintang. Chiang Kai-chek foi preso por alguns comandantes de 45 Retirada estratégica realizada pelo Exército Vermelho, entre Outubro de 1934 e Outubro de 1935, das bases revolucionárias do sul para a base central de Ienan, ao norte. Dos trezentos mil homens que iniciaram a Longa Marcha, somente trinta mil chegaram a Ienan. Ver em: (POMAR, 1996. p. 9). 49 Exército e obrigado a aceitar a aliança com os comunistas. A guerra contra o Japão prolongou- se até 1945. A vitória contra o invasor não resultou, porém na paz definitiva para a China (ibidem, p. 9). Divergências entre o Kuomintang e os marxistas chineses sobre as reformas sociais e políticas a serem feitas trouxeram de volta a guerra civil. Os comunistas instalaram um governo provisório, decretaram a reforma agrária, ganharam o apoio dos camponeses e inverteram a situação militar. O novo Exército Popular de Libertação (EPL), que substituiu o antigo Exército Vermelho, passou a ofensiva geral e, em setembro de 1949, suas tropas conquistaram Pequim. No dia 1º de Outubro foi proclamada a República Popular da China. Os exércitos do Kuomintang se refugiaram em Taiwan (Formosa), onde Chag Kai-chek instalou a sede do governo nacionalista (ibidem, p. 10). Para Kissinger (2011, p. 102), “todo estadista precisa equilibrar a experiência do passado com as exigências do futuro. Em nenhum lugar isso foi mais verdadeiro do que na China que Mao e o Partido Comunista haviam acabado de tomar”. Sob a recém-proclamada República Popular da China, o país se unificava mais uma vez. A China comunista se lançava em um novo mundo: estruturalmente, uma nova dinastia; em substância, uma nova ideologia pela primeira vez na história chinesa. Estrategicamente, seu território era limítrofe com uma dúzia de países vizinhos, com fronteiras abertas e meios inadequados de lidar simultaneamente com cada ameça potencial – o mesmo desafio que confrontara os governos chineses ao longo de toda a história. Acima de todas essas preocupações, os novos líderes chineses enfrentavam o envolvimento dos Estados Unidos nos assuntos asiáticos, que haviam saído da Segunda Guerra Mundial como uma confiante superpotência, insatisfeita com sua passividade ao ser confrontada com a vitória comunista na guerra civil chinesa (KISSINGER, 2011, p. 102). A revolução chinesa de 1949 baseou-se em uma grande mobilização da avassaladora maioria da população chinesa em desfavor da exploração dos senhores feudais nacionais, pelos capitalistas e pelos imperialistas estrangeiros. Mesmo diante de suas limitações históricas, a China no período maoísta classifica-se merecidamente como “socialista”, em razão de que as relações internas de classe na China eram muito sensíveis às demandas das classes trabalhadoras proletárias e não-proletárias do que aquelas tipicamente prevalecentes em um Estado capitalista, especialmente no contexto de periferia e semiperiferia (LI, 2011, n.p.). 50 Em 1949, com 541 milhões de habitantes, a China apresentava todos os traços de um subdesenvolvimento crônico, agravado pela espoliação imperialista, pelas destruições da guerra e pelos métodos, hábitos e preconceitos herdados do feudalismo e do seu capitalismo. A produção de energia era insignificante, não existia indústria de base e os trabalhadores fabris eram poucos e mal qualificados. A Manchúria, mais desenvolvida e onde se concentrara as empresas siderúrgicas montadas pelo esforço de guerra japonês teve seu parque produtivo transferido pelos soviéticos para seu território, após a derrota do Japão em 1945. As vias e os meios de transporte eram incipientes com boa parte dos equipamentos destruídos com a guerra. A agricultura, apoiada em métodos tradicionais, produzia pouco. O grande capital possuía 80% do ativo fixo da indústria, dos transportes e das comunicações com os capitalistas estrangeiros dominando 90% das trocas externas, 90% das cargas ferroviárias, 56% das minas modernas de carvão e 46% das fiações de algodão, abocanhando a maior parte das riquezas produzidas na China. Os proprietários territoriais exploravam os camponeses. Maltrapilhas famílias possuíam glebas insignificantes de terra (em geral menos de 0,3 ha por família) quando possuíam e ainda viam-se obrigados a entregar cerca de metade do que produziam como pagamento do arrendamento, pagavam impostos e realizavam serviços gratuitos para os senhores de terra. A maioria dos estudiosos concorda em que a renda média per capita mal atingia US$ 50,00, algo semelhante à renda da Inglaterra pré-industrial. Secas e enchentes ainda agravavam uma situação que era de constante e completa penúria causando surtos epidêmicos e fome recriando formas de escravidão, servidão e violência. Para sobreviver, os homens vendiam suas esposas e filhas para serem usadas como prostitutas nas grandes cidades. Alguns milhões de camponeses chineses foram levados para trabalhar nas terras do Novo Mundo em regimes de trabalho tão precários e brutais quanto os que submetiam os escravos africanos. Subdesenvolvimento, atraso, miséria, espoliação e desespero deixaram marcas profundas na sociedade chinesa. Uma revolução de fato não poderia supor que tais marcas seriam apagadas, elas se fariam notar nos anos vindouros e refletir-se-iam nos zigue-zagues, nas idas e vindas, nos diferentes experimentos e tentativas de seguir uma via diferente de desenvolvimento, pesando como chumbo a cada avanço (POMAR, 1987, 45-47). A China de Mao era, por desígnio, um país em crise permanente; desde os primeiros dias de governo comunista, Mao desencadeou onda após onda de lutas. Ao povo chinês não seria permitido sequer repousar sobre suas conquistas. O destino que Mao prescreveu para 51 eles era purificar sua sociedade e a si mesmos mediante o empenho virtuoso. A China, jurou Mao certa vez, devia ser “esmagada” como um átomo, a fim de destruir a antiga ordem, mas, ao mesmo tempo, produzir uma explosão de energia popular para erguê-la a níveis de realização cada vez mais elevados. Como parte desse processo, Mao gerou um ataque profundo sobre o pensamento político chinês tradicional: onde a tradição confucionista valorizava a harmonia universal, Mao idealizava a rebelião e o choque de forças opostas, tanto nos assuntos domésticos como externos. […] A tradição confucionista valorizava a doutrina dos meios e o cultivo do equilíbrio e da moderação; quando a reforma ocorria, era feita de forma incremental e apresentada como restauração de valores antigos. Mao, por outro lado, buscou uma transformação radical e instantânea e uma total ruptura com o passado. Mao proclamava a doutrina da “revolução contínua”, mas, quando o interesse nacional chinês exigia, sabia ser paciente e enxergar a longo prazo. […] a forma de governo maoísta se transformou numa versão da tradição confucionista através do espelho, proclamando total ruptura com o passado ao mesmo tempo em que se apoiava em inúmeras instituições tradicionais da China, incluindo um estilo imperial de governar (KISSINGER, 2011, p. 105- 106). Para Pomar (2009) o socialismo com características chinesas é fruto de um prolongado processo revolucionário. Suas raízes se encontram na revolução nacional (contra o domínio da dinastia manchu e das potências imperiais capitalistas) e democrática burguesa (contra o domínio dos senhores feudais, pela reforma agrária e por liberdades políticas), empreendida por Sun Yat-sen, no final do século 19, unindo a burguesia nacional, os camponeses, os operários e outras camadas urbanas46. Para Jabbour (2012), a ideia, elaborada ainda por Mao Tsé-Tung, do chamado socialismo com características chinesas ou o que convencionou-se a chamar de socialismo de mercado pode ser sintetizado em um conjunto de ideias e conceitos trabalhados minuciosamente e que faz parte de uma grande política de Estado nascida em 1978, elaboradas inicialmente pelo outrora primeiro-ministro Zhou Enlai em 1964, as chamadas 46 Essa aliança e as metas nacionais e democráticas foram mantidas na revolução dirigida pelos comunistas. Ainda em 1946, em seu programa de uma Nova Democracia, eles negaram a existência de uma Muralha da China entre a revolução nacional e democrática e a revolução socialista, e reiteraram que a burguesia nacional participaria, por longo tempo, na construção econômica da China. Entre outras palavras, a propriedade capitalista nacional teria papel positivo no desenvolvimento das forças produtivas do país. Isso se mostrou utópico, porque os interesses das classes da sociedade chinesa impuseram dificuldades. Confrontados com o bloqueio econômico, político e militar das potências capitalistas, e com as políticas errantes soviéticas, os chineses procuraram aproveitar suas mobilizações para tentar a construção socialista com o autoesforço massivo dos camponeses e operários. Ver em: (POMAR, 2009, p. 191). 52 Quatro Modernizações: a modernização da agricultura, a da indústria, das forças armadas e dos setores relacionados à ciência e tecnologia. Todas as políticas e mobilizações sociais entre 1953 e 1976 – Cooperação Agrícola, Cem Flores, Grande Salto, Comunas Populares e Revolução Cultural – tiveram como cimento ideológico e bandeira política o igualitarismo por baixo do camponês. Essas mobilizações garantiram os direitos humanos básicos de alimentação, moradia, educação e saúde para a maioria do povo chinês. Ser pobre era digno, desde que todos fossem igualmente pobres. Embora essa concepção de socialismo da pobreza tenha se tornado predominante, havia a utopia de que o imenso esforço, de mais de um bilhão de chineses, permitisse um salto na produção e na distribuição da riqueza social. No entanto, no início dos anos 1970 já era evidente que essas mobilizações não reduziram o atraso relativo da China. A abertura diplomática para o ocidente, promovida nesse período, apontava que o país se atrasara ainda mais, diante da revolução científica e tecnológica e da reestruturação capitalista em curso. Era também evidente, para as lideranças chinesas, que a União Soviética e os países socialistas do Leste Europeu não mais conseguiam desenvolver suas forças produtivas, e marchavam para uma crise47 (POMAR, 2009, p. 192). Os chineses resolveram aproveitar, de forma calculada, as necessidades das grandes corporações, e do capitalismo em geral. Abriram sua economia, apresentando como atração o baixo custo relativo de sua mão de obra, a boa infraestrutura de energia, transportes e comunicação, a pouca burocracia nos processos de investimentos, e a estabilidade social e política. Mas o fizeram de modo paulatino, condicionando os investimentos externos à associação com empresas chinesas, à transferência de novas e altas tecnologias, e à participação no comércio internacional. Ao contrário das prédicas neoliberais, não abandonaram os planejamentos macros, nem as empresas estatais. Utilizaram ambos como instrumentos para corrigir desvios do mercado e orientar a industrialização. Em vez de privatizarem, modernizaram as estatais. Em lugar de elevarem os juros para atrair capitais de curto prazo, os rebaixaram para disseminar o crédito, e estabeleceram controles sobre o movimento de capitais. E, em vez de câmbio desregulado, o utilizaram como ferramenta de política industrial, desvalorizando sua moeda para elevar a competitividade dos produtos chineses e participar da globalização. Foi desse modo que a China se transformou, em 25 47 O esgotamento da própria revolução cultural demonstrava que o igualitarismo, mesmo quando estimulado por fortes apelos ideológicos e políticos, e espontaneamente praticado por grandes massas, era incapaz de resolver o problema do desenvolvimento das forças produtivas. Ver em: (POMAR, 2009, p. 192). 53 anos, na principal fábrica do mundo, invertendo a antiga prática dos países periféricos serem exportadores de matérias-primas e semimanufaturados, enquanto os países desenvolvidos eram os exportadores de produtos industrializados e bens de capital. Ao mesmo tempo, ao contrário da maioria dos países capitalistas, nos quais o desenvolvimento capitalista tende a descartar a força de trabalho e colocá-la à margem dos mercados, a China praticou uma política ativa de redistribuição de renda, através do aumento constante dos salários, da universalização das aposentadorias, pensões e seguros-desemprego, e da abolição dos impostos agrícolas. Em 1978, a China igualitária possuía 73,2% da população na pobreza com 41,8% das pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Em 2007, possuía, dependendo da fonte, entre 11,4% e 26,5% de pessoas com padrão de classe média alta, cerca de 38% com padrão de classe média baixa e média, e os mesmos 38% de pobres (ibdem, p. 194). A Revolução Nacional-Popular de 1949 é com certeza um ponto de inflexão na história recente chinesa, uma vez que gerou as condições políticas necessárias à ruptura do círculo de dominação estrangeira e a construção do modelo socialista, pelo menos a tentativa de uma economia planejada com hegemonia estratégia estatal, pois vejamos: A Revolução Chinesa, expressão moderna de milenares revoltas camponesas, é produto direto das novas formas de dominação adquiridas pelo capital na segunda metade do século XIX. Vale lembrar que esse país, por sua extensão territorial, posição estratégica e recursos naturais, tornou-se o “banquete” mais disputado pelas grandes potências, sendo inclusive palco de uma infame guerra impetrada pela Inglaterra em prol da legalização do tráfico de drogas. lógica da lei do desenvolvimento do PIB concentrados em seu território (final do século XVIII, no mais pobre país do mundo em 1949. Desta forma, faz-se necessário compreender o próprio socialismo como caminho forço e necessário para a quebra do ciclo destruidor dessa citada lei de desenvolvimento (JABBOUR, 2012, p. 113). Após a Revolução de 1949 sobrevieram anos de tentativas de crescimento com um alinhamento a priori com a União Soviética, quebrado nos anos 60, e um isolacionismo só revertido após um encontro do presidente dos EUA, Richard Nixon e Mao Tsé-Tung, então líder chinês, em fevereiro de 1972. Para Jabbour (2012, p. 257–259), atribuir às medidas reformadoras de abertura da China em 1978 como únicas promotoras da inflexão econômica chinesa seria no mínimo temerário. Mao Tsé-Tung e não Deng Xiaoping, promoveu o processo de saída do isolamento com o evento diplomático se ficara pra história como “diplomacia do ping-pong” em 1971, que resultou na visita do presidente norte-americano Richard Nixon à China em 1972, sendo essa a maior tacada geopolítica de Mao Tsé-Tung. A constatação da proeza se dá com o 54 desenvolvimento do país com a possibilidade de entrada dos produtos chineses no mercado estadunidense. A posteriori a China aproveitou o cenário internacional para se estabelecer. A China se aproveitou da Guerra Fria travada entre a URSS e os Estados Unidos para conseguir desse segundo, já em 1979, se transformar no maior exportador de têxteis para os norte- americano, mesmo estando fora do GATT, General Agreement on Tariffs and Trade” (significado em português: Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Já nessa época enviou centenas de estudantes chineses para os Estados Unidos e encomendou três Jumbos 747. A China aproveitou a oportunidade negada a Lênin em seu tempo. Segundo Kissinger (2011), o restabelecimento das relações entre Estados Unidos e China fora fruto de estratégias comuns de frear a “ameaça do projeto de hegemonia soviética”. O contraditório na China maoísta e bem mais no pós-reforma é que os chineses ao mesmo tempo em que lançam mão de mecanismos de mercado promovendo uma inserção internacional abarcando não só o comércio exterior, mas também, uma gradativa financeirização48, assuntos de ordem geopolítica, etc, a partir do seu comitê central do Partido Comunista Chinês mantém intactos elementos como planejamento estatal de sua economia e oposição às instituições do capitalismo central dentre outros aspectos de sua política que por hora passa a ideia de uma ascensão pacífica e globalização inclusiva contra as práticas imperialista e ao mesmo tempo é acusada de uma espécie de neocolonialismo brando na África e na América Latina, criando dinâmicas que aprisionam aqueles países em suas condições históricas de subdesenvolvimento. Em tempos de funcionamento de unidade de contrários, a China seria um exemplo de país por excelência dialético (SILVA, 2018b, p. 152). 48 Um arranjo financeiro distorcido, baseado na criação de riqueza financeira artificial, ou seja, riqueza financeira desligada da riqueza real ou da produção de bens e serviços. A financeirização foi alimentada pelo progresso tecnológico. A principal contribuição de Adam Smith à economia foi a diferenciação entre riqueza real, baseada na produção, e a riqueza fictícia que Marx, no volume III de O capital, enfatizou dizendo corresponder, esse “capital fictício”, ao que chamo de criação de riqueza associada à financeirização: aumento artificial do preço dos ativos como consequência do aumento da alavancagem. Em tempos de Marx a expansão do crédito fazia o capital duplicar, ou mesmo triplicar. A multiplicação, agora, é muito maior. Tomando como base os Estados Unidos, em 2007, a dívida securitizada era quatro vezes maior, e a soma dos derivativos, 10 vezes maior. Ver em: (BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 21-29). 55 2.4 A acumulação primitiva no socialismo chinês Importante observar o papel dos camponeses chineses na acumulação primitiva que a partir das cooperativas criadas bancaram através de pagamentos de impostos e trabalhos voluntários os investimentos necessários ao desenvolvimento industrial chinês. Jabbour (2012) aponta que no socialismo continuam existindo linhas de produção e também, por mais estranho que pareça, mais valia. Tanto a URSS quanto a China, dada a necessidade de alcançar rapidamente o nível de desenvolvimento dos países capitalistas centrais caracterizam-se por terem economias com altíssima taxa de exploração49. Essa taxa de exploração verificada no socialismo tende a ser de grau mais elevado na medida em que nenhum país socialista dispôs ou dispõe de colônias externas, recaindo todo o peso de desenvolvimento a “passos de cavalo” ora nos ombros dos camponeses, ora no dos trabalhadores urbanos. Chen (2012) defende que seja difícil uma replicação do modelo de desenvolvimento da China aplicando-se o mesmo raciocínio ao modelo anglo-saxão: Os países que se desenvolveram, ou buscaram se desenvolver depois, não tiveram a sorte de conquistar vastas terras na África, na América do Norte ou na Austrália sem resistência dos residentes nativos. O desenvolvimento da China deve ser de autoacumulação e autofinanciamento, uma vez que o país não tem muita esperança de receber ajuda norte-americana em larga escala, como ocorreu com Taiwan e com a Polônia durante e após a Guerra Fria (CHEN, 2012, p. 192-193). Elaborando um comparativo com a acumulação capitalista JABBOUR (2012) argumenta quê, a verdade elementar de Marx demonstra que o processo de acumulação capitalista se dá segundo leis intrínsecas do modo de produção capitalista sendo essa possível somente pela via da apropriação privada do excedente econômico, síntese de uma forma social de produção residindo-se no modo de produção em si. Em 1956 os camponeses começam um processo de auxílio mútuo nas parcelas de terras, bens, inclusive animais e implementos agrícolas, todos coletivizados. A terra era cultivada em comum por grupos, geralmente compostos por centenas de famílias. Na opinião do governo, terrenos maiores, unificados, poderiam ser cultivados com mais eficiência. Equipamento agrícola moderno poderia também ser empregado, na medida da disponibilidade 49 A taxa de exploração é um conceito marxista cujo objetivo é determinar a correlação entre a parte do dividendo nacional que vai para as mãos dos trabalhadores sob a forma de capital variável e a parte que o empresário (ou Estado socialista) retém como lucro. Ver em: (JABBOUR, 2012. p. 200). 56 da tecnologia, e a mão de obra liberada poderia ser utilizada na construção de barragens e sistemas de irrigação. Exigia-se que as fazendas coletivas preenchessem metas de produção, a qual era entregue ao governo (FISHMAN, 2006, p. 53-54). Na visão de Gipouloux (2005, p. 15-18), essas medidas teriam deixado o setor agrícola chinês sem dinamismo, com os preços desligados da relação oferta/procura, empresas atomizadas, autarcia inscrita na divisão administrativa e urbanização atrofiada. Os residentes urbanos e rurais estavam separados por múltiplas medidas administrativas com racionamento de cereais, algodão e dos produtos industriais. A industrialização foi concebida como a via mais direta para reconstrução do país após a revolução em 1949, um meio de defender o socialismo na China e igualar, ou mesmo ultrapassar, os países ocidentais. O modelo a seguir seria o da União Soviética com planificação centralizada, o que para os chineses fizera da primeira pátria do socialismo uma grande potência que derrotara a Alemanha nazista. Uma reestruturação da economia teve como base o recrutamento da mão de obra e sua remuneração (ba ji gongzi zhi, o sistema de salários com oito escalões) e criou-se a danwei, unidade de trabalho com funções produtivas e sociais ao mesmo tempo. Puseram-se em marcha 694 projetos, dos quais 156 eram fábricas-chave na mão (centrais térmicas, combinados siderúrgicos, etc.) diretamente importados da União Soviética. A China dispunha de pouco capital e os rendimentos provinham nas primeiras décadas do regime dos encargos fiscais sobre a agricultura. Para maximizar a mobilização dos recursos para a industrialização intensiva em capital se inverteu a tendência do mercado e se estabeleceu um sistema centralizado de planificação que tinha por base um triplo mecanismo: a) Um ambiente macroeconômico com regulação dos preços para os principais produtos e fatores de produção (pessoal qualificado, capital, tecnologias, recursos): obriga-se a agricultura a ceder os seus produtos a baixo preço, e em troca são-lhe fornecidos produtos manufaturados (equipamentos mecânicos, adubos, etc) excessivamente caros provocando uma gigantesca transferência de recursos dos campos para as cidades com vista a acelerar a acumulação; b) Uma outorga de recursos muito centralizada para garantir à indústria todos os fatores de produção que lhe são necessários. Tendo em conta os preços artificialmente baixos do capital imposto pelo ambiente macroeconômico e pelo subdesenvolvimento do mercado de capitais, o sistema fiscal é o principal, senão o único meio de financiar o desenvolvimento da indústria pesada. O número de empresas subordinadas ao governo 57 central passou de 2800 em 1953 a 9300 em 1957 e o número de materiais geridos pela planificação centralizada elevou-se de 55 em 1952 a 231 em 1957; a) Um mecanismo de gestão ao nível local no qual a empresa não goza de nenhuma autonomia, para impedir a usurpação dos direitos absolutos do Estado sobre a economia. O relato do Gipuloux (2005) vem de encontro ao processo de combinação da chamada “via dos produtores50” com a “via prussiana51” na China, que se dá sob o amparo de um longo processo de “desenvolvimento pelo alto”, de máquinas que reproduzem máquinas, elaborado por Jabbour (2012) que crer ser interessante que já em 1978 a indústria correspondia a quase 50% do PIB com uma taxa média de crescimento acima dos 6% ao ano, criando a verdadeira base para o salto visto nos últimos 30 anos. Tabela 2.1 - O crescimento anual médio durante os primeiros planos quinquenais chineses (percentagem) Produção Industrial e agrícola Agricultura Indústria Indústria ligeira Indústria pesada 1º Plano (1953-1957) 10,9 4,5 18 12,9 25,4 2º Plano (1958-1962) 0,6 4,3 3,8 1,1 6,6 Reajustamento (1963- 1965) 15,7 11,1 17,9 21,2 14,9 3º Plano (1966-1970) 9,6 3,9 11,7 8,4 14,7 4º Plano (1971-1975) 7,8 4 9,1 7,7 10,2 5º Plano (1976-1980) 8,1 5,1 9,2 11 7,8 Fonte: (GIPOULOUX, 2005, p.18) O PCCh desde o começo tem no camponês um revolucionário crítico e fundamental no conflito libertário contra a ocupação militar estrangeira. A guerrilha camponesa é a marca registrada da luta contra os imperialistas e os tiranos domésticos. Só que, uma vez estabelecida a República Popular da China, o campesinato serviu como promotora do desenvolvimento industrial urbano. As pré-condições para uma mobilização social imediata 50 Transição feudalismo-capitalismo, também chamada de via revolucionária ou via americana, para quem os pequenos produtores rurais, aos poucos, transitam de uma condição subalterna do ponto de vista econômico até atingirem o grau de classe econômica dominante, reivindicando para si o poder político. Ver em: (JABBOUR, 2012, p. 104–105). 51 Os tipos básicos de transformação do mundo agrário, sob hegemonia da burguesia, consistiriam no que se chama de modelo prussiano e no seu oposto, o norte-americano. O primeiro corresponde à situação em que a modernização e o capitalismo transformam a economia feudal - e se poderia dizer de forma mais geral, as relações sociais agrárias - tendo como agente decisivo a grande propriedade de renda da terra. A liquidação das antigas relações de propriedade no campo não se faz num só processo, mas por uma adaptação progressiva, mais lenta nuns casos do que noutros, ao capitalismo. O tipo norte-americano depende de uma articulação diversa, em que a pequena propriedade camponesa joga um peso considerável, acabando por eliminar revolucionariamente a excrescência do latifúndio feudal do organismo social, desenvolvendo-se, a partir, daí em direção a economia capitalista. Ver em: (VIANNA, 1999, p. 163-164). 58 no caminho de uma igualdade e abundância estiveram longe das preocupações de Mao uma vez o PCCh no poder. O Grande Salto para a Frente e a Revolução Cultural que tiveram como objetivo conduzir às cegas a China diretamente ao comunismo tentando emular o desenvolvimento industrial do Reino Unido e dos Estados Unidos não tiveram o sucesso esperado. O resultado foi uma sociedade de igualdade primitiva, pré-capitalista (CHAOHUA, 2018, p. 79). A acumulação primitiva é o passo inicial à consequente formação da empresa e grande empresa capitalista que, por si só, dado seu aparato financeiro, passa ao leme do processo de desenvolvimento e coloca o Estado a serviço de seus interesses, sobretudo na política e comércio externo. É o velho revezamento entre Estado e propriedade privada na consecução de tarefas econômicas (JABBOUR, 2012, p. 246). Para Li (2011), a despeito das conquistas históricas obtidas por Mao Tsé-Tung, a China continuou inserida num sistema mundial capitalista forçando-a a operar sob as leis regentes desse sistema e mesmo com o excedente econômico sob o domínio do Estado, que promovia a acumulação do capital, a industrialização e criava as condições materiais em favor das elites burocrático-tecnocráticas. O processo de privatização ocorrido nos anos 1990 é exemplar: Nos anos 1990 procedeu-se à privatização massiva. Praticamente todas as pequenas e médias empresas estatais e algumas grandes empresas estatais foram privatizadas. Quase todas elas foram vendidas a preços artificialmente baixos ou simplesmente “dadas”. Entre os beneficiados se incluem funcionários do governo, antigos administradores de empresas estatais, capitalistas privados com boas relações no governo e companhias transnacionais. Na realidade, efetuou-se uma “acumulação primitiva” massiva e formou-se uma nova classe capitalista, baseada no furto massivo de patrimônios estatais ou coletivos. Enquanto isso, dezenas de milhões de trabalhadores dos setores estatal e coletivo foram demitidos e deixados na penúria. A legitimidade dessa nova classe capitalista foi reconhecida pela liderança do Partido Comunista. No 16º Congresso do Partido (em 2002), o Estatuto do Partido foi revisado. Sob o antigo Estatuto, o Partido Comunista considerava-se como a vanguarda da classe trabalhadora, representando os interesses do proletariado. Sob o novo Estatuto, o Partido Comunista declara-se representante dos interesses tanto das “mais amplas massas populares” quanto das “forças produtivas mais avançadas”. O termo “forças produtivas mais avançadas” é geralmente considerado como um eufemismo para designar a nova classe capitalista (LI, 2011, n.p.). É amplamente necessária, para Jabbour (2012, p. 102), que aconteça uma fase de convivência entre o planejamento, os setores estratégicos da economia e os elementos cruciais do processo de acumulação (sistema financeiro, juros, crédito e câmbio), sob controle estatal, com outras formas de propriedade (particular, privada, joint ventures). 59 2.5 Soltem os grilhões que aprisionam nossas almas52: as Reformas de Abertura de 1978. Em 9 de Setembro de 1976, Mao sucumbiu à enfermidade deixando para trás uma China unificada como não acontecia havia séculos, com a maioria dos vestígios do velho regime eliminado, limpando o terreno para reformas nunca pretendidas por ele próprio. Isso na visão de Mao, que pegara um país arrasado conduzindo-o habilmente entre facções domésticas antagônicas fazendo com que a China sobrevivesse a guerras, tensões e dúvidas criando uma superpotência emergente cuja forma de governo comunista sobreviveu ao colapso do mundo comunista (KISSINGER, 2011, p. 313-314). Em Dezembro de 1978, diante da dificuldade dupla da incerteza política na esteira da morte de Mao em 1976 e de vários anos de estagnação econômica, a liderança chinesa Deng Xiaoping, caracterizado por Mao como um “adepto do capitalismo”, durante a Revolução Cultural, anuncia um programa de reformas econômicas que teve como resultado a construção de um tipo específico de economia de mercado que incorporou crescentemente elementos neoliberais entrelaçados com o controle centralizado autoritário. As reformas se empenharam em levar forças de mercado a incidir internamente na economia chinesa estimulando a competição entre empresas estatais a fim de promover, esperava-se, a inovação e o crescimento. Devolveu-se o poder econômico-político às regiões e localidades e introduziu-se a fixação de preços pelo mercado. Promoveu-se a abertura da China, ainda que sob a estrita supervisão do Estado, ao comércio e aos investimentos externos, acabando-se assim com o isolamento chinês do mercado mundial objetivando entre outras coisas a obtenção de transferências de tecnologia bem como a geral reservas de divisas suficientes para adquirir os recursos necessários ao apoio a uma dinâmica interna mais vigorosa de crescimento econômico (HARVEY, 2008, p. 131-132). Tem-se a ideia que as reformas econômicas chinesas em 1978 foram algo planejado, de cima pra baixo, liderado pelo seu “arquiteto”, Deng Xiaoping. Muitos dos fatos cruciais que impulsionaram a China à economia de mercado foram não intencionados ou completamente acidentais. Grande parte do ímpeto que levou a China a criação de riqueza durante esse período nasceu da tentativa de resolver uma política malograda. As reformas teriam sido resultado de uma crise de pagamentos53. Deng recorreu a Chen Yun, especialista 52 Convocação de Deng Xiaoping ao povo chinês. Ver em: (NAISBITT, 2011, p. 45). 53 No chamado “Plano Decenal para o Desenvolvimento Econômico” elaborado por Hua Kuofeng, eventual sucessor do Mao Tsé-Tung, resumia-se, o plano, em uma enorme lista de compras: importação de 22 60 em desarmar crises econômicas, e, esse por sua vez viu no ativismo dos camponeses a solução dos problemas. Chen permitiu que a partir de 1979, os camponeses poderiam formar “grupos de trabalho” menores para cultivar porções fixas de terra extinguindo o sistema de comunas agrícolas criadas por Mao. Um princípio-chave da nova política era que esses grupos de trabalho não seriam famílias unitárias, e que a terra cultivada continuava em poder do Estado. Porém, num ato de desobediência criativa, os camponeses entenderam as novas regras como licença para começar a cultivar terras da família. O impacto foi imediato. Em 1984, a colheita nacional de grãos subiu para 407 milhões de toneladas, contra os 305 milhões de 1978, e a carne se tornou mais disponível. Subterfúgios semelhantes criaram o protótipo de comércio popular chinês. Em torno do delta do rio Pérola margeando Hong Kong e nas províncias de Zhejiang e Jiangsu, ao norte e ao sul de Xangai, as pessoas começaram a criar empresas que eram socialistas e pertenciam ao Estado no papel, mas capitalistas e privadas na realidade. O “coletivo” passara a significar uma coleção de proprietários privados ou parcialmente privados. Uma folha de parreira que logo ficara a ser conhecida como “envergar o chapéu vermelho” que logo foram vistos como geradores de empregos e pagadores de impostos mais dinâmicos em seus distritos. Em poucos anos, uma amálgama não sancionada de “chapéus vermelhos”, coletivos e “empresas municipais e das aldeias” tinha se tornado de longe, o setor de crescimento mais rápido na economia nacional. Ao longo dos anos 1990, sobretudo com a adoção de milhares de “parques de desenvolvimento” não licenciados, para os quais os governos locais atraíram investimentos corporativos, oferecendo um pacote de incentivos locais, essas iniciativas se espalharam. A contribuição de Deng Xiaoping foi conceber todas as estratégias que viriam a lançar as fundações da decolagem econômica da China. Junte-se a isso uma crise urbana de empregos. Cerca de 7 milhões de jovens instruídos tinham sido mandados ao interior, para “aprender com os camponeses” durante a Revolução Cultural que ao final de 1970 e início da de 1980, esses mesmos jovens, inundaram as cidades. Pequim resolveu deixá-los envolver-se em negócios privados de pequena monta. Esses aproveitaram a oportunidade colocando o pé numa escada rolante que os colocaria no espaço de duas décadas no mais alto topo da riqueza (KYNGE, 2007, p. 30-31). Para Losurdo (2004), uma vez conquistada a vitória, o objetivo principal das forças populares estaria no desenvolvimento das forças produtivas. Após a terceira sessão plenária unidades de produção industrial completas a um custo médio de mais de US$ 500 milhões cada. Deng apostou que essas compras poderiam ser financiadas pela descoberta de novos grandes depósitos de petróleo. Infelizmente, encontrou-se muito pouco petróleo o que resultou num grande rombo nas finanças do Estado chinês. Vem em: (KYNGIE, 2007, p. 30). 61 do XI Comitê Central de 1979, com a volta ao poder de Deng Xiaoping, cai a tese da “luta de classe como ponto principal” e tem-se como vitoriosa a tese do “desenvolvimento econômico como objetivo principal”. Como a revolução vislumbrada por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista nos países capitalistas mais avançados não aconteceu, a nova proposta seria o avanço gradual das forças produtivas em um país mais ou menos atrasado dominado pelos comunistas até chegar ao nível dos capitalistas: O proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, quer dizer, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas. (MARX; ENGELS, 1985, p. 53) Ainda segundo Losurdo (2004), Marx, ao seu tempo, não enxerga contradições nesses objetivos. Entretanto, com o avanço da “globalização”, o poder hegemônico dos Estados Unidos e do Ocidente, emerge a contradição: um país em desenvolvimento que se proponha a nacionalização radical dos meios de produção isolando-se do mercado capitalista, estaria fadado ao atraso tecnológico e certamente não teria como desenvolver suas forças produtivas. Em tais condições, é inevitável atualmente que concessões devem ser feitas para se poder importar tecnologia e outros tantos elementos essenciais ao processo de modernização. Nesse momento importante um adendo sobre a força do estado nesse processo de abertura e não só nele, mas desde a Revolução de 1949. Na análise de Arrighi (2008), o desenvolvimento econômico chinês, tem na intermediação do Estado nos arranjos produtivos origem da propriedade privada da terra, aumento do controle sobre a natureza, liberdade econômica e segurança social. Para Belluzzo & Sabattini (2017), o desenvolvimento chinês é um exemplo claro de simbiose entre o Estado e a iniciativa privada onde desde 1980 e em especial, a partir da década de 1990, o Estado chinês promove um amplo processo de socialização do investimento e uma classe de jovens empreendedores aguerrida: O Estado planeja, financia em condições adequadas, produz insumos básicos com preços baixíssimos e exerce invejável poder de compra. Na coordenação entre o Estado e o setor privado está incluída a “destruição criativa” da capacidade excedente e obsoleta mediante reorganizações e consolidações empresariais, com o propósito de incrementar a “produtividade” do capital. A iniciativa privada dá vazão a uma voraz sede de acumulação de capital através de investimentos em ativos tecnológicos, produtivos e comerciais. Não há espaço para rentista, devidamente desestimulado a canalizar sua sede de lucros para investimentos socialmente estéreis. 62 Na China o rentier não precisa de eutanásia. Títulos públicos têm remuneração discreta. Os mercados de capitais são regulados para evitar supervalorizações (e super depreciações) de ativos. O controle do fluxo de capitais especulativos garante a independência da política monetária e a estabilidade do yuan. As verdadeiras oportunidades de lucros extraordinários estão nos investimentos que geram inovações, que adensam a cadeia produtiva, que criam empregos. Não há espaço para investimentos socialmente estéreis (BELLUZZO; SABATTINI, 2017, n.p.). A partir de 1978 a China passou a adotar o planejamento macroeconômico e macrossocial, e a combiná-lo com o mercado, principal regulador dos preços e das demandas produtivas onde o Estado retifica os desvios desse mercado agindo sobre ele no sentido de orientá-lo de acordo com as estratégias da construção econômica com princípios, tarefas e trabalho das reformas. Ainda subsistem monopólios em áreas sensíveis do abastecimento com preços administrados para uma série de produtos básicos, como alimentos populares, transportes etc. Em superada a escassez e os rendimentos se elevassem, os monopólios seriam quebrados e o mercado paulatinamente determinaria todos os preços, conforme a relação entre a oferta e a procura. Por outro lado, o governo manteria estoques estratégicos e estoques reguladores, assim como sistemas de acompanhamento de ofertas e preços, de modo a evitar migrações erráticas de capitais para uns produtos em detrimento de outros (POMAR, 2009, p. 120-121). Na prática, a Era da Reforma tem seu início com a transformação das relações fundiárias. Num primeiro momento aumentou-se os preços de estocagem dos grãos e num segundo as comunas populares foram desativadas gradualmente e ordenadamente com o usufruto das terras criteriosamente repartido entre cada uma das famílias camponesas constituintes dessas comunas com livre arbítrio para produzirem o que quisessem uma vez cumpridas as exigências de cotas estipuladas pelo Estado. O “sistema de responsabilidade por unidade familiar” constituiu-se numa segunda reforma agrária, igualitária e com muito mais benefícios aos camponeses e tendo como resultante um alto crescimento de produção agrícola. Aconteceu uma redução das horas de trabalho dedicada à lavoura e a indústria rural (têxteis, tijolos e similares) prosperou rapidamente. A renda dos camponeses em relação a renda nacional passou de 30% a 40% no intervalo de 1978 a 1984. As empresas estatais gradualmente foram autorizadas a cobrar preços de mercado para a produção excedente as cotas exigidas pelo governo central vendidas a preços fixos. O resultado foi similar ao aumento de produtividade do campo, os gestores se sentiram mais motivados a produzirem com rentabilidade (ANDERSON, 2018, p. 52-53). 63 Segundo Li (2011), numa visão mais crítica, a chamada reforma econômica começou nos campos. O desmantelamento das comunas populares e a privatização da agricultura colocou nos anos seguintes, centenas de milhões de camponeses como trabalhadores “excedentes”, prontos para serem explorados por empresas capitalistas nacionais e estrangeiras. A grande inflexão geradora do crescimento da economia chinesa se deu a partir das reformas no final dos anos 1970. Os líderes chineses resolveram seguir a teoria marxista que preconiza que os modelos de produção avançam após ter esgotado todas as capacidades de desenvolvimento dos modelos produtivos anteriores. Essa transição numa sociedade onde as forças produtivas atingiram um alto grau de desenvolvimento com monopólios estatais e privados de grande magnitude e com um sistema de intermediação financeira em pleno funcionamento guardaria menor complexidade para Lênin (2012), cabendo-lhe apenas tarefas de ocupação de superestrutura e aplicação de políticas de socialização e estatização mediadas pela conjuntura e a correlação de forças nos ambientes interno e externo, muito longe do que se via na China após a revolução comunista onde os líderes chineses viram nas soluções buscadas pelo Lênin, que em seu tempo, diante do desafio de reconstruir as bases materiais de um país arrasado, deu-se conta não somente da complexidade da problemática do desenvolvimento e da transição em sociedades agrárias, como também de que o fomento das relações comerciais e mercantis entre campo e cidade constituía-se em grande válvula de escape ao processo de acumulação (JABBOUR, 2012, p. 179). Lênin faz a seguinte observação sobre a teoria de desenvolvimento capaz de abarcar o conjunto do “problema chinês”: Mas o que significa a palavra transição? Não significará, aplicada à economia, que no regime atual existem elementos, partículas, pedaços de capitalismo e de socialismo? Todos reconhecem que sim. Mas nem todos, ao reconhecerem isto, refletem sobre precisamente que elementos das diferentes estruturas econômicas e sociais existem na Rússia. E nisto está toda a essência da questão. Enumeremos esses elementos: economia camponesa, patriarcal, isto é, natural em grau significativo; pequena produção mercantil (que inclui a maioria dos camponeses que vendem cereais); capitalismo privado; capitalismo de Estado; socialismo (LÉNINE, 2012, n.p.). O capitalismo de Estado teria como características a existência de empresas privadas, grandes ou pequenas, em grande medida submetidas ao Estado pela via do controle e inspeção estatais (com o fim de evitar o monopólio privado) e pelo carregamento de crédito 64 centralizado por bancos estatais, uma regulação estatal sobre a própria economia de mercado (JABBOUR, 2012, p.180-181). Outra observação de Lênin faz a síntese da matéria: Voltamos a cair ainda nesse raciocínio: “o capitalismo é um mal, o socialismo é um bem”. Mas este raciocínio é errado, porque esquece todo o conjunto de estruturas econômico-sociais existentes, abarcando apenas duas delas. O capitalismo é um mal em relação ao socialismo. O capitalismo é um bem em relação ao medievalismo, em relação à pequena produção, em relação ao burocratismo ligado à dispersão dos pequenos produtores. Uma vez que ainda não temos forças para realizar a passagem direta da pequena produção ao socialismo, o capitalismo é em certa medida inevitável, como o produto espontâneo da pequena produção e da troca, e, portanto, devemos aproveitar o capitalismo (principalmente dirigindo-o para a via do capitalismo de Estado) com elo intermédio entre a pequena produção e o socialismo, como meio, via, processo ou método de elevação das forças produtivas (LÉNINE, 2012, n.p.). O consagrado “socialismo de mercado”, modelo inaugurado, em 1978 na China, não seria uma coisa nova para Jabbour (2012). Em matéria de política econômica e transição a uma organização superior de sociedade teria como base a Nova Política Econômica (NEP), apresentada por Lênin no final da década de 1910 e aplicada a partir da década de 1920 onde teria uma série de convergências que poderiam ser destacadas, entre elas: a) Superestrutura de poder popular; b) Concentração da propriedade estatal e/ou coletiva restrita aos setores com alto grau de monopólio; c) Estatização do comércio exterior; d) Internacionalização de tecnologia avançada a partir de concessões a investimentos estrangeiros; e) Permissão à comercialização de excedentes agrícolas, dando margem a: divisão social do trabalho marcada por relações favoráveis à agricultura em relação à cidade e transformação de recursos ociosos na agricultura em poupança inicial para a modernização do país. Quando iniciou o processo de reforma em 1978, quase tudo o que importava na China era parte do setor público, Empresas de Propriedade do Estado (EPEs) dominavam os setores- chave da economia, e, na maioria dos pontos de vista, eram razoavelmente lucrativas oferecendo não só segurança do emprego aos trabalhadores como também uma ampla gama de benefícios sociais e de aposentadoria (conhecidos como “tigela de arroz de ferro” ou garantia do sustento pelo Estado), embora fossem se reduzindo com o passar do tempo, 65 protegeu parcelas ponderáveis da população ao longo de muitos anos. Havia ainda uma variedade de empresas estatais locais sob o controle de governos distritais, municipais e provinciais e o setor agrário se organizava de acordo com um sistema de comunas com menos privilégios, mas com metas de produção estabelecidas por um sistema regional de planejamento que determinava a alocação de insumos de acordo com o plano e separados das populações urbanas por meio de um sistema de permissão de residência evitando uma migração de massas rurais para os centros urbanos. Os bancos estatais serviam primordialmente de repositórios de poupança e ofereciam recursos para investimentos fora do orçamento do Estado (HARVEY, 2008, p. 134). Fishman (2006, p. 87) enfatiza essa característica chinesa: Os chineses muitas vezes se dizem culturalmente dispostos a economizar e a formular planos de emergência devido à certeza de que a incerteza se encontra poucos passos adiante, e os cidadãos da China têm a maior taxa de poupança do mundo, guardando em média 40% de seus rendimentos. As state-owned enterprises (SOE) chinesas ainda respondem por cerca de metade do PIB industrial básico na China. Em 1977 o governo central chinês tomou a decisão que a priori estaria na contramão dos conceitos de uma economia presumidamente comunista: a privatização. O Estado declarou que iria se retirar de alguns setores, embora ainda os controlando. Desde então as SOEs chinesas têm crescido e em um segmento importante, o bancário, elas se tornaram cruciais. O Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) se tornou uma estrela do sistema financeiro internacional. Em 10 de fevereiro de 2006, o ICBC era dez vezes maior que o Citibank. Na primavera de 2008, dois anos após o lançamento das suas ações no mercado financeiro, a instituição atingiu o valor de US$ 232 bilhões aparecendo com larga vantagem como o maior banco do mundo. Tudo foi feito de forma gradual com os dirigentes do Banco Central chinês autorizando parcerias privadas com bancos de investimento de pequeno porte. Em 2005, o Citigroup comprou 5% da participação no Shangai Pudong Development Bank, um ano antes, o HSBC comprara 8% das ações do Bank of Shangai. A China tem o terceiro maior índice de poupanças do mundo, e em 2007 cerca de 150 milhões de pessoas detinham ações ou títulos, um verdadeiro maná para o sistema financeiro internacional. Em 2008, três entre os cinco maiores bancos do mundo já eram chineses (NAISBITT, 2011, p. 23-28). 66 Para Jabbour (2012), as causas do crescimento chinês deveriam ser buscadas não somente no que existe de padrão no mundo, mas também na análise da complexidade da formação social chinesa, expressada em diferentes formas de produção no mesmo território fruto de alguns fatores como a necessidade da maximização do mercado e sua capacidade de alocar recursos, maximização do planejamento com a estratégia de grandes empreendimentos, gestão macroeconômica gestando movimentos imediatos e futuros da grande economia, agora sob a égide de um poderio financeiro jamais sonhado pelas antigas gerações revolucionárias tendo o Estado como grande indutor. A China no século XX foi caracterizada por repetidas mudanças, de crises até fracassos no seu rápido crescimento e modernização. Desde o começo da reforma econômica, na década de 1970, as políticas “pragmáticas” chinesas deram grande ênfase ao comércio e à economia, mais do que na política e na ideologia, o que se traduziu no fortalecimento de relações com todo mundo capitalista, incluindo os Estados vizinhos. O século XX foi marcado pela luta ininterrupta da China para realizar o “sonho chinês”, isto é, o grande rejuvenescimento histórico da nação chinesa (XING; SHAW, 2018, p. 57). Para Procópio (2012) a primeira etapa da revolução comunista colocou a casa em ordem sem parar de crescer o que propiciou a Deng Xiaoping54 anos depois destrancar as portas chinesas com as mesmas chaves maoístas deixando entrar o capital estrangeiro excomungado pela Revolução Cultural. Tudo feito de forma planejada, a primeira iniciativa capacitou a China para produzir tecnologias e a segunda atraiu capital, ciência e saberes para criar o mercado exportador já experimentado com sucesso no Japão, Coreia do sul e Taiwan. Em discurso, Xiaoping (1994), apresenta suas convicções e metas: (…) para construir o socialismo é necessário desenvolver as forças produtivas. Para sustentar o socialismo, um socialismo superior ao capitalismo, é imperativo, primeiro e mais importante, eliminar a pobreza. (…) Não antes da metade do próximo século, quando tivermos atingido o nível das nações moderadamente desenvolvidas, poderemos dizer que realmente construímos o socialismo e declarar de forma convincentemente que o socialismo é superior ao capitalismo. Nós estamos avançando rumo a essa conquista (XIAOPING, 1994 apud JABBOUR, 2012, p. 98). 54 Nascido em Guangan, na província de Sichuan, Deng Xiaoping foi para a França em 1920 para estudar e trabalhar. Participou da fundação do círculo comunista dos estudantes chineses e entrou para o Partido Comunista em 1922. Em 1948 tornou-se secretário-geral do comitê da frente sul e em 1956 foi eleito Secretário-geral do Partido Comunista. Em 1973 assumiu a chefia do estado-maior do Exército Popular de Libertação e o cargo de vice-primeiro-ministro. Deng tornou-se, progressivamente, o líder do processo de reajustamentos do PC e das mudanças e reformas que transformaram a fisionomia da nação chinesa. Ver em: (POMAR, 1996. p. 26). 67 As reformas que abriram o mercado chinês são implementadas num país até então socialista ortodoxo, não há de se discutir sobre características do modo de produção capitalista mas a opção por um modelo econômico voltado para a exportação que é apontada por Marx como uma contra tendência para obtenção de mais-valia: A medida que o comércio exterior barateia em parte os elementos do capital constante, em parte os meios de subsistência necessários em que o capital variável se converte, ele atua de forma a fazer crescer a taxa de lucro, ao elevar a taxa de mais- valia e ao reduzir o valor do capital constante. Ele atua em geral nesse sentido ao permitir a ampliação da escala da produção. Assim ele acelera, por um lado, a acumulação, por outro, também o descenso do capital variável em relação ao capital constante, e com isso a queda da taxa de lucro. Da mesma maneira, a ampliação do comércio exterior, embora tenha sido na infância do modo de produção capitalista sua base, tornou-se, em seu progresso, pela necessidade intrínseca desse modo de produção, por sua necessidade de mercado sempre mais amplo, seu próprio produto. Aqui se manifesta novamente a mesma duplicidade do efeito. (MARX, 1985, p. 180) Mao Tsé-Tung apoiou-se nos camponeses pobres para levar a cabo a Revolução Nacional-Popular e o Deng Xiaoping obteve sucesso mantendo o mesmo rumo traçado em 1949 com retificações em 1978 e tendo como base uma classe de camponeses médios, com comprovada capacidade de iniciativa empresarial explicando a pujança econômica alcançada pela liberação da energia camponesa esmerada por séculos de pequena produção mercantil. Não é de estranhar que mais de 70% dos atuais empresários de nacionalidade chinesa eram camponeses médios em 1978, e que somente na cidade sulista de Shenzen (espelho maior das reformas pós-1978) cerca de 90% dos empresários o eram em 1978 (JABBOUR, 2012, p. 99). O XII Congresso do Partido Comunista da China, realizado em Setembro de 1982, para Xuan & Doria (2016) foi um ponto de inflexão crucial na história da República Popular da China uma vez que nesse Congresso são colocados os fundamentos ideológicos para adoção das medidas práticas do lançamento da Reforma e abertura tidas como a segunda revolução chinesa que estiveram claras desde a sessão inicial onde Deng Xiaoping propõe o conceito que marcaria seu legado político definindo os rumos do Partido Comunista Chines: Na realização de nosso programa de modernização devemos proceder a partir da realidade chinesa. Tanto na revolução quanto na construção também devemos aprender com países estrangeiros e tirar lições das suas experiências, porém a aplicação mecânica das experiências estrangeiras e a cópia de modelos estrangeiros não vai nos levar a lugar nenhum. Tivemos muitas lições a este respeito. Devemos integrar a verdade universal do marxismo com as realidades concretas da China, pavimentar um caminho próprio e construir um socialismo com características chinesas – esta é a conclusão básica que chegamos depois de rever a nossa longa história (XIAOPING, 1994 apud XUAN; DORIA, 2016, p. 120). 68 Para Kissinger (2011), Deng Xiaoping teve a coragem de basear a modernização na iniciativa e resistência dos chineses individualmente. Ele aboliu as comunas e promoveu a autonomia nas províncias para introduzir o que chamou de “socialismo com características chinesas”. Deng desafiou o povo chinês a um grande compromisso para superar o atraso: A chave para conquistar a modernização é o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. E, a menos que prestemos especial atenção na educação, será impossível desenvolver a ciência e a tecnologia. Palavras vazias não vão levar nosso programa de modernização a lugar algum; devemos ter conhecimento e pessoal treinado. […] Hoje parece que a China está vinte anos atrás dos países desenvolvidos em ciência, tecnologia e educação (DENG, 1977 apud KISSINGER, 2011, p. 326). Deng Xiaoping teve como sua primeira mudança fundamental a dissolução das comunas, conferindo maior autonomia às vilas e municípios e a introdução do “sistema de contrato de responsabilidade”55 na produção camponesa, criando um regime de incentivos para o aumento da produtividade agrícola (BORGONOVI, 2011, p. 20). O desenvolvimento acelerado da agricultura da China começou depois da reforma rural em 1978. Ao longo dos 20 anos, dentro do quadro de propriedade coletiva, orientada pelo mercado, a reforma na zona rural da China mudou o regime tradicional e explorou a nova forma de economia coletiva no contexto da economia de mercado. A reforma traz aos camponeses benefícios que liberou e desenvolveu a força produtiva rural, incentivou o rápido crescimento da produção dos alimentos e otimização gradual da estrutura agrícola, fazendo com que a agricultura da China obtivesse êxitos significativos. Atualmente a produção de grãos, algodão, semente de colza (também conhecida como couve-nabiça), tabaco, carne, ovo, produtos aquáticos e vegetais da China ocupam o primeiro lugar no mundo (COUTO, 2008, p. 78) A China, a despeito do significativo crescimento econômico observado nas últimas três décadas, permanece como um país de base agrária e um dos pontos centrais na estratégia de progresso nacional de Deng Xiaoping estava relacionado à percepção da importância da 55 Na província de Xiaogang, 18 camponeses concordaram em dividir as terras que cultivavam coletivamente e atribuir discretamente uma parcela a cada família. Os camponeses após pagarem suas obrigações ao governo, passaram a vender ou trocar o excesso que pudessem tirar da terra com os lucros ficando em seu poder num arranjo secreto ilegal. O rendimento da terra cresceu extraordinariamente e o acordo e seus resultados despertaram a atenção de Pequim, onde recentemente se tornara o principal líder chinês, Deng Xiaoping. Com o apoio de Deng, foram feitos arranjos semelhantes em bases experimentais nas províncias mais pobres. O esquema oferecia ao governo em dificuldades na árdua luta da transição, uma forma eficaz e sem custos de promover o progresso de seu povo. Em 1980, a China instituiu oficialmente o Sistema de Responsabilidade Familiar, que permitia às famílias cultivar e vender seus produtos para obter lucro, desde que preenchessem as cotas devidas ao Estado iniciando a economia de mercado na China via os camponeses. Ver em: (FISHMAN, 2006. p. 57-58). 69 zona rural e no seu crescimento, uma vez que a China é um país de população rural, apesar de possuir uma parcela relativamente pequena de área cultivável (LEITE, 2018, p. 261). Porém, para Jabbour (2012) o crescimento pós-1978 não foi algo que partiu do zero, mas foi algo já baseado na existência de um Departamento I56 na economia. O crescimento do setor primário da economia entre os anos de 1978 e 1984 teve sucesso devido a estratégia de mudança dos preceitos do dito “modelo soviético” pautado por uma industrialização sustentada pela agricultura e impondo relações desiguais entre campo e cidade, e complementa: A inversão dessa relação na China está diretamente associada ao aumento da participação do setor primário na composição do PIB nos anos citados. Por outro lado, também tem serventia na contra-argumentação àqueles que colocam o “modelo chinês” como algo sustentado pela demanda externa em detrimento da demanda interna e que as primeiras medidas voltadas ao mercado exterior (JABBOUR, 2012, p. 218). A tabela abaixo expressa uma grande contradição na China que tem 55% da população ainda vivendo no campo correspondendo a apenas 11,3% do total do PIB, uma resposta ao problema da diferença de renda entre o campo e a cidade, afinal, as atividades manufatureiras são mais rentáveis do que as atreladas à agricultura. Tabela 2.2 - Contribuição de cada setor da economia ao crescimento chinês, 1990-2007 (%) Ano Setor Primário Setor Secundário (indústria + setor de construção) Setor Secundário (indústria) Setor Terciário 1990 41,7 41 39,7 17,3 1991 7,1 62,8 58 30,1 1992 8,4 64,5 57,6 27,1 1993 7,9 65,5 59,1 26,6 1994 6,6 67,9 62,6 25,5 1995 9,1 64,3 58,5 26,6 1996 9,6 62,9 58,5 27,5 1997 6,8 59,7 58,3 33,5 1998 7,6 60,9 55,4 31,5 1999 6 57,8 55 36,2 2000 4,4 60,8 57,6 34,8 2001 5,1 46,7 42,1 48,2 56 O produto global e, portanto, a produção global da sociedade decompõem-se em dois grandes departamentos. I. Meios de produção, mercadorias que possuem uma forma em que têm de entrar ou pelo menos, podem entrar no consumo produtivo. ll. Meios de consumo, mercadorias que possuem uma forma em que entram no consumo individual da classe capitalista e da classe trabalhadora. Ver em: (MARX, 1985. p. 293). 70 2002 4,6 49,7 44,4 45,7 2003 3,4 58,5 51,9 38,1 2004 7,8 52,2 47,7 40 2005 6,1 53,6 47 40,3 2006 5,3 53,1 46,6 41,7 2007 3,6 54,1 48,2 42,3 Fonte: (JABBOUR, 2012, p. 219) É sempre bom salientar e deixar bem claro o papel do Estado no caso do desenvolvimento recente chinês. Um Estado diferente daquele analisado por Marx (1985) a mercê dos interesses do capital e sim um catalisador de soluções para os problemas sociais. Abordando as estratégias nacionais de desenvolvimento, e, principalmente, na industrialização dos países, o debate historicamente caracterizado pelo dissenso da pertinência ou não de políticas industriais no contexto da economia global, Hiperglobalistas como Ohmae (1990) defendem que os Estados e as questões nacionais não são mais relevantes, dado que a “combinação de tecnologias revolucionárias de transportes e comunicações e o poder crescente das empresas transnacionais retirou o poder econômico do controle do estado- nação” e outros autores como Castells (1999), Dicken (2010), Porter (1989), Gilpin (2001), Vietor (2007) e Stopford (1999) já defenderiam contrariamente que exatamente por causa da interdependência e abertura da economia internacional os Estados devem empenhar-se em promover o desenvolvimento de estratégias em nome de seu empresariado sendo importantes atores na economia global (COELHO; MASIERO, 2014, p. 142-143). Para Andrade (2012), o Estado é o produto de uma determinada fase do desenvolvimento social: aquela marcada pelo surgimento da propriedade privada e pelo aparecimento na sociedade das classes sociais antagonicamente inconciliáveis e em termos gerais, segundo a abordagem marxiana do Estado, este, quer assuma ao longo do seu desenvolvimento a forma imperial, autocrática, absolutista, democrática, constitucional, etc., conserva o seu caráter de força de dominação de classe, na sua dependência ontológica em relação à estrutura econômica social. Destaca-se no sucesso chinês, a importância do Estado na condução dos processos de transição para uma economia de mercado. A política do dual track (dois caminhos), a liberalização da agricultura, o estímulo às empresas rurais e a reforma dos sistemas empresarial e financeiro são exemplares nesse sentido com as lideranças chinesas sempre atentas às decisões macroeconômicas de correção de eventuais falhas do mercado. Esse zelo e atenção fez com que a China reunisse e acumulasse as capacitações sociais necessárias para o 71 êxito do processo de convergência (catch up). Concomitantemente o governo preservou sua capacidade de intervenção, mostrando-se capaz de criar condições de proteção dos grupos vulneráveis e os perdedores do processo de mudança, evitando maiores custos sociais (GUIMARÃES, 2009, p. 5). Segundo Leite (2018), as reformas implementadas no processo de modernização chinês tiveram foco na criação de uma rede doméstica de ganhos (inclusão e acesso a bens e serviços essenciais) paralelo a uma adequação estrutural de um mercado interno e externo que favorecesse o sucesso dos objetivos políticos e econômicos chineses. O domínio do Estado sobre os processos produtivos reserva a esses espaços nos quais as economias periféricas ocidentais confiaram à iniciativa privada contrariando os ditames neoliberais57. O governo chinês estrategicamente considera a existência do mercado se utilizando dele a seu favor indicando uma gestão pública mais adequada ao crescimento e desenvolvimento rompendo as barreiras e obstáculos impostos pelas nações desenvolvidas e para tanto complementa: É a capacidade de governança do aparato estatal chinês que cria, mobiliza e realiza a gestão dos recursos produtivos. O processo de acumulação de capital tem uma intensiva participação do aparelho do Estado chinês, o que também influencia significativamente o tipo de desenvolvimento obtido ao longo de anos de crescimento econômico (LEITE, 2018, p. 268). Até o final dos anos 1980 a relação entre oferta e demanda na China caracteriza-se pela escassez de artigos de gêneros alimentícios e artigos de uso doméstico. Para fazer frente a isso, o governo utilizava um sistema de cupons de racionamento, para realizar uma distribuição razoavelmente equilibrada ante uma demanda altamente reprimida. Ao final dos anos 1980 acontece uma mudança radical extinguindo-se o sistema de cupons de racionamento. Elevou-se o gasto com educação e cultura recreativa, de 6,7% para 10,7%, na 57 “O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que bem- estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do dinheiro. De também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados. Além disso, se não existirem mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o cuidado de saúde, a segurança social ou a poluição ambiental), estes devem ser criados, se necessário pela ação do Estado. Mas o Estado não deve aventurar-se para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados (uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo, porque, de acordo com a teoria, o Estado possivelmente não possui informações suficientes para entender devidamente os sinais do mercado (preços) e porque poderosos grupos de interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as intervenções do Estado (particularmente nas democracias) em seu próprio beneficio.” Ver em: (HARVEY, 2008, p. 12) 72 população urbana, e de 1% para 9,2%, na população rural, ao mesmo tempo em que ingressaram novos tipos de bens de consumo duráveis, como televisores, lavadoras, gravadores, geladeiras, ventiladores e máquinas fotográficas, além das “quatro velhas peças”, constituídas pelas bicicletas, relógios, máquinas de costura e rádios (POMAR, 2009, p. 68). Seguindo o modelo russo e como gostam de dizer os líderes chineses, atravessando o rio sem saber o caminho das pedras, tentaram uma ruptura abrupta com o mercantismo viciado implantado pelo neocolonialismo imperialista através de planos como o Grande Salto Adiante58, onde os camponeses tiveram de adaptar-se às metas de Mao para transformar o país em grande produtor de aço estimulando-se a construção de “fornos de quintal” por toda a parte, e a Revolução Cultural59, contrariando os estudos do Marx (1985) que defendia que a chegada ao Socialismo deveria acontecer após a exaustão do modelo de produção capitalista. O que parece ser o novo caminho, as novas pedras, fora proposto após a chegada do Deng Xiaoping em 1978: A abertura da China foi parte de um plano estratégico para utilizar suporte estrangeiro e transferência de tecnologia de modo a aumentar seu próprio poder graças ao desenvolvimento econômico. Para atingir o objetivo de mudar do “workshop do mundo” ao inovador de novas tecnologias para o mundo, a China protegeu suas empresas ao limitar as participações societárias de estrangeiros e as tem reforçado ao possibilitar uma competição darwiniana, feroz entre elas (NAISBITT, 2011, p. 8). Deng Xiaoping convocou os chineses a mostrar ao mundo que socialismo não é sinônimo de pobreza: “Perseguir riquezas é glorioso”60. (…) Quando Adam Smith descreveu o povo americano como sendo composto metade de perseguidores do “todo-poderoso dólar” 58 Em 1958, no início de um programa nacional de coletivização econômica conhecido como Grande Salto Adiante, Mao delineou sua visão da China em perpétuo movimento. Cada onda de esforço revolucionário, proclamou, era organicamente uma precursora de um novo levante cujo começo precisava ser apressado, de outro modo os revolucionários tornavam-se indolentes e começavam a repousar em seus louros. Ver em: (KISSINGER, 2011. p. 70). 59 Revolução Cultural de 1966, em que uma geração de líderes treinados, professores, diplomatas e especialistas foi enviada ao campo para trabalhar em fazendas e aprender com as massas. Ver em: (KISSINGER, 2011. p. 76). 60 Efetivamente o que fora dito numa entrevista numa televisão ocidental em 1986, foi: “Ficar rico não é nenhum pecado”. Continuando: “O que queremos dizer por ficar rico é diferente do significado implicado por vocês. A riqueza numa sociedade socialista pertence às pessoas. Ficar rico em uma sociedade socialista significa prosperidade para todas as pessoas. Os princípios do socialismo são: primeiro, o desenvolvimento da produção; e, segundo, a prosperidade comum. Permitimos que algumas pessoas e regiões primeiramente se tornassem prósperas, com o propósito de atingir prosperidade comum mais rapidamente. Essa é a razão por que nossa política não levará à polarização, a uma situação em que os ricos enriquecem enquanto os pobres empobrecem”. Ver em: (NAISBITT, 2011, p. 204). 73 e a outra metade como procriadores desses perseguidores, poderia muito bem, estar se referindo aos chineses de Deng (TANG, 2015, p. 58). O resultado é um crescimento nunca antes visto em qualquer parte do mundo. A China de Mao Tsé-Tung61 teve seus méritos. Garantiram teto, alimentação e vestuário para toda a população, erradicaram as endemias, e reduziram para 15% o analfabetismo que, em 1949, afetava 80% da população. Tiraram a China da miséria abjeta, construindo uma sociedade quase igualitária, com 700 milhões de pobres e 400 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza (POMAR, 2009, p. 279). A sociedade chinesa se caracteriza pela disposição de aprender de forma aberta qualquer teoria ou prática que agregue na obtenção de suas metas e os seus objetivos. Esse é um dos ativos mais fortes do país. Ao visitar uma fábrica da Ford em Atlanta, nos Estados Unidos, em 1979, Deng Xiaoping notou que, a produção de carros só nessa unidade era superior à produção anual da China, o que fez Deng se pronunciar: “queremos aprender com vocês”. E a China aprendeu (NAISBITT, 2011, p.10). A China de Deng torna-se a fábrica do mundo, a segunda maior potência econômica do mundo, a maior em termos comerciais caminhando a passos largos para se tornar a primeira economia mundial. Não se importando com a cor do gato define-se como um país socialista de economia de mercado implementando práticas consagradas do modelo capitalista. Com a rápida industrialização, atraiu investimento externo ao reduzir custos de “bem-estar social” e apoiou-se na mão de obra barata. Como consequência, as relações de poder entre capital e trabalho tornaram-se cada vez mais desequilibradas, levando ao fato que o crescimento econômico está intimamente conectado à legitimidade política e disputa de poder: Há uma primeira observação importante sobre o grau de internacionalização da economia chinesa após 1978, que corrobora o fato da forte influência dos modelos coreano e japonês. E uma segunda, sobre o aumento de competitividade da economia chinesa ao mundo, demonstrada por sua participação no mercado internacional. Esta última observação é um sinal de alerta aos países que acompanham os desígnios do Consenso de Washington e que promoveram desmontes completos em sua cadeia produtiva de alta tecnologia, como o Brasil, e viram sua participação no comércio internacional despencar nos últimos anos (JABBOUR, 2006, pág. 35). 61 Mao Tsé-Tung (1893-1976). Durante a luta contra os caudilhos militares do norte e durante a primeira guerra civil, Mao desenvolveu o movimento camponês. Durante a Longa Marcha, Mao foi eleito o principal dirigente do PC e do Exército vermelho. Seu nome está intimamente ligado à libertação da China e ao novo caminho iniciado com a proclamação da República Popular da China, em 1949. Ver em: (POMAR, 1996. p. 18). 74 Segundo Alves (2018), o esforço de Deng Xiaoping por “reforma e abertura” lançou a ascensão da China dos destroços da Revolução Cultural à primeira economia (medida em paridade de poder de compra) do mundo e que, tem na visita de Deng aos Estados Unidos em janeiro de 1979, a primeira de um líder chinês desde a Revolução Comunista de 1949, um símbolo do fim do que Deng, então com 74 anos, descreveu como período de desagrado entre essas nações por 30 anos e também a inauguração de uma nova era na geopolítica global. Além dos EUA, Deng visitou o Japão, na época a segunda maior economia do mundo capitalista, para declarar a promulgação do Tratado de Paz e Amizade China-Japão com o primeiro-ministro japonês Takeo Fukuda e Cingapura (de Lee Kuan Yew), na qual ele copiou as sementes para a replicação do modelo de Cingapura no desenvolvimento futuro da China e melhorou as relações com outras potências ocidentais e as economias emergentes vizinhas – como os quatro tigres da Ásia, Coreia do Sul, Cingapura e as comunidades chinesas de Hong Kong e Taiwan deixando como legado uma política externa que deve servir primeiro ao desenvolvimento econômico da China. Na década de 80 o Governo Central chinês constatou que, de vinte navios entrando nos portos nipônicos, dezenove regressavam sem carga. Observou que o valor agregado em produtos com tecnologia de um único deles vale mais que a frota de embarcações com produtos típicos da pauta de exportações da periferia mundial. Ou seja: toneladas de minério de ferro ou de soja pagam poucos gramas de satélite! Constatado esse fenômeno, a China resolveu incrementar suas trocas alargando o quanto possível sua rede de relações assinando pelo mundo acordos de cooperação científica, tecnológica, econômica e comercial (PROCÓPIO, 2012, p. 216). Para Pomar (2009) do ponto de vista histórico, o dinheiro poderia dar surgimento ao capital em qualquer lugar onde tivesse sido acumulado pelo mercantilismo. Mas a condição para isso era a existência de grandes massas desprovidas de meios de produção e de vida. O capital só se desenvolve onde é possível unir o dinheiro ao trabalho assalariado. Marx descobriu que essa transformação se dá no processo de produção. É ai que a força de trabalho se une ao dinheiro para gerar um valor a mais, ou lucro. Deixado ao arbítrio de seu desenvolvimento interno, o capital tende a desenvolver-se até ao ponto em que não precise mais do trabalho humano. Do ponto de vista econômico, isso seria seu suicídio, pois não teria como gerar lucros e acumular. Do ponto de vista social, seria uma tragédia completa. 75 Segundo Tang (2015) o espetacular crescimento econômico chinês foi conseguido com as mudanças estruturais onde fora transformada a mentabilidade do povo, incentivando a capacidade produtiva do povo e criando a “economia de mercado socialista” que passa por uma colaboração estreita entre o governo, suas políticas, e as empresas. De acordo com Pires (2011), o processo de reforma e abertura rendeu resultados substanciais. A economia de mercado socialista assumiu inicialmente suas formas. O setor público da economia se expandiu e progressos foram feitos no âmbito da reforma das empresas estatais. Trabalhadores independentes ou de empresas privadas e de outros setores não públicos da economia se desenvolveram de forma bastante célere. A China sucumbi ao modelo burguês preconizado por Marx & Engels (1985) que explora o mercado mundial imprimindo um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países rompendo, em 1978, a muralha da China então socialista, para que essa agora produzisse sua artilharia pesada de produtos de baixos preços alavancando sua economia se tornando um protagonista de peso no mercado mundial: A burguesia dilacerou o céu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias. (…) Tudo o que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas (MARX; ENGELS, 1985, p. 30). Na China, a formação de mercados independentes dos controles oficiais possibilitou a circulação interna de bens e serviços dando início a um processo de crescimento substantivo da atividade econômica privada permitindo o abandono gradual da planificação central da produção e dos mecanismos de formação de preços e muitos problemas estruturais que hoje a China busca solucionar e que é resultado das contradições capitalistas do processo de abertura sem regulamentação e controle adequado a atividade produtiva que nascia, podendo-se citar entre tantos o excesso de produção e estoques, redundância industrial, degradação ambiental, informalidade e violação de normas internacionais de propriedade intelectual (AMORIM, 2012, p. 110). Os camponeses que começaram a ganhar algum dinheiro por conta própria procuraram formas de multiplicá-lo e muitas empresas na China nasceram da união de economias de camponeses do interior que buscavam maneiras de investir seus recursos recém-adquiridos em negócios mais ambiciosos. Apareceram as chamadas “empresas municipais ou de aldeias”, ou também conhecidas como Empresas de Cidades e Vilas, empresas coletivas e cooperativas de 76 propriedade de membros das comunidades locais, e não do governo central, ou ainda investimentos privados feitos por governos locais que vieram a preencher a área intermediária entre os setores públicos de privados constituindo então um terço da economia chinesa com a maior parte dessas firmas originalmente financiadas pela união dos recursos de camponeses organizados pelas municipalidades utilizando fundos de seus cidadãos (FISHMAN, 2006, p. 59-56). 2.5.1 Empresas de Cidades e Vilas62 Ao redor das Empresas de Propriedade do Estado (EPEs), criou-se uma economia de mercado mais aberta mediante a dissolução das comunas agrícolas em favor de um “sistema de responsabilidade social” individualizado gerando as Empresas de Cidades e Vilas (ECVs) com os ativos que as comunas detinham, e estas se transformaram em centros de empreendimento e de competição aberta no mercado. Permitiu-se o surgimento de todo um setor privado, inicialmente apenas na produção em pequena escala, no comércio e nos serviços, estabelecendo-se limites (gradualmente relaxados ao longo do tempo) sobre o emprego de trabalho assalariado. Por fim, o capital externo começou a entrar tomando ímpeto a partir de 1990. No começo limitado a parcerias com investidores domésticos e a algumas regiões, esse capital acabou por chegar a todos os recantos do país, ainda que de modo desigual. O sistema bancário estatal expandiu-se na década de 1980 e substituiu gradualmente o Estado Central como fonte de linhas de crédito às EPEs, às ECVs e ao setor privado. As EPEs tiraram seus primeiros recursos do setor agrário e forneceram mercado para produtos das ECVs, ou forneciam a estas últimas insumos intermediários (HARVEY, 2008, p. 136- 137). Demonstrando o predomínio do setor estatal da economia aliada ao dinamismo do setor privado fez com que das 500 empresas mais prósperas da China, 331 sejam de propriedade do Estado. Ressalta-se que em 1978, 78% das empresas eram estatais e 22% eram coletivas. Aconteceu uma “desestatização” da cadeia produtiva chinesa que no período de 1987 a 2007 registrou uma queda de 642% no setor estatal com uma redução de 168% dos seus empregados, queda essa menor por conta do caráter “intensivo” do trabalho de muitas empresas estatais, principalmente as localizadas no nordeste do país. Em contrapartida, o 62 Também citadas como Empresas de Cantão e Povoados ou Empresas de Povoados e Aldeia. 77 emprego no setor privado saltou de 2,6% em 1998 para 28,6% em 2007 deixando transparecer a importância do setor estatal chinês na abertura anual de no mínimo 13 milhões de postos de trabalho (JABBOUR, 2012, p. 237-238). Para Pomar (2009), essa industrialização rural trouxe prosperidade a camponeses e trabalhadores não-agrícolas sendo fator importante para a modernização do campo chinês. As Empresas de Cidades e Vilas foi o setor mais dinâmico da economia chinesa durante quinze anos ou mais. Essas empresas estiveram a meio caminho entre a propriedade estatal, a coletiva e a privada se beneficiando de baixos impostos e crédito fácil oferecidos pelos governos locais, que em muitos casos se tornavam sócios ou acionistas, atingindo rapidamente produtividade e competitividade nos ramos mais simples da indústria. A produção da indústria rural cresceu a uma taxa anual superior a 20% com a oferta de emprego aumentando 400%, passando de 28 milhões de postos de trabalho para 135 milhões com a participação no PIB| da China subindo de 6% para 26% entre 1978 e meados da década de 1990. Esse crescimento espetacular das Empresas de Cidades e Vilas baseou-se na enorme oferta de mão de obra barata, uma vantagem ímpar de relação mão de obra/capital fixo no fim da década de 1980 nove vezes maior que a das empresas estatais chinesas, também beneficiadas, uma vez que o crescimento das ECVs e seus lucros engordaram a poupança dos camponeses que por sua vez canalizada, essa poupança, aos bancos estatais, serviu de crédito para investimentos nas grandes empresas controladas pelo governo, reequipando-as e modernizando-as (ANDERSON, 2018, p. 53-54). Antes que Deng Xiaoping iniciasse as reformas, agricultores do distrito de Wenzhou na província de Zhejiang desafiaram a lei. Era ilegal na China iniciar uma empresa privada, e começaram a “caçar os ratos” sem dar muita importância quanto aos meios. O espírito empresarial dos lares rurais de Wenzhou se inflamou e em algumas aldeias do distrito, apareceram empresas em nove de cada dez lares. Em apenas cinco anos, oitenta mil famílias estabeleceram algum tipo de operação industrial em pequena escala, e, por volta de 1986, já eram 110 mil e mesmo a lei proibindo negócios com mais de cinco empregados, os habitantes de Wenzhou já empregavam trezentos mil operários, retirando das fazendas os primeiros dentre as centenas de milhões de migrantes rurais que procuravam melhores empregos. Os antigos campos de cultivo da província de Zhejiang estão hoje repletos de fábricas de todo tipo de produto onde quem chega a seus aeroportos logo se depara com anúncios de promoções de máquinas-ferramentas, aparelhos para moldar plástico e tornos industriais e 78 praticamente tudo com financiamentos iniciais oriundos da própria região, sem recursos externos para dar a partida. Escapando das restrições aos empréstimos a empresas particulares, os negócios locais recorreram às próprias redes de financiamento, algumas das quais cresceram até transformarem-se em atores de primeira grandeza financeira na China moderna, capazes de levantar centenas de milhões de dólares para fábricas gigantescas, rodovias privadas e praticamente qualquer projeto que em outras partes da China exigiria o capital de um banco estatal ou um investidor estrangeiro. Muitas das empresas privadas mais bem-sucedidas da China, assim como muitos indivíduos entre os mais ricos, são originários de Zhejiang (FISHMAN, 2006, p. 75). O desenvolvimento das atividades não agrícolas no campo traduziu-se num salto rápido das empresas de vilas e aldeias. Modestas fábricas de transformação de matérias- primas agrícolas evoluíram rapidamente nos anos 1980 com o governo oferecendo recursos financeiros e facilidades fiscais permitindo igualmente a criação de empresas privadas63. Regulamentas em 1984 com lei específica adotada em outubro de 1996 pela Assembleia Popular Nacional entrando em vigor em janeiro de 1997 essas empresas foram definidas como situadas nas zonas rurais financiadas por coletivos ou residentes rurais distinguiram-se em quatro tipos de estabelecimentos: as empresas das cidades; as empresas das aldeias; as cooperativas formadas pelos residentes rurais e as empresas privadas. O sucesso foi impressionante com a produção industrial dessas empresas progredindo 22,9% durante o período 1978-1994 chegando a responder ao final desse período com 42% do PIB da China. Os camponeses deixaram o trabalho agrícola mas continuaram ligados ao campo diminuindo o desemprego crônico dos campos melhorando os seus rendimentos e não alterando a estabilidade social das cidades sem compromete a segurança alimentar (GIPOULOUX, 2005, p. 103-107). Para Harvey (2008) os camponeses se entusiasmaram com a permissão de liberdade econômica e aflorou-se o espírito empreendedor, e milhões de pessoas saíram em busca de ideias para negócios que suplementassem os rendimentos da agricultura: 63 Todas as pequenas cidades de província de Zhejiang possuem suas indústrias globalmente competitivas, uma zona fabrica bilhões de botões, outra inundou o mercado com pérolas fluviais cultivadas, e ainda outras produzem ferramentas manuais e isqueiros. A próspera Wenzhou já foi chamada Cidade Chinesa dos Calçados, Capital Chinesa dos Eletrodomésticos, Cidade Chinesa das Canetas, Cidade Chinesa das Fechaduras e Cidade Chinesa das Impressoras tratando-se em cada caso um temível competidor global. Ver em: (FISHMAN, 2006, p. 82). 79 A grande elevação inicial das rendas rurais proporcionou uma poupança que podia ser reinvestida nas Empresas de Cidades e Vilas. A depender da localização, parcerias com capital externo (particularmente de Hong Kong ou por meio da diáspora de negócios chinesa) também floresceram. As ECVs eram particularmente ativas nas periferias rurais de grandes cidades como Xangai e em zonas provinciais como Guandong, que tinham sido liberadas ao investimento externo, e se tornaram uma incrível fonte de dinamismo na economia durante os primeiros quinze anos do período de reforma (HARVEY, 2008, p. 138). Uma peculiaridade do desenvolvimento chinês, que se relaciona diretamente com a reforma agrícola, é a expansão do emprego rural não agrícola. Os excedentes populacionais num primeiro momento voltaram suas atividades para setores ligados à indústria rural, as denominadas pela bibliografia ocidental Township and Village Enterprises (TVEs), ou Empresas de Cidades e Vilas (ECVs), pequenas e médias empresas de caráter coletivo que foram as grandes responsáveis pela invasão no mundo de artigos made in China (camisas, gravatas, calças e tênis) na segunda metade da década de 1980 e respondiam neste mesmo período por cerca de 40% das exportações chinesas (JABBOUR, 2006, p. 45-46). Para Naisbitt (2011), o resultado da política de expansão da produção agrícola, de mercantilização dos excedentes e do dinamismo exportador das Empresas de Cidades e Vilas, foi uma mudança nos padrões de consumo dos chineses que, além de possuírem uma máquina de costura, um relógio e um rádio (além da bicicleta), passaram a consumir de forma massiva, geladeiras, televisores, gravadores, vídeo cassete e ventilador. Bens estes que registraram taxas de crescimento na produção e consumo interno explosivas entre 1984 e 1990. Essa iniciativa das Empresas de Cidades e Vilas, teve também sua importância para segurar o camponês na zona rural: O movimento de reconstrução de pacto de poder de 1949, de forma que as relações entre campo e cidade passassem a ser favoráveis à agricultura, o que redundou na utilização da capacidade milenar de comércio e de acumulação do camponês médio chinês, por meio não somente da produção agrícola em si, mas principalmente do aparecimento das chamadas Empresas de Cidades e Vilas que, por um lado, ao abrigar mão de obra intensiva no campo, transformaram o processo de urbanização na China em um fenômeno tipicamente rural (JABBOUR, 2012, p. 114-115). Para Medeiros (2006, n.p.), as Empresas de Cidades e Vilas foi um achado resolvendo o problema da escassez do investimento privado e aliviando o Estado para que o mesmo priorizasse os investimentos na indústria pesada: 80 Historicamente, tendo em vista o tamanho da população chinesa e o seu nível de renda, a principal restrição ao crescimento liderado pelos investimentos públicos foi o ritmo de expansão da produção de bens de consumo, essencialmente formado pelos alimentos. Assim, na medida em que os investimentos estatais eram acelerados segundo as decisões de governo, a expansão consequente da massa de salários punha em marcha uma demanda por alimentos que se transformava no curto prazo numa pressão inflacionária – ou como o que aconteceu no período do “grande salto à frente” numa escassez generalizada – levando a uma desaceleração dos investimentos e do crescimento econômico. Na visão de Chaohua (2018), as Empresas de Cidades e Vilas tão bem-sucedidas na década de 1980, foram abandonadas no fim da década de 1990, sucumbidas que foram pela união de forças entre o capital e o Estado na exploração de milhões de camponeses transformados em subproletariados numa velocidade e em uma escala sem precedentes na história mundial. Para tanto dois grandes acontecimentos selaram o destino das ECVs. O primeiro fora uma reconfiguração do sistema tributário desobrigando o governo central da responsabilidade do financiamento das despesas administrativas das autoridades em níveis mais baixos repassando essas despesas para os governos locais limitados à arrecadação de impostos dos habitantes sob sua jurisdição junto a cobranças sobre a aplicação de políticas definidas pelo governo central especialmente no planejamento familiar e no desenvolvimento econômico após 1997 concomitantemente a critérios específicos para atração de investimentos externos, o que resultou na transformação dos órgãos administrativos locais em monstros gerenciais semicorporativos que exploravam os habitantes com um número crescente de impostos e contribuições para alimentar sua própria expansão contínua uma vez que não se tinha uma fiscalização democrática e transparente64. Outro fator determinante para o abandono das Empresas de Cidades e Vilas fora a reforma tributária de 1994 que aumentara consideravelmente as receitas do governo central alavancando em princípio o poder central de equilibrar a economia mas quê com a crise financeira do Leste Asiático de 1997-199865 com 64 Gabinetes responsáveis pelas sementes, fertilizantes, fornecimento de eletricidade, irrigação e controle de enchentes elevaram o preço dos seus serviços comprometendo o retorno mínimo necessário para apoiar o plantio das lavouras dos camponeses, eliminando os ganhos anteriores do “sistema de responsabilidade por unidade familiar” em muitas províncias rurais do interior configurando um grande baque para as Empresas de Cidades e Vilas a partir da metade da década de 1990. Além disso, sempre houve uma prioridade dada pelo governo central às empresas estatais sempre que conflitos aconteciam por disputa dos potenciais mercados em detrimento as ECPs. Portanto, as Empresas de Cidades e Vilas sofreram um duplo ataque: de um lado os governos locais predatórios, que buscavam maximizar suas receitas e de outro, as grandes empresas estatais. Uma oportunidade não desperdiçada pela onda neoliberal de privatizações. A maioria das ECPs perdeu qualquer caráter coletivo tornando-se empresas privadas, cada vez menos bem-sucedidas. Vem em: (CHAOHUA, 2018, p. 107–108). 65 A crise de 1997/1998 no Leste asiático foi, em essência, uma crise financeira típica de mercados emergentes, desencadeada pela Tailândia, em decorrência de uma defasagem de moeda nos balanços bancários de vários países do Leste asiático. Com uma taxa flutuante forçada e uma consequente depreciação da moeda 81 consequente redução dos Investimentos Estrangeiros Diretos e o comércio exterior chinês, ambos ainda muito dependentes dos seus vizinhos resultou numa grave deflação de cinco anos (1997-2001) na China (CHAOHUA, 2018, p. 107–108). Com o mercado interno incipiente o governo central optou pela aceleração da mercantilização de suas funções sociais elevando os custos da produção agrícola reduzindo as possibilidades de desenvolvimento rural quando poderiam escolher uma trilha de crescimento mais lento e gradual ajudando os camponeses a se recuperarem desenvolvendo mercados mais sustentáveis no campo consolidando suas rendas ou mesmo auxiliando milhões de trabalhadores demitidos a abrirem seus próprios pequenos negócios nas cidades. Mas não, as Empresas de Cidades e Vilas foram vendidas em bloco e as estatais foram reduzidas sob o lema de “manter as grandes, libertar as pequenas”. A partir de 1997, grandes vendas de terra foram deflagradas para arrecadar dinheiro para os cofres do Estado e programas de privatização do ensino superior e dos serviços de saúde entraram em vigor. Em essência, o governo jogou a pressão da deflação no colo dos camponeses com um tremendo custo para o tecido das comunidades rurais num desespero que durara quase uma década até que, preocupados com o aumento das tensões sociais no campo, o governo central resolverá abolir todos os impostos e taxas agrícolas em 2005. O último fator determinante para o abandono às Empresas de Cidades e Vilas foi a migração maciça de milhões de camponeses para as cidades litorâneas ou do interior por conta da pauperização das aldeias. Os “trabalhadores migrantes” alimentaram a força motriz do setor de exportação, cujo crescimento disparou após a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 200166 (ibdem, p. 108). tailandesa a economia desenvolveu uma bola imobiliária e no mercado de ações contaminando o Leste asiático suscitando temores de um colapso econômico mundial. No início dos anos 1990 após o US Federal Reserve Bank aumentar a taxa de juros para controlar a inflação associado a um processo de desaceleração das exportações asiáticas resultou numa fuga de capitais dos países da região forçando-os na sua maioria adotar câmbios flutuantes com o Japão sofrendo uma desvalorização da sua moeda com queda de seus ativos e súbita elevação do déficit privado. Indonésia, Coreia do Sul e Tailândia foram os países mais afetados pela crise. Hong Kong, Malásia, Laos e Filipinas também foram atingidos pela recessão. China, Índia, Taiwan, Cingapura, Brunei e Vietnã foram os menos afetados, mas sofreram quedas na demanda e na confiança em toda a região. Ver em: (SILVA, 2012, p. 165-166). 66 Estimativas oficiais, publicados pelo Departamento Nacional de Estatísticas e pelo Ministério de Recursos Humanos e Seguridade Social dão conta que em 2008, cerca de 225 milhões de trabalhadores com registro rural estariam empregados em áreas urbanas, onde não tinham direito a moradia, educação ou qualquer tipo de proteção social, em consequência do sistema hukou, que separa a população rural e urbana. Cinco anos depois, os imigrantes rurais chegara a 270 milhões, com metade desses provenientes de lugares distantes e ainda assim com escassez de mão de obra pelo setor exportador e uma vez não reconhecidos como membros da classe trabalhadora ficam à mercê da exploração dos seus empregadores sujeitos até a retenção de seus salários por vários meses. Ver em: (CHAOHUA, 2018, p. 108–109). 82 Nos cinco anos logo após a crise financeira na Ásia, em 1997, o governo chinês resolveu demitir mais de 25 milhões de trabalhadores das empresas estatais a época tida como ineficientes e que eram subsidiadas. Ao mesmo tempo, na União Europeia, fortes eram as insatisfações contra os subsídios dados ao setor agropecuário. A discussão se dava por US$ 2,00 por vaca por dia para que pequenas fazendas em massa não fossem a falência. Na China, espalharam-se manifestações contra a quebra da tigela de ferro do arroz que com o fechamento das estatais resultou no fim de uma previdência social financiada pelo Estado, alojamentos, escolas, serviços de saúde e pensões. A China se apresentou menos socialista que muitos países da Europa. Essas discrepâncias acabam por definir os desafios que a China apresenta ao modelo social-democrático que a Europa construiu a duras penas a partir das ruínas da Segunda Guerra Mundial que agora se vê pressionada a quebrar sua própria tigela de ferro do arroz. Há uma inversão de narrativas onde Marx e Engels perdem adeptos entre os 1,3 bilhão de chineses e ganham terreno outra vez em sua pátria ancestral. O crescente poder do capital internacional com sua irrestrita ganância por lucros representa uma ameaça à democracia defendem alguns líderes europeus. Alguns políticos já questionam o sistema neoliberal sem limites. Apontam dedos para o Reino Unido e os Estados Unidos, mas, do mesmo modo, poderiam eles estarem falando da China (KYNGE, 2007, p. 135-137). 2.5.2 Mão de obra de características chinesas A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho onde o comprador da força de trabalho consome-a, fazendo o vendedor dela trabalhar e este, ao trabalhar, trabalhador. Para o trabalho reaparecer em mercadorias, tem de ser empregado em valores de uso67, em coisas que 67 A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui também não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção. Cada coisa útil, como ferro, papel etc., deve ser encarada sob duplo ponto de vista, segundo qualidade e quantidade. Cada uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode, portanto, ser útil, sob diversos aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, portanto, os múltiplos modos de usar as coisas é um ato histórico. Assim como também o é a descoberta de medidas sociais para a quantidade das coisas úteis. A diversidade das medidas de mercadorias origina-se em parte da natureza diversa dos objetos a serem medidos, em parte de convenção. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. Essa utilidade, porém, não paira no ar. Determinada pelas propriedades do corpo da mercadoria, ela não existe sem o mesmo. O corpo da mercadoria mesmo, como ferro, trigo, diamante etc. é, portanto, um valor de uso ou bem. Esse seu caráter não depende de se a apropriação de suas propriedades úteis custa ao homem muito ou pouco trabalho. O exame dos valores de uso pressupõe sempre sua determinação quantitativa, como dúzia de relógios, vara de linho, tonelada de ferro etc. Os valores de uso das mercadorias fornecem o material de uma disciplina própria, a merceologia. O valor de uso realiza-se somente no uso ou no consumo. Os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta. Na forma de 83 sirvam para satisfazer necessidades de qualquer natureza e por isso, temos inicialmente de considerar o processo de trabalho a parte de qualquer estrutura social determinada (MARX, 1996, p. 297). O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a quem pertence seu trabalho e cuida de que o trabalho se realize em ordem sem que seja desperdiçada matéria-prima onde o instrumento de trabalho seja preservado, sendo só permitido sua depreciação. O produto é propriedade do capitalista, e não do produtor direto, do trabalhador. O capitalista paga o valor de um dia da força de trabalho como qualquer mercadoria adquirindo o valor de uso da força de trabalho (ibidem, p. 304). O capitalista quer produzir uma mercadoria (um artigo destinado à venda onde se tem um valor de uso com valor de troca68) num valor mais alto que a soma dos valores das mercadorias exigidas para produzi-la, os meios de produção e a força de trabalho para as quais adiantou seu bom dinheiro no mercado. O trabalho para criar valor tem de ser despendido em forma útil e o vendedor da força de trabalho, como o vendedor de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor de troca e aliena seu valor de uso. O possuidor de dinheiro paga o valor de um dia da força de trabalho e pertence-lhe, portanto, a utilização dela durante o dia, o trabalho de uma jornada. A circunstância de que a manutenção diária da força de trabalho só custar meia jornada de trabalho, apesar de a força de trabalho poder operar, trabalhar um dia inteiro é a grande sorte para o comprador, mas, de modo algum, uma injustiça contra o vendedor. O capitalista, ao transformar dinheiro em mercadorias, que servem de matérias constituintes de um novo produto ou de fatores do processo de trabalho, ao incorporar força de trabalho viva à sua objetividade morta, transforma valor, trabalho passado, objetivado, morto em capital, em valor que se valoriza a si mesmo, um monstro animado que começa a “trabalhar” como se tivesse amor no corpo. Se comparamos o processo de formação de valor com o processo de valorização, vemos que o processo de valorização não é nada mais que um processo de formação de valor prolongado além de certo ponto. Depois como antes, a mais-valia resulta somente de um excesso quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de trabalho (ibidem, p. 305-315). sociedade a ser por nós examinada, eles constituem, ao mesmo tempo, os portadores materiais do — valor de troca. Ver em: (MARX, 1996, p. 165-166). 68 O valor de troca aparece, de início, como a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam contra valores de uso de outra espécie, uma relação que muda constantemente no tempo e no espaço. O valor de troca parece, portanto, algo casual e puramente relativo; um valor de troca imanente, intrínseco à mercadoria (valor intrínseco), portanto uma contradição nos termos. Ver em: (MARX, 1996, p. 166). 84 Como dissera Marx (1996, p. 309), “o caminho ao inferno está calçado de boas intenções” ou como escreveu Mencius (apud KYNGE, 2007, p. 212): “Se o feijão e o milhete fossem tão abundantes quanto o fogo e a água, não existiriam homens maus”. Segundo Mason (2017), o mercado é uma máquina de reconciliação entre o que é real e o que tomamos por real. O valor real das coisas é ditado pela quantidade de trabalho, maquinário e matérias-primas usadas para fazê-las, tudo mensurado em termos de valor- trabalho. A fonte primordial de lucro é o trabalho; especificamente, o valor extra (mais-valia) arrancado dos empregados pelas relações desiguais de poder no local de trabalho. Mas há uma tendência inata a substituir a mão de obra por máquinas, impulsionada pela necessidade de aumentar a produtividade. Uma vez que a força de trabalho é a fonte primordial de lucro, isso tende, à medida que a mecanização se difunde por toda a economia, a corroer a taxa de lucro. Marx chamou isso de “a lei mais fundamental do capitalismo”. Porém, o sistema reage espontaneamente a essa ameaça criando instituições e comportamentos que contrabalançam a tendência da taxa de lucro cair. Investidores mudam para novos mercados, onde os lucros são mais altos; o custo da mão de obra é rebaixado pelo barateamento de bens de consumo e alimentos; executivos procuram novas fontes de mão de obra barata em países estrangeiros; ou produzem maquinário que custa menos, em termos de mão de obra, para ser feito; ou deixam as indústrias de mecanização intensiva pelas de trabalho intensivo; ou ainda buscam fatias de mercado (tamanho do lucro) em vez de margens (taxa de lucro). Essas contratendências operam o tempo todo. Uma crise acontece apenas quando elas se esgotam ou se rompem. Isto é, quando acaba a mão de obra barata, ou novos mercados deixam de aparecer, ou o sistema financeiro não pode mais conter com segurança todo o capital que investidos avessos ao risco estão tentando estocar nele. Para Prado (2011), há um senso comum de que a mão de obra barata da China foi fator primordial para que os chineses atingissem sua alta média de crescimento nas últimas décadas. Marx já deixou bem claro que o trabalho é o gerador de riquezas no modelo de produção capitalista. Ao desvelar a mais-valia, Marx demonstrou que a produção capitalista, divide a jornada de trabalho em trabalho necessário e excedente69. O trabalho gratuito apropriado pelo capitalista negou o princípio da troca entre equivalentes. Contudo, a 69 Para Marx o tempo de trabalho subdivide em tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente. Defini tempo de trabalho necessário àquela fração de tempo de trabalho que é necessária à própria manutenção do próprio trabalhador. Já o tempo de trabalho excedente existe quando o trabalhador não detém mais os meios de produção e a outra fração do seu tempo total de trabalho é dedicada ao detentor desses meios. Ver em: (MARX, 1996, p. 331-332). 85 consciência imediata e adormecida, presa as aparências e ilusões fantasmagóricas não reconhece a exploração e não equivalência estabelecida nas relações entre trabalho e capital. Presa as formas abstratas, a consciência do trabalhador, não percebe a divisão entre trabalho necessário e excedente, não compreende que parte da sua jornada é apropriada pelo capitalista na forma de trabalho gratuito. A riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma “enorme coleção de mercadorias” (MARX, 1996, p. 165). Como as mercadorias são fruto do trabalho humano, os comunistas chineses parecem ter acreditado que sua enorme população, naturalmente, geraria riqueza. A população é fundamentalmente importante para a economia de qualquer sociedade só que dependendo das condições históricas ela pode acelerar ou retardar o desenvolvimento técnico, a acumulação e a reprodução social. Na Inglaterra dos séculos XVI e XVII, o excedente populacional, fruto da expulsão dos camponeses das zonas rurais, foi determinante para o desenvolvimento do modo à produção capitalista no país, e em outra direção, nos Estados Unidos no século XIX, a falta de trabalhadores na agricultura, acelerou o desenvolvimento da mecanização. Em resumo, sociedades se mantêm em desenvolvimento desde que consiga produzir um excedente que lhe permita ampliar sua própria produção. A propriedade privada dos meios de produção faz com que alguns poucos se beneficiem do excedente produzido em detrimento dos verdadeiros produtores (POMAR, 1987, p. 66-67). A legislação chinesa que rege o trabalho naquele país teve também que se transformar e se adequar as realidades apresentadas em espaços de tempos muito curtos. A China, de economia de mercado, não se furtou a não implementar medidas para reverter a tendência da queda da taxa de lucro, seja na elevação do grau de exploração do trabalho 70, na compressão do salário71 ou numa superpopulação relativa72 de características particulares, no caso, o migrante subjugado ao hukou tratado adiante. 70 O grau de exploração do trabalho, a apropriação de mais-trabalho e de mais-valia, é elevado a saber por meio de prolongamento da jornada de trabalho e intensificação do trabalho. Ver em: (MARX, 1986. p. 177). 71 (…) é uma das causas mais significativas de contenção da tendência à queda da taxa de lucro. Ver em: (MARX, 1986, p. 179). 72 A superpopulação relativa se manifesta de forma tanto mais notável num país quanto mais o modo de produção capitalista esteja desenvolvido nele. Por sua vez, ela é a causa, por um lado, de em muitos ramos da produção a subordinação mais ou menos incompleta do trabalho ao capital continuar e continuar por mais tempo do que corresponderia, a primeira vista, ao estágio geral do desenvolvimento; isso é consequência da barateza e da quantidade de trabalhadores assalariados disponíveis ou liberados e da maior resistência que alguns ramos da produção, por sua natureza, contrapõem ã transformação de trabalho manual em trabalho mecanizado. Ver em: (MARX, 1986, p. 180). 86 Iasi (2018) nos apresenta o conceito de Marx sobre a tendência da queda do lucro médio para que possamos entender melhor o fenômeno chinês: O capital acumula de forma desigual entre os componentes que o constituem, cada vez proporcionalmente mais em capital constante (máquinas, tecnologia, instalações, etc.) do que em capital variável (força de trabalho), gerando o que Marx denominou de uma tendência à queda da taxa de lucro. (IASI, 2018). Em especial, superexploração de jovens mulheres migrantes de áreas rurais é uma das fontes de acumulação de riqueza no caso chinês segundo Harvey (2008, p. 160). Ainda para o geógrafo os níveis salariais no início do processo de abertura foram extremamente baixos com condições de trabalho degradantes num cenário devastador muito próximo das condições impostas ao trabalho doméstico e fabril na Grã-Bretanha nos primeiros estágios da Revolução Industrial. Um agravante a mais estaria no não-pagamento de salários devidos acelerando a acumulação de capital por empresas privadas e estrangeiras e embora os trabalhadores chineses tolerassem as longas horas de trabalho, as tenebrosas condições de trabalho e os baixos salários, como parte da modernização e do crescimento econômico, o não-pagamento de salários e pensões é algo totalmente diferente. As taxas de desemprego chinesas eram residuais73 até 1978, tendo em vista a política de pleno emprego adotada até então pelo governo, política que se expressava na ideia de “três pessoas para um mesmo trabalho”. A partir especialmente de 1984, quando tiveram início as reformas urbanas, visando elevar a produtividade da indústria, do comércio e dos serviços, as taxas de desemprego começaram a subir, apesar das medidas do governo para criar novos postos de trabalho, reciclar os trabalhadores, reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais74, financiar a criação de novas empresas, instituir um sistema universal de seguro- desemprego, e um sistema universal de aposentadoria aos 60 anos (POMAR, 2009, p. 67). 73 Na linguagem corrente, usamos conceitos de emprego e desemprego de forma informal. No entanto, estes conceitos estão rigorosamente tipificados por convenções internacionais estabelecidas pela Organização Internacional do Trabalho… os desempregados são todas as pessoas maiores de 16 anos (e até à idade da reforma) que estejam sem trabalho, mas tenham procurado ativamente emprego nas quatro últimas semanas, estando disponíveis para começar a trabalhar nas duas semanas seguintes. É ainda considerado empregado quem trabalhe pelo menos uma hora por semana, realize trabalho familiar não pago, ou esteja em formação profissional… admite-se igualmente um desemprego residual (as pessoas que “não querem” trabalhar e que são consideradas inativas ao fim de algum tempo e portanto são excluídas da lista de desempregados). Ver em: (NOSTRA ECONOMIA, 2013. n.p). 74 Na China, a jornada é de 44 horas semanais… porém os trabalhadores chineses são regidos por apenas uma lei regulamentadora. Essa norma define que a jornada deve ser, em média, de 44 horas permitindo a flexibilização. Ver em: (PEIXOTO, 2016. n.p). 87 Vê-se relação direta de causa e consequência do crescimento econômico com o aumento da produtividade do trabalho e que de forma mais geral, o crescimento econômico chinês (e das economias periféricas em geral) obedece a estímulos externos que, por sua vez, levam a transformações qualitativas, seja pela via da transformação da economia natural em pequena produção mercantil ou pela transformação da pequena produção mercantil da indústria (JABBOUR, 2012, p. 196). Quando se dissolveram as comunas, seus poderes políticos e administrativos anteriores foram transferidos para os novos governos de cidades e vilas instituídos sob a Constituição de dezembro de 1982 permitindo a esses governos tomassem posse dos ativos industriais das comunas reestruturando-os como Empresas de Cidades e Vilas que por volta de 1995 empregavam 128 milhões de pessoas resultando num surto de desenvolvimento na indústria leve que produzia bens de consumo para exportação. Os relatos sobre a natureza das Empresas de Cidades e Vilas variam muito mas têm neles um ponto em comum, exploravam mão de obra rural ou migrante degradantemente barata – formada especialmente por jovens mulheres – funcionando longe de toda e qualquer forma de regulação, muitas vezes pagando salários aviltantes sem oferecer benefícios nem proteções legais ou oferecendo, algumas delas, benefícios limitados em termos de assistência, aposentadoria bem como proteções legais (HARVEY, 2008, p. 138). Isso causou mudanças na estrutura do emprego na China que podem ser vista na tabela abaixo: Tabela 2.3 - Mudanças na estrutura do emprego na China, 1980-2002 1980 1990 1995 2000 2002 Total (em milhões de pessoas) 423,6 647,5 680,7 720,9 737,4 Urbano 105,3 170,4 190,4 231,5 247,8 estatal 80,2 103,5 112,6 81 71,6 Empresas de Propriedade do Estado 67 73 76,4 43,9 35,3 coletivas 24,3 35,5 31,5 15 11,2 propriedade conjunta 0 1 3,7 13,4 18,3 estrangeiras 0 0,7 5,1 6,4 7,6 privadas 0,8 6,7 20,6 34 42,7 residuais 0 0,7 5,1 6,4 96,4 Rural 318,4 477,1 490,3 489,3 489,6 Empresas de Cidades e Vilas 30 92,7 128,6 128,2 132,9 privadas 1,1 4,7 11,4 14,1 autônomas 14,9 30,5 29,3 24,7 agricultores 288,4 368,4 326,4 320,4 317,9 Fonte: (HARVEY, 2008, p. 139) 88 Os empregos não agrícolas cresceram de 25% em 1980 para 32% em 2000, chegando a 60% em 2008 com 80% dessa força de trabalho formada por trabalhadores assalariados proletarizados, como trabalhadores industriais, trabalhadores dos serviços, trabalhadores dos escritórios, além dos desempregados. Essa maioria de trabalhadores não agrícolas assalariados revela uma formação massiva da classe trabalhadora proletarizada chinesa. A rápida acumulação de capital na China baseou-se na superexploração de centenas de milhões de trabalhadores (LI, 2011, n.p.). Tabela 2.4 - Números do emprego na china China Trabalho Último Anterior Maior Menor Unidade Taxa de Desemprego 3,61 3,67 4,3 3,61 % Salário 82461 76121 82461 445 yuans/ano Salário na Indústria 72088 64452 72088 597 yuans/ano Salário Mínimo 2480 2420 2480 690 yuans/mês Idade Aposentadoria das mulheres 50 50 50 50 anos Idade Aposentadoria dos homens 60 60 60 60 anos Fonte: Trading Economics. Disponível em: . Acesso em: 05 de Dezembro de 2018. Publicado em: 05 de Dezembro de 2018. Cotação do dólar em relação ao Yuan: 1 dólar = 7,21 yuans Ressalta-se na tabela acima a diferença entre o salário praticado na indústria e o salário-mínimo, aferido nas zonas rurais. O primeiro quase 3 vezes maior que o segundo evidencia as diferenças entre os rendimentos das zonas urbanas e o campo. Um problema grave que o governo central chinês tem procurado dirimir. Em contrapartida, fazendo críticas à categorização da mão de obra chinesa, Jabbour (2012), argumenta que seriam mais honestas as tentativas de se responder como um país mediado por relações de produção semiescravas pôde retirar 400 milhões de pessoas da linha da pobreza em 25 anos. Bom notar que fenômeno semelhante, de inclusão no mercado consumidor (guardadas suas devidas proporções), não ocorreu nem em meio à escravidão romana e muito menos no Brasil entre o século XVI e o XVIII. Pode-se perceber a superficialidade da centralidade do fator mão de obra no processo chinês. Tão superficial como “recortar” e “colar” um dado que diz terem 55% das exportações chinesas sido feitas por empresas estrangeiras, quando na verdade este dado, se pesquisado de forma séria, pode ser alterado, pois 51% das ações de 83% das empresas exportadoras são chinesas. Diz-se que a mão de obra é um fator para o sucesso chinês. Isso é verdade, um tanto quanto 89 incontestável. Mas reduzir as discussões a só esse argumento expõe uma falta de visão de conjunto. Para Pomar (2009), levando-se em conta o poder de compra doméstico, num processo de utilização de métodos avançados de organização produtiva, a China obtêm sucesso na redução de custos e com seu grande mercado interno pratica uma economia em escala sem paralelo no mundo obtendo ganhos crescentes em produtividade e com logística imbatível, resultado de grandes investimentos estatais e de parcerias público-privadas em infraestrutura. É fato que existe uma alta taxa de exploração na China, dadas as circunstâncias históricas, a luta de classes em âmbito mundial e a necessidade de se indigenizar tecnologias encontradas no exterior, pois sem tecnologia é impossível superar o estágio da exploração do trabalho (não da exploração do homem pelo homem). Porém, falar trabalho escravo na China constitui uma distância considerável, pois nesse cálculo devem ser auferidas as múltiplas determinações que envolvem a produção e o consumo de mercadorias, entre elas a capacidade de consumo permitida por seu salário, as escalas de produção, a quantidade de crédito à disposição para consumo das massas populares e também a consideração de que a lei do valor pode ser universal, mas sua aplicação deve levar em conta as vicissitudes da formação social. Exemplo disso é o fato de se calcular o PIB em concordância com o poder de compra da população; o PIB chinês fica atrás do norte-americano, afinal US$ 1,00 na China não é a mesma coisa que US$ 1,00 nos EUA ou na Europa Ocidental (JABBOUR, 2012, p. 203). Por um lado, políticas excessivamente liberais adotadas nas décadas de 1980 e 1990 levaram à formação de um grande fosso separando as zonas rurais das urbanas e entre ricos e pobres. Por outro, é visível a tendência recente de melhora na distribuição de renda (pela via da aplicação de diversas políticas públicas, incluindo a formalização de leis que regulam a relação capital x trabalho, início da construção de um poderoso Estado de Bem-Estar Social e aumentos salariais verificados nos últimos dez anos acima da produtividade do trabalho). Ao lado da retomada de programas sociais típicas à época das comunas rurais (principalmente os relacionados à área da saúde pública), imensos investimentos em infraestruturas nas zonas e províncias mais pobres do país, indicando – em perspectiva histórica e estratégica – inaugurando novas e superiores formas de divisão social do trabalho. Acreditamos guardar muito sentido a opinião de Piketty75 que indica que uma melhora nos indicadores sociais na 75 Thomas Piketty é um economista francês que se tornou figura de destaque internacional com seu livro "O Capital no século XXI". Sua obra mostra que, nos países desenvolvidos, a taxa de acumulação de renda é maior do que as taxas de crescimento econômico. 90 China demanda o rápido desenvolvimento de impostos progressivos sobre a renda e a riqueza e a institucionalização de políticas de caráter social-democrata. Porém, a bem da verdade é importante salientar que se assumimos os limites em matéria de distribuição de renda, também deve se considerar que a China é um grande, populoso, diverso e complexo país com uma zona rural nada pequena (cerca de 400 milhões de pessoas ainda estão ocupadas em formas pré-capitalistas de produção de alimentos). Logo, não é prudente comparar o índice de Gini76 chinês com o verificado em países como a Itália, Suécia ou a Coreia do Sul, dadas tanto as próprias diferenças na natureza do emprego e da renda existentes entre as atividades rurais e industriais, quanto as diferenças de produtividade do trabalho verificados entre as diversas províncias chinesas (GABRIELE; JABBOUR, 2018, n.p.). A taxa de crescimento econômico apurado pelos índices do Produto Interno Bruto não pode ser medida exclusiva da evolução de um país, devemos procurar entender o desenvolver para além desse parâmetro. A China realizou um salto qualitativo que passa pela melhoria da geração e distribuição de renda nas últimas décadas. Aconteceram mudanças no modo de produção com maior desenvolvimento e absorção de tecnologia que introduziram inovações aumentando sua produtividade geral, com maior e mais acessível oferta de bens e serviços a população e consequente melhoria nas estruturas e condições sociais. Importante também abordar a forma de participação no fluxo de mercadorias e capitais no cenário mundial pela China, evidência clara de sua evolução econômica (LEITE, 2018, p. 259-260). Pelo contingente populacional, pela sua diversidade cultural, a China certamente se defrontará ainda por um bom tempo com problemas e dificuldades onde manter a paz social passa pela oferta de trabalho. Não é tarefa fácil elevar produtividade e concomitantemente garantir emprego para entre 12 e 14 milhões de jovens que chegam ao mercado de trabalho ao ano. Embora a China ainda possa, durante algum tempo, realizar um crescimento estável com a promoção simultânea de investimento e consumo, altas e baixas tecnologias, capital intensivo e trabalho intensivo, evitando assim um crescimento explosivo do desemprego, e fraturas incuráveis nas taxas de consumo, terá que levar em conta que suas tendências mais importantes, a médio prazo, são as altas tecnologias e as empresas de capital intensivo. Ou seja, tendências que elevam a produtividade, poupam mão de obra, reduzem o valor dos 76 O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos. Ver em: (IPEA, 2004, n.p.). 91 produtos e o lucro médio das empresas. Nesse contexto, políticas sociais devem ser implantadas, como programas de seguridade e reemprego em programas que mudem radicalmente a própria natureza do desemprego. O desemprego deve deixar de ter a conotação destrutiva do presente, e passar a constituir um momento de readequação educacional, tecnológica, científica e cultural, e de rodízio nos trabalhos produtivos e administrativos (POMAR, 2009, p. 29-30). A mão de obra barata foi sim um fator essencial para o crescimento chinês nas últimas décadas, principalmente, na atração de investimentos que para além do potencial de consumo interno, estiveram de olho num excedente populacional chinês de boa educação, disciplinada. Mas não se pode esquecer das medidas de incentivo do governo central chinês para atração das empresas que pra China migraram e nos pesados investimentos chineses na melhoria de sua infraestrutura melhorando a logística para o escoamento das mercadorias produzidas por essas empresas. Há de se ressaltar, um personagem importante nesse processo, o trabalhador migrante refém de um artifício burocrático. O que acompanharemos no próximo tópico. 2.5.3 O trabalhador migrante chinês Uma particularidade importante na mão de obra chinesa é a figura do trabalhador migrante. A existência de disparidades regionais além de causar um diferencial significativo de renda obtida por parcelas da população e criar insatisfação popular contra o governo, deriva em problemas mais concretos e imediatos como a mobilidade das pessoas das zonas rurais para os centros urbanos. Mesmo a existência do sistema de Hukou77 (e sua flexibilização em períodos mais recentes) não tem sido suficiente para exercer o controle da mobilidade da mão de obra causando o inchaço em áreas urbanas (várias delas com populações acima dos 20 milhões de habitantes) (LEITE, 2018, p. 267). 77 O sistema Hukou consiste em um regime de controle da mobilidade do trabalho na China. Sua origem está na estratégia que os governos têm adotado desde os antigos regimes, como o da dinastia Qing (1644-1911). com a Revolução de 1949, um sistema similar foi estabelecido, então denominado (sistema Hukou). O sistema Hukou tinha (na sua criação três objetivos principais: 1) desencorajar a movimentação dos habitantes do campo para as cidades; 2) ajudar o governo a alocar a força de trabalho geograficamente; 3) facilitar o controle sobre criminosos e inimigos do governo – como os membros do Kuomintang. Ver em (OURIQUES; ANDRADE, 2009, p. 233). 92 Numa observação mais criteriosa sobre um ponto comum, o fato da mão de obra abundante e barata ser um diferencial competitivo, Lee (2011) (apud BUENO, 2015, n.p.), chegara a seguinte conclusão: (…) o “segredo” do capitalismo chinês seria o baixo custo da mão de obra, nada original. Contudo, esse baixo custo estaria relacionado ao sistema de registro de moradia, o hukou. Desde 1960 ficara quase impossível conseguir um hukou urbano o que levou a muitos chineses da zona rural partirem para as ZEEs (Zonas Econômicas Especiais) na clandestinidade mesmo estando no seu país e se sujeitando a trabalhos precários e mal remunerados. Como Luxemburgo (1970, p. 315) discute, “de um modo ou de outro, de fato, a acumulação do capital como processo histórico depende, em muitos aspectos, de camadas e formas sociais não-capitalistas”, prossegue através da criação de condições favoráveis, ou a remoção de obstáculos de todos os tipos, para a sua expansão. A China, há muito centrada nas relações sociais não capitalistas, desde a década de 1990, tem crescido para se tornar o maior produtor industrial do mundo e uma área geopolítica crucial para a acumulação de capital. Esta globalização econômica e reforma estrutural orientada pelo Estado continua a exigir a aceleração de uma proletarização específica. As sucessivas gerações de trabalhadores migrantes rurais (nongmingong – ex-camponeses trabalhando na indústria) tornaram-se o pilar do setor de transformação no país, voltado à exportação, mas eles não podem se tornar trabalhadores “livres” no mercado. Com a rápida incorporação da China na economia mundial capitalista, os líderes do governo inverteram políticas anteriores que proibiam a migração rural/urbana e, em vez disso, incentivaram os camponeses a se tornarem trabalhadores assalariados, equipando de pessoal as florescentes fábricas nas áreas costeiras que alimentam o boom das exportações. Mas os trabalhadores rurais e suas famílias, embora convidados a trabalhar na cidade, não têm os direitos de cidadania urbana78. Este exército de reserva de 78 As autoridades locais não recebem financiamento ou incentivos “de cima” para fornecer aos trabalhadores rurais “transitórios” a mesma habitação, educação, assistência médica, pensões e outras provisões sociais garantidas aos residentes urbanos registrados. Esta privação é justificada com o argumento de que os migrantes permanecem formalmente residentes rurais sob o sistema hukou do governo (registro de residência). Mesmo os grupos mais jovens de trabalhadores e membros da família que nasceram, viveram e trabalharam na cidade por décadas não têm direito aos benefícios básicos gozados pelos seus homólogos em domicílios urbanos. As famílias rurais de onde os trabalhadores migrantes vêm e às quais têm direito de retornar, conservam os direitos de uso da terra em pequenos lotes em suas aldeias nativas. Para muitos residentes rurais, esta terra evita a fome em tempos de adversidade, mas não pode proporcionar um meio de subsistência, menos ainda para o crescente número de migrantes rurais que cresceram nas cidades e não possuem habilidades agrícolas. Os migrantes geralmente retornam às suas aldeias apenas para casar e ter filhos. Esse padrão persiste porque os filhos de pais cujo registro de residência permanece rural não podem receber educação pública nas cidades, especialmente nos graus mais elevados. Tal proletarização é assim caracterizada por uma separação espacial entre a produção nas áreas urbanas e a reprodução social no campo. Ver em: (CHAN; PUN, 2018, n.p.). 93 trabalhadores migrantes internos chineses, mais de 200 milhões em todo o país, ajuda a diminuir não apenas os custos de produção, mas também os custos da reprodução social nas cidades-hospedeiras, negando aos trabalhadores migrantes rurais vários tipos de serviços sociais e educação pública79. Assim, o sistema hukou, distintamente não-capitalista, serve aos interesses do capital ainda melhor do que as cidades/empresa ou os cortiços urbanos em que os trabalhadores proletários ocidentais foram alojados no século XIX e início do século XX. O setor de exportação da China, organizado em torno do princípio capitalista do lucro antes do ser humano, transformou a maior parte de seus lucros em poupanças empresariais, dividendos e reinvestimentos, em vez de compartilhá-los com os trabalhadores. O capital se 79 Uma subclasse permanente é criada em espaços industrializados urbanos. Embora o sistema hukou ofereça um “amortecimento” sob a forma de direitos iguais de uso da terra para os residentes rurais, incluindo aqueles que vivem e trabalham nas cidades, contribuindo assim para a estabilidade social com o sistema envolvendo a cooperação tácita entre o estado chinês e o capital. Nessa economia política, os empregadores não precisam pagar um salário digno porque fornecem aos trabalhadores as necessidades mínimas de vida dentro do mundo fechado dos complexos de fábricas. Manter os dormitórios, em que uma dúzia de jovens devem compartilhar um quarto único atolado com beliches a poucos metros de distância uns dos outros, custa ao empregador muito menos do que os salários necessários para que os trabalhadores encontrem sua própria habitação. O mesmo vale para os alimentos notoriamente de baixa qualidade fornecidos nos restaurantes para funcionários. Os empregadores reduzem seus custos ainda mais, deduzindo as taxas de alimentos e habitação dos salários dos trabalhadores. Habitação barata e comida barata garantem minimamente que seus trabalhadores migrantes rurais possam comer, dormir e depois acordar rapidamente para trabalhar no dia seguinte. Além disso, os empregadores aproveitam o sistema hukou ao assumir que os trabalhadores podem voltar para suas terras rurais caso haja recessão econômica. O regime de trabalho- dormitório também ajuda no processo de proletarização no qual a vida familiar se extingue, tendo em vista que esse tipo de moradia é sempre temporário, circulando de um local de trabalho para outro. Enquanto os trabalhadores estão se movendo frequentemente de habitação temporária em habitação temporária, eles são continuamente separados de suas famílias. Os membros mais velhos da família e as crianças em idade escolar tendem a viver na aldeia onde nasceram, enquanto os familiares em idade laboral são geralmente espalhados entre diferentes empregadores e dormitórios diferentes. A instituição sociopolítica do regime de trabalho-dormitório, portanto, mantém uma massiva força de trabalho migrante interna sem o apoio das redes familiares e da vida comunitária. O governo chinês, além de negar os benefícios básicos de bem-estar social que permitiria que os trabalhadores migrantes rurais fossem menos dependentes de seus empregadores, coíbe a auto-organização dos trabalhadores de forma a perpetuar os baixos salários, apesar dos aumentos periódicos atendendo aos requisitos locais de salário-mínimo. Criticamente, a liberdade de associação, o direito de greve e a negociação coletiva são severamente restringidos pelo governo. Se os trabalhadores pudessem negociar de forma eficaz, eles poderiam pressionar os empregadores a aumentar os níveis de renda para que pudessem pagar por uma habitação própria e não permanecer morando no local onde trabalham (trabalho dormitório), o que estimularia rapidamente o desenvolvimento de opções de habitação fora dos dormitórios. Nas zonas industriais urbanas, a incapacidade dos trabalhadores migrantes rurais de negociar coletivamente reduz os níveis de renda, apesar da escassez de mão de obra que deveria funcionar a seu favor. Independentemente dos tipos e localidades industriais, os dormitórios em altos edifícios, tipo arranha-céus, são fundamentais para a organização da produção e a reprodução diária dos trabalhadores com os menores custos possíveis e a maior eficiência no atendimento de empresas estrangeiras, privadas ou públicas. Os conjuntos de dormitórios são geralmente construídos dentro dos complexos de fábricas ou são adjacentes aos locais de trabalho, formando cidades industriais independentes e abrangentes. Esta proximidade espacial ajuda a cumprir os prazos de produção just-in-time, impondo o trabalho de horas extras e alongando a jornada de trabalho. O empregador convoca e desconvoca os funcionários como quem abre ou fecha uma torneira. O limite entre “casa” e trabalho é turvo. Trabalhadores precisam de menos tempo para chegar ao trabalho, mas eles também têm menos oportunidades de lazer em ambientes de produção. Nos dias com muito vento, as roupas dos trabalhadores penduradas nos corredores dos dormitórios voam como bandeiras multinacionais coloridas. Ver em: (CHAN; PUN, 2018, n.p.). 94 acumula, as empresas e as corporações multinacionais ficam ricas e os trabalhadores migrantes do campo carregam sobre si o interminável sofrimento. Estas são as bandeiras da nova classe trabalhadora em uma época caracterizada pelo advento do capital global em conjunto com o Estado chinês (CHAN; PUN, 2018, n.p.). No início das reformas de abertura de 1978, fazendas coletivas foram reduzidas a famílias individuais liberando cerca de 100 milhões de camponeses do trabalho direto na lavoura. As Empresas de Cidades e Vilas açambarcaram uns 60 milhões desses lavradores em seus próprios locais de origem controlando em alguma medida a migração desses camponeses para as cidades. Entretanto, com os grandes investimentos ocorridos nas Zonas Econômicas Especiais nas regiões costeiras com enorme demanda de trabalhadores para a construção civil, as grandes indústrias e mineração aconteceu, só na primeira década do século XXI, uma onda de migração estimada em 250 milhões de trabalhadores itinerantes chineses. Assim como imigrantes mexicanos que aportam os Estados Unidos para as colheitas em épocas de lavoura ou imigrantes da Polônia, Romênia e Hungria que vão para Áustria, Alemanha e Itália em épocas de colheitas de aspargos, batatas, cana-de-açúcar e uva, esses trabalhadores são vítimas de trabalho precarizado sendo explorados fazendo horas extras em excesso. No caso específico da China, esse cenário tem melhorado nos últimos anos com aumentos reais de salário, muito por conta do aumento da escassez de trabalhadores e da consciência dos trabalhadores sobre seus direitos80 (NAISBITT, 2011, p. 213-215). Os migrantes são definidos como pessoas que vivem longe do seu lugar de residência habitual durante mais de seis meses. Trabalham normalmente nas Empresas de Cidades e Vilas concentrados nas províncias costeiras: delta do rio Azul, em Pequim, Tianjin ou em Fujian e delta do rio das Pérolas. Os migrantes na cidade de Shenzhen por exemplo são mais que o dobro da população registrada. As motivações essenciais para as migrações estariam no desejo de melhorar o nível de vida e garantir um futuro melhor pra família. Seja qual for o sexo, os jovens deixam as aldeias atraídos pelos salários mais altos das cidades (GIPULOUX, 2005, p. 114-115). 80 No final de janeiro de 2008, o Departamento de Trabalho Municipal de Shenzen anunciou a inclusão de empresas numa lista negra impedindo-as de obtenção de crédito bancário ou licenças para operações caso retenção pagamento dos seus funcionários. Após a crise de 2008 e o desemprego de 20 milhões de trabalhadores chineses, o sindicato nacional dos trabalhadores chineses criou cursos para treinamento vocacional para 10 milhões de trabalhadores itinerantes e cobrou uma responsabilidade social maior por parte das empresas estatais. Na Mongólia, os sindicatos implantaram um sistema de pagamento que impedisse o atraso e deduções ilegais nos salários dos trabalhadores itinerantes. O governo provincial de Henan destinou cerca de US$ 90 milhões para fomentar empresas de pequeno e médio portes para que os trabalhadores itinerantes montem suas próprias empresas. Ver em: (NAISBITT, 2011, p. 214-217). 95 Ainda sobre o tema: Desde o início da década de 1980, cerca de 150 milhões de trabalhadores migraram das áreas rurais para as urbanas em busca de emprego. A indústria de exportação chinesa baseia-se em grande parte na exploração destes trabalhadores migrantes. Um estudo das condições de trabalho no Delta do Rio das Pérolas (área que inclui Guangzhou, Shenzhen e Hong Kong) descobriu que cerca de dois terços dos trabalhadores trabalham mais de oito horas por dia e nunca descansam nos finais de semana. Alguns trabalhadores têm de trabalhar sem interrupção durante dezesseis horas. Os administradores capitalistas usam corriqueiramente o castigo corporal como forma de disciplinar os trabalhadores. Cerca de duzentos milhões de trabalhadores chineses trabalham em condições perigosas para a saúde. Na China registram-se anualmente cerca de setecentas mil ocorrências de acidentes de trabalho graves, provocando mais de cem mil mortos (LI, 2011, n.p.). Atualmente na China floresce uma segunda geração de migrantes que foram para as cidades ao completarem o ensino superior ou o ensino médio, sem experiência na produção agrária e com identificação mais urbana que camponesa e que uma vez mais educada e qualificada tem mais expectativas de emprego exigindo melhores condições de vida material e cultural e intolerantes à condições precárias de trabalho. A classe trabalhadora se fortalece em consequência do desenvolvimento do capitalismo. A acumulação rápida compromete o antes farto exército de reserva de mão de obra barata nas áreas rurais da China. A população total em idade de trabalhar tem declinado, de pico de 970 milhões em 2012 para algo em torno de 940 milhões em 2020 com diminuição acentuada da faixa etária onde recruta-se a maioria de trabalhadores industriais baratos e não qualificados, jovens entre dezenove e vinte e dois anos, favorecendo-os nas negociações por melhores condições de trabalho (LI, 2011, n.p.). 2.5.4 A evolução histórica da legislação trabalhista chinesa A grandeza territorial e a diversidade racial chinesa refletirão nas especificidades do trabalho na China. Existem diferenças entre o trabalho urbano e rural, diferentes províncias constituídas de diferentes etnias, o trabalhador migrante e outras particularidades que acabam deixando não muito clara a real situação do trabalho na China. O governo chinês tem tentado impor regras que padronizem e imponham garantias aos trabalhadores. A diversidade citada e o volume populacional pode trazer aqui ou ali algumas dificuldades na formalização e padronização dessas regras mas o poder central na figura do Partido Comunista Chinês têm tentado desde que proclamada República na China em 1912 e a fundação do partido em 1921 instalar um sistema de codificação nos moldes soviéticos. Esse sistema foi abandonado em 96 1960 com a Revolução Cultural quando foram criados organismos de conciliação, as chamadas comissões populares de mediação, que buscavam soluções de consenso uma vez que não havia direitos positivados, salvo aos estrangeiros. O Estado, através das autoridades locais de administração do trabalho, sob a exegese dos princípios socialistas, contratava os trabalhadores mediante sua capacidade produtiva e sua integridade política, estabelecendo normas que regulamentavam as relações de trabalho, recompensando os trabalhadores exemplares e promovendo punições públicas aos desidiosos. Nos ditames do Deng Xiaoping, em 4 de dezembro de 1982 foi promulgada, pelo denominado Congresso Nacional do Povo, a Constituição da República Popular da China, com apenas quatro capítulos81, que já recebeu e vem recebendo inúmeras emendas no tocante à reforma do Estado. Diante dessa realidade, em 1º de janeiro de 1995 foi editada uma nova legislação trabalhista na China, dividida em treze capítulos82, que já previa, entre tantos outros direitos, a proteção de jornada não superior à 8 horas diárias ou 44 horas hebdomadárias; normas de proteção à saúde e segurança; previsão de descansos remunerados, feriados e férias anuais; remuneração das horas extraordinárias com adicional de 150% para os dias na semana, adicional de 200% em dias de descanso e adicional de 300% em feriados trabalhados; Licença-maternidade de, no mínimo, 90 dias após o parto; proteção ao trabalho do menor e da mulher; direito a participação em sindicatos (inclusive negociando melhores condições de trabalho) etc (CORDEIRO, 2009, n.p.). Para exemplificar a dificuldade de convergência entre a lei e a realidade Fishman (2006) relata que em 2002, as estatísticas governamentais davam conta que o salário médio das operárias de Shenzen, muitas delas com menos de 20 anos, era de US$ 72,00 mensais com a maioria alojadas em dormitórios com capacidades de oito a doze pessoas por quarto. O censo chinês de 2000 registrou quatro milhões de residentes em dormitórios em Shenzen e região. A carga horária semanal era em geral de 70 horas, e a metade dos operários de Shenzen trabalha sete dias por semana com a lei dispondo uma carga semanal igual à metade com horas extras, voluntárias ou não, com pagamento extra. A partir de 1º de janeiro de 2008, passou a vigorar a nova lei trabalhista na China (Novo Código do Trabalho), sendo esta lei mais um dos vários reflexos do processo de 81 Os quatro capítulos são: 1. Princípios Gerais; 2. Direitos Fundamentais e Deveres do cidadão; 3. Estrutura do Estado; 4. Bandeira Nacional, Emblemas e a Capital do País. Ver em: (CORDEIRO, 2009. n.p). 82 São: I. Disposições gerais; II. Da promoção de empregos; III. Dos contratos trabalhistas e contratos coletivos; IV. Da jornada de trabalho, descaso e férias; V. Da remuneração; VI. Da segurança ocupacional e da saúde; VII. Da proteção especial da mulher e do menor; VIII. Da capacitação profissional; IX. Do seguro social e previdência; X. Dos conflitos trabalhistas; XI. Da supervisão e inspeção; XII. Da responsabilidade legal; XIII. Disposições suplementares. Ver em: (CORDEIRO, 2009. n.p). 97 modernização pela qual o país vem passando nos últimos anos. Não obstante a antiga lei trabalhista chinesa, que vigorou até o ano passado, ser bem protecionista (bem mais que a brasileira nos vários aspectos supra mencionados), a atual lei traz várias inovações ainda mais benéficas aos trabalhadores, como: • obrigatoriedade de formalização de um contrato escrito, por tempo determinado, dispondo em detalhes as regras desta relação (inclusive as regras e regulamentos de empresa); • a não observância da obrigatoriedade em epígrafe no primeiro mês de trabalho (em qualquer relação de trabalho), o trabalhador poderá pleitear em dobro o seu salário a partir do segundo mês; • o próprio trabalhador pode entrar com ação, o que antes só podia ser feito por intermédio dos sindicatos; • garantia de emprego, pela qual nenhum trabalhador pode ser demitido antes do término do contrato de trabalho, salvo por justa causa (incompetência comprovada, violação grave das regras internas, negligência e fraude); • se a empresa renovar por duas vezes o contrato de trabalho, este passa a ser por tempo indeterminado e o trabalhador adquire estabilidade; • no caso de demissão, a nova lei prevê o pagamento de indenizações, como aviso prévio de um mês e um salário para cada ano de contrato completado, até o máximo de 12 salários; • possibilidade de contratos de estágio por tempo máximo de seis meses; • o trabalhador só pode ser sujeito a um único período probatório de um único empregador, sendo que, neste período probatório, o salário não poderá ser inferior a 80% do contrato salarial; • as reclamações trabalhistas devem passar por uma espécie de “comissão de conciliação prévia”, denominada de “Labour Dispute Arbitration Commite” (LDAC), para somente depois, se dirigirem à Corte Distrital. Até o final dos anos 1980 só se encontravam na China, advogados servidores públicos e, desde então aconteceu uma gradual melhoria na representação processual no país sendo que em 2011 já trabalhavam como autônomos 120 mil advogados trabalhando em 12 mil firmas de advocacia autorizados pelo governo. Com a ascensão do sistema legal chinês as ações 98 trabalhistas aumentaram 94% após a nova legislação trabalhista (NAISBITT, 2011, p. 135- 136). O salário médio dos trabalhadores do setor industrial na China já ultrapassou o de países como Brasil e México e está se aproximando da renda média da força de trabalho na Grécia e em Portugal, segundo levantamento da consultoria Euromonitor publicado pelo jornal britânico Financial Times. Considerando os trabalhadores chineses como um todo, a renda por hora é superior a de todos os grandes países da América Latina, com exceção do Chile. Em relação aos países menos desenvolvidos da zona do euro, o chinês recebe 70% do salário médio. O salário médio por hora na indústria chinesa triplicou entre 2005 e 2016, para US$ 3,60, segundo o Euromonitor. Os números mostram como a China elevou o padrão de vida de sua população nos últimos anos. Alguns analistas avaliam que ganhos de produtividade poderão elevar ainda mais os salários no país asiático. Por outro lado, o crescimento dos salários pode fazer com que os chineses comecem a perder emprego para outros países em desenvolvimento, num cenário de busca por corte de custos pelas empresas instaladas na China (O GLOBO, 2017, n.p.). O bilionário chefe da Foxconn Technology, a maior montadora do iPhone, da Apple, argumenta que as restrições “pouco razoáveis” da China às horas extras prejudicam seus funcionários e a competitividade da empresa. Ao comentar as críticas de que a Foxconn83 faz seus funcionários trabalharem demais para fazer frente ao aumento da demanda antes da temporada anual de compras do fim do ano, Terry Gou disse aos acionistas que os funcionários na verdade querem trabalhar mais horas e que forçá-los a trabalhar menos diminui a renda deles (VALOR ECONÔMICO, 2018, n.p.). A mesma Foxconn, levou a China Labor Watch, organização não governamental especializada em defesa dos direitos trabalhistas na China com sede em Nova York, divulgar um relatório em agosto de 2018, após nove meses de intensa investigação sobre condições de trabalho em uma fábrica na cidade de Hengyang, aconselhando a Amazon.com a cobrar melhores condições de trabalho dessa fábrica, de propriedade da Foxconn, na produção dos alto-falantes Echo. Apurou-se um cenário de salários baixos combinados a condições de trabalho intensas com seguintes conclusões: trabalhadores obrigados a carga horária de mais de 100 horas extras por mês violando as leis trabalhistas chinesas que limitam a 36 horas no 83 A Foxconn, que é a maior empregadora privada da China, com cerca de 1 milhão de funcionários, tem sido criticada há anos por práticas como permitir o aumento das horas extras durante a alta temporada, quando a empresa amplia fortemente a produção para colocar aparelhos no mercado a tempo das festas de fim de ano. Ver em: (VALOR ECONÔMICO, 2018, n.p.) 99 máximo; utilização de trabalhadores temporários acima da quantidade permitida; funcionários sem treinamento de segurança adequado; trabalhadores obrigados a chegarem ao local de trabalho 10 minutos antes do início da jornada sem compensação para tanto; e dormitórios fora do padrão de segurança exigidos contra incêndios. A Amazon se defendeu dizendo ter concluído uma auditoria na fábrica em questão e pedindo à Foxconn que medidas fossem tomadas para remediar as irregularidades encontradas e que a empresa se comprometera a resolver (SOPER, 2018, n.p). A mesma China Labor Watch já denunciara, em 2015, uma fábrica de iphones sediada em Xangai por abrigar seus funcionários em dormitórios superlotados, cheios de mofo e infestados de insetos. A fábrica em questão era a taiwanesa Pegatron Group, terceirizada na produção de produtos da Apple. “Persistem os baixos salários, as longas jornadas de trabalho, o trabalho não remunerado, as medidas de segurança precárias e as condições de vida desprezíveis”, indicou o informe, segundo o qual foram detectadas cerca de duas dezenas de “violações de direitos trabalhistas legais e éticos”. Embora a Apple tenha prometido melhorar as condições de trabalho dos terceirizados a quem terceiriza a produção de seus equipamentos, o informe assegura que os problemas persistem desde que foi publicado, em 2013, o informe sobre três fábricas chinesas operadas pelo mesmo grupo taiwanês (AGENCE FRANCE PRESSE [FR], 2015, n.p.). Importante ainda ressaltar que este gigante produtor mundial em 2001 assinou acordo de cooperação com a OIT, definindo prioridades e medidas para efetivar o trabalho decente no país, fortalecendo as leis, estruturas e normas contra o trabalho forçado; fiscalização por oficiais trabalhistas do Estado; em 2004 a China modificou a sua Constituição para reconhecer que o Estado respeita e tutela os direitos humanos, entre outros direitos. Como foi amplamente demonstrado, a China vem obtendo, desde 1995, um enorme avanço no que tange à ampliação, fiscalização e efetivação dos direitos trabalhistas, principalmente pela sua nova legislação juslaboral de 1º de janeiro de 2008 (CORDEIRO, 2009, n.p.). Para Li (2011), ao se verem explorados, na China de hoje, uma nova geração de trabalhadores proletarizados tomam consciência de classe. O desenvolvimento da indústria não apenas faz crescer o número de proletários, como os concentra em massas cada vez maiores, suas forças crescem e eles adquirem maior consciência dela. Os interesses, as condições de existência dos 100 proletários se igualam cada vez mais, na medida em que a máquina elimina as diferenças de trabalho e reduz o salário, em quase toda parte, a um nível generalizadamente baixo. A concorrência dos burgueses entre si e as crises comerciais dela resultantes tornam os salários cada vez mais instáveis; as máquinas, em constante e rápido aperfeiçoamento, tornam as condições de vida do operário mais e mais precária, os atritos individuais entre o operário e o burguês assumem crescente estado de choques entre as duas classes. Os operários começam a formar alianças entre si contra os burgueses e agem em defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes com o objetivo de enfrentar choques eventuais. Aqui e ali a luta se transforma em motim (MARX; ENGELS, 1985, p. 37-38) Procópio (2012, p. 101-102), sobre esse tema, argumenta que: Cumprir obrigações e deveres dá o direito do usufruto da cidadania. Sabe-se que na comunidade internacional cada nação tem sua cultura, seus valores e sua visão de mundo. O tempo da conversão a ferro e a fogo ao cristianismo passou assim como o do stalinismo comunista. Todavia, nas democracias a liberdade sem a fraternidade abraça certezas que, dificilmente aceitam a prática como critério. Tal proceder antecipa o dia da nova divisão internacional do trabalho onde o sistema que ampara o desperdício e o supérfluo alcançará os limites da capacidade de expansão e sucumbirá sob o peso das suas contradições. A taxa oficial de desemprego na China atingiu o seu valor mais baixo em 16 anos, fixando-se ligeiramente abaixo dos 4% no final do mês passado, mas as autoridades admitem que a criação de novos postos de trabalhos continua aquém do necessário (P-PÚBLICO, 2017, n.d.). Fonte: https://pt.actualitix.com/pais/chn/china-taxa-de-desemprego.php#tabela-de-dados. Acesso em: 18 de setembro de 2019. Publicado em: 18 de setembro de 2019 Gráfico 1: Taxa de desemprego na China (Anos x Percentual) 101 A China tem feito cortes de impostos planejados para pequenas empresas com objetivo a dar suporte ao emprego e à estabilidade econômica. A fim de garantir o emprego, o governo chinês reduz o ônus sobre as empresas. Essas medidas ajudam a explicar a taxa de desemprego de 3,8% no gráfico acima, com criação até o fim de 2018 de 13,61 milhões de novos empregos nas áreas urbanas do país (DALY; LI, 2019, n.p.). 2.5.5 Reflexos da economia chinesa no trabalho no mundo Atualmente a China está em toda parte e com sua economia desenvolvendo de forma tão veloz acaba por influenciar as vidas das pessoas do mundo inteiro seja enquanto consumidores, cidadãos e principalmente trabalhadores. Por trás da ascendência econômica das últimas décadas tem um fato inexorável, uma imensa população e que surpreendentemente não possui a mão de obra mais barata do mundo. Mesmo no início do processo da implantação das reformas de abertura, podiam ser registrados trabalhadores dos países mais pobres do sudeste asiático ou da África com rendimentos menores do que o dos chineses. Para Moreno (2015), em um mundo globalizado, a expressão dos distintos nacionalismos e patriotismos também depende dos importados baratos da China onde são confeccionadas a maioria das bandeiras nacionais dos países. De lá também partem as bandeiras expostas nas ruas, nas marchas, nas campanhas, nos estádios e nas manifestações e que expressam, visivelmente, todo o espectro de posições políticas. As bandeiras do MAS (Movimiento al Socialismo) da Bolívia, assim como as do Brasil, já chegam em rolo vindas da China. Até o carnaval brasileiro depende hoje em mais de 80% da importação de tecidos, plumas e adereços chineses e complementa: Apontado como a principal vantagem comparativa da China, o “preço chinês”, atribuído à superexploração do trabalho, inexistência de regulação ambiental e uma forma mutante de capitalismo totalitário de Estado, é geralmente indicado como principal causa da perda de competitividade e do desmonte de indústrias nacionais em todo o mundo – inclusive nos Estados Unidos. Contudo, é importante lembrar, foi o “preço chinês” que permitiu o “preço Walmart” (e o acesso e aumento exponencial do consumo que este representa), expressando os dois lados indissociáveis de um mesmo fenômeno que caracterizam o mundo made in China e das especificidades do funcionamento do capitalismo hoje. Lucram com o “preço chinês” as principais companhias norte-americanas que estão dentro da China, produzindo desde a China para o mundo, e também, cada vez mais, para o crescente mercado interno chinês. Esse é caso da Apple, Dow Chemical, General Eletrics, General Motors, Caterpillar, Nike, Procter&Gamble, CocaCola, Pepsico, Yum! (KFC), McDonald´s, entre muitas outras. A própria rede varejista Walmart está presente há 18 anos na China. Da mesma forma, embora em menor número, as 102 empresas europeias como as alemãs Volkswagen, Bosch, Siemens, BASF, ThyssenKrupp têm operações na China para atender ao mercado global e ao mercado chinês (MORENO, 2015, p. 13-14). Para Fishman (2009), o impacto da China no mundo é potencialmente explosivo, paradoxal e difícil compreensão. Numa visita a fábrica da Harley-Davidson, em Milwaukee, em 2003, três dos mais importantes funcionários econômicos do governo Bush, presidente à época, foram recebidos por uma plateia fria por conta dos ventos gélidos que sopravam da China. Nos últimos 5 anos anteriores a visita, os Estados Unidos haviam perdido 2,9 milhões de empregos industriais. O estado de Wisconsin perdera um em cada seis empregos em manufaturas desde o ano de 2000. Em setembro de 2003, a Samsung Electronics anunciou a transferência de toda a sua produção de computadores pessoais para a China criando subsidiárias de vendas e 26 unidades de produção contribuindo para o declínio do emprego na indústria japonesa, de 15,7 milhões em 1992 para 13,1 milhões em 2001. E o fenômeno se espalhou pelo sul da ásia com empresas japonesas saindo da Malásia, da Tailândia e de outros lugares indo para a China. Assim como nos Estados Unidos, as empresas se beneficiam em solo chinês em detrimento de seus países de origem (HARVEY, 2008, p. 150). A empresa americana Excel Foundry and Machine, uma indústria de baixa tecnologia, fabrica peças de maquinaria utilizadas na construção pesada e mineração moldando peças de máquinas de outras companhias, parafusos e porcas de mais de dois metros de diâmetro, tubos imensos, pinos e rolamentos feitos para caçambas de mineração. A empresa adotou uma estratégia de investimentos em tecnologia para agregar valor aos seus produtos e exportou para a China 20% de sua capacidade de produção transferindo a fabricação das peças mais simples. Os problemas começam quando percebe-se que as peças hoje sofisticadas poderão tornar-se simples no futuro e que outros setores terão que ser exportados para as fundições chinesas, que são baratas e enormes. A mesma China aqueceu a demanda mundial de quase tudo que é extraído da terra e a Excel precisou de contratação de funcionários para aumentar a produção mas esbarrou na dificuldade de encontrar mão de obra qualificada nos Estados Unidos pelo fato de os egressos das escolas e faculdades não considerarem as indústrias de base uma boa opção de carreira, muito diferente dos concorrentes chineses que têm um excesso de candidatos qualificados para serem escolhidos. A saída foi ir a Chicago que se tornou um lugar para encontrar mão de obra barata por conta das demissões resultantes de perdas de 100 mil empregos em fábricas da cidade e vizinhança entre 2001 e 2003 em 103 consequência do desenvolvimento chinês como centro manufatureiro de baixo custo. Juntos nessa oferta de trabalhadores estarão juntos aos americanos trabalhadores mexicanos. A migração mexicana para Chicago crescera enormemente em consequência da perda de empregos na indústria para a China. Após a aprovação do Nafta em 1994, o governo mexicano perdeu 218 mil empregos nas indústrias quando 500 dentre as 3.700 “maquiladoras84” voltadas para a exportação fecharam entre 2001 e o final de 2003. Além disso, os salários dos empregos remanescentes caíram. Sob forte concorrência com as fábricas de móveis chinesas, as mexicanas reduziram os salários dos seus funcionários pela metade. Uma saída para os operários mexicanos mais capacitados está em oportunidades de emprego em fábricas norte-americanas que reduzem seus custos para poder competir com a China (FISHMAN, 2006, p. 163-167). Para Arrighi (2008), nos Estados Unidos, a crítica que se faz é que as estratégias de ajuste e de acomodação atendem aos interesses das empresas norte-americanas, principalmente as maiores que apostam cegamente no mercado chinês. Na visão dessas empresas e dos super-ricos, a transferência das operações das grandes empresas para a China teria mais importância que a saúde da economia estadunidense a longo prazo, mesmo porque, metade das exportações e importações norte-americanas ocorrem dentro das grandes multinacionais, que transferem matérias-primas e componentes entre fábricas distantes e mandam a produção para fora das fronteiras nacionais de modo a reduzir os custos, principalmente os custos salariais: As boas-vindas que a China deu às empresas multinacionais e ao investimento estrangeiro fizeram muitos executivos ocidentais, tão críticos à falta de abertura do Japão mais de uma década atrás, abraçarem entusiasticamente a China, sua mão de obra barata e seu imenso mercado […]. O Japão alcançou o Ocidente com rapidez por meio de licenciamento de tecnologia […]. Mas a China tem tecnologia licenciada e, ao mesmo tempo, usou o poder de atração do imenso potencial do seu mercado para atrair investimentos estrangeiros. Isso não só trouxe mais investimento como […] também ajudou a proteger a China contra os choques comerciais. Hoje muitas das multinacionais que brigaram com os japoneses, como a indústria automobilística de Detroit, são grandes investidores na China, investidores que se opõem às restrições comerciais a isso (ARRIGHI, 2008, p. 310-311). 84 Aglomeradas junto à fronteira com os Estados Unidos, e muitas vezes maltratando terrivelmente seus empregados, as maquiladoras costumam ser confecções de baixo custo que competem diretamente com as fábricas chinesas. São, em geral, versões primitivas e em menor escala dos grandes pavilhões industriais e linhas de montagem de grandes proporções que surgiram em Guangdong e em volta de Xangai. Comparada às movimentadas fábricas chinesas, cada qual capaz de empregar e alojar 10% de todos os operários das maquiladoras, as mexicanas parecem barracões adormecidos (Os três complexos de fábricas de sapatos do empresário Yue Yuen em Donggaun empregam 250 mil pessoas). Ver em: (FISHMAN, 2006, p. 166). 104 Em 2005, a percepção que ficara é que a Europa ou os Estados Unidos não fizeram nada para resistir às exportações chinesas de têxteis mas uma questão central era para que a Europa ainda estava fabricando têxteis? A resposta é que assim como a corte de Qian-long e outros líderes chineses sabiam que não podiam competir com a superioridade de então da Europa, e mais tarde dos Estados Unidos, na produção de “manufaturas”. Entretanto, agora o cenário era outro e está cada vez mais evidente para as empresas, indústrias e governos do mundo que em manufaturas não se podem igualar ao poder chinês. A grande questão para o futuro, portanto, é se a porta do mundo permanecerá aberta. Desde as contendas comerciais de 2005, tensões competitivas foram visíveis em comunidades artesãs na Itália e no coração industrial de Estados Unidos, Alemanha e França85 (KYNGIE, 2007, p. 166). Kyngie (2007) afirmava àquela altura do início do século XXI quê, cerca de 25% dos lucros que as multinacionais norte-americanas tinham como origem suas subsidiárias estrangeiras e esses lucros vinham à custa das indústrias e ofertas de emprego que se extinguiam em solo americano. A observação feita às empresas se estendiam a realidade dura que também se apresentava aos trabalhadores do médio e baixo escalões dessas empresas. As empresas terceirizavam ou enviavam para o exterior seus processos de produção, porém, os gerentes que tomavam essa decisão continuavam a dirigir suas operações de seus escritórios centrais. Alguns talvez fossem reaproveitados em níveis mais baixos do gerenciamento, mas o pessoal dos níveis médios ou mais baixos da empresa ficava sem emprego ou a mercê de empregos com menores salários. Sem contar que muitos desses gerentes ganhavam bônus por desempenho dos lucros ou viam o valor de suas ações e opções de compra de ações subirem à medida que melhorava o desempenho financeiro da empresa. Boa parte desses trabalhadores dos níveis mais baixos das companhias acabavam sendo absorvidos pelo setor de serviços percebendo menos da metade do salário anteriormente pagos nos centros industriais. O impacto na classe média norte-americana se dera no seu encolhimento. Cresceram os 85 A classe média dos países desenvolvidos, em empresas de tamanho médio, representam um grupo com maior probabilidade de ser descartado, reduzido ou ter ofertas de salário que não mantêm o ritmo da inflação. Na Alemanha, no Meio-Oeste norte-americano, empresas de tamanho médio foram duramente atingidas. Na França, Itália, Espanha e, em um grau menor, no Reino Unido (que já perdera grande parte de sua indústria nos anos 1970 e 1980), também se encontraram numa dura realidade. Essa dicotomia reflete o grande fracasso da globalização: embora artigos, serviços e capital atravessem fronteiras, os empregos não conseguem fazer o mesmo. Mesmo que os trabalhadores desejassem mudar sua vida e famílias para outros países, com objetivos de trabalharem em condições desconhecidas, as restrições para esse tipo de movimento são inúmeras. Já as empresas migram com riscos e custos inacessíveis a maior parte dos negócios pequenos ou médios. Ou seja, basicamente, só as multinacionais conseguem se beneficiar das condições apresentadas pela China como sua mão de obra barata e infraestrutura invejável. E haja benefícios. Ver em: (KYNGIE, 2007, p. 166-167). 105 segmentos mais ricos e mais empobrecidos da sociedade com a categoria dos trabalhadores de renda média desaparecendo. Em 2003, o número de norte-americanos vivendo abaixo da linha oficial de pobreza subiu em 1,3 milhão chegando a 35,9 milhões86. A tendência é que também esses empregos do setor de serviços também migrem para a China e a Índia. Para Frankopan (2019), em tempos de discussões políticas sobre o Brexit87 ou das micro-mensagens do twitter do presidente norte-americano Donald Trump, o papel preponderante no século XXI caberá aos países das Rotas da Seda. Como discutiremos adiante, as importantes decisões que transformarão o mundo não passarão por Paris, Londres, Berlim ou Roma como acontecia há centenas de anos, mas, sim, em Pequim e Moscou, em Teerã e Riade, em Deli e Islamabad, em Cabul e nas regiões do Afeganistão controladas pelos Talibã, em Ancara, Damasco e Jerusalém. O passado foi marcado pelos acontecimentos ao longo das antigas Rotas da Seda e o futuro será determinado do mesmo modo por essas trilhas. Por toda a Ásia vivem-se tempos auspiciosos com uma forte consciência cooperativa entre os diferentes estados colocando os interesses pessoais em segundo plano procurando contornar as divergências. Nos últimos anos inúmeras iniciativas, organizações e fóruns foram criados com o objetivo de incentivar a colaboração e o debate resultando numa narrativa convergente de solidariedade e de futuro partilhado. Essa mudança de eixo está em na identificação e estabelecimento de tendências de diversos segmentos de negócios do mundo88. 86 Pesquisa revelada pela ONG Poor People’s Campaign em audiência realizada no Congresso dos EUA em 2018 dão conta que 140 milhões de pessoas são pobres ou vivem com renda insuficiente para pagar suas contas nos Estados Unidos representando 43% da população total do país. Nos EUA, a linha de pobreza para uma pessoa menor de 65 anos é uma renda anual de US$ 11,7 mil. Para uma família com dois filhos, segundo dados do Departamento do Censo, o valor é de US$ 24,2 mil. Ver em: (EFE, 2018. n.p). 87 Saída do Reino Unido da União Europeia. Num referendo acontecido em 23 de junho de 2016, a maioria dos eleitores do Reino Unido votou pela saída da União Europeia. O Brexit não representa o fim da integração europeia, sendo mais um sintoma da crise que assola os países centrais em um contexto de transição sistêmica e crise de hegemonia. A asiatização do globo e a emergência de economias dinâmicas na semiperiferia têm representado um desafio às potências tradicionais, que buscam a todo custo evitar o processo de deslocamento do poder e das capacidades materiais em direção às zonas periféricas. Ver em: (MEDEIROS; CATTELAN, 2016, p. 9 e 16). 88 Em 2015, por exemplo, a Nike introduziu um novo conceito no seu catálogo de calçados onde segundo a empresa, interligando os continentes europeu e asiático lançou o tênis do jogador de basquete Kobe Bryant inspirado na lendária Rota da Seda, o KOBE X Silk. Com aroma apimentado, almiscarado e ligeiramente fumado a madeira acabada de cortar assentando a fragrância da alma do carvalho envelhecido, misturada com a pimenta, a marca Hermès lançou o perfume Poivre Samarcande do perfumista Jean-Claude Ellean que revelara ser uma homenagem à cidade que noutros tempos era atravessada por caravanas carregadas com especiarias que transitavam do Oriente ao o Ocidente. O propalado presidente dos Estados Unidos Donald J. Trump, em 2007 registrou a marca Trump no Cazaquistão, Usbequistão, Quirguistão, Turcomenistão, Azerbaijão e na Armênia, com o objetivo de produzir vodca com a sua marca de renome, fazendo o mesmo em 2012 para sua marca de hotéis e no mercado imobiliário em todos os países que atravessam a espinha dorsal das Rotas da Seda, incluindo até mesmo o país declaradamente por ele no eixo do mal, o Irã ou em uma rede de cassinos luxuosos lançados na Geórgia, a Silk Road Group. O segmento de turismo logicamente não ficara para trás, inúmeras são as empresas que oferecem desvendar os mistérios dos países localizados no centro do mundo que ficou perdido no tempo. O centro comercial Mega Silk Way, em Astana, no 106 O novo século nasce com a perspectiva do protagonismo asiático já com a constatação do deslocamento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial das economias desenvolvidas do Ocidente para as do Oriente numa escala e velocidade impressionantes. Estimativas dão conta que em 2050, o rendimento per capita na Ásia sextuplicará no que diz respeito à Paridade do Poder de Compra com enriquecimento de 3 bilhões de asiáticos. É um claro retorno a posição que já foi da Ásia antes da revolução Industrial há cerca de 300 anos. É um processo talvez mais demorado que alguns acreditem mas, a direção geral da mudança e a natureza histórica desse deslocamento são evidentes. O “Grande Jogo”89 atualmente se encontra na competição desencadeada pelos interesses que passam pela influência, por recursos naturais e energéticos, por comida, água e ar puro, por posições estratégicas e até mesmo pela informação e suas consequências impactarão profundamente o mundo ao longo de várias décadas. Diante das preocupações da Argentina com o que sobrou da sua indústria de produtos têxteis, sapatos e couro devido a importações de produtos chineses mais baratos a China aconselhou que os argentinos se concentrassem na produção de matérias-primas e bens agrícolas para fornecimento ao mercado chinês em expansão. Tratamento igual fora reservado ao império indiano no século XIX pela Grã-Bretanha (HARVEY, 2008, p. 151). 2.5.6 Zonas Econômicas Especiais Em dezembro de 1978, a III Seção Plenária do XI comitê Central do Partido Comunista Chinês (PPCh) tomou a decisão histórica de adotar uma política de gradual Cazaquistão é exemplar. A luxuosa revista SilkRoad, encontrada nos voos da companhia aérea Cathay Pacific é outro exemplo. Ao chegarem no aeroporto de Dubai, viajantes se deparam com o anúncio: “Um Cinturão, uma Rota. Um Banco interliga os seus negócios entre África, Ásia e o Oriente Médio”. No Turcomenistão, detentor de grande reserva de gás natural, encostado a oriente do mar Cáspio, desde 2018, o lema é “Turcomenistão – o Centro da Grande Rota da Seda”. As enormes reservas de recursos naturais da região do centro da Ásia desencadeiam um não menos grande otimismo. O Oriente Médio, a Rússia e a Ásia Central detêm juntos 70% do total de reservas de petróleo comprovadas do mundo e quase 65% das reservas de gás natural, já incluídas as reservas em Galkynysh, Turcomenistão, o segundo maior campo de gás do mundo. Entre o Mediterrâneo e o Pacífico concentram-se um enorme potencial agrícola, onde países como a Rússia, a Turquia, a Ucrânia, o Cazaquistão, a Índia, o Paquistão e China são responsáveis por mais da metade da produção mundial de trigo e que juntando-se aos países do Sudeste Asiático e da Ásia Oriental, como Myanmar, o Vietnã, a Tailândia e a Indonésia, representam quase 85% da produção mundial de arroz. Acrescente-se ao contexto elementos químicos estratégicos como o silício, fundamental na indústria da microeletrônica e na produção de semicondutores onde Rússia e China detêm 75% da produção mundial ou, as terras raras, como o ítrio, o disprósio e o térbio, essenciais em tecnologias que vão desde baterias a computadores portáteis, esses últimos cabendo a China a produção de 80% em 2016 no globo. Elencam-se riquezas polêmicas, como a heroína produzida no Afeganistão que acabam dando suporte logístico e em armamento às milícias Talibãs. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 16-24). 89 No início do século XX, Rudyard Kipling ajudou a popularizar a noção de um “Grande Jogo”, no qual os impérios britânicos e russo rivalizaram a nível político, diplomático e militar por uma situação estratégica e uma posição dominante no centro da Ásia. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 24). 107 abertura da economia chinesa ao exterior, com vistas a dinamizar o processo de modernização econômica do País e nesse contexto, em 1980 foram criadas as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) de Shenzhen, Zhuhai e Shantou (todas na Província de Guangdong e, em 1981, a de Xiamen, na Província de Fujian, todas criadas com tratamento diferenciado das demais regiões do país no âmbito da política econômica nacional objetivando: a) atrair capital externo para o desenvolvimento agrícola e sobretudo industrial; b) lograr transferência da tecnologia mais avançada possível; c) promover as exportações; d) absorver métodos ocidentais de administração comercial e industrial; e) aumentar a demanda por bens e serviços produzidos em outras regiões do país (OLIVEIRA, 2003, p. 57-58). A China teve como inspiração modelos correlatos de sucesso, sobretudo na Cidade- Estado de Cingapura e as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs)90 coreanas e não foi por puro insight que o governo chinês resolveu instalar as primeiras Zonas Especiais Econômicas em Zhenzen e Shuhai e sim pela íntima proximidade com Hong Kong e Macau, assim como a ZEE de Xianmen bem de frente a Taiwan, ou na ilha de Hainan focada nas comunidades chinesas do sudeste asiático (JABBOUR, 2012, p. 261). Após “o século de humilhações”, a China se voltou para o Ocidente em busca de tecnologia, investimento e cooperação. Uma contradição fundamental nota-se entre a desconfiança que a China tem do Ocidente e do Japão, devido às suas experiências históricas, e o intenso desejo de fazer parte do clube dos países ocidentais avançados, além de obter empréstimos, aprender e participar de transações comerciais, transferência de tecnologia etc. O grande avanço chinês em termos de crescimento econômico foi possível devido ao seu maior envolvimento no sistema capitalista global. Os ganhos econômicos de Pequim pela transformação econômica global são inseparáveis da sua dependência do mercado global (XING; SHAW, 2018, p. 58-59). Losurdo (2004, p. 66), assim discorre sobre esse processo: No plano econômico vimos assim surgir gradualmente o “socialismo de mercado”. A caracterizá-lo estão o emergir de um amplo setor da economia privada e o esforço para tornar eficientes setores estatal e público da economia. A adesão à tecnologia, às experiências de organização industrial e de gestão empresarial amadurecidas no Ocidente, a adesão ao mercado mundial comporta custos: emergem na China “zonas econômicas especiais” francamente capitalistas. Por outro lado, qual seria a 90 O projeto brasileiro de implantação de Zonas de Processamento de Exportação, as ZPEs, vem sendo discutido há mais de duas décadas mas continua somente como projeto. Quando foram criadas “cooperativas de produção” no Nordeste Brasileiro, eliminando-se alguns encargos trabalhistas e outros encargos fiscais, as camisetas de algodão, ali produzidas, ficaram competitivas de tal ponto a concorrer com as produzidas na China. Ver em: (TANG, 2015, p. 64). 108 alternativa? Sobretudo depois da crise e da dissolução da URSS e do “campo socialista”, não é mais possível isolar-se do mercado mundial capitalista, salvo a condenar-se ao atraso e à impotência. Nas novas condições da economia e da política mundial, o isolamento seria sinônimo de renúncia seja à modernidade, seja ao socialismo. Apesar de seu alto custo, o resultado do novo caminho salta aos olhos: um desenvolvimento das forças produtivas bastante acelerado, um milagre econômico de dimensões continentais, o acesso de centenas de milhões de chineses a direitos econômicos e sociais nunca antes gozados e, em consequência, o início de um processo de emancipação de enormes proporções. De acordo Jabbour (2012), à medida que as empresas do exterior se instalam na China e vendem equipamento industrial às empresas chinesas, a China passa a poder fabricar grande parte do que se produz no exterior reduzindo os custos drasticamente, combinando qualidade com alta produtividade, palavra essa que descreve a relação entre o valor dos fatores que influem na produção de um bem e o valor do produto resultante, explicando o objetivo da transferência de tecnologia: O processo de substituição de importações engendra importações de tecnologias e sua respectiva substituição de importação. Isso gera aumento de produtividade suficiente para a construção, de forma lenta ou rápida, de determinado edifício industrial, caso, por exemplo de máquina e equipamentos que num dado momento levam à internalização de um determinado centro dinâmico produtivo (JABBOUR, 2012, p. 247). Deng Xiaoping enxergara que a China não possuía uma estrutura industrial que permitisse ao país buscar um crescimento por um longo prazo. Faltavam aos chineses conhecimento e equipamentos. A saída esteve no desenvolvimento de uma base industrial exportadora financiada por capital estrangeiro que oferecesse aos investidores um dos poucos recursos em abundância no país: mão de obra barata e disciplinada. E vieram as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) onde condições especiais eram oferecidas para que empresas se instalassem nessas regiões para produzirem mercadorias para exportação. A delimitação das ZEEs deixou claro o propósito de Deng de que “algumas regiões enriqueceriam antes das outras”. Atualmente a China por inteira é uma imensa ZEE. Estiveram combinados grandes investimentos em infraestrutura, facilidades burocráticas, mão de obra, incentivo a um contexto de extrema competição empresarial e acesso a um mercado consumidor interno com potencial enorme. Em pouco tempo, o estuário do rio das Pérolas, em Cantão, se transformou na maior concentração de indústrias do planeta de lá sendo exportados boa parte do vestuário, brinquedos, eletrônicos e vários outros artigos para o mundo todo. O avanço dessa estrutura industrial resultou em saltos quantitativos e qualitativos da produção chinesas com impactos 109 em todo o mundo, seja por uma concorrência mais acirrada ou por um efeito deflacionário por colocar no mercado, produtos mais baratos, especialmente nos países mais desenvolvidos. Apesar de sempre se citarem os custos da mão de obra chinesa é de bom tom salientar que também aconteceram pesados investimentos em infraestrutura, procurou-se uma simplificação burocrática e por conseguinte uma desoneração fiscal do produtor/exportador, facilitações nos processos de licenciamento e aprovação de investimentos, desenvolvimento de enormes cadeias produtivas e formação maciça de técnicos e engenheiros (AMORIM, 2012, p. 110– 112). Como relata Procópio (2012), Shenzhen, cidade próxima a Hong Kong, até 1980 era uma vila pesqueira com setenta mil habitantes, rodeada por campos de arroz, num tempo onde não contava com serviço de ônibus, e os visitantes tinham de entrar na cidade caminhando ou alugando bicicletas na estação ferroviária que ficava nos arredores. Quando em 1980 Deng Xiaoping escolheu a cidade para ser um dos primeiros centros experimentais do capitalismo de mercado e a transformou em primeira Zona Econômica Especial, ou SEZ (Special Economic Zone) tudo mudou. Shenzhen à visão de Deng atrairia investidores estrangeiros, que trariam tecnologia, mercadorias para serem processadas e as valiosas divisas, preferivelmente dólares. O resultado é que, enquanto a média anual de crescimento da China, entre 1980 e 1997 foi de 8,2%, Shenzhen atingiu índice de 28,5%91. Em Shenzhen, o governo central também poderia tomar a liderança das mudanças para o futuro da livre iniciativa na China. Para Fishman (2006), os líderes chineses não esperavam que as empresas privadas se espalhassem a ponto de provocar uma reviravolta no destino do país. Deng formulou o “socialismo com características chinesas” articulado num discurso seminal feito no Congresso Nacional do Partido Comunista em 1982: Na execução de nosso programa de modernização temos de partir da realidade chinesa. Tanto na revolução quanto na construção precisamos também aprender com os países estrangeiros e utilizar sua experiência, mas a aplicação mecânica da experiência estrangeira e a cópia de modelos vindos de fora não nos levará a parte 91 Shenzen atualmente caminha para cumprir uma missão que a Califórnia nunca pode atender: a de ser ao mesmo tempo polo de empreendedorismo, inovação e fabricação de produtos de alta-qualidade. Não se trata de diminuir a importância criativa do Vale do Silício, mas apenas admitir que a Califórnia, depois de criar, nunca foi capaz de executar os processos fabris necessários para produzir drones, smartphones, equipamentos de realidade virtual ou mesmo simples telas LCD, forçosamente terceirizando a produção para chineses, coreanos e, cada vez mais, indianos, economias mais capazes de produzir mais por custos menores. (…) Zhenzen equiparou-se à baia de São Francisco em capacidade de criar e desenvolver tecnologias disruptivas. Ver em: (FMOGINSKI, 2019, n.p). 110 alguma. Tivemos muitas lições nesse particular. Precisamos combinar a verdade universal do marxismo com as realidades concretas da China, abrir um caminho próprio e construir um socialismo com características chinesas: essa é conclusão básica a que chegamos ao rever nossa longa história (FISHMAN, 2006, p. 98). Após um quarto de século de abertura econômica, Shenzhen já seria uma cidade de sete milhões de habitantes e possuía a quarta maior economia urbana do país, uma cidade que desde o início do seu desenvolvimento nas décadas de 1980 e 1990 fora um prenúncio do papel que a China desempenharia posteriormente na economia mundial. Usada por Hong Kong para manter a competitividade de suas indústrias por meio da mão de obra mais barata do continente, teve ela, Hong Kong, transformada sua própria economia, baseando-a principalmente no comércio e nos serviços. Suas fábricas de aparelhos eletrônicos, brinquedos, sapatos e têxteis, antes florescentes, migraram. Em 1980, as manufaturas representavam quase um quarto da economia de Hong Kong, mas em 2002 já haviam caído para um vinte avos. Os salários dos trabalhadores de Hong Kong que continuaram empregados em manufaturas decresceram constantemente, provocando um dos grandes temores dos operários de indústrias em outras partes do mundo, o de que a China pudesse de fato causar a redução de salários fora de suas fronteiras (FISHMAN, 2006, p.99). Como atenta Procópio (2012), pesquisas do Instituto de Estudos Estratégicos em Londres asseveram que há alguns anos, “cerca de 80% dos dólares que entraram na China foram enviados por patrícios residentes no exterior”, principalmente dos países chamados Tigres da Ásia como Cingapura que tem 2.710.000 habitantes com três quartos oriundos da China e a Malásia que entre os seus 21.200.000 habitantes, a grande parte provém do Império do Centro. Um exemplo é uma fábrica de alimentos em Fulin, apresentado por Jabbour (2012), uma joint venture entre capitais chineses, de Hong Kong (Noble Group) e investimentos individuais provindos de chineses étnicos de Cingapura e que com apenas cinco anos de existência já teria um porto próprio em Nanjing alcançando um faturamento de US$ 11,6 bilhões. Nos anos 1990, pressionadas pelo aumento da concorrência regional e diante da necessidade de aumentar a escala de seus investimentos, empresas de Taiwan e Hong Kong fizeram uma reconfiguração e consolidação de suas atividades montando uma extensa base local de fornecedores. Milhares de pequenas e médias empresas de desenho, componentes, partes de submontagem foram agrupadas em cadeias que se espalharam pela China. 111 Implantou-se uma divisão de trabalho entre produtores norte-americanos e do Leste asiático, com as redes japonesas divergindo gradualmente das demais. As norte-americanas eram abertas a terceiros, rápidas e flexíveis enquanto as redes japonesas tendiam a serem relativamente fechadas. Já as redes que surgiram na China eram resistentes à entrada de terceiros, como as japonesas porém rápidas e flexíveis com as norte-americanas e privilegiavam atividades atribuídas a grupos familiares ou mesmo individuais, perfeitas para as relações interpessoais da sociedade chinesa. Desde 1980, com a criação das Zonas Especiais Econômicas, a China se preparara para esse resultado. No final da década, as indústrias de baixa tecnologia de Taiwan e Hong Kong se mudaram em massa para as províncias de Fujian e Guangdong, no continente. O delta do rio das Pérolas caminhava para ser a nova “oficina do mundo”, mas ainda com pouca transferência de tecnologia. Com o apoio de Deng Xiaoping, o primeiro-ministro da época, Zhao Ziyang, lançou a ousada tese da “integração da China no grande círculo internacional”. O próprio Deng efetuaria em 1992, um circuito por cidades do delta e Xangai, conclamando os magnatas da diáspora a investir na modernização da velha pátria dando início aí a grande barganha com o capitalismo global fazendo da China o suporte da produção de manufaturas de baixa tecnologia, intensivas em mão de obra, para o resto do mundo, enquanto em contrapartida oferecia à China, apoio para produção de manufaturas de alta tecnologia, intensivas em capital (OLIVEIRA, 2012, p. 92- 93). Em 1984, seguindo o processo de abertura, 14 cidades costeiras foram autorizadas a captar investimentos externos. Mesma autorização dada ano seguinte as áreas em trono dos deltas do Rio da Pérola (província de Guangdong) e do rio Yang-tsé (província de Jiangsu), e nas regiões em torno de dois dos maiores centros econômicos do país: Cantão (Guangzhou) e Xangai. Em janeiro de 1986, após uma conferência para avaliar o funcionamento das ZEEs realizada pelo Conselho de Estado, o Governo Central passou a concentrar-se na política de fomento do setor produtivo das mesmas, sobretudo do setor industrial, de forma a inverter a tendência de sua consolidação como menos entrepostos comerciais, centros de montagem e processamento de produtos de tecnologia pouco avançada e circuitos para a exportação, à revelia dos controles governamentais e em detrimento do abastecimento interno, de matérias- primas e insumos. Em 1987, a estratégia governamental buscou atrair o capital externo para o sul da Província de Fujian e, especialmente, para a ilha de Hainan92, que passaram a oferecer 92 A ilha de Hainan, por ocasião do término do VII Congresso Nacional Popular (CNP), em 1988, foi transformada na maior ZEE do País em superfície, e elevada à condição de Província. Do ponto de vista 112 condições preferenciais aos investimentos de risco. A posteriori foram anunciados abertura ao capital externo das Penínsulas de Liaodong e Jiaodong (nas Províncias de Lianoning e Shandong, respectivamente) e outras 140 cidades e municípios, incluindo as capitais provinciais de Hangzhon e Shenyang, elevando a 288 o número de cidades e municípios habilitados a atrair investimentos estrangeiros. A partir de fevereiro 1988 foi criado em Pequim a primeira zona experimental aberta a investimentos estrangeiros nas áreas de ciência e tecnologia e em Maio do mesmo ano, Fuzhou (capital da Província de Fujian) foi transformada em Zona Especial para Desenvolvimento Econômico e Tecnológico, passando a gozar de prerrogativas alfandegárias especiais. Economistas chineses comentam que, com o desenvolvimento de toda a região costeira, a RPC empreendeu a estratégia adotada pelo Japão no período pós-guerra de atrair investimentos externos para as áreas mais desenvolvidas e mais aptas a absorvê-los. (OLIVEIRA, 2003, p. 60-61). Fonte: http://www.guiageo-china.com/mapas/mapa-politico.htm estratégico, assinala-se que Hainan está situada ao longo da costa Oeste do Vietnã, com quem a RPC mantém relações bastante tensas, além de contencioso em torno da soberania sobre diversos grupos de ilhas. Ademais, sua dimensão como ZEE veio fortificar a ideia da possibilidade de “coexistência de dois sistemas” em face de Taiwan. Ver em: (OLIVEIRA, 2003. p. 60) Figura 1-Mapa Político da China 113 As ZEEs abrigaram investimentos externos por meio da formação de empresas mistas de capital estrangeiro e chinês ou de empresas integralmente estrangeiras onde as zonas especiais diferenciavam das demais do território chinês especialmente em função de sua orientação econômica de mercado, resultante de suas atividades exportadoras (cujos preços são determinados pela oferta e demanda internacionais e do tratamento preferencial atribuído às empresas que nelas atuam. Entre as prerrogativas gerais concedidas aos investidores estrangeiros nas ZEEs, Oliveira (2003) apresenta as seguintes: a) Preferências fiscais: • Imposto de renda – para as empresas, as alíquotas são de 15% sobre as receitas com isenção de sobretaxas locais; o caráter exportador das atividades desempenhadas, o valor da inversão, e o tempo previsto de operação dos projetos e seu nível tecnológico podem viabilizar reduções maiores ou isenção deste imposto; para os indivíduos, há alíquotas progressivas entre 5% sobre salários superiores a 800 yuans93 (US$ 216), estando previstos vários casos de isenção, inclusive quanto a receitas provenientes de outros países, de Hong Kong e de Macau; • Impostos sobre o uso da terra – o valor deste imposto varia segundo o caráter e a duração de cada projeto, havendo isenção para hospitais, escolas, institutos científicos e empreendimentos que envolvam tecnologia avançada; • Tarifas sobre importações/exportações – isenção de impostos sobre importação de matérias-primas, peças, equipamentos, veículos e bens para instalação de unidades produtivas; isenção ou redução de tarifas para bens de consumo, exceto fumo e álcool; as exportações também estão isentas de tributação; b) Formalidades de ingresso/saída do país – facilidades especiais foram concedidas a empresários e suas famílias, especialmente quando originários de Hong Kong e Macau; c) Remessa de divisas ao exterior – era permitida, embora existissem problemas para a obtenção das mesmas quando as receitas são decorrentes de vendas feitas no mercado doméstico (a conversabilidade da moeda local é limitada pela escassez de divisas do país). Com vistas a amenizar os efeitos do problema cambial sobre os investimentos estrangeiros, o Governo Central passou a permitir que os mesmos apliquem suas receitas em moeda local, resultantes de vendas no mercado chinês de produtos de alta tecnologia ou de substituição de 93 Ao contrário da maioria das moedas, em que o nome da moeda coincide com o da sua unidade, na China a moeda tem um nome e a unidade outro. A moeda é o Renminbi (RMB) e o Yuan é a unidade monetária. 114 importações, em outas empresas exportadoras ou receptoras de divisas. Empresas que utilizam tecnologia avançada estavam autorizadas a comprar em moeda local bens produzidos por outras empresas em operação na RPC e exportá-los, obtendo, assim, divisas passíveis de remessa exterior; d) Autonomia administrativa – as empresas que atuavam nas ZEEs dispunham de livre gerenciamento de sua produção e operação, admissão/demissão de empregados, contratação de técnicos, sendo igualmente livre a determinação do sistema de preços (exceto de algumas commodities), salários e bônus; e) Concessão de créditos – o Banco da China94 facilitava a concessão de créditos a empresas estrangeiras estabelecidas nas ZEEs. A evolução das implantações das Zonas Econômicas Especiais veio a confirmar o interesse do Governo em atrair o capital externo. Os investimentos estrangeiros foi fator prioritário no processo de modernização econômica da China. Com maior flexibilidade econômica as ZEEs representaram verdadeiras “janelas” aos investimentos estrangeiros, diferenciando-se das já existentes em outros países asiáticos, por possuírem dimensões territoriais maiores, atividades diversificadas (indústrias, agricultura, serviços) e, sobretudo, por serem importante laboratório de processo de reformas econômicas em curso no país desde 1978. Pesaram na escolha pela localização das ZEEs fatores tanto de ordem econômica quanto político-estratégicos. A região sul do país já possuía tradição histórica de abertura ao exterior, o que facilitou a receptividade local às propostas liberalizantes das atividades econômicas e no plano externo, destaca-se o interesse chinês em utilizar o grande potencial das regiões vizinhas – Hong Kong, Macau e Taiwan – quanto a investimentos e mercados, sobretudo tendo em vista a importância dos mesmos como plataformas de reexportação a terceiros países e do ponto de vista político-estratégico, tinha a 94 O sistema financeiro chinês até o início dos anos 1980 era baseado em um modelo monobancário, no qual o Banco Popular da China controlava a grande maioria dos depósitos e empréstimos do país, exercendo não só as funções de banco comercial, mas também de Banco Central. Dessa forma o sistema era totalmente controlado pelo estado, tendo sido constituído a partir da união de três grandes bancos de províncias governadas pelo PCCh, quando da vitória do partido na Revolução Popular de 1949. Durante as reformas de 1978, com a fundação de bancos especializados e o surgimento de intermediários financeiros, o sistema se tornou multibancário, permitindo que o banco comercial assumisse de forma gradual, funções exclusivas de Banco Central. A partir dos anos de 1990 a prioridade foi desenvolver o aparato regulatório do sistema por meio da criação de diversas leis e de duas comissões de regulação especializadas em títulos e seguros, com o objetivo de dar maior solvência ao sistema, entendido até então como frágil e marcado por empréstimos inadimplentes. Tais medidas também foram importantes para que a China fosse aceita na OMC em 2001. Em 2003, a criação da terceira comissão reguladora, especializada em bancos, e da lei de regulação e supervisão dos mesmos, mostraram a disposição do país a adotar os princípios fundamentais de Basileia, reforçando ainda mais seus mecanismos de regulação. Ver em: (FERREIRA; SARTI, 2013, n.p). 115 intenção firme de reintegração das mencionadas regiões vizinhas ao território nacional e a demonstração de viabilidade da coexistência de sistemas econômicos diferentes na República Popular da China (OLIVEIRA, 2003, p. 57–59). Embora as ZEEs tenham propiciado uma experiência inicial de certo êxito com o capital estrangeiro, num país com as condições específicas da RPC, esta apresentou algumas limitações onde o maior dinamismo econômico local, baseado principalmente na expansão dos setores comercial, turístico e de construção, bem como da indústria de montagem e processamento de bens de baixo valor tecnológico (voltados a atender o mercado doméstico, na categoria de bens de substituição de importação), foi igualmente acompanhado pelo surgimento de vários problemas, entre os quais: a) gastos exagerados em obras de infraestrutura; b) críticas gerais do empresariado estrangeiro (em relação aos entraves burocráticos de Pequim); c) desqualificação local para absorção de empreendimentos envolvendo tecnologia mais avançada (apenas Xiamen já possuía base urbana relativamente significativa); d) transformação das ZEEs em corredores de importação para atender a demanda doméstica; e) pressão inflacionária; f) frustrações chinesas quanto à falta de transferências tecnológicas e à insuficiência de investimentos diretos efetivos (OLIVEIRA, 2003, p. 59). 2.5.7 A acessão à Organização Mundial do Comércio (OMC) Segundo Sukup (2002), a consolidação do processo de abertura do país acontece em 2001, com a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC). Após anos de difíceis negociações com os principais parceiros internacionais, Estados Unidos e União Europeia, firma-se prévios acordos de abertura mútua das economias pondo fim ao isolacionismo chinês duas décadas depois das reformas liberais. Esse evento será de grande importância para a economia mundial: Ademais, sua adesão à OMC – simultaneamente à de Taiwan – chegou quase como uma notícia de salvação após uma série de golpes desastrosos para a globalização 116 liberal como o fiasco de Seattle95, o escândalo da Enron96, a queda da new economy97 e até os ataques de 11 de setembro e a posterior “guerra antiterrorista”. Tudo isso, conjuntamente com as simultâneas crises agudas da América Latina e do Oriente Médio, agravou sensivelmente o mal-estar econômico e as tensões políticas mundiais (SUKUP, 2002, p. 82). Após a adesão da China a OMC, de 2001 a 2007, a participação das exportações aumentou de 22,6% para 38,4% do PIB e um excedente de exportação surgiu após 2004, atingindo 7,4 do PIB em 2007 com a China tornando-se o maior exportador do mundo, superando a Alemanha após 2009. Esse modelo exportador fez com que a China acumulasse enormes reservas cambiais chegando a US$ 3,8 trilhões em 2014, dos quais aproximadamente dois terços em dólares americanos, investida em títulos do Tesouro dos Estados Unidos e o restante em outras moedas e ouro (MA; OVERBEEK, 2018, p. 91-92). Para Alves (2018), a admissão da China, em 2001, na Organização Mundial do Comércio (OMC) é um acontecimento fundamental para o desenvolvimento chinês. Quando Deng lançou as reformas econômicas, em 1978, a economia chinesa tinha apenas 5% do tamanho dos Estados Unidos, com um produto interno bruto per capita praticamente igual ao da Zâmbia. Desde então, a China experimentou um crescimento médio do PIB de cerca de 10% ao ano até 2014, elevando o PIB per capita quase 50 vezes transformando-se em 2009, o maior contribuinte para o crescimento econômico global superando a Alemanha como o maior exportador do mundo em 2010 e, o Japão em 2011 como a segunda maior economia do mundo. Tornou-se a nação mais rica do mundo em termos de reservas estrangeiras com sua 95 O fracasso da conferência da OMC em 1999 é creditado pela maioria dos governos participantes menos às manifestações antiglobalização e mais ao ressentimento dos países em desenvolvimento pelo bloqueio de suas propostas. Ver em: (BENEVIDES, 2001, n.p). 96 A Enron, companhia resultante da fusão das empresas Houston Natural Gas e InterNorth, no ano de 1985, possuia no início da sua operação a atividade de distribuição de gás natural por meio de um gasoduto interestadual nos Estados Unidos com cerca de 37 mil km de tubulações. (…) em 2001 (…) a Enron revisa suas demonstrações financeiras dos últimos cinco anos e, onde no lugar dos grandes lucros apresentados anteriormente, é apresentado um prejuízo de US$ 586 milhões. (…) A Enron nos seus 16 anos de atividade incrementou seus ativos de US$ 10 bilhões para US$ 65 bilhões e levou 24 dias para decretar sua falência. Em 2002 a Enron decretou falência, levando consigo a empresa de auditoria externa Arthur Andersen, uma das maiores empresas de auditoria do mundo. Ver em: (BONOTTO, 2010, p. 11, 14, 15). 97 A Nova Economia [NE] consiste em um conjunto de inovações institucionais, na forma de nova configuração macroeconômica, que tem como meio e motor a evolução das tecnologias da informação e comunicação. A NE é caracterizada pelo impacto de macromudanças institucionais nas esferas política, econômica e tecnológica, por toda a economia; no entanto afetam em níveis diferentes as indústrias (Argandona, 2003). A NE tem como seu principal processo de transformação as tecnologias da informação, processamento e comunicação, penetrando nos sistemas econômicos de produção, não como elemento exógeno às organizações, mas como o próprio processo em si mesmo, onde suas atividades econômicas operam e podem produzir novos produtos (Castells, 1996, p. 50). Neste sentido estudiosos da NE argumentam sobre a relevância do uso intensivo do conhecimento como o principal fator de produção que adiciona valor aos mais tradicionais fatores. Ver em: (ZANINI; LUSK; WOLFF, 2009, p. 77). 117 participação mundial crescendo de apenas 1,8% em 1978 para impressionantes 18,2% em 2017. Segundo Robert Lighthizer, representante de comércio norte-americano, em declarações ao Congresso no começo de 2018, “os Estados Unidos erraram ao apoiar a entrada na China na OMC em termos que vieram a revelar-se ineficazes para garantir que a China adotasse um regime comercial aberto e pautado pela economia de mercado”. Essas apreensões ganharam repercussões maiores com as alegações de roubo de propriedade intelectual (PI) perpetrado pela China e também por outros países, sendo avaliado em prejuízos na ordem dos US$ 225 a US$ 600 bilhões por ano a economia norte-americana. Em outra investigação apurou-se furto de informação e propriedade intelectual, através de ciberataques provenientes da China, em grande escala com objetivo de fomentar a competitividade chinesa e aceleração dos mecanismos de domínio dos mercados mundiais em relação às principais tecnologias de ponta (FRANKOPAN, 2019, p. 139-140). Naisbitt (2011), aborda da seguinte forma a questão da propriedade intelectual na China: Na década de 1980, reinava uma inocência generosa sobre a noção da propriedade intelectual. A China não revelava suas invenções ao Mundo? Afinal de contas, a pólvora, a porcelana, a seda e o macarrão jamais renderam aos chineses quaisquer dividendos. (…) Os líderes políticos chineses estão cientes da importância de um arcabouço legal sólido para os direitos de propriedade intelectual. No nível local, o cumprimento das leis necessita ser melhorado substancialmente (…) O país tem promulgado e implementado uma série de leis e estatutos que lidam com os direitos de propriedade intelectual, bem como especificações correlatas para a implementação e a interpretação legal, incluindo leis para proteger patentes, marcas registradas e copyright; estatutos para proteção de software de computador, design de layout de circuito integrado, produtos de áudio e vídeo, e novas variedades de fábricas e propriedade intelectual alfandegária; logotipos olímpicos; direitos para promulgar informações online; e regulamentações para gerir marcas especiais (NAISBITT, 2011, p. 251-252). Para Harvey (2008), as relações de comércio exterior da China se modificaram ao longo dos anos e teve na sua inclusão na OMC um fator de aceleração do crescimento econômico chinês assim como uma reconfiguração das suas relações comerciais, ele sintetiza da seguinte forma: Nos anos 1980, a China se posicionava nos mercados globais principalmente mediante produção de baixo valor adicionado, vendendo produtos têxteis, brinquedos e plásticos de baixo custo, em grandes volumes, no mercado internacional. As políticas maoístas tinham deixado o país auto-suficiente em 118 energia e em muitas matérias-primas (um dos maiores produtores mundias de algodão), e a China só precisava importar maquinário e tecnologia e ter acesso aos mercados (o que Hong Kong convenientemente proporcionava). Podia usar sua mão de obra barata para obter uma grande vantagem competitiva. O salário-hora na produção têxtil chinesa no final dos anos 1990 estava em 30 centavos do dólar, em comparação com 2,75 no México e na Coreia do Sul, enquanto os níveis de Hong Kong e Taiwan estavam perto dos 5 dólares, e dos Estados Unidos acima de 10 dólares. Mas a produção chinesa era nos estágios inicias deveras subserviente aos comerciantes taiwaneses e de Hong Kong, que dominam o acesso aos mercados globais, ficavam com a parte do leão dos lucros comerciais e obtinham integração reserva na produção ao controlara EPEs e ECVs ou investir nelas. No delta do rio Pérola não são incomuns instalações de produção com 40 mil trabalhadores. Além disso, a baixa remuneração torna possível a introdução de inovações que reduzem o uso de capital. As fábricas norte-americanas altamente produtivas usam dispendiosos sistemas automatizados, mas “as fábricas chinesas revertem esse processo retirando capital do processo de produção e reintroduzindo um papel mais amplo para o trabalho”. O volume total de capital necessário costuma se reduzir em um terço. “A combinação de salários mais baixos e menos capital tipicamente eleva o retorno sobre o capital acima dos níveis das fábricas norte-americanas (HARVEY, 2008, p.149). A entrada do Império do Meio na OMC não é uma conversão ao capitalismo liberal e sim, um compromisso que reforça e consolida as novas correntes de exportação e aporte de investimentos externos direto na China dinamizando sua economia (SUKUP, 2002, p. 83). 2.5.8 O papel dos Investimentos Estrangeiros Diretos na China Criou-se na China uma das mais avançadas legislações econômicas em constante reformulação facilitando a atração de capitais e geração de um ambiente favorável para investimentos produtivos e o desenvolvimento dos negócios. Os investimentos deveriam realizar-se sob a forma de joint ventures entre a empresa estrangeira e uma empresa chinesa, em geral alguma estatal, incorporar novas ou altas tecnologias aumentando a musculatura de suas empresas nacionais, estar totalmente voltados para a exportação, e obedecer às necessidades de adensamento das cadeias produtivas do país, estipuladas num guia revisto anualmente pelo governo. Ao mesmo tempo, a China ingressava no mercado internacional através da parte estrangeira, ganhando experiência para competir no mundo globalizado. Ou seja, muito mais do que o capital-dinheiro, o que os investimentos estrangeiros realmente deram como contribuição para o salto produtivo da China foi o capital tecnologia e o mercado global, evitando que ela investisse anos de trabalho na reinvenção da roda e na abertura de mercados (HARVEY, 2009, p. 44). 119 Após o processo de abertura iniciado em 1978, a China pautou-se pelo financiamento ancorado na sua poupança interna. As famílias e empresas chinesas poupam anualmente mais de 40% do PIB, por motivações circunstanciais da estrutura econômica chinesa98. Com mercado financeiro ainda incipiente, muitas empresas locais tendem a poupar grande parte de seus lucros uma vez que não se apresentam opções financeiras tão robustas quanto em outros países e as famílias tendem a poupar para se ter uma garantia futura uma vez que a rede de seguridade social no país ainda tem lá suas deficiências. No desenvolvimento baseado no modelo soviético, a unidade de produção, serviço público ou grande indústria estatal, era provedora de todos os benefícios sociais cabíveis ao trabalhador. Da saúde, moradia, educação à aposentadoria, as chamadas danwei se responsabilizavam pelo bem-estar social que tinha prioridade quanto a geração de lucros, e os bancos estatais atuavam como provedores de liquidez para entidades que, em outras circunstâncias, seriam em sua maioria insolventes. Esse sistema estabelecido se deteriorou com a implementação dos novos modelos de gestão econômica com o processo de abertura com as fábricas de modelo soviético simplesmente sendo abandonadas em regiões como o Nordeste chinês com a função exercidas pelas mesmas até então caindo num vácuo de responsabilidades e os trabalhadores ativos e aposentados dessas unidades ficando abandonados à própria sorte ou quando muito recebendo auxílios insuficientes do Estado aumentando com essas incertezas a poupança das famílias como garantia de sobrevivência num futuro incerto. A utilização dessa poupança garantiu o desenvolvimento da China, especialmente na faixa litorânea, no intervalo de apenas uma geração com o mínimo endividamento público e construção de uma infraestrutura a nível dos países desenvolvidos dando o tom da competitividade industrial do país (AMORIM, 2012, p. 115). O comércio exterior respondia por apenas 7% do PIB da China em 1978 disparando para 40% no começo dos anos 1990 e desde então não saindo desse nível. A participação no comércio mundial quadruplicou nesse mesmo período sendo que por volta de 2002 mais de 40% do PIB do país vinha de investimento externo direto transformando a China no maior destino de IED do mundo em desenvolvimento levando a empresas estrangeiras explorar o 98 O suprimento de dinheiro na economia é bem acima do dobro do produto interno bruto anual. Isso significa que os bancos muitas vezes têm mais depósitos que tomadores de empréstimos, e portanto são menos vigilantes quanto a retirar empréstimos suspeitos. Na China, a precipitação de uma falência com a retirada dos empréstimos de uma companhia insolvente é contra o interesse dos bancos. No efeito dominó, fornecedores dessa companhia seriam afetados, o desemprego aumentaria, haveria queda no consumo comprometendo a estabilidade social. É melhor apostar numa virada do mercado que provocar um colapso no sistema inteiro. Ver em: (KYNGE, 2007, p. 89, 90). 120 mercado chinês com lucro. Os primeiros movimentos de abertura ao exterior foram hesitantes restringindo-os a Guangdong, porém, a partir de 1987 percebendo o sucesso dessa experiência, aceitou-se o crescimento baseado nas exportações e após uma “viagem ao sul99” de Deng Xiaoping, em 1992, o governo central aplicou sua plena força em favor da abertura do comércio externo e ao investimento direto. Em 1994 acontece uma desvalorização da moeda, a taxa cambial dual (oficial e de mercado) foi abolida mediante desvalorização de 50% da taxa oficial permitindo crescimento comercial e fluxos de capital dinamizando a economia chinesa (HARVEY, 2008, p. 146-147). Para Jabbour (2012), uma análise equivocada se faz sobre o desenvolvimento chinês ser fruto quase que exclusivamente de uma bem-sucedida transição ao capitalismo: O “processo histórico” corroboraria com essa tendência: transição de uma estrutura econômica centralmente planificada para outra baseada nas leis econômicas mercantis, autonomia comercial aos camponeses, gradual liberalização dos preços de produtos agrícolas e dos meios de produção, surgimento das ECPs, privatização de milhares de estatais na década de 1990, legalização da propriedade privada, permissão para “capitalistas” se filiarem ao PCCh etc. Quase nenhuma atenção é dada ao caráter estatal do sistema financeiro, do solo urbano e rural e do controle estatal sobre os instrumentos cruciais do processo de acumulação. Outra ideia mais moderada diz respeito à característica mista da economia chinesa, também em essência equivocada, na medida em que não toca em características de fundo da própria superestrutura do país nem no fato de que mais de 80% das empresas chinesas associadas a empresas estrangeiras sob a forma de joint ventures serem de propriedade estatal, o que serve de corredor às estatais para internalização de formas modernas de administração e de tecnologias ocidentais e mesmo orientais (japonesas, por exemplo) (JABBOUR, 2012, p. 235). O fluxo inicial de investimentos externos recebidos pela China teve foco na área de manufaturas e construção civil. Demanda reprimida de bens de consumo duráveis e não duráveis, com setor industrial incipiente e a vontade política do governo chinês em priorizar o acesso a bens e serviços à população justificaria esse destino prioritário. Já o setor da construção civil que traz consigo uma demanda enorme de mão de obra se beneficiara da também enorme disponibilidade desse recurso no país. A partir dos anos 1990, gradualmente, o capital começa a diversificar atendendo o segmento de serviços, em especial, os subsetores de comunicação, transporte e financeiro. A entrada de capital estrangeiro para a China 99 Deng, no início de 1992, emergiu da aposentadoria para seu último grande gesto público, uma “viagem de inspeção” pelo sul da China para urgir o prosseguimento da liberalização econômica. Deng, aos 87 anos de idade, partiu com sua filha Deng Nang e vários colegas próximos numa viagem por centros econômicos do sul da China, incluindo as ZEEs Shezhen e Zhuhai. Foi uma cruzada pela reforma em prol do “socialismo com características chinesas” acenando para os mercados, o investimento estrangeiro e apelo à iniciativa individual. Ver em: (KISSINGER, 2011. p. 425). 121 trouxeram alguns benefícios, a começar pela modernização dos equipamentos industriais passando pela disseminação de técnicas inovadoras de produção e aprimoramento do setor de produção de bens para exportação. Nota-se uma clara relação entre a entrada de capital estrangeiro e o aumento de investimentos em pesquisa e desenvolvimento afetando positivamente o desempenho das empresas chinesas que tem como consequência a mudança gradual do perfil da produção chinesa. O made in China caracterizado por produtos de baixa qualidade dá lugar aos produtos agregados de valor tecnológico, os agora, developed in China (LEITE, 2018, p. 271-272). Decisões essenciais ratificadas em congressos do PCCh estabeleceram bases para cada passo da jornada da reforma e é improvável que se tivesse tolerado a reconstituição ativa do poder de classe capitalista em seu âmbito. Com precisão pode-se dizer que a China não seguiu a estratégia de “terapia de choque” da privatização instantânea que fora mais tarde impingida à Rússia e à Europa Central pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelo “Consenso de Washington”100 nos anos 1990 conseguindo evitar os desastres econômicos que assolaram esses países seguindo seu próprio caminho peculiar rumo ao “socialismo com características chinesas”, ou como alguns o preferem denominar agora, “privatização com características chinesas” conseguindo construir uma forma de economia de mercado manipulada pelo Estado produzindo um espetacular crescimento econômico e padrões de vida em ascensão para uma ponderável parcela de sua população. O Partido acolheu as reformas econômicas a fim de reunir recursos e atualizar sua capacidade tecnológica para melhor capacitar-se a administrar a dissenção interna, defender-se melhor de agressões externas e projetar seu poder externamente em sua esfera geopolítica imediata de interesse num Leste e num Sudeste asiáticos em rápido desenvolvimento. Além disso, o caminho de desenvolvimento realmente seguido parece adequado à meta de evitar a formação de todo e qualquer bloco coerente de poder de classe capitalista. A forte ênfase no investimento externo direto manteve fora do país o poder da 100 Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob o título "Latin American Adjustment: How Much Has Happened?", era proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região. Para relatara experiência de seus países também estiveram presentes diversos economistas latino-americanos. Às conclusões dessa reunião é que se daria, subsequentemente, a denominação informal de "Consenso de Washington". Numa avaliação feita em conjunto por funcionários das diversas entidades norte-americanas ou internacionais envolvidos com a América Latina, registrou-se amplo consenso sobre a excelência das reformas iniciadas ou realizadas na região, exceção feita, até aquele momento, ao Brasil e Peru. Ratificou-se, portanto, a proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha insistentemente recomendando, por meio das referidas entidades, como condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral. Ver em (BATISTA, 1994 p. 5-6). 122 propriedade por uma classe capitalista, tornando-a mais fácil de controlar pelo Estado. As barreiras criadas ao investimento externo de portfólio limitam efetivamente o poder do capital financeiro internacional sobre o Estado chinês. A relutância em permitir formas de intermediação financeira que não os bancos estatais – como mercados de ações e mercados de capitais – priva o capital de uma de suas principais armas com relação ao poder do Estado (HARVEY, 2008, p. 133-134). Para Chen (2012), o Consenso de Washington tinha como ideia central que o livre- mercado a tudo poderia estabelecendo que o papel do governo se resumiria a construção de infraestrutura e proteção aos direitos de propriedade. Uma vez efetuadas as privatizações, os incentivos do mercado orientados pelos preços liberalizados chegariam a um resultado social ideal. Liberalizados, comércio e câmbio, o resultado é um fluxo livre de investimento externo direto, conhecimento e tecnologia dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. O problema é que qualquer chinês confuciano desde menino sabe que os recursos naturais são escassos, o meio ambiente é complicado e o desafio externo é uma constante. Há de se preparar para as dificuldades, compartilhar os recursos limitados com os familiares, vizinhos e amigos colando o interesse público à frente da família e dos indivíduos para sobreviver. A liberdade relativiza-se de acordo com o seu potencial de renda e não será o pensamento positivo vindo do céu ou presentes aleatórios advindos não se sabem de onde que farão com que as pessoas rompam seus níveis de pobreza e sim o aprendizado meticuloso e o investimento familiar em educação. Durante a década de 1980, ficou claro que boa parte da taxa de crescimento da China não se devia ao setor das Empresas de Propriedade do Estado e assim, em 1993, o Estado decidiu transformar as empresas estatais de médio e grande porte visadas em empresas públicas de responsabilidade limitada ou empresas por ações. As primeiras teriam de dois a cinquenta acionistas, e as segundas mais de cinquenta acionistas e poderiam fazer ofertas públicas. Um ano mais tarde, anunciou-se um programa de corporatização onde todos os trabalhadores tinham o direito nominal de adquirir cotas. Deram-se mais passos no sentido da privatização/conversão das EPEs no final dos anos 1990, de modo que em 2002 estas davam conta de apenas 14% do total de empregos na manufatura, quando em 1990 sua parcela alcançava 40% e abriu-se as Empresas de Cidades e Vilas e Empresas de Propriedade do Estado à propriedade estrangeira plena. O investimento externo direto variou nos anos 1980, canalizado de início para quatro zonas econômicas especiais nas regiões costeiras do sul da 123 China que tinham o objetivo inicial de produzir bens para exportação a fim de acumular divisas agindo ainda como laboratórios econômicos e sócias em que se podiam observar tecnologias e capacidades gerenciais estrangeiras oferecendo uma ampla gama de incentivos aos investidores, incluindo isenções de impostos, pronta remessa de lucros e melhor infraestrutura. Mas os primeiros esforços de empresas externas para colonizar o mercado doméstico chinês em áreas como automóveis e bens manufaturados não deram bons resultados. Enquanto a Volkswagen e a Ford (mal) sobreviviam, a General Motors fracassou no começo dos anos 1990. Os únicos setores em que se registraram claros sucessos iniciais foram os setores exportadores de trabalho intensivo. A partir de 1995, o governo abriu virtualmente todo o país ao investimento direto de qualquer tipo. A onda de falências que atingiu algumas ECVs no setor manufatureiro em 1997-98, e que acabou por repercutir em muitas EPEs nos principais centros urbanos, veio a ser um ponto de ruptura (HARVEY, 2012, p. 140-141). Ao contrário do que aconteceu na América Latina e na União Soviética, a reestruturação das empresas públicas chinesas fortaleceu o Estado criando grandes conglomerados produtivos, modernos e altamente competitivos internacionalmente. Exemplos não faltam como a LENOVO, a AVIC, a BAOSTEEL, a WUHAN IRON & STEEL, a HUAWEI, a CHINA MOBILE, a PETROCHINA, a AIER, a TCL e a CHERY dentre outros grupos chineses que estão consolidados como grandes e dinâmicas empresas multinacionais (PIRES, 2011, p. 7-8). O investimento estrangeiro direto (IED) na China passou de US$ 80 mil em 1979 para US$ 12,1 bilhões em 1984, ano em que foi registrado o maior PIB da história recente da China. Com esse fluxo de recursos financeiros, o Estado sustentou a industrialização sem fazer dívida e impôs condições às multinacionais que ingressassem no país. Exigia que o capital estrangeiro se associasse a alguma empresa nacional, estatal ou coletiva para absorver novas tecnologias bem como fosse garantido de que toda a produção fosse voltada para o mercado externo. Essa linha de atuação também fez parte do programa voltado aos setores científico e tecnológico, com o aporte dos processos utilizados pelas empresas estrangeiras que instalaram suas unidades em território chinês. Os bens de valor agregado produzidos em solo chinês deveriam ser destinados ao consumo em outros países. Dessa forma, o aumento nas vendas externas foi de 7.495% entre 1979 e 2007. Em termos percentuais de 9% para 40% do PIB (MARQUES, 2009, p. 52-53). 124 Para Jabbour (2006), a forma com que o governo chinês trata os IEDs demonstram que estes sãos os meios para o adensamento produtivo da China, gerando aumento de valor agregado na indústria do país, clarificado com o aumento das exportações chinesas de produtos considerados de ponta e prossegue: Na China os IEDs são enquadrados como meio para uma estratégia de desenvolvimento que envolve também objetivos políticos de grande alcance. Os enquadramentos institucionais para a atração de IEDs estiveram voltados durante a década de 1980 e parte da de 1990 para a atração destes às chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) sob a forma de joint ventures entre empresas estatais chinesas e empresas estrangeiras. Aqui, surge a primeira diferença: o capital estrangeiro como janela de investimentos e ponte para aquisição de novas tecnologias (JABBOUR, 2006, pág. 39). Bom ressaltar que cerca de 75% dos investimentos diretos são dos próprios chineses, os de além-mar. O senso de nacionalidade do chinês teve um papel de grande destaque no crescimento da China. Em geral, o chinês sente-se chinês fora da China, ou independentemente do passaporte que porta. Dos US$ 367 bilhões de investimentos diretos, feitos por estrangeiros na China, até 1995, US$ 212 bilhões foram de Hong Kong e US$ 29 bilhões foram de taiwaneses (TANG, 2015, p. 56-57). 2.5.9 O regime cambial chinês no período pós reformas A China tirou partido da globalização aproveitando o comércio internacional para expandir suas exportações. Mantendo sua moeda relativamente desvalorizada, usando-a como instrumento de política industrial e de compensação das defasagens tecnológicas. Transformou-se em grande plataforma de exportação acumulando grandes reservas internacionais, e se prevenindo contra as crises financeiras globais (HARVEY, 2009, p. 39). O Estado chinês combina o planejamento macroeconômico e macro-social com as demandas mercantis, utilizando-se principalmente de instrumentos econômicos, como as estatais, para direcionar o mercado no processo de desenvolvimento, e evitar desvios e crises cíclicas. E, da mesma forma que o FED, Federal Reserve Board (Sistema de Rererva Federal) americano utiliza as taxas de juros e a emissão do dólar como instrumento de estímulo de investimentos e contenção da inflação interna, o Banco Central chinês utiliza os juros e o câmbio como instrumentos de política industrial (POMAR, 2009, p. 45-46). 125 O fator câmbio – ao lado das escalas de produção, e principalmente o tamanho do mercado interno – é importante para elucidar a relação entre crescimento econômico e comércio internacional (JABBOUR, 2006, p. 33). O segredo dos países asiáticos dinâmicos foi sua autonomia nacional, foi sua estratégia nacional baseada em taxas de câmbio competitivas e na industrialização. Esses países ignoraram a hegemonia neoliberal ocorrida a partir de 1980 em todo o mundo e continuaram a neutralizar a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio neles existente (na verdade, existente em todos os países em desenvolvimento) e, assim puderam aproveitar sua mão de obra barata para exportar bens manufaturados e serviços de informática cada vez mais sofisticados (BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 9) Para Belluzzo (2018) (apud ANDERSON, 2018, p. 19), a China administrou uma taxa de câmbio real competitiva a partir de um controle de capitais sustentado pela oferta de crédito predominantemente pelos bancos estatais que mantiveram juros baixos, fator essencial no financiamento de um enorme programa de investimento em infraestrutura, promovendo inclusão tecnológica com obtenção de excepcionais ganhos de escala. O regime inicial, que vigora de 1981 até 1984, tinha duas taxas de câmbio na China: a oficial e a secundária, a oficial depreciou gradualmente sob um sistema de "flutuação gerenciada", enquanto a secundária era fixada a uma taxa mais depreciada e era utilizada para acertos de pagamentos entre as empresas de comércio exterior e seus fornecedores. Em 1985 essa taxa secundária foi abolida e a taxa oficial foi adotada para todas as transações cambiais. Entretanto o sistema dual de câmbio reaparece no final de 1986 com o estabelecimento do Foreign Exchange Adjustment or ''Swap" Centers (FEACs). Nesse momento a taxa oficial administrada passa a ser usada para o comércio internacional e outras transações externas. Uma segunda taxa de câmbio, mais depreciada e determinada pelas FEACs, pode ser utilizada pelas empresas para comprar e vender moedas estrangeiras, assim como para reter quotas que podem ser utilizadas para aquisição de moeda estrangeira, à taxa oficial, para financiar transações comerciais que não estão incluídas no plano. Em abril um sistema de flutuação controlada é adotado. Dessa maneira a taxa de câmbio oficial administrada passa a ser ajustada com maior frequência através de mudanças pequenas e periódicas baseadas em diversos fatores: (i) desenvolvimento na balança de pagamentos; (ii) desenvolvimento nos mercados cambiais; (iii) desenvolvimento das FEACs; e (iv) mudanças na estrutura de custos das atividades que geram entradas de reservas internacionais. Apesar de terem ocorrido 126 ajustes para ambas as direções, a tendência geral foi de depreciação da moeda chinesa (LIMA, 2011, p. 15-16). A moeda chinesa está atrelada ao dólar dos Estados Unidos101. Não importa o que aconteça com o dólar, o yuan vai junto. A China é o único país de comércio internacional significativo que atrela sua moeda ao dólar. Faz isso obrigando a que qualquer conversão do yuan em outra moeda seja feita à taxa oficial e por meio de um banco controlado pelo Estado. É o que garante a competitividade do produto chinês de exportação. Mesmo diante da desvalorização do dólar no câmbio internacional, a produção não fica mais cara em dólares pois sua cotação não muda. Desde 1997, a China tem mantido uma taxa de câmbio fixo com sua moeda sempre desvalorizada em relação ao dólar. Antes que Richard Nixon desvinculasse o dólar, no início de 1970102, as principais moedas do mundo tinham taxas fixas de câmbio umas com relação às demais. No centro do sistema estavam o ouro e o dólar norte-americano e os países podiam trocar os dólares acumulados em suas transações comerciais, apresentando-os ao Banco Central dos Estados Unidos trocando-os por ouro, que era vendido a uma taxa fixa. Na época era ilegal para os norte-americanos possuir ouro em espécie e em grande quantidade, e os grandes estoques de ouro do país eram mantidos somente pelo governo, que comprava e vendia a um preço oficial estabelecido pelo antigo sistema internacional de câmbio. Outros países, sobretudo da Ásia, como a Coreia do Sul e o Japão, igualmente dependentes em grande parte das exportações para seu crescimento econômico, também intervêm agressivamente nos mercados mundiais de câmbio. Agem quando suas moedas se apreciam em relação ao dólar, a um ponto suficiente para prejudicar sua capacidade de exportar. Esses países influem nos mercados de câmbio utilizando o poder de suas enormes reservas de divisas, comprando ou vendendo moedas na esperança de influir sobre agentes internacionais de câmbio. Porém, somente conseguem influir nas taxas, e não controlá-las (FISHMAN, 2006, p. 283). 101 Em agosto de 2015, a China modificou as regras para determinar o valor do renminbi, passando a considerar também as forças de mercado num sinal de uma maior abertura econômica. Essa alteração levou à desvalorização recorde da moeda chinesa, que trouxe muitos alvoroços à economia internacional. Contudo, é preciso entender esse fator não como um ponto de fragilidade da economia chinesa, mas sim uma estratégia para uma maior abertura econômica e ampliação do uso de sua moeda internacionalmente. Ver em: (MARTINS, 2018, p. 244). 102 Em 1973 o sistema de paridades fixas, mas ajustáveis, de Bretton Woods foi substituído por um sistema de flutuações sujas. Os Estados Unidos não foram capazes de sustentar a posição do dólar como moeda-padrão, na medida em que uma oferta “excessiva” de dólares brotava do desequilíbrio crescente do balanço de pagamentos, agora sob a pressão de um déficit comercial. Ver em: (BELLUZZO, 1995, p. 14). 127 Na China, os dólares desempenham a função anteriormente reservada ao ouro nos Estados Unidos e em outros países que aderiam ao padrão ouro. O Banco central chinês é o guardião de quase todos os dólares existentes no país. Os dólares se acumulam nas contas do governo à medida que as empresas chinesas que ganharam com sua vendas externas trocam seus dólares por yuan, ou quando os investidores estrangeiros trazem dólares ao país a fim de comprar empresas ou propriedades. Para controle de sua moeda e impedir o surgimento de um grande mercado negro, a China oferece a suas empresas e cidadãos um incentivo para entregar seus dólares aos banqueiros governamentais: o governo paga mais caro pelos dólares, devolvendo maior quantidade de moeda chinesa em troca da moeda norte-americana que faria um comprador do mercado livre caso o yuan não fosse controlado (ibdem, p. 284). Quando sucedeu uma crise financeira internacional na Ásia no final da década de 1990 e as moedas da Coreia, Indonésia e Tailândia entraram em colapso, a China, que poderia ter desvalorizado a sua, manteve a paridade com o dólar e estabilizou uma situação de grande volatilidade. A China precisa desenvolver-se a fim de libertar seu povo da pobreza e isso depende de uma moeda que ofereça preços convidativos para sua economia (ibdem, p. 284). Jabbour (2006, p.48) destaca outra característica importante no processo de expansão chinesa: (...) a liberalização de acesso a investimentos externos anteriores à liberalização das importações. Esta política foi induzida por uma dupla política fiscal (dual track policy) e de preços que na ponta do processo servia notoriamente para a proteção de inúmeras empresas estatais que ainda não dispunham de condições para concorrer com empresas estrangeiras instaladas na China. Na crise asiática de 1997, a China demonstrou sua estabilidade monetária, ela foi a única nação asiática a não desvalorizar sua moeda à época. A China sacrificou-se com objetivo claro de manutenção da estabilidade regional, e mesmo a mundial. Apesar disso, a economia chinesa cresceu 8,8% naquele ano (TANG, 2015, p. 45-46). Logo que passará a crise em 1997, quando o FMI forçou a Coreia do Sul a liberalizar sua conta capital em meio à crise financeira asiática e uma onda de capital estrangeiro assumiu o controle das principais empresas e bancos coreanos, ações das dez maiores empresas coreanas nas mãos estrangeiras que representavam menos de 5% passaram a mais de 50%, motivo principal dos países asiáticos, incluindo Coreia, o Japão e os países da ANSA (Associação das Nações do Sudeste Asiático), tornarem-se não rivais, mas grandes parceiros econômicos dos chineses na globalização liderada pelos norte-americanos. Como ensinara 128 Confúcio, você faz amigos conquistando a confiança das pessoas, e não tomando seus bens quando elas estão frágeis (CHEN, 2012, p. 193). Após a crise de 1997, os países mais afetados promoveram fortes desvalorizações em suas moedas contribuindo para queda dos preços de suas mercadorias. Esse fenômeno acabou por sustentar o consumo das famílias norte-americanas ancoradas pelo crédito fácil uma vez que os salários se encontravam estagnados. Uma vez estabilizado o cenário econômico a partir de 1999, os tigres asiáticos registraram enormes superávits comerciais e rápida acumulação de reservas em temor a novas crises. Com o Japão em dificuldades que se arrastam até os dias atuais ascendeu desse contexto a China que em poucas décadas conseguiu se transformar numa potência econômica mundial (BELLUZZO, 2018 apud ANDERSON, 2018, p. 14). A manutenção do câmbio desvalorizado foi essencial para estimular as exportações. Em 1982, a taxa de câmbio foi desvalorizada de 1,5 para 2,8 remimbis por dólar. Após desvalorizações sucessivas em 1995 a taxa cambial flutuava em torno de 8,3 remimbis por dólar. Assim, segundo estimativas do FMI, a moeda chinesa teria perdido, entre 1980 e 1995, 70% do seu valor. A despeito de pressões internacionais e da acumulação de superávits comerciais, as lideranças chinesas insistiram em manter o câmbio desvalorizado, dado que consideravam a promoção das exportações um componente essencial de uma estratégia de crescimento e de redução da pobreza. Apenas a partir de 2005, em face das pressões inflacionárias acarretadas pela forte acumulação de reservas, o governo passou a deixar a moeda se valorizar, e em ritmo gradual103. Como consequência, as exportações, entre 1984 e 1995, cresceram 17% ao ano, passando de US$ 27 bilhões para US$ 148,8 bilhões. A participação do comércio exterior no PIB, que era de apenas 10% em 1978, atingiu 44% em 1995. O crescimento continuou nos anos 90, com as exportações atingindo US$ 266 bilhões em 2001. Após a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), houve nova aceleração, de forma que, em 2007, a China exportava US$ 1,2 trilhão, tendo acumulado reservas de US$ 1,5 trilhão (GUIMARÃES, 2009, p. 10). 103 Na sexta-feira, o Banco do Povo da China (banco central) divulgou relatório de política monetária trimestral no qual afirma que ampliará o papel da taxa de câmbio no ajuste do balanço de pagamentos e no controle da inflação. Segundo o texto, o banco “precisa usar com cautela o instrumento dos juros para controlar a expansão da demanda e estabilizar as expectativas inflacionárias”. O enorme fluxo de dólares para o país provocou uma situação que os economistas classificam de descontrole monetário. Como a cotação do yuan é definida pelo governo, o banco central tem de comprar os dólares excedentes para evitar que elevem o valor da moeda local. Para isso, são emitidos yuans, o que aumenta a quantidade de dinheiro em circulação, a chamada base monetária. O banco lança títulos para retirar yuans de circulação, mas essas operações não têm sido suficientes para evitar o aumento da liquidez. Ver em: (AGÊNCIA ESTADO, 2002, n.p). 129 Para Cunha (2008a), nestas últimas três décadas, a gestão macroeconômica da China guardou relação estreita, e de subordinação à sua estratégia de crescimento de longo prazo destacando-se na gestão cambial e dos fluxos financeiros: No que tange ao primeiro elemento, o país tem procurado manter uma taxa de câmbio competitiva, o que se traduz pelas maciças intervenções no mercado cambial. Ao contrário das expectativas e pressões de analistas e policymakers estadunidenses, a acumulação de reservas ganhou fôlego redobrado depois da mudança de regime cambial de 2005, quando o yuan passou a flutuar com respeito a uma cesta de moedas24. A valorização acumulada de cerca de 10% frente ao dólar vem sendo controlada, ou melhor, contém-se a tendência de uma valorização do yuan renminbi, que seria um imperativo caso a taxa de câmbio fosse determinada livremente nos mercados privados. Por outro lado, no que refere aos fluxos de capitais, pode-se perceber uma inflexão liberalizante que, todavia, vem sendo moldada de forma a atender os interesses estratégicos mais gerais (CUNHA, 2008a, p. 13). Fonte: https://www.ceicdata.com/pt/indicator/china/exchange-rate-against-usd Jabbour (2012, p. 214) ainda salienta que países com projetos nacionais sólidos como a China, Índia e Vietnã têm obtido taxas contínuas de crescimento ao longo dos anos baseadas em uma política cambial administrada. O setor da economia em que deve recair, em primeira instância, o processo de estatização e planificação, é o comércio exterior, condição sine qua non para o desenvolvimento em um país periférico, institucionalizado seja pela adoção de uma taxa de câmbio administrada pelo Estado, seja (também) pela promulgação de regulamentos que visam ao controle de entrada e saída de capitais. É pela ação estatal direta sobre o comércio exterior que se poderão liberar energias para o desenvolvimento das forças produtivas pela via Gráfico 2- Taxas de câmbio chinesas (yuan/dólar) de 01/1957 à 09/2018 130 de simples substituição de importações seguida da fusão entre o setor industrial e o sistema bancário dotando o país de condições financeiras para entrar no mercado internacional de novas e novíssimas tecnologias (JABBOUR, 2012, p. 195-196). Os Estados Unidos utilizou seus déficits comerciais com os chineses para manter a inflação baixa e dar sustentabilidade a seu crescimento baseado em consumo das famílias tendo a China, enquanto maior compradora de títulos norte-americanos, como o maior financiador do seu modelo de crescimento econômico baseado no consumo. Enquanto isso, fez reserva estratégica de seus estoques. É claro a existência de desequilíbrios gigantescos na ordem econômica mundial. Entretanto, esses estão muito mais associados ao nível de subsídio que é dado ao consumo nos Estados Unidos e na hipertrofia do sistema financeiro global do que na política cambial promovida pela China. Foram os bancos norte-americanos que “quebraram” e levaram o mundo juntos a bancarrota e não o “frágil” sistema financeiro chinês (JABBOUR, 2012, p. 273). Fonte: https://infograficos.oglobo.globo.com/economia/os-credores-da-divida-americana.html As mudanças nos preços sempre foram precursoras das transformações econômicas, políticas e sociais que estão por vir104. Atualmente, a China exporta a deflação em produtos 104 O período de 1873 a 1900 é conhecido como a era da “explosão deflacionária” por que os preços dos itens agrícolas e manufaturados caíram em praticamente todos os Estados Unidos. A abertura das pradarias à agricultura fez com que o preço dos grãos caíssem em todo o mundo desenvolvido, agitando a Europa, o esvaziando os campos e causando uma crise nas classes dos donos de terra britânicos reverberando ao longo Gráfico 3- Credores da dívida pública americana 131 manufaturados, e os norte-americanos e os europeus gradualmente vivem com a ajuda da abundância de produtos made in China. Isso parece agora, como antes, ser um sinal inequívoco do início de novos tempos e de uma reconfiguração na distribuição geopolítica do poder (KYNGE, 2007, p. 102-103). Nos mercados financeiros internacionais, as moedas nacionais, tal como qualquer outra mercadoria, estão sujeitas a flutuações baseadas nos fundamentos subjacentes das economias que representam, e as explosões e recessos que resultam das especulações dos comerciantes de divisas do mundo. Em geral, quando a demanda de produtos de um país cresce em termos globais, o mesmo ocorre com o valor de sua moeda105. Do ponto de vista norte-americano, poderia parecer que a demanda mundial de produtos chineses é muito maior que a demanda chinesa por produtos do resto do mundo e não é o caso. O valor das exportações da China é mais ou menos igual ao de suas importações (FISHMAN, 2006, p. 287). Fonte: http://ricardogallo.ig.com.br/index.php/2010/06/10/exportacoes-da-china-melhoram-bem-em-maio/ do século XX. Reordenamentos parecidos aconteceram na indústria quando a tecnologia do aço chegou aos Estados Unidos. De 1872 até 1898, os preços do aço caíram 80% nos Estados Unidos causando dificuldades para indústria britânica no ajuste a queda no preço dos produtos manufaturados e muitas companhias faliram. De 1875 até 1896 os preços britânicos caíram numa média de 0,8% por ano. Ver em: (KYNGE, 2007, p. 102-103). 105 A moeda de um país, assim como as demais mercadorias, existe em quantidades limitadas, e quando os compradores mundiais a procuram, a fim de comprar os produtos vendidos por esse país, têm de usar as moedas de outros países. Se a demanda é forte, os compradores têm de entregar maior quantidade da moeda que possuem a fim de obter menor quantidade daquela que desejam. Ver em: (FISHMAN, 2006, p. 287). Gráfico 4: China - Exportações e Importações 132 No que se refere à demanda, portanto, a moeda chinesa pareceria sofrer pouca pressão para valorizar-se, a não ser pelo fato de que cidadãos privados estão levando dinheiro estrangeiro para a China a fim de adquirir ativos locais, tendência que se reflete nas enormes reservas chinesas de dólares norte-americanos. Se a China simplesmente gastasse seus dólares, poderia inundar o mercado mundial com dinheiro norte-americano e rapidamente abaixar o valor do dólar. Mas a China não tem interesse em reduzir o valor do dólar e em vez de vender seus dólares, empresta-os aos Estados Unidos por meio da compra de títulos do Tesouro desse país106. As taxas de juros baixas nos Estados Unidos acabam determinando a maneira pela qual os bancos chineses empresas arrastando pra baixo suas taxas domésticas levando à supercapacidade em praticamente tudo o que suas indústrias produzem e a um mercado imobiliário altamente especulativo. O atrelamento do yuan ao dólar repercute no mundo todo. Quando o euro sobe com relação ao dólar, os produtos chineses ficam mais baratos para os europeus, e os investimentos na China se tornam mais atraentes para os europeus. Quando a elevada demanda chinesa eleva os preços das matérias-primas, os norte- americanos que as compram sentem o aperto, assim como os chineses, mas quando o euro cai com relação ao conjunto dólar-yuan, os europeus ficam apertados. Os chineses precisam de uma moeda barata a fim de manter o ritmo das exportações e criação de empregos, em contrapartida, o povo chinês indiretamente subsidia a insaciável fome de consumo dos norte- americanos ao investir em seus títulos da dívida pública. O Japão também é um grande credor dos Estados Unidos. Grande parte do resto do mundo igualmente participa (ibdem, p. 287- 290). Tabela 2.5 - Lista dos maiores credores de títulos da dívida pública dos Estados Unidos País Janeiro de 2017 Janeiro de 2018 Percentual da dívida China US$ 1,05 trilhão US$ 1,16 trilhão 18,7% Japão US$ 1,10 trilhão US$ 1,00 trilhão 17,0% Irlanda US$ 293,70 bilhões US$ 327,50 bilhões 5,2% Brasil US$ 257,70 bilhões US$ 265,70 bilhões 4,2% Suiça US$ 224,00 bilhões US$ 251,10 bilhões 4,0% Reino Unido US$ 214,10 bilhões US$ 243,30 bilhões 3,9% Ilhas Cayman US$ 254,30 bilhões US$ 241,90 bilhões 3,9% Luxemburgo US$ 218,80 bilhões US$ 220,90 bilhões 3,5% 106 As fortes compras de títulos do Tesouro dos Estados Unidos por parte da China e outras formas de papéis das dívidas pública e privada (papéis por exemplo de empresas que compram hipotecas residenciais dos bancos e instituições de poupança e as revendem em forma de títulos transferindo indiretamente bilhões de dólares em investimentos pertencentes aos chineses para o mercado imobiliário norte-americano) servem para reduzir as taxas de juros norte-americanas. Ver em: (FISHMAN, 2006, p. 288). 133 Fonte: https://forbes.uol.com.br/listas/2018/03/8-paises-com-mais-titulos-do-tesouro-dos- estados-unidos/#foto8. Tabela elaborada pelo autor. O controle da taxa cambial foi importante para que a indústria chinesa se estabelecesse uma vez que deixou as mercadorias produzidas com preços extremamente competitivos no mundo. Mas o próximo passo teria que ser dado, a China precisaria investir em educação, ciência e tecnologia para produzir conhecimento e inovação em produtos de alto valor agregado. 2.5.10 Investimentos em educação, ciência e tecnologia Há quase 30 anos, a China não era capaz de inovar. A realidade agora é bem diferenciada. Hoje em dia tem trens expressos, carros não apenas baratos, mas também mais eficientes do que os fabricados pela General Motors. A inovação107 leva tempo, são anos de educação dos jovens, somados a anos para estabelecer meios de suporte como capital de risco, participação privada, etc (KISSINGER, 2012, p. 52). Para Marx (2006), a mais-valia pode se extrair do trabalhador de duas maneiras, a absoluta que se dá pelo aumento das horas trabalhadas com pagamento constante ou de forma relativa, ou seja, aumentando-se a produtividade do trabalhador fazendo com que esse 107 Em 40 anos, a China saiu de uma sociedade essencialmente rural para converter-se numa potência industrial e começa a se firmar como uma economia cada vez mais baseada em tecnologia da informação. Em Shenzhen, cuja transformação se deu a tal ponto que deu origem à expressão “velocidade de Shenzhen”, os veículos elétricos são destaques numa região onde 87% dos celulares do mundo são testados, projetados ou fabricados na cidade. Todo o transporte público, incluindo ônibus e táxis são elétricos. Só em ônibus, são hoje 15,5 mil veículos que se deslocam alimentados por baterias. O lugar ainda é o paraíso dos aficionados por eletrônica. Em volta do mercado de Huaqianbei em Shenzhen há um grande número de empresas de startup, incubadoras e aceleradores dedicados a hardware. Na “velocidade de Shenzhen”, precisando de uma peça que ao testar não deu certo, está tudo acessível e barato. Empreendedores do mundo todo buscam Shenzhen para alavancar suas ideias de design e de hardware. A cidade está aberta para produzir qualquer coisa, de capinhas de celular a algum acessório imaginável. A China é o país em que o papel-moeda foi inventado e provavelmente também será o lugar onde ele será aposentado. Nos últimos anos, o país foi completamente tomando por pagamentos digitais, feitos principalmente no celular, por meio de um código QR. Em Hangshou, onde estão as principais empresas que desenvolveram a infraestrutura para esses pagamentos digitais, se encontra outra inovação, a startup de saúde e tecnologia chamada WeDoctor, um aplicativo de agendamento de consultas que agora se expande para o mundo real. A empresa trabalha com 3.200 hospitais e 290 mil médicos, atendendo 150 milhões de usuários. Desenvolveram um conceito de hospital virtual, no qual o paciente pode ser atendido de qualquer lugar do país por vídeo. A empresa coloca uma estação médica na casa dos assinantes. Se há algum problema, a família aciona o aparelho e na mesma hora entra em contato um médico. O aparelho é capaz de fazer 80% dos exames de rotina e o médico consegue avaliar o estado geral do paciente para determinar os encaminhamentos seguintes. Em 2008, a China tinha míseros 113 km de linhas de ferro de alta velocidade, construídas para a Olimpíada daquele ano. Dez anos depois, a China já possui 29 mil km de linhas de trem-bala, conectando 30 das 33 províncias do páis e praticamente todas as grandes cidades. Ver em: (LEMOS, 2019. n.p). 134 produza mais mercadorias com o mesmo tempo de trabalho. Isso é conseguido a partir de investimentos em tecnologia: Com os meios dados, um sapateiro pode, por exemplo, fazer um par de botas numa jornada de trabalho de 12 horas. Para fazer, no mesmo tempo, dois pares de botas, tem de duplicar-se a força produtiva de seu trabalho, e ela não pode duplicar-se sem alteração em seus meios de trabalho ou em seu método de trabalho, ou em ambos ao mesmo tempo. Por isso tem de ocorrer uma revolução nas condições de produção de seu trabalho, isto é, em seu modo de produção, e portanto no próprio processo de trabalho. Entendemos aqui por aumento da força produtiva do trabalho em geral uma alteração no processo de trabalho, pela qual se reduz o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma mercadoria, que um menor quantum de trabalho adquira portanto a força para produzir um maior quantum de valor de uso. Enquanto pois na produção da mais-valia, na forma até aqui considerada, o modo de produção é suposto como dado, não basta de modo algum, para produzir mais-valia mediante a transformação do trabalho necessário em mais-trabalho, que o capital se apodere do processo de trabalho em sua forma historicamente herdada ou já existente, e apenas alongue sua duração. Tem de revolucionar as condições técnicas e sociais do processo de trabalho, portanto o próprio modo de produção, a fim de aumentar a força produtiva do trabalho, mediante o aumento da força produtiva do trabalho reduzir o valor da força de trabalho, e assim encurtar parte da jornada de trabalho necessária para a reprodução deste valor. (…) A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a mais-valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa (Marx, 2006, p. 430-431). Apesar da redução do número de operários nas fábricas mundiais entre 1995 e 2002, as indústrias do globo produziram 30% mais bens no final desse período. Com o tempo, os industriais do mundo, assim como os varejistas, verificam que suas respectivas esferas de atividade estão cada vez mais eficientes, interligadas e menores. A China ataca por um flanco com a mão de obra de baixo custo e por outro com fábricas aperfeiçoadas e munidas de tecnologia cada vez mais ao alcance dos orçamentos (FISHMAN, 2006, p. 202-203). Os chineses passaram boa parte das últimas décadas copiando o que os outros países faziam de melhor108. Foi assim na indústria de computadores, na produção de carros, na 108 O chinês Yin Mingshan, proprietário da Lifan Motorcycle, em 1980, teve permissão para começar um negócio particular vendendo livros e teve um bom lucro. No final da década notou que as pessoas adoravam bicicletas, deleitando-se com as menores diferenças; um selim coberto de xadrez, um tipo novo de campainha ou uma bola de pelo de coelho na extremidade de um chaveiro mas que as bicicletas motorizadas seriam a grande coisa a seguir, exatamente como nos dias iniciais da decolada industrial japonesa. Em 1992, ele vendeu seu depósito de livros, levantou US$ 15 mil para estabelecer a Chongqing Hongda Motorcycle Fitting Research Institute, uma empresa de oito pessoas, incluindo sua mulher e filho. A palavra “Hongda” no nome não era um erro, buscava imitar o sucesso das grandes empresas japonesas Honda e Yamaha expulsando-as do mercado chinês. Tanto a Honda como a Yamaha estavam vendendo bem na China e Yin adotou o que pareceu o caminho mais viável: copiou projetos e roubou tecnologia. Os motores Yamaha tinham então se tornado disponíveis depois de um acordo assinado entre a companhia japonesa e a Jianshe Industrial, uma velha firma de armamentos que apenas quarenta anos antes fabricava metralhadoras e canhões para resistir ao cerco na guerra contra o Japão. Como parte do acordo de licenciamento, foram 135 criação de jogos eletrônicos e, mais recentemente, no desenvolvimento de celulares. Não à toa, até pouco tempo atrás a China era conhecida como o país da imitação. De certa forma, a usurpação de know-how funcionou: as empresas incorporaram as tecnologias estrangeiras e aprendem a fazer do seu próprio jeito e, muitas vezes, melhor. Agora, de tanto investir e se dedicar à inovação, o país despertou um fenômeno inverso: seus produtos é que passaram a ser imitados pelos outros. Em um seminário recente realizado em São Francisco, nos Estados Unidos, Lei Jun, o carismático fundador da fabricante chinesa de celulares Xiaomi, resumiu em uma frase o que está por trás da onda inovadora. “O futuro pertence à China”, disse ele. “Quem não enxergar isso estará fora do jogo nos próximos anos.” Não faltam argumentos para justificar sua teoria. O mercado chinês de pagamento móvel (por smartphones, o sistema mais avançado do mundo) já é 50 vezes maior do que o americano. As duas empresas que mais depositam patentes, um dos principais indicadores para medir o nível de inovação de um país, são chinesas: Huawei e ZTE, ambas da área de telecomunicações (SEGALLA, 2018, n.p.). estabelecidas oficinas locais de manutenção e reparos com acesso à gama inteira de peças de reposição da Yamaha e o know-how para concertar defeitos. Yin foi a essas oficinas, comprou peças e conseguiu dicas dos mecânicos que ali trabalhavam. Dentro de alguns meses de engenharia reversa, tinha construído uma réplica de motor Yamaha. Havia pouco o que os japoneses pudessem fazer. Restrições governamentais significavam que a Yamaha, a Mitsubishi e a Honda não tinham a liberdade de estabelecer suas fábricas onde quisessem, deviam formar joint ventures com parceiros escolhidos para eles pelo governo. Era imposto também uma transferência de tecnologia como taxa de ingresso num vasto mercado potencial. Além disso, era indefinido o controle que teriam sobre o marketing e uma rede de fornecedores. Mas a tentação de 1 bilhão de chineses trocando suas bicicletas por motocicletas parecia sobrepujar as dúvidas. A Yamaha entrou criando uma joint venture meio a meio com a Jianshe, uma típica criação do planejamento socialista que tinha 18 mil trabalhadores na folha de pagamento e outros 35 mil com pensões ou de algum modo dependentes da fábrica. A fábrica deixava vazar seus segredos industriais com fornecedores vendendo peças a falsificadores. Em 1995, a Yamaha lançou seu modelo principal, o Jinbao de 100cc e motor de quatro tempos, após anos de preparação e viu poucos meses depois do lançamento, réplicas exatas fabricadas em 36 fábricas no país vendidas por 30% do valor da Jinbao lançadas pela Janshe-Yamaha. O problema, no entanto, era que a pirataria tinha uma maneira de se virar contra aqueles que antes tinham prosperado com ela. Sem a existência de barreiras tecnológicas e com capital livremente disponível, apareciam cada vez mais fabricantes de motocicletas. Em 1998, havia mais de mil fábricas de motocicletas na China, produzindo cerca de 15 milhões de unidades por ano, 5 milhões mais do que era vendido e as motocicletas não vendidas enchiam os depósitos. A Jianshe-Yamaha resistiu acreditando no potencial do mercado, apenas 3% dos chineses possuíam motocicletas àquela altura. Quando a margem de lucro da fábrica de motocicletas Lifan se comprimiu, Yin resolveu diversificar fabricando ônibus, água mineral, solvente de tintas, vinho importado, jornais, jaquetas de plumas de pato e um bem-sucedido time de futebol chinês que trazia o nome da companhia. A diversificação ajudou na superação da queda dos negócios de motocicletas, mas teria que encontrar uma nova fonte de renda e fazer as vendas crescerem e a resposta foi evidente: exportação. Seu campo de batalha foi o Vietnã, onde a Lifan deu de cara com a Honda. A companhia japonesa detinha 70% do mercado vietnamita, mas com vantagem no preço, em três anos a Lifan deixou a concorrente para trás. Essa perda de mercado sacudiu a Honda, que acabou tomando a decisão de montar uma base de produção na ilha de Hainan, território chinês bem em frente ao Vietnã, do outro lado do mar. Lá utilizou-se, a Honda, do modelo chinês beneficiando-se da mão de obra barata chinesa e fornecedores também chineses, reduzindo seus custos, baixando seus preços pela metade e voltando a liderança do mercado de motocicletas no Vietnã devido ao apelo superior de sua marca. Ver em: (KYNGE, 2007, p. 80-93). 136 No século 21, os investimentos chineses em pesquisa e desenvolvimento passaram de US$ 20 bilhões para US$ 200 bilhões – e continuam crescendo acima de dois dígitos a cada ano. A China passou a ser o centro global mais pulsante da inovação em decorrência de investimentos maciços em educação. No início do século 21, o governo decidiu aumentar em pelo menos 5% os aportes na área de ensino. Em 2012, o percentual avançou para 10% a cada 12 meses até chegar a recordistas US$ 500 bilhões investidos em 2017. No governo do presidente Xi Jinping foram criados três grandes parques tecnológicos nacionais e programas de incentivos fiscais para startups. Enquanto isso, o mundo corporativo se aproximava do acadêmico. Em 2010, 4% dos estudantes da Universidade de Pequim abriram ou trabalhavam em startups. O índice atual é de 14%109. Jinping também apresentou a ideia do “chinese dream”, que consiste em adotar a inovação como estratégia de crescimento. Em 2015, ele publicou uma carta de intenções que exortava o país a ser um dos protagonistas mundiais em inovação. No ano passado, o documento foi mais incisivo: fazer do país, até 2030, líder global em inteligência artificial. O processo de transformação que começou há três décadas irá, portanto, durar ainda muitos anos (ibdem, n.p.). A ciência e a técnica não surgem do nada, é necessário que se crie condições para tanto havendo uma relação direta com a categoria do modo de produção. “não foi a máquina a vapor que inventou o capitalismo, foi o capitalismo que criou a máquina a vapor”, o que significa dizer que a ciência frutifica em concomitância com o nível de acumulação de capital na sociedade, daí a ciência e a tecnologia ganharem o status de forças produtivas sob o capitalismo (JABBOUR, 2012, p. 244-245). A China aprendeu com o Japão que a modernização da educação e da ciência tinha que caminhar lado a lado com uma estratégia definitiva de pesquisa e desenvolvimento para propósitos civis e militares. A partir dos anos 1990, corporações estrangeiras começaram a transferir uma parcela ponderável de suas atividades de pesquisa e desenvolvimento para a China. A Microsoft, a Oracle, a Motorola110, a Siemens, a IBM e a Intel estabeleceram 109 O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia dos Estados Unidos publicou em setembro de 2018 um relatório com sua nova estratégia para o desenvolvimento da Ciência da Informação Quântica (CIC) convidando para discussão dessa estratégia funcionários do governo, representantes das grandes empresas tecnológicas e financeiras do país, como Alphabet (holding que engloga o Google), IBM e algumas maiores empresas do setor aeroespacial dos EUA anunciando um investimento de US$ 249 milhões para levar a cabo 118 projetos vinculados a esse campo científico. Do outro lado do mundo, na China, está em curso um movimento similar: o governo de Pequim está construindo um novo Laboratório Nacional da Informação Quântica em Hefei, a um custo de US$ 10 bilhões, que deve ser inaugurado em 2020. Ver em: (BBC NEWS, 2018, n.p.). 110 Os arquivos da Motorola a respeito de sua entrada na China são abundantes e ostensivos. A China é de longe o maior mercado mundial de usuários de celulares. Por isso, os fabricantes mundiais de aparelhos celulares 137 laboratórios de pesquisa no país devido à sua importância e à sua sofisticação crescente como mercado de tecnologia e ao seu grande contingente de cientistas habilidosos mas não dispendiosos e seus consumidores, ainda relativamente pobres, porém enriquecendo e ávidos por tecnologia. Mais de duzentas grandes corporações estrangeiras, incluindo gigantes como a BP (British Petroleum) e a General Motors, transferiram grande parte de seu esforço de pesquisa para a China e empresas do Japão e da Coreia do Sul investiram em cidades de pesquisa em larga escala na China a fim de terem condições de aproveitar a mão de obra preparada mas de baixo custo. (HARVEY, 2008, p. 145-146). O sistema de ensino da China procura, em primeiro lugar, garantir a educação infantil, primária e secundária de primeiro nível, obrigatória, combinando puericultura e educação, e ensino teórico, com as demandas da vida prática. Nas escolas infantis a educação compreende fundamentalmente jogos, de modo que as crianças desenvolvam-se física, intelectual, moral e artisticamente e, além do ensino das matérias básicas e de técnicas de trabalho, é praticado o sistema de educação extraescolar e moral, visando estimular a capacidade de raciocínio dos jovens e adolescentes, e elevar seu nível para enfrentar os problemas da vida corrente. A China procura ampliar constantemente a educação secundária de segundo nível e o ensino especial e profissional pretendendo aumentar a base necessária à formação educacional de nível superior garantindo os direitos à educação dos deficientes e elevando o nível técnico e científico da força de trabalho do país, e de boa parte daqueles que pretendem fazer um curso superior. A China também procura ampliar o sistema de ensino superior, conformando uma estrutura educacional de múltiplos estratos, formas e disciplinas, que correspondam às necessidades de desenvolvimento da economia e da sociedade. Nesse sentido, os centros de ensino superior, que compreendem graduação, pós-graduação e doutorado, são estimulados a criar empresas, tendo como foco principal, produtos de alto conteúdo tecnológico que permitam elevar a pesquisa científica e tecnológica e o próprio conteúdo do ensino. Especial têm de estar na China, mesmo porque os mercados dos Estados Unidos e Europeus estão saturados. Novos fabricantes surgem e o ambiente é o mais competitivo e mutável do mundo. Jovens consumidores trocam de telefone muito rapidamente. Robert Galvin, que foi o principal executivo da empresa e ficou muito pouco tempo no cargo, no início e em meados da década de 1980, achou que a China poderia ser um mercado capaz de mais que compensar as constantes desventuras da Motorola no Japão. Galvin e sua equipe sabiam que a transferência de tecnologia para a China acabaria por gerar fortes competidores chineses mas levou para China a mais avançada tecnologia da Motorola. Todas as marcas estrangeiras atualmente enfrentam intensa concorrência de indústrias chinesas. Inicialmente, os estrangeiros são capazes de produzir seus bens a custo muito inferior ao dos chineses, mas à medida que as empresas locais aparecem para fornecer às multinacionais, a rede de suprimentos se expande com grande rapidez e em seguida os fabricantes chineses podem começar a adquirir peças na China e levar os preços muito abaixo dos das multinacionais. Um dos grandes desafios para a Motorola e outros fabricantes globais é que os fornecedores chineses estão se tornando demasiadamente competentes. Ver em: (FISHMAN, 2006, p. 235-236). 138 atenção é dada à educação de adultos, de modo a melhorar o conteúdo técnico da força de trabalho em todos os níveis. Isto é, a educação de adultos compreende tanto o ensino para analfabetos e trabalhadores de pequena qualificação técnica, quanto o ensino para trabalhadores de qualificação técnica média, e para técnicos e adultos em condição de cursar o ensino superior (POMAR, 2009, p. 84). A China conseguiu reduzir a pobreza numa rapidez até então nunca registrada, porém viu nascer um hiato no acesso aos bens públicos e um aumento considerável das diferenças de renda o que levou o governo a investir e implementar politicas de proteção social com o objetivo de fomentar a coesão social. Desde 2006, a educação básica onde os primeiros nove anos tornou-se efetivamente gratuita e compulsória em todo o território, em áreas urbanas e rurais, transformando desde então, a educação, como principal política social universal chinesa (OLIVEIRA; MORAIS, 2018, p. 95). O socialismo deixou um legado importante, chineses capacitados e qualificados, o que faz da China apresentar um grau de escolaridade acima ao de países com sua mesma renda per capita. Mão de obra abundante, barata e com grande capacidade educacional e técnica aliada a um grande número de laboratórios, centenas de milhares de engenheiros e não menos milhares estudando no exterior que voltam para sua terra natal dada a grandeza de oportunidades existentes uma vez que essa mão de obra, essencial para setores que exigem qualificação média, amplia a atratividade da China para investimentos mais elaborados (GUIMARÃES, 2009, p. 7). Um bom número dos chineses que estudam ou trabalham no exterior acabam retornando ao país atraídos pelas oportunidades. Essas pessoas são tratadas como “tartarugas marinhas” com papel importante para o desenvolvimento da economia chinesa (NAISBITT, 2011, p. 151-152). Desde 2003 afinando o discurso do presidente Hu Jintao à época de “construção de uma sociedade harmônica”, a China priorizou a igualdade educacional incentivando e direcionando maiores gastos à educação. De 2% do PIB em investimentos com educação em 1990 chegou a 4,27% do PIB em 2014111. As diretrizes enfatizam a necessidade de compreensão das condições nacionais, a história, a cultura e a diversidade da história humana chinesa com estímulo as tradições valorizando a ética e o nacionalismo. Em 2010, ainda sob a 111 O PIB chinês em 1990 foi da ordem de US$ 360 bilhões e o de 2014, US$ 10,48 trilhões. Fonte: https://www.google.com.br/publicdata/explore? ds=d5bncppjof8f9_&met_y=ny_gdp_mktp_cd&idim=country:CHN:USA:JPN&hl=pt&dl=pt>. 139 liderança de Hu Jintao, lança-se o Plano Nacional de Médio e Longo Prazo da Reforma e Desenvolvimento da Educação com o objetivo de dirimir as diferenças entre as províncias buscando uma educação mais equânime em todo o território chinês até 2020. O projeto contêm cinco princípios: 1) prioridade estratégica da educação para promover o desenvolvimento da nação, 2) cultivar e promover o desenvolvimento de cada indivíduo, 3) reforma e inovação como os pilares do desenvolvimento, 4) o acesso à educação de forma igualitária e 5) necessidade de melhorar a qualidade da educação através de treinamentos para professores e aumento de investimentos na escola (OLIVEIRA; MORAIS, 2018, p. 99-101). A China promoveu iniciativas de cooperação ativa e intercâmbios de ensino com os países estrangeiros levando desde 1979 mais de 1 milhão de estudantes chineses para mais de 100 países e abrindo suas universidades para também mais de 1 milhão de estudantes de 188 países pudessem frequentar suas universidades (NAISBITT, 2011, p. 192). Em 1949, a China contava com 40 instituições de pesquisa científica e menos de 50 mil cientistas, dos quais apenas 500 estavam relacionados com as instituições de pesquisa. Nos 25 anos posteriores, foram fundadas 840 instituições de pesquisa científica, nas quais trabalhavam 400 mil cientistas e técnicos. Isso permitiu ao país: a) desenvolver as pesquisas geológicas que levaram ao descobrimento dos campos petrolíferos e de gás natural b) desenvolver a construção do primeiro reator atômico chinês, em 1958; c) construir e explodir o primeiro artefato atômico chinês, em 1964; d) realizar a síntese artificial da insulina bovina cristalina, em 1965; e) construir o primeiro acelerador de positrons e megatrons, para a realização de pesquisas físicas, energéticas, biológicas, químicas e de materiais; f) construir a primeira central nuclear do país, em 1970. No ano 2000, a China possuía mais de 24 milhões de cientistas, técnicos e pessoal administrativo e de apoio, envolvidos em ciência e tecnologia, dos quais 2,77 milhões eram cientistas e engenheiros. Esse pessoal trabalhava em 5.856 instalações científicas estatais, 2.550 instituições científicas filiadas a universidades, e 14.400 instituições científicas filiadas a empresas. Com investimentos superiores a US$ 12 bilhões anuais, essas instituições estão voltadas para alguns planos de desenvolvimento científico e tecnológico direcionados para pesquisa biológica, navegação aeroespacial, informática, raios laser, automação, energéticos, novos materiais e oceanografia; introduzir a ciência e tecnologia na economia rural, difundindo na agricultura as ciências agronômicas, e nas indústrias rurais os avanços tecnológicos; formação de incubadoras industriais112; e, avanços 112 A China tem sido responsável por uma geração de startups valiadas em mais de US$ 10 bilhões. Empresas que estão transformando a mentalidade e a forma de fazer negócios. Com números impressionantes, sempre 140 significativos nas áreas do cálculo geométrico, mecânica celeste, dinâmica molecular, física atmosférica e outros setores (POMAR, 2009, p. 64-65). Investimentos em ciência e tecnologia são importantes para aumento da produtividade e mais importante ainda se torna quando se tem retorno para as atividades que envolvem a melhoria das pessoas. Não é o que fica constatado quando colocados os índices norte- americanos: em 40 anos, entre 1973 e 2013, a produtividade da economia nos Estados Unidos aumentou 161% enquanto a base salarial cresceu apenas 19%. entre 2000 e 2013 a renda média da família decresceu 7%. Ou seja, o sistema só funciona para um grupo restrito no topo, gerando uma nova era de desigualdade (DOWBOR, 2017, p. 171). 2.6 E o mundo finalmente realiza o ato do Kowtow113 Em 1899, no anúncio da Política de Portas Abertas, o então secretário de Estado dos Estados Unidos, John Hay, proferiu: “O olho do furacão do mundo se deslocou […] para a China. Quem entender esse poderoso império […] terá a chave da política do mundo pelos próximos quinhentos anos”. A política tinha como objetivo exigir para os Estados Unidos o mesmo privilégio de acesso ao mercado chinês já aberto a outras grandes potências. Referindo-se a esse discurso feito há mais de cem anos, Richard Holbrooke, ex-embaixador estadunidense nas Nações Unidas afirmou que atualmente “tudo é diferente” e nada mudou”. De “formas muitos diferentes, os Estados Unidos ainda buscam uma porta aberta; o secretário do Tesouro e o Congresso enraivecido malham a China para que ela valorize sua moeda e dê às empresas norte-americanas maior possibilidade de concorrer com a grande economia que mais cresce no mundo” (ARRIGHI, 2008, p. 285). A fórmula para o crescimento sustentável não é tão simples como a apontada por Smith (1996, p. 43) quando dizia que “além disso, pouco se requer, para levar um Estado da barbárie mais baixa para o mais alto grau de opulência, além da paz, impostos baixos, e uma administração aceitável da justiça: todo o resto é feito pelo curso natural das coisas”. Para na casa dos bilhões, e fila de investidores, elas contam com um diferencial: alinhamento e aceitabilidade da sociedade, além de apoio do setor público-privado. Na China, a adaptação acontece desde a sala de aula, com a preocupação em formar anualmente mais 8 milhões de profissionais – destes, cerca de 2 milhões são desenvolvedores, função primordial no universo de inovação. É um ciclo estratégico: empreendedores tecnológicos resolvem grandes problemas do mercado, atraem investidores, a sociedade absorve e vira cliente das soluções e a universidade atua como fonte intelectual para essas empresas que estão surgindo. É (também) uma questão cultural que ultrapassa a tecnologia. Ver em: (ZANUTO, 2019, n.p.). 113 Ajoelhar e tocar a testa no chão em reverência. Ver em: (KISSINGER, 2011. p. 2). 141 além da justiça e segurança, outros pré-requisitos são necessários para que o “curso natural das coisas”, ou seja, as forças de mercado, produzam resultados favoráveis. Infraestrutura de transportes, energia, um sistema financeiro avançado, capacidade empresarial e técnica e um cenário estável é fundamental para o desenvolvimento de um país. E nesse sentido, o papel do Estado, eficiente e eficaz no cumprimento dessas demandas tende a ser maior quão mais retardatário é o processo de industrialização (GUIMARÃES, 2009, p. 4-5). A trajetória de crescimento econômico ocorre por meio da realocação de recursos entre os setores primário, secundário e terciário, que, determinada pela produtividade, é caracterizada pela queda do setor agrícola e aumento dos industriais, num primeiro momento, e, posteriormente, do aumento do setor de serviços sendo crucial que mudanças estruturais aconteçam nos países com realocação dos fatores de produção de setores e atividades de baixa produtividade para os de alta, sendo nesse processo o setor industrial fundamental, pois é ele o de maior potencial de incrementos da produtividade, dados seus fatores tecnológicos, encadeamentos intra e intersetoriais e externalidades pecuniárias (COELHO; MASIERO, 2014, p. 142). O crescimento econômico da China fez-se como em qualquer lugar pela expansão da indústria calcada em altas taxas de investimento que por sua vez, criando demanda social ou empresarial, ativaram o consumo gerando um círculo virtuoso. O crescimento pode ser induzido também por diferentes tipos de demanda: a demanda externa e a demanda doméstica, sendo esta última mais elástica, de acordo com o grau de distribuição da renda gerada e da própria taxa de exploração do sistema. O caso chinês, irradiou-se além de seus limites geográficos sentindo-se em toda a parte do mundo o fato de cerca de 400 milhões de pessoas terem se tornado consumidores nos últimos 30 anos onde a própria reprodução da nação depende cada vez mais de fatores de produção fora do alcance de suas fronteiras, redundando na – não mais lenta – formação de um polo econômico e político capaz de transformar as realidades mais distantes de seu arco fronteiriço (JABBOUR, 2012, p. 211- 212). Segundo Anderson (2018), deve existir algum elo que ligue o passado chinês às realizações do presente podendo-se elencar três correntes de pensamento contrárias e ainda não conflitantes. A primeira onde os historiadores atribuem o rápido crescimento chinês essencialmente aos legados milenares do passado imperial: comércio dinâmico com base numa agricultura intensiva; extrema divisão do trabalho; urbanismo desenvolvido com 142 expansão do comércio interno; crescimento populacional recorde. Em resumo, economia chinesa tão desenvolvida quanto a europeia, sofisticada, e por muito tempo, a maior e mais sofisticada do globo terrestre que, uma vez invadida pelo imperialismo dos países capitalistas centrais e por consequente Guerra do Ópio, fora desviada do seu curso por mais de um século causando desordem interna. Uma segunda corrente, agora defendida predominantemente pelos economistas, o crescimento atual da China é motivado pela integração, ainda que tardia, da economia chinesa à economia capitalista mundial, de onde estivera historicamente ausente, sem intercâmbio comercial com o exterior, sem estímulos competitivos inibindo as atividades empresariais. Abrindo seus mercados aos investimentos externos e fortalecendo gradualmente os direitos de propriedade, a China dinamizou seus fatores de produção que combinados a enorme oferta de mão de obra barata com excedentes de capitais e tecnologias estrangeiras resultaram numa máquina de exportação sem igual na história da China e do mundo. E a terceira onde entra em cena os sociólogos e não só eles, que defendem que o pulo do “tigre” chinês estaria sim, na Revolução Chinesa, enaltecendo as realizações do período do Mao que acabaram por dar suporte ao sucesso das implementações da Era da Reforma. Nessa versão, argumenta quem defende essa corrente, que pela primeira vez na história moderna, a China teve um Estado forte e soberano, independente, livre da subjugação imperialista formadora de uma mão de obra treinada e disciplinada com rigorosos mecanismos de controle econômico: planejamento, setor público e controle da balança de pagamentos. Uma China relativamente descentralizada ainda que com províncias autônomas até certo ponto. O crescimento da China é um exemplo que contraria a sabedoria convencional da teoria econômica neoclássica. A China é um país grande, cujo desenvolvimento enfrenta dificuldades e obstáculos. As terras cultiváveis da China representam apenas 10% de seu território, com 90% de montanhas e desertos, o que torna muito dispendioso o desenvolvimento de infraestrutura. A China passou por guerras camponesas cíclicas ou invasões externas que eliminaram mais da metade da população 13 vezes em sua história, antes que o Partido Comunista finalmente unisse o país e se colocasse contra os invasores externos. Assim, o desenvolvimento chinês não é motivado pela demanda ou pela liberdade individual do consumidor, mas pela construção da nação e de consenso para chegar a uma melhor posição em um mundo competitivo. O elevado crescimento da China é liderado pelo desenvolvimento industrial e pelo progresso tecnológico, e não por ajuda externa ou pelo consumo privado (CHEN, 2012, p. 191). 143 A história cultural de uma nação deixa marcas, características que acabam por moldar sua população no presente. A China, se não a primeira, teria sido uma das primeiras potências navais do mundo singrando os mares do planeta, seus comerciantes criaram a Rota da Seda conectando a China à Europa até que o imperialismo dos países de capitalismo avançado desse último continente o impusessem trocas desiguais subjugando os chineses a anos designados por eles mesmos como humilhantes. A libertação, também categorizada para seu povo viria com a Revolução Comunista de Mao Tsé-Tung que teria criado condições para com o processo de abertura econômica a China crescesse, ou seja, acredito que todas as correntes de pensamento expostas no parágrafo anterior teriam suas doses de razão. O fato concreto foi que a China tirou partido da globalização e aproveitou o comércio internacional para expandir suas exportações se valendo de uma moeda relativamente desvalorizada utilizando-se desse instrumento de política industrial na compensação das suas defasagens tecnológicas e priorizando atração de investimentos que promovam sua capacidade produtiva. Transformou-se então em uma grande plataforma de exportação acumulando grandes reservas internacionais se protegendo na medida do possível das crises cíclicas do capitalismo. Procurou realizar grandes investimentos em educação, ciência e tecnologia para poder também pleitear a disputa no acirrado mercado de produtos de maior valor agregado. Praticando baixas taxas de juros e altas taxas de investimentos promoveu e promove um crescimento bem acima da média mundial com inflação quase sempre baixa. A China é uma antítese do que pregam os neoliberais que vivem questionando a presença do Estado na economia (POMAR, 2009, p. 39). Completada uma década do início do processo de reforma e abertura da economia chinesa, A China se encontraria profundamente transformada. Rapidamente e em grande escala, as mudanças afetaram a vida social e cultural dos chineses. As universidades foram reabertas e com a expansão dos institutos de pesquisas novas oportunidades de empregos apareceram. Os jovens calejados pelo trabalho rural reintegraram à vida urbana (ANDERSON, 2018, p. 57). Dezesseis anos após Mao Tsé-Tung liderar os comunistas ao poder, Mao lembrou que o quadro da China ainda estava marcado em primeiro lugar pelo subdesenvolvimento: É preciso que todos os quadros e o povo inteiro relembrem continuamente que a China é, sim, um grande país socialista, mas também e ao mesmo tempo é um país pobre e economicamente atrasado. Trata- se de uma enorme contradição. Se desejarmos que nosso país se torne rico e potente, então necessitaremos de algumas 144 décadas de esforços obstinados (TSÉ-TUNG, 1979, P. 579 apud LOSURDO, 2004, p. 144). Há de ressaltar o forte investimento em infraestrutura, exemplo de boa utilização dos bens públicos pelo Estado. A China se destaca no cenário internacional como possuidor de grandes portos e pela grande capacidade de movimentar contêineres a baixos custos. O país vem investindo pesadamente na expansão da sua malha ferroviária melhorando a logística propiciando uma rede de transporte a baixo custo reforçando a posição da China como um elo estratégico para a otimização das cadeias produtivas internacionais (GUIMARÃES, 2009, p. 7). Os líderes chineses aprenderam a lição dos norte-americanos que investiram num sistema interestadual de estradas de rodagem que resultou numa economia em custos de produção e serviços para as companhias dos Estados Unidos calculados em mais de US$ 1 trilhão nos primeiros quarenta anos de seu funcionamento a partir de 1956. No final dos anos 1990, os chineses começaram a construir suas estradas, enumeradas de forma semelhante à malha norte-americana, com uma grande artéria atravessando a China de leste a oeste. Assim como nos Estados Unidos, as novas estradas acabaram por criar suas próprias microeconomias autocêntricas. Há oficinas para conserto de carros, lavadoras de automóveis, postos de gasolina, restaurantes fast-food e centros de lazer. Em alguns lugares, as novas vias expressas abriram vastos mercados. A cidade de Wuhu, por exemplo, fora transformada em quatro anos, após a construção de quatro vias expressas, uma rodovia, uma ponte sobre o Yang-tsé e um porto fluvial no município. Logo após essas primeiras obras era possível alcançar 250 milhões de pessoas dentro de oito horas a partir do centro da cidade. Concomitantemente, a China também recria uma versão melhorada da grande explosão de estradas de ferro na América do Norte do século XIX. Existem inspirações próprias como a barragem de alargamento do rio Yang-tsé, um sonho elaborado pelo Sun Yat-sen, fundador do Kuomintang e o primeiro dos líderes chineses a ver o grande rio do país como um tendão, um músculo que, se flexionado, poderia erguer o país da pobreza. Em 2003, teve Sun seu sonho realizado com a construção da Represa de Três Garganta. Na China, séculos de desenvolvimento fundiram-se em um vigor concentrado estabelecendo as bases de infraestrutura para uma futura superpotência (KYNGE, 2007, p. 53-56). O investimento em infraestrutura, um investimento basicamente de longo prazo, está na contramão dos dias de financeirização, que ao contrário, desde a década de 1970, necessita 145 de uma alta circulação do capital. Essa característica justifica a queda nesse tipo de investimento, apesar de sua importância, desde a crise financeira de 2008. De acordo com a OCDE, haveria uma necessidade de um montante de cerca de US$ 70 trilhões até 2030 para resolver as demandas de investimentos em transporte, eletricidade e telecomunicações, mas os investidores tradicionais não estão atendendo a essas necessidades e expectativa é de queda ainda maior diante dos efeitos da crise financeira de 2008. Os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento e Ajuda Oficial ao Desenvolvimento limitaram seus investimentos com menos de 10% voltados para o setor de infraestrutura e ainda assim, são direcionados em grande monta para os países pobres. Nesse cenário, as iniciativas chinesas de criação de bancos e fundos como Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), Fundo de Desenvolvimento China-África (FDCA) e Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) vêm em bom tempo e atraem vários países (RAMOS; VADELL; ADAD, 2018, p. 265). O maior plano de investimentos em estradas de ferro no mundo foi executado na China entre 2001 e 2005. Investimentos esses que só demonstram predisposição, a partir desse setor, de manutenção dos altos índices de crescimento econômico e a oportunidade para que milhões de pessoas adentrem o mercado consumidor. Junte-se a isso a estratégia de formação de uma economia continental demonstrada pelo esforço de complementaridade de interligar de forma mais rápida e eficiente as indústrias concentradas no litoral com as ricas reservas minerais do oeste (JABBOUR, 2006, p. 82-83). Já no setor rodoviário, Jabbour (2006) relata que verifica-se uma estratégia de modernização do sistema rodoviário chinês implicando na criação de uma rede de construção infraestrutural que ao mesmo tempo facilita o traslado das pessoas e o transporte de mercadorias de forma bem administrada e eficiente otimizando os serviços públicos e privados assegurando um sistema seguro, fácil, fluido e eficiente: Para fins de diferenciação, as autoestradas – comumente chamadas no ocidente de free ways – são rodovias dotadas da mais alta tecnologia, como, por exemplo, de controladores de peso para caminhões, de altíssimo nivelamento asfáltico, resultando numa qualidade muito maior e com maior tolerância no que concerne ao controle de velocidade. No caso chinês, tal diferenciação ocorre para distinguir as rodovias que são divididas em 4 classes e que geralmente não possuem alta tecnologia para seu desenvolvimento – logo, não tendo tanta qualidade quanto às autoestradas. Outra diferenciação notada é que as autoestradas estão quase em sua totalidade desenvolvidas no leste e sudeste do país, onde se concentra a grande indústria transformadora e a maior parte dos serviços, enquanto as rodovias servem basicamente para as ligações interprovinciais no oeste do país e para a ligação entre as capitais de províncias a vilas, distritos ou prefeituras. Atendem assim a uma demanda efetiva surgida com a formação de Zonas Econômicas Especiais no litoral 146 do país. Tal litoral, com o desenvolvimento econômico e social verificado e o crescimento da indústria e o consumo automobilístico, passa a ter neste tipo de rodovia um instrumento de suma importância para o transporte de passageiros e de mercadorias (JABBOUR, 2006, p. 103-104). No início dos anos 1990, diante do colapso da União Soviética e as reações hostis do Ocidente aos acontecimentos de Tiananmen, aconteceu uma profunda reavaliação das possibilidades de êxito das reformas promovidas por Deng Xiaoping. Dessas reflexões saíram as principais decisões para o lançamento da “Marcha para o Oeste” e uma forte propensão da China não se submeter às ingerências dos EUA ou outro país que pudessem frustrar o objetivo chinês de desenvolvimento pacífico. A política estratégica da “Marcha para o Oeste” foi promulgada em 1999, com o claro objetivo de expansão do sucesso econômico obtido nas zonas costeiras para as regiões mais longínquas do ocidente do Império do Meio e das regiões autônomas de Ningxia, Tibete e Xinjiang. Esse espaço cobre 60% do território chinês, porém, com predominância de montanhas e desertos, com habitação de menos de um quarto da população chinesa. Elevou-se o município de Chungquing, no curso médio do Yang-tsé à categoria de município autônomo, proporcionando privilégios a província servindo-a de sustentáculo para todo o esforço de modernização, como o principal nodo dos sistemas nacionais de rodovias e ferrovias, em plena expansão. Quando a “Marcha para o Oeste” foi implementada, a Região Autônoma do Tibete era uma das regiões mais isoladas da China sendo a única a não ser servida por estrada de ferro. A construção da ferrovia Qinghai-Tibet, já em pleno funcionamento, foi um dos projetos mais espetaculares realizados pelos chineses. Mais de 900 quilômetros de trilhos correndo a uma altura superior a 4 mil metros. Construiu- se também um complexo sistema rodoviário chamado de “três linhas verticais e duas horizontais”, que funciona como o núcleo de uma rede de estradas que se estendem da Ásia Central até a Ásia Meridional aumentando concomitantemente a capacidade de defesa das fronteiras chinesas e a manutenção da ordem interna com o Tibete adquirindo um importante papel mercantil e diplomático no relacionamento da China com os vinhos das alturas himalaias: Índia, Nepal e Butão (OLIVEIRA, 2012, p. 95-96). Segundo Jabbour (2006), não se trata só da infraestrutura física, a China investiu também na melhoria operacional das redes de transporte, para tanto relata: Uma das soluções imediatas implementadas pelo governo central para a reestruturação do setor ferroviário foi a introdução de contratos de responsabilidade, que já haviam trazido resultados muito satisfatórios na agricultura. Tais contratos foram implementados em 1997, entre o Ministério das Ferrovias e recém-criados 14 147 birôs ferroviários e corporações. Eles estimularam o dinamismo e a vitalidade do setor a partir da divisão de esforços em converter prejuízos em ganhos; da manutenção do valor dos ativos de propriedade estatal; da redução dos custos operacionais; da gestão austera dos custos corporativos; e da divisão das cotas de seguro das operações, do pessoal e os ativos correspondentes a cada um dos sub- birôs. A política de pessoal foi revista com a separação entre a gestão empresarial e a gestão governamental. O Ministério das Ferrovias diminuiu seu pessoal, entre 1997 e 2000, de 809 para 298 funcionários, e, até 2001, todo o setor ferroviário havia dispensado 260.000 dos 3,2 milhões de trabalhadores (JABBOUR, 2006, p. 77). No começo da década de 1960 os chineses viveram uma forte recessão (-27% em 1961). Mas logo saíram dela e a expansão do PIB foi significativa entre 1963 e 1966: oscilou entre 10% e 16%. Nos dois anos seguintes, houve nova contração (-6% em 1967 e -4% em 1968), o que não impediu outra rápida recuperação econômica. Em 1970, foi registrado o recorde de crescimento, com a expansão de 19%. As taxas continuaram relevantes, porém na casa de um dígito até que, em 1976, a China passou por sua última retração (-2%). Esse breve histórico revela a importância do programa de Deng Xiaoping, uma vez que seu plano foi implementado, assegurou ao país somente taxas de variação positiva. A população chinesa não conviveu mais com períodos de depressão econômica e viu em 1984 o melhor ano da performance no milagre chinês: + 15% (MARQUES, 2009, p. 47). Gráfico 5: Crescimento econômico chinês, 1978 – 2018 Fonte de dados: (JABBOUR, 2012, p. 212) e https://databank.worldbank.org/data/reports.aspx? source=2&country=CHN. Gráfico elaborado pelo autor. 148 Sukur (2002), observa sobre o crescimento após o processo de abertura e as mudanças sociais decorrentes: Desde a chegada de Deng dois anos após a morte de Mao, a economia chinesa, quase totalmente fechada desde 1949, abriu-se rapidamente e mostrou uma das maiores taxas de crescimento do mundo, ao redor de 10% por ano. Todos os observadores concordam que o nível de vida do chinês médio melhorou substancialmente, especialmente entre os agricultores. Não só a comida é hoje relativamente abundante, mas também as bicicletas, os aparelhos de televisão e outros itens estão agora muito acessíveis à massa camponesa. A eletrificação, indicador essencial da eliminação da pobreza, seria hoje comparável à dos países mais adiantados, chegando a 98-99% da população. A fome, muito presente nas primeiras décadas da República e ainda existente nos anos de Mao – sobretudo como consequência do caos do “Grande Salto para frente” que fez milhões de vítimas – parece ter desaparecido. A dieta dos chineses, tão adeptos à boa comida, tem sido nitidamente diversificada (SUKUR, 2002, p. 88-89). Com uma média de crescimento de 9% ao ano, percebe-se que a economia chinesa dobra de tamanho a cada 10 anos, assim como dobra sua própria oferta de serviços. De um ponto de vista mais estratégico e histórico, se tomarmos a tarefa de recuperação de espaços perdidos pelo país no mundo desde o início das agressões estrangeiras em 1839, fica evidente o andamento rápido desse processo: em 1820, a participação chinesa no PIB mundial era de 33%, caindo para 17% em 1870, e para 13% em 1913. Entre 1949 e 1975, essa participação manteve-se na casa dos 5%, chegando a 12% em 2001, com previsão de alcançar 20% em 2020. É muito provável que, no ano de 2049, quando a Revolução Nacional/Popular completar seu centenário, estejam cumpridos os objetivos colocados por Mao Tsé-Tung em 1949, quanto os expostos por Deng Xiaoping em dezembro de 1978 (JABBOUR, 2012, p. 213). Tabela 2.6 - Crescimento do PIB 1971-2008 de regiões e países em desenvolvimento e industrializados Dados de 1971 a 2008 1971-1980 1981-1990 1991-2000 2001-2008 Países em desenvolvimento 5,23 4,07 4,93 6,41 Ásia 5,31 5,60 5,76 7,26 África 4,01 2,22 2,67 5,01 América Latina 5,57 1,34 3,19 3,52 Países industrializados 3,34 2,89 2,58 1,91 Mundo 3,82 3,09 3,06 4,20 Fonte: (LIMA, 2016, p. 16) 149 Pela tabela acima, é observado o forte desempenho da Ásia, entre os países em desenvolvimento, e uma queda acentuada entre os países industrializados. Durante os anos 1990, inicia-se um processo de subida do nível do valor agregado da produção e um acirramento da disputa pelo mercado de eletrônicos e máquinas entre China e seus vizinhos asiáticos (Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Malásia e Cingapura). Uma consequência direta da transferência da produção desses países de seus territórios nativos para a China (HARVEY, 2008, p. 150). Após 1990 as políticas de desenvolvimento chinesas apontam para quatro grandes eixos: 1) migração do modelo intensivo de crescimento para o modelo extensivo uma vez que a China se consolida como força de uma economia global de escala crescente com consequente projeto próprio de inserção internacional não alinhado às recomendações liberais; 2) aumento do poder de compra da população com melhoria do padrão de vida, resultantes da eficiência da produção de mercadorias somada a admissão de princípios pragmáticos de planejamento econômico e social; 3) adesão as regras do Partido Comunista Chinês e 4) busca de uma inserção global pacífica e harmoniosa (LEITE, 2018, p. 268). Para Anderson (2018, p.61): O desenvolvimento veio a seu tempo, e a um ritmo espetacular. O crescimento da China nos anos 1990 chegou a ultrapassar o dos anos 1980, à medida que a liberalização da economia se intensificava. No fim da década, a paisagem industrial tinha sido modificada, graças a uma reestruturação maciça das empresas estatais. Ainda em 1996, o setor estatal era responsável pelo grosso dos postos de trabalho nas cidades. A partir de 1997, porém, os funcionários provinciais foram autorizados a disporem da maioria das estatais como bem entendessem, fechando-as, remodelando-as ou privatizando-as. No decorrer do processo, a cada ano cerca de 7 milhões de trabalhadores perderam o emprego, até que, por volta de 2004, os postos de trabalho nas empresas privadas representavam o dobro dos do setor público. No mesmo período, as Empresas de Cidades e Vilas foram privatizadas em escala ainda maior, tendo apenas 10% delas ficado sob alguma forma de propriedade coletiva. O mesmo aconteceu com 80% dos imóveis residenciais urbanos. “Conservando o grande e descartando o pequeno”, no entanto, o Estado não abriu mão do controle sobre aquilo que considerava os setores estratégicos da economia: energia, metalurgia, armamentos e telecomunicações. Responsáveis por um terço do total de vendas de produtos manufaturados e apresentando altas marges de lucro, as megaempresas nesses setores-chave correspondiam a cerca de três quartos do patrimônio global das empresas estatais. A partir de 1996, a China começa a projetar crescimentos anuais de 8% do PIB levando em conta as limitações do mercado internacional e as tensões sobre o fornecimento de matérias-primas, energia e na infraestrutura de transporte em decorrência do ritmo 150 acelerado de crescimento. Começa-se a focar os nichos de alta tecnologia, onde até então alcançara-se desenvolvimento consistente em algumas áreas (POMAR, 2009, p. 27). Silva (2012, p. 156-157), coloca essa questão da seguinte forma: Durante os primeiros cinco anos do século XXI, os países asiáticos em desenvolvimento construíram uma posição internacional credora líquida positiva, seguindo o exemplo do Japão na década de 1980. […] A imagem que surge dessa visão geral é de uma Ásia em evolução, que foi capaz de arquitetar a transformação de seu modelo inicial de exportação, baseado em baixos salários, para uma integração regional mais intensa, e que conseguiu atrair uma parcela considerável da capacidade produtiva de manufaturados do mundo através de IDE, do crescimento das exportações de produtos manufaturados mais sofisticados e da sustentação de uma posição externa forte, com níveis de segurança sem precedentes contra paradas súbitas, mediante a acumulação de altos níveis de reservas internacionais. O modelo exportador chinês foi caracterizado por vender todos os bens fabricados em seu território para clientes de outros países. As exportações chinesas cada vez maiores garantem o superávit comercial e o acúmulo de reservas internacionais, uma poupança que tem três vantagens: a) o Estado tem dinheiro para fazer investimentos necessários à sustentabilidade do próprio crescimento; b) o Estado dispõe de margem de manobra para controlar o câmbio, que é desvalorizado em relação a outras moedas para facilitar as exportações, já que isso torna os produtos chineses mais baratos. c) o Estado ostenta uma espécie de colchão de proteção contra momentos de crise, em que são comuns os ataques especulativos à economia de nações emergentes. Fonte: Trading Economics: Disponível em: . Acesso em: 09 de outubro de 2019. Publicado em: 09 de outubro de 2019. Gráfico 6: Reservas internacionais da China. (Anos x US$ bilhões) 151 Ao perguntarem a Zhou Enlai, o urbano primeiro-ministro do Timoneiro Mao, que se educara na França, qual a opinião dele sobre o sucesso da Revolução Francesa, ele respondeu, sem ironia, que ainda era cedo demais para dizer. Essa resposta deixa claro a percepção que a fortuna, na China, cresceu e vazou de acordo com ciclos e é medida em séculos. Um modo de perceber esses ciclos está no acúmulo e dissipação de energia dinástica, ou no tempo que leva para o céu retirar o mandato imperial. Outra forma estaria no tempo de consolidação das tendências e ideias na China e por isso 2005 foi um ano importante onde uma ideia, mais que qualquer outra, contribuiu para fechar um ciclo que se iniciara há aproximadamente duzentos anos. Para entender esse ciclo faz se necessário remontar a chegada do lorde George Macartney à corte do imperador Qian-long, da dinastia Qing, em 1793, enviado pelo rei britânico Jorge III, trazendo como missão convencer o imperador a abrir o vasto mercado chinês ao comércio. A recepção ao veterano diplomata que servira aos interesses britânicos na corte de Catarina, a Grande, na Rússia, fora governador em Granada, no Caribe e administrara Madras, na Índia e que chegara a China com uma bagagem incomum, telescópios, planetário, globos celestes e terrestres, uma grande lente, barômetros, lustres, relógios, armas de ar comprimido, boas espadas, vasos Derbyshire, imagens de porcelana e uma carruagem, tudo intacto, no intuito de impressionar a corte de Qian-long, não fora calorosa. O diplomata se recusou ao kowtow e passou a fazer uma lista de exigências que deixara o imperador enfurecido a ponto de ordenar que seus mandarins114 o mandassem de volta pra casa com um bilhete informando ao rei Jorge que a China não tinha “a menor necessidade das manufaturas do seu país”. Sobre a viagem Macartney registrara em seu diário: seria “fútil” os chineses resistirem ao interesse britânico de abrir a China para o comércio porque seria o mesmo que tentar “parar o progresso do conhecimento humano”. Fútil ou não, durante aproximadamente os dois séculos seguintes, Qian-long e os imperadores subsequentes resistiram às ambições britânicas e de outras potências europeias de quase todas as formas que puderam. Até por meio de guerras, aqui já relatadas, como as do ópio, passaram-se períodos de abertura parcial e de reclusões atávicas estabelecendo o tom das relações com o mundo exterior até a revolução comunista de 1949 que promoveu a expulsão dos missionários estrangeiros, fechamento dos portos e a limitação das relações comerciais com os países capitalistas. Mas desde a época do contato de Macartney com a corte de Qian-long, o Ocidente tem vociferado 114 Nos antigos impérios da China, do Aname e da Coreia, funcionário pertencente à classe dos letrados e recrutado por concurso. 152 diante de uma porta chinesa que algumas vezes se vê encostada, mas nunca aberta sem reservas. Porém, nos primeiros anos do século XXI, as barreiras que restavam ao em relação ao livre comércio começaram a cair. Uma vez em pé de igualdade ao Ocidente industrializado, na medida que os sucessos chineses na manufatura começaram a ganhar o mundo, esse respondera com um não sei quanto de medidas protecionistas. Na época da disputa sobre o comércio de têxteis, que trouxe simultaneamente a União Europeia e os Estados Unidos a desentendimentos com Pequim, em 2005, ficou claro, que pela primeira vez, desde a missão de Macartney, que a China estava mais aberta para o mundo que o mundo em relação à China (KYNGE, 2007, p. 162–165). Xilai (2005), dera uma entrevista a BBC em Pequim, em tom irônico, sobre essa disputa comercial: Acho que a doutrina do comércio livre é importante. A doutrina do mercado livre impulsionou as economias da Europa e dos Estados Unidos por um caminho de desenvolvimento incomparável ao longo dos últimos duzentos anos. Tem também sido uma doutrina que a Europa e os Estados Unidos propagaram como gloriosa. Eles brandiram a bandeira do mercado livre e foram pelo mundo afora fazendo comércio, ganhando dinheiro e tornando-se países desenvolvidos. Mas agora, que um país em desenvolvimento bastante pobre e que tem um PIB per capita de apenas 1/30 do deles fundou algumas poucas companhias têxteis que finalmente conseguem competir com contrapartes europeias, eles querem fechar suas portas e envolver-se em protecionismo. Na verdade, esse é o caso de dois pesos e duas medidas. Quando eles tinham uma vantagem comparativa, encorajaram o mundo todo a abrir suas portas, mas quando descobrem que um país em desenvolvimento está se tornando mais competitivo, eles dizem: “Tudo bem, basta. Agora vamos fechar a porta” (XILAI, 2005 apud KYNGE, 2007, p. 165). Replicando o desenvolvimento econômico japonês e sul-coreano, a ampla disseminação da educação e formação profissional teve resultados diretos na intensidade e velocidade do progresso tecnológico. A partir do século XXI são criadas redes de inovação em indústrias nacionais com registro crescente de patentes e uma explosão de marcas e produtos chineses que concorrem em pé de igualdade com as grandes marcas estrangeiras produtoras de bens de consumo com alto grau de sofisticação tecnológica. Para Jabbour (2012), um aspecto importante para a análise do crescimento chinês estaria na concomitância e similaridades entre as taxas de crescimento e de poupança: a taxa de poupança média da década de 1980 foi de 35,1% do PIB, alcançando em 2003 43,17%, sendo que, nesse mesmo ano de 2003, a taxa de investimento da China foi de 42,16%, taxa essa essencial para sustentabilidade de um crescimento a longo prazo. A taxa de formação de 153 poupança tem um papel decisivo como enorme reserva para a se lançar mão caso aconteça algum problema na captação de reservas externas como acontecera na crise financeira de 1997 assim como após a crise de 2008. Outra temática importante é o aumento da dependência de fontes externas de matérias- primas devido ao crescimento acelerado da China. Em 2003, a China absorveu “30% da produção mundial de carvão, 36% da de aço e 55% da produção mundial de cimento 115”. De uma relativa autossuficiência em petróleo em 1990 atingiu a segunda posição em importação do produto em 2003, atrás somente dos Estados Unidos. Procuraram associar-se a exploradores de petróleo da bacia do mar Cáspio e abriram negociações com a Arábia Saudita para garantir o acesso aos estoques do Oriente Médio. A disputa pelo petróleo causou tensões com os Estados Unidos em países como o Sudão e o Irã. Entrou em disputa do petróleo russo com o Japão e quadruplicaram as importações da Austrália em 1990 na prospecção de novas fontes de metais. Numa busca desesperada por metais estratégicos como cobre, estanho, minério de ferro, platina e alumínio, a China fechou acordos com o Chile, o Brasil, a Indonésia, a Malásia e muitos outros países. Aumentou as importações de produtos agrícolas e madeira, a destacar a soja, comprada no Brasil e Argentina, dando um novo alento a suas economias. A demanda chinesa por sucata ampliou de tal forma que elevou os preços em todo mundo. O próprio Estados Unidos se beneficiou pela demanda chinesa por máquinas de terraplenagem (Caterpillar) e turbinas (GE). A China se transformou no principal destino de produtos exportados por vários países do mundo (HARVEY, 2008, p. 150-151). Considerada as limitações geográficas chinesas associadas aos processos característicos do crescimento econômico chinês a saber: barateamento da mão de obra responsável pelo aquecimento da indústria de transformação resultando em aumento de demanda por bens primários com expressiva redução dos custos dos bens finais; processo de industrialização demandante de aceleração de urbanização que por sua vez fomentou a indústria da construção civil e em conseguinte, a demanda por minerais; e, a gradual melhora de renda com ampliação do mercado interno apresentando crescimento e diversificação da oferta de alimentos, levaram a uma pressão sobre a demanda internacional por commodities com consequente subida em seus preços. O crescimento contínuo e acelerado do PIB chinês impactou profundamente os fluxos de comércio exterior. Para exemplificar, numa análise do comportamento das importações mundias de produtos básicos e tendo como amostra duas 115 Fonte: ( BRADSHER, 2004 apud HARVEY, 2008, p. 151) 154 categorias diferenciadas, a saber: a) minérios, escórias e cinzas; e b) sementes e frutos oleaginosos, grãos, sementes e frutos diversos, plantas industriais ou medicinais, palhas e forragens. Escolha baseada em commodities tradicionalmente exportadas pelo Brasil à China (minério de ferro e soja). A China foi responsável pela importação de 13,3% da importação mundial de minério em 2001 e chega a 51,2% em 2015. Comércio esse que não ficara imune a crise dos subprimes em 2008, registrando retração recorde de 19% em 2009, abaixo da queda mundial que esteve em 30,4% no mesmo ano, oscilando desde então. Já as importações globais de sementes e frutos oleaginosos, grãos, sementes e frutos diversos, plantas industriais ou medicinais, palhas e forragens tiveram seus valores de importação com crescimento exponencial. Dos US$ 22 bilhões importados mundialmente dessas commodities em 2001, a China participava com US$ 3 bilhões, ou 14,8% do total. Em 2015, as importações chinesas no setor agrícola, categoria dos produtos supracitados, atingiram US$ 94 bilhões, correspondendo a 42% do total importado no mundo. Uma variação de 318% e mesmo sendo pouco suscetíveis as oscilações da economia mundial, uma vez que o fator preponderante para o crescimento estar no aumento do consumo de alimentos fruto do crescimento da renda do povo chinês, em 2009, as importações mundiais de sementes, grãos e frutos recuraram 14,8% e, após cinco anos de retomada do crescimento, voltaram a cair em 13,8% no ano de 2015 116 (LEITE; NETTO, 2018, p. 284-285). Os chineses sabem por experiência própria o quanto a falta de recursos pode travar o crescimento de uma nação. Um dos principais motivos pelos quais o país se desgarrou do desenvolvimento europeu no século XIX foi que o aumento na demanda por madeira por parte de uma população em crescimento elevou os preços a tal ponto que acabaram por inibir a atividade econômica. O custo de construção de um navio oceânico em 1820, por exemplo, era sete vezes maior que em 1550, de modo que os navios mercantes eram, cada vez mais, construídos nos estaleiros do sudeste asiático, onde as fontes de madeira eram abundantes. Os navios usados pelos chineses na dinastia Ming pesavam até 7 mil toneladas ficando proibitivamente caro durante a maior parte dos trezentos anos antes da era atual ajudando a compreender o porque da China se voltar para si mesma (KYNGE, 2007, p. 183). Junte-se o crescimento do poder de compra da classe média chinesa a um rápido processo de urbanização tem-se como resultado uma pressão sobre a produção agrícola do país e uma rápida transformação os hábitos alimentares da população. Os preços do retalho de 116 Fonte: (INTERNATIONAL TRADE CENTER, 2016 apud LEITE; NETTO, 2018, p. 284-285). 155 carnes de vaca e porco subiram em torno de 80% entre 2009 e 2013 e as importações de laticínios quadruplicaram no mesmo período117. Acrescente a esse contexto, níveis elevados de poluição. Estatísticas oficiais chineses dão conta que mais de 70% do lençol freático do país localizado na grande planície norte encontra-se num nível tal que se tornou impróprio para o consumo humano e um sexto dos terrenos destinados à agricultura estão contaminados segundo o próprio ministro da Proteção Ambiental da China118. Outro problema está na qualidade péssima do ar respirado pelos chineses nos grandes centros industriais e na região do delta do rio Yang-tsé o que leva o governo a fomentar tecnologias ambientais e ecológicas que possam dar à China uma sustentabilidade ecológica. Há segundo o FMI uma transformação econômica em curso na China, o crescimento de alta velocidade para um crescimento de alta qualidade. Os excedentes produzidos de aço, cimento e metal agora teriam mais utilizados no estrangeiro, o mesmo se aplicando a toda a mão de obra utilizada nos projetos de infraestrutura em larga escala produzidas até então na China (FRANKOPAN, 2019, p. 102-103). As necessidades de recursos pelos chineses acabaram elevando os preços internacionais das commodities mais procuradas. Fenômeno contrário já fora registrado na história, quando nas últimas três décadas do século XIX preços de grãos e carnes caíram nos Estados Unidos quando a utilização de terras até então virgens aumentou a oferta de alimentos. Porém, na China, quase metade das terras é inabitada, de tal maneira que um quinto da humanidade está amontoado em apenas 7% da terra cultivável do mundo119. O produtor interno não só tem dificuldade em acompanhar o ritmo acelerado de crescimento da demanda doméstica, como a constante degradação do meio ambiente e a exploração dos recursos naturais também indicam que a capacidade dos produtores conseguirem responder a demanda na realidade tem regredido com o tempo. As centenas de milhões de chineses que começaram a experimentar um novo padrão de vida, mais alto que o historicamente registrado, exige uma oferta maior de combustível, metais, alimentos, materiais que simplesmente não estão disponíveis em quantidades suficientes dentro dos limites de sua nação ambientalmente exaurida (KYNGE, 2007, p. 176-177). A China, um país populoso e diverso, com regiões de características geográficas tão marcantes e distintas conseguiu em pouco tempo números econômicos ainda não registrados 117 Fonte: (WENDLANDT, 2018 apud FRANKOPAN, 2019, p. 102) 118 Fonte: (LAVITO, 2017 apud FRANKOPAN, 2019, p. 102) 119 Fonte: FAO. Disponível em: 156 na história e contou com medidas tomadas pelos seus líderes diante dos desafios internos e externos um bom índice de sucesso. Crises econômicas regionais ou de escala mundial estiveram sempre às portas do crescimento chinês e em 2008 uma de proporções mundiais explodira resultando em mudanças de rumo na China. 2.7 Desafios pós-crise financeira internacional de 2008 Em meados de 2008 o sistema financeiro foi abalado por uma grande crise no setor financeiro. Fruto de uma onda especulativa, a crise chegou a realidade concreta comprometendo a produção, o investimento e o emprego. Sua extensão e magnitude pode ser avaliada por alguns dados registrados: i) o produto interno bruto sofrera uma enorme desaceleração perdendo 1,5% somente em 2008 com perdas superiores a US$ 1 trilhão. Somente no último trimestre de 2008 os índices registraram uma contração anual dos países desenvolvidos superiores a 4%; ii) a produção industrial caiu cerca de 15% em termos de taxa anual somente no quarto trimestre de 2008 com as exportações industriais atingindo uma queda de 30% anuais. O mercado de trabalho entrou em crise profunda; iii) os mercados de crédito se contraíram com insuficiência de capital; e iv) registrou-se uma fuga de capitais nos mercados emergentes. A economia da América Latina, por exemplo, teve uma desvalorização superior a 10%. O fluxo líquido de financiamento privado, que em 2007 era de US$ 183,6 bilhões, caiu para US$ 89 bilhões em 2008 e para US$ 92,1 bilhões em 2009 (LAVAGNA, 2012, p. 65). A crise financeira mundial e norte-americana de 2007/2008 foi um sinal de alerta de que o modelo asiático de crescimento voltado para a exportação alicerçado principalmente no consumo das famílias norte-americanas chegara a seus limites. Uma mudança de estratégia era preciso e principalmente a China, deveria focar no fomento de seu enorme mercado interno para continuar a crescer sua economia. O risco do colapso financeiro durante o boom de consumo liderado pelos EUA entre 2003 e 2007 era conhecido mas ninguém estava disposto e/ou capacitado a enfrentar uma catástrofe que se anunciava próxima. A capitalização total do mercado de ações caiu quase pela metade em 2008, ou seja, aproximadamente US$ 30 trilhões em riqueza desapareceram em 2008. Ao final de 2008, apenas nos Estados Unidos, a perda de riqueza das famílias afetadas pela queda nos preços dos imóveis foi de aproximadamente US$ 4 trilhões com essas perdas comprometendo fortemente o consumo e a poupança. Os setores da economia real também foram contaminados pela crise financeira. A 157 produção industrial no primeiro trimestre de 2009 caiu 23% na Europa oriental, 62% no Japão e 42% na Alemanha, medida por taxas anuais sazonalmente ajustadas. A produção industrial mundial caiu 28% no primeiro trimestre, e mais 22% no último trimestre de 2008, antes de se estabilizar em um ritmo de contração de 19% em abril de 2009. Durante o primeiro trimestre de 2009, em economias do Leste asiático com a China e o Japão, as exportações caíram 50% ou mais, e 43% na Coreia registrando nesse ano, as maiores quedas de fluxo comercial desde 1929. A crise expôs exponencialmente a extensão da estratégia asiática, em especial da China, de apostar no mercado de consumo norte-americano mantendo sua moeda subvalorizada, protegendo-se através de controle de capital e instrumentos de crédito criando níveis sem precedentes de reservas internacionais, na sua maioria através de títulos do Tesouro dos Estados Unidos (SILVA, 2012, p. 167–169). A crise financeira global que se abateu sobre o mundo em 2008 foi essencialmente uma crise ocidental, mas a China teve que responder porque os mercados estadunidense e europeu, dos quais ela dependia bastante, caíram muito inicialmente o que provocou os chineses a responderem promovendo um enorme programa de estímulo, disponibilizando grandes quantias de dinheiro para a economia e tendo como consequência um crescimento ainda alto em relação as médias mundiais mas em queda em relação a média dos últimos 20 anos antes da crise. Procurou-se mudar o centro de gravidade da economia chinesa que a partir de 1978 propôs reformas a se tornar uma economia voltada para a exportação, já discutidas aqui, e agora vai em direção a uma economia cada vez mais dependente do consumo interno, da pesquisa e do desenvolvimento, e com uma taxa de crescimento menor. A nova norma para uma taxa de crescimento é entre 6,5 e 7%, o que a China tem mantido de 2012 até 2018, e mesmo assim com um impacto global ainda enorme: a China tem sido, desde a crise financeira ocidental, responsável por algo entre 40% e 50% do crescimento global (INSTITUTO HUMANITAS USINOS, 2018, n.p.). O sistema financeiro asiático teve pouca exposição direta aos produtos subprime dos EUA. No entanto, os efeitos indiretos da crise financeira mundial foram proporcionais à grande integração da Ásia aos mercados financeiros internacionais, especialmente ao G-2 (EUA e Área do Euro). A dependência de fluxo de financiamento foi aumentada pelos bancos asiáticos, e, quando o fluxo de financiamentos internacionais ficou negativo, a região foi atingida. Isso também implicou a redução de fundos para os mercados emergentes asiáticos e em um acesso restrito ao financiamento de títulos e saídas generalizadas de mercados de capital regional, que afetarem especialmente os mercados de capitais asiáticos (SILVA, 2012, p. 163). 158 No início da crise financeira internacional, em 2008, entre as 100 empresas mais internacionalizados do mundo, 13 eram chinesas. Empresas como a CITIC, a China State Construction Engineering e a Sinochen possuíam cerca de 20% de seus ativos no exterior, sendo que a Cosco, a mais internacionalizadas delas, possuía mais de 70%. Somente em 2010, os 10 principais projetos de compra pelo Estado chinês superavam cada um a marca de US$ 1 bilhão, exemplificando na compra de empresas como as Staoil, a Galp e a Repsol (MENEZES, 2018, p. 214). De 2007 a 2012, a crise norte-americana com baixa produtividade, queda do PIB, diminuição do consumo e por consequência aumento do desemprego além dos Estados Unidos causou um efeito dominó sobre as demais economias globais. Os EUA eram os maiores importadores do mundo em 2008, com um montante de US$ 2,2 trilhões e terceiro colocado na lista dos maiores exportadores com um volume de US$ 1,8 trilhões. Com suas empresas espalhadas em mais de 193 países, a recessão norte-americana fez com que fossem diminuídas substancialmente o volume de suas importações afetando países de todo o mundo e em especial a China (ibdem, p. 214-215). Para Belluzzo (2010, n.p.), uma medida importante tomada pelo governo central chinês em resposta a crise de 2008 foi o pacote de estímulo de US$ 586 bilhões o que fez com que o preço das commodities não tivessem uma queda muito expressiva, medida que acabou por beneficiar os países periféricos: A partir do segundo semestre de 2009, o comércio mundial começou a emergir (+0,5%) do mergulho profundo em que se lançou entre 4ª trimestre de 2008 (-7,8%) e o 1º trimestre de 2009 (-10,7%). Essa modesta estabilização do comércio mundial foi promovida, sobretudo pelas importações dos países asiáticos que cresceram 7,2% no período enquanto as importações dos países desenvolvidos continuaram a se contrair. Em 2012, Hu Jintao passou o poder ao novo presidente Xi Jinping120 deixando um grande desafio, governar um gigante em que se transformou a China nas últimas décadas com uma economia em fase de desaceleração dando a impressão de um esgotamento do processo de crescimento cabendo ao Xi e seu primeiro-ministro Li Keqiang a tarefa de encontrar novas soluções de manutenção da estabilidade econômica e política da China. Ascendendo ao poder, 120 Xi Jinping nasceu em 1953, segundo filho de Xi Zhongxun, revolucionário comunista desde os tempos da Longa Marcha ao lado de Mao Tsé-Tung. Como filho de um dos primeiros revolucionários, Xi Jinping foi educado nas escolas de elite da aristocracia vermelha chinesa onde as crianças aprendiam qual era seu lugar na sociedade chinesa e qual suas responsabilidades futuras no establishment do país. Ver em: (CARLETTI, 2018, p. 27). 159 Xi tem procurado complementar a reemergência da milenar civilização chinesa rompendo com a tradição até então dos seus antecessores de “ascensão pacífica” ou “desenvolvimento pacífico” trazendo a baila um cunho nacionalista só visto nos tempos de Mao Tsé-Tung. A construção de ilhas artificiais no disputado mar da China Oriental e da primeira base militar fora da China, em Djibuti121 na África ao lado das bases militares da França, Itália e Estados Unidos demonstram que a China atualmente querem defender seus interesses, ainda que discretamente, de forma firme (CARLETTI, 2018, p. 25-31). O Investimento Externo Direto (IED) vindos do exterior acelerou no início da década de 1990 e teve uma contribuição importante para o “milagre” do crescimento econômico da China. A partir dos anos 2000, em decorrência da entrada da China na Organização Mundial do Comércio, os IEDs implementados pela China aumentaram consideravelmente com empresas chinesas sendo encorajadas a investir no exterior para “promover as exportações de commodities e de serviços de trabalho”. Com o intuito de cumprir as regras da OMC, o governo liberalizou os procedimentos de verificação e aprovação para o IED em 2004 com o desenvolvimento da política Going Global122 e dado o sucesso da política transformou a China no terceiro maior investidor global atrás dos Estados Unidos e do Japão. No início de 2015, a China tornou-se um exportador de capital líquido pela primeira vez em sua história (MA; OVERBEEK, 2018, p. 73-74). Em um determinado momento os excedentes internos acumulados necessitam de uma saída externa quando acontece uma bem-sucedida acumulação de capital. Um dos caminhos encontrados pela China foi financiar a dívida norte-americana e paralelamente abrindo o 121 O Djibuti está localizado na zona estratégica conhecida como Chifre da África, zona de passagem problemática situada entre o golfo do Áden e o Mar Vermelho (que faz a ligação com o canal de Suez), por onde transitam 30% do transporte de mercadorias no mundo. No Djibuti tem uma base militar francesa desde sua independência à França em 1977. Desde 2014, com redução pela metade das forças de segurança francesas na ex-colônica devido às dificuldades orçamentárias advindas de Paris, Arábia Saudita dentre outras nações se interessaram em construir outras bases na região. A Turquia mantém uma presença próxima na Somália e o Japão resolveu expandir sua base militar no próprio Djibuti, estando todas essas bases próximas das construídas pelos Emirados Árabes Unidos em Assab, sul da Eritreia, já em operação e com capacidade de acolher caças-bombardeiros e tanques, além de servirem de ancoradouro a embarcações militares. Junto à costa, não muito longe, o Qatar financia a construção de um porto na cidade de Suaquém, Sudão, avaliado em US$ 4 bilhões, maior porto do Mar Vermelho e igualmente armado. Rússia, Estados Unidos e China também voltaram suas ambições armamentícias para esse minúsculo país e esse último deu início à construção de uma base naval no país em 2016 em troca de empréstimos recebidos pelo chinês e eventual perdão das já contraídas dívidas. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 133-134). 122 Em resposta à crise financeira asiática em 1997 sobre as exportações da China, a política Going Global pretendia que as empresas chinesas tivessem acesso a recursos baratos no exterior para reduzir os custos de produção e promover exportações. Em 2001, a política Going Global foi incorporada no 10º Plano Quinquenal (2000-2005) para incentivar o investimento no exterior, a fim de criar empresas multinacionais competitivas e marcas internacionais e ajustar a estrutura industrial doméstica. Ver em: (MA; OVERBEEK, 2018, p. 89). 160 mercado para produtos chineses e com a concomitância do yuan convenientemente atrelado ao dólar. Em tempo, empresas chinesas exportadoras garantiam seus espaços nos mercados internacionais. Televisores seriam montados na Hungria assegurando acesso ao mercado europeu e na Carolina do Norte garantindo a entrada nos Estados Unidos. Empresas chinesas criaram montadoras de carros na Malásia e investiram no turismo da região do Pacífico atendendo sua própria demanda em crescimento (HARVEY, 2008, p. 152). Apesar da China ser a segunda maior economia do mundo, o maior país exportador e o segundo maior destino dos Investimentos Estrangeiros Diretos, sua moeda ainda não reflete sua importância na economia mundial. Para tanto, a partir da crise de 2008, a China pressionou os organismos internacionais por ações e medidas reconfiguradoras das regras do sistema monetário financeiro internacional e em especial na criação de uma moeda reserva com maior estabilidade e flexibilidade na oferta com o objetivo de ajustar às mudanças de demanda desvinculando as condições econômicas e interesses de um único país123. O resultado de toda essa pressão resultou em que, em outubro de 2016 o renminbi se tornou a primeira moeda de um país emergente a ser incluída na cesta de moedas que determinam o valor dos Direitos Especiais de Saque (DES)124, a “moeda” do Fundo Monetário Internacional (FMI). Emitidos por uma instituição multilateral, o DES torna-se uma boa alternativa à predominância do dólar nas transações econômicas internacionais. Composta até então por uma cesta de moeda que incluía além do dólar, o euro, o iene e a libra esterlina, a inclusão do renminbi nesse clube restrito, açambarcada pelos países-membros do FMI, é vista pelos chineses como um passo importante na internacionalização de sua moeda e por outro lado um reconhecimento do Fundo pelas reformas de liberalização da economia chinesa. (MARTINS, 2018b, 323-324). A crise das hipotecas subprime em 2008 nos Estados Unidos fez emergir os problemas estruturais do sistema monetário internacional e um questionamento maior ao papel central do 123 A China num documento do presidente do Banco Popular da China (banco central chinês), Shou Xiaochuan, em 2009 fez críticas e pleiteou a ampliação dos Direitos de Especiais de Saque no cenário econômico global para que não fossem usados somente entre governos e instituições internacionais, mas também como forma de pagamento no comércio internacional e em transações financeiras privadas. Ver em: (MARTINS, 2018b, 328. 124 Os DES são um ativo fiduciário internacional emitido pelo FMI e correspondem a uma “verdadeira” moeda internacional, ao não estarem vinculados a qualquer Estado, isto é, por serem emitidos por uma instituição multilateral. Em 1968, os países industrializados autorizaram o FMI a criar os DES, inicialmente para suplementar o dólar e o ouro como moeda internacional. Eles entraram em vigor em 28 de julho de 1969, tendo por objetivo atender à necessidade mundial de complementar os ativos reserva existentes a fim de evitar a estagnação econômica e deflação, assim como o excesso de demanda e inflação no âmbito mundial. Com eles, intentava-se apoiar a expansão do comércio e das finanças. Ver em: (MARTINS, 2018, p. 327). 161 dólar na economia global. Muitos analistas apontam a forte participação da política monetária americana na formação da bolha imobiliária como causada da grave crise econômica mundial em 2008 causando um grande desconforto à grande subjugação da economia global à macroeconomia americana. A robustez da economia americana pós segunda-guerra mundial tem diminuído com sua participação nas exportações globais caindo para 13% acompanhando a queda nos investimentos externos estrangeiros na primeira década do século XXI, 20% contra 85% entre 1945 e 1980. Questiona-se também a qualidade do ensino ofertada pelos norte-americanos que não mais atende a alta competitividade da economia internacional. Os investimentos em inovação tecnológica, fundamental para os importantes avanços na última metade do século XX, têm sido negligenciados pelo governo colocando os Estados Unidos numa situação cada vez mais vulnerável (ibdem, 324-325). A recente crise pautou a discussão sobre a reforma da ordem monetária internacional. Os DES que sempre tiveram um papel secundário desde sua criação agora ressurge como a possibilidade de ser o que até então não fora, uma moeda internacional independente colaborando para uma maior estabilidade cambial e financeira diminuindo a dependência aos Estados Unidos enquanto fornecedor de liquidez mundial. A partir de 2008 a China vem adotando políticas propositivas com o objetivo de fortalecer o renminbi como uma moeda reserva internacional diminuindo, por exemplo, a necessidade de acumular moedas estrangeiras. A conversabilidade “limitada” restringe o uso da moeda chinesa como forma de pagamento nas transações internacionais e por isso mesmo o país vem adotando medidas com o intuito de aumentar gradativamente o uso de sua moeda globalmente. Outras vantagens estariam em aquisição de maior poder de influência nas relações monetárias internacionais; facilidade na emissão de títulos de dívida (que pode ser uma boa fonte de recursos internacionalmente); redução da vulnerabilidade à variação nas taxas de câmbio e diminuição nos custos de transação e de aquisição de capitais. É importante observar que a questão aqui é de prover alternativas ao dólar, mas não desprestigiar de todo a moeda americana uma vez que a China detém enormes reservas monetárias onde 70 a 75% estimam-se estarem aplicadas em ativos denominados em dólar. A desvalorização dessas reservas causariam grandes perdas aos próprios chineses (ibdem, p. 329-339). A China continua tendo grandes superávits comerciais com o resto do mundo (o superávit comercial com os EUA pode atingir US$ 400 bilhões em 2018) e com este dinheiro consegue financiar sua expansão global e avança na produção de bens e serviços de alto valor 162 agregado. Os líderes de Pequim dizem abertamente que querem deixar para trás sua reputação de fornecedora de sapatos, roupas e brinquedos baratos passando de país de mão de obra de baixo custo a um país de engenheiros e cientistas, deixando de ser a fábrica do mundo para ser o centro tecnológico do mundo. Para fugir das tarifas alfandegárias, várias empresas chinesas estão mudando para o sudeste asiático (Vietnã, etc.) e para a África (Etiópia, Djibouti etc.). Por outro lado, hoje em dia, a China é o país que mais forma doutores universitários e tem um plano para ser líder tecnológico, inclusive no campo da Inteligência Artificial: “Made in China 2025” (ALVES, 2018, n.p.). O projeto 2025 chinês está baseado em políticas públicas de apoio financeiro a partir de fundos de investimentos públicos e fundos privados de capital de risco com objetivo de impulsionar avanços tecnológicos em dez áreas estratégicas: tecnologia de informação, máquinas inteligentes e robótica, equipamento espacial e aviões, veículos movidos a energia alternativa, biomedicina e aparelhos médicos de alto desempenho (BELLUZZO, 2018 apud ANDERSON, 2018, p. 20). A crise demonstrou e está claro nas intervenções dos líderes chineses ou do governo norte-americano e outros governos mais, que a verdadeira instituição “de último recurso” de cada país é seu próprio Estado. Foi com o Estado que cada sociedade nacional se agarrou na tentativa de superação da crise (BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 53). Para Mason (2017), precisamos entender desde o início que o neoliberalismo125 só pode existir porque certos países-chave não o praticam. A Alemanha, a China e o Japão seguem aquilo que seus críticos chamam de “neomercantilismo”: manipulam seu comércio, seu investimento e suas posições monetárias para acumular um grande montante de dinheiro de outros países. Esses países superavitários costumavam ser vistos como retardatários econômicos, mas no mundo pós-crise eles estão entre as poucas economias que permanecem de pé. O neoliberalismo e a financeirização afloraram com a globalização comercial e financeira, porém, essa última se fez numa necessidade do capitalismo com a melhoria da 125 O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria. A mensagem de Hayek é drástica: “Apesar de suas boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão uma servidão moderna”. Ver em: (ANDERSON, 1995, p. 1). 163 logística e da comunicação propiciando uma produção global, já os primeiros não foram naturais e nem necessários, foram uma perversão do desenvolvimento capitalista. Chesnais (1994, 206 apud BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 40) percebeu esse fenômeno precocemente declarando que “a esfera financeira representa a ponta de lança do capital; aquela em que as operações atingem o mais alto grau de mobilidade; aquela em que a lacuna entre as prioridades dos operadores e a necessidade do mundo se revela mais aguda”. Não se limitando ao comércio, a globalização e a liberalização financeira levou os países em desenvolvimento, a exceção dos países asiáticos em crescimento acelerado, ao descontrole sobre suas taxas de câmbio e a bancarrota devido a crises recorrentes de balanço de pagamentos. Uma vez limitada a abertura financeira, o sistema capitalista estaria mais estável e mais eficiente. Não por acaso, os países asiáticos em crescimento acelerado entraram de cabeça na globalização comercial, mas tiveram extremos cuidados e restrições a liberalização financeira (BRESSER- PEREIRA, 2012, p. 40). As medidas macroeconômicas implementadas pela China após a crise de 2008 reordenaram o fluxo de capital no mundo. A China ainda é grande destino de Investimentos Externos Diretos, mas agora também é uma grande exportadora de capitais. Os grandes montantes em reservas internacionais são mais que garantias para suas transações comerciais internacionais, após a crise foram usados para aquisição de ativos baratos pelo mundo e investimentos principalmente em infraestrutura, primeiro nos vizinhos asiáticos, depois no continente africano, na Europa e na América Central e do Sul. Os chineses agora prospectam o mundo em busca de oportunidades. 2.8 Rumo ao Estrangeiro – Going Global (zouchuqu zhanlue) Com o objetivo de utilizar seus excedentes, o governo central chinês resolveu investir em projetos nas suas províncias mais afastadas, até como meio de consolidar as instituições governamentais em algumas dessas províncias tidas como rebeldes. Nesse processo os tentáculos chineses se estenderam aos vizinhos com objetivos não só econômicos mas também geopolíticos. E assim deu-se o início do avanço chinês sobre o mundo inteiro. Segundo Leite (2018), os investimentos estratégicos chineses não se restringiram ao ambiente doméstico, é certo que boa parte foi realizado na criação de infraestrutura, capacidade produtiva, rede logística interna e fornecimento de bens essenciais para a 164 população, porém, outro montante relevante teve seu destino para fora do país, em especial, no continente africano e latino-americano, principalmente após 2001, ano da integração oficial da China na Organização Mundial do Comércio. Antes disso, na década de 1990, a China já investia no seu entorno regional com objetivo claro de integração geoeconômica, principalmente na região asiática do pacífico e na Ásia Central. A China desenvolveu, com grande velocidade, uma presença em muitos países em desenvolvimento levando a uma demanda crescente por produtores de commodities, especialmente em países mais pobres, do petróleo a metais como o minério de ferro tendo um efeito poderoso sobre as suas economias. Na África e no Sudeste Asiático, as empresas chinesas têm sido um ator importante no desenvolvimento do início de uma capacidade de produção séria em lugares como a Etiópia126, que, em geral, nunca a teve antes. Após décadas de acúmulo financeiro, os chineses adentram com muita força na era da internacionalização de seu próprio capital. Os fluxos de investimento direto chinês no mundo se multiplicaram por mais de 60 vezes entre 1990 e 2008, segundo os dados da United Nations Conference of Trade and Development (UNCTAD). Em 1979, quando a China iniciou seu processo de abertura, esses investimentos saíram de um valor próximo a zero para atingir US$ 830 milhões em 1990 e, posteriormente, US$ 52,1 bilhões em 2008 (JABBOUR, 2012, p. 302). Com objetivo estratégico, a partir da primeira década do século XXI, a China tem estreitado seus laços com a África. Em 2007, o ICBC comprou 20% das ações do Standard Bank, o maior banco africano, à época, o maior investimento chinês realizado no exterior. Investidores chineses se interessam na África, especificamente na melhoria de sua infraestrutura, facilitando o acesso aos seus recursos naturais e a longo prazo, melhorando as 126 As empresas chinesas estão a deslocar a produção crescentemente para a Etiópia, aproveitando o custo mais reduzido da mão de obra. A fábrica da Indochine International em Hawassa é um exemplo desta estratégia, com planos para contratar 20 mil etíopes até 2019, depois de 24 meses de construção. Os etíopes que acabam por trabalhar nas fábricas chinesas são sobretudo mulheres, com salários base de cerca de US$ 25 por mês. Os produtos são básicos, semelhantes aos que a própria China dominava há alguns anos, mas nos quais está a perder competitividade, face ao aumento de salários. O governo etíope atrai as organizações com incentivos fiscais, promessas de investimento nas infraestruturas e trabalho muito barato. E são os chineses, bem como cidadãos do Sri Lanka, que agora agem como intermediários para colocar a produção de marcas como a Guess, a Levi’s e a H&M, entre outras. Desde 2014 foram inaugurados quatro mega parques industriais, com donos privados, na Etiópia, que deverá contar com mais oito até 2020. Os grupos industriais que se instalam no país estão isentos de impostos nos primeiros cinco anos, assim como de tarifas na importação de bens afetos à produção e materiais de construção. Por sua vez, a Etiópia recebeu, entre 2010 e 2015, US$ 10,7 bilhões (8,6 bilhões de euros) em empréstimos da China, segundo uma iniciativa da Universidade Johns Hopkins que analisa as relações entre chineses e africanos. Muito deste dinheiro está a ser usado em contratos com empresas provenientes da China e que estão a construir estradas, barragens e redes de telecomunicações na Etiópia. Em 2025, o governo etíope acredita que haverá dois milhões de empregos na área da produção industrial. Ver em (PORTUGAL TEXTIL, 2018, n.p). 165 condições de vida miseráveis da população africana. Há poucas décadas a China se encontrava tão pobre como o Malaui e os líderes africanos acreditam que se conseguirem atingir ao menos metade do sucesso econômico chinês das últimas décadas o continente seria transformado (NAISBITT, 2011, p. 28). A reorientação do eixo econômico para a Ásia é uma consequência do colossal endividamento dos Estados Unidos diante do Japão, da China e dos países petrolíferos do golfo Pérsico; o déficit comercial total dos EUA chegou a 6% do PIB em 2005, com a China e o Japão detendo em conjunto, 40% do total. Foram mais de três décadas de “financiamento mercantilista” até a implosão do sistema financeiro em 2008 com os EUA se mantendo com a venda de obrigações do Tesouro norte-americano. O acúmulo de dólares dissociados da produção gerou no mundo um excesso de liquidez que buscava reprodução urgente, com fluxos de capital na sua maioria controlada por fundos de pensão americanos com os avanços no setor de telecomunicações permitindo o deslocamento rápido e em tempos cada vez menores no mundo inteiro. Desde meados dos anos 1980, capitalistas ocidentais investiram pesadamente nos países asiáticos da costa do Pacífico, onde em alguns, esses investimentos vieram a representar 75% da acumulação local de capital financiando a modernização do Japão127 e da China no século XX (OLIVEIRA, 2012, p. 88). Houve uma necessidade urgente de redirecionamento de parte dos excedentes de capitais chineses para investimentos no exterior. Correu-se o risco da China replicar um erro japonês que pensou ser possível ancorar seus excedentes nos bônus do Tesouro dos EUA levando o Japão a uma crise de superprodução prolongada. Um cenário ideal para que empresários brasileiros contemplassem em seus planejamentos estratégicos a exportação de produtos para segmentos do mercado chinês com fortes sinais de demanda, a importação de equipamentos e máquinas que não produzimos e, principalmente, a atração de investimentos chineses para adensar nossas cadeias produtivas elevando a capacidade produtiva brasileira (POMAR, 2009, p. 176-177). Dizem que o futebol foi inventado na Inglaterra. Dizem, por que segundo a FIFA, a associação internacional que rege o esporte, há testemunhos que na China, mais 127 O Japão que chegara tardiamente à industrialização no final do século XIX, muito baseada no modelo alemão, teve suas ambições praticamente destruídas com a derrota na Guerra do Pacífico mas fora o escolhido para servir de viga mestra do edifício econômico e estratégico da pax americana no Pacífico ocidental após a vitória dos comunistas de Mao Tsé-Tung na China pondo fim ao objetivo de Roosevelt de colocar os nacionalistas de Chiang Kai-shek no comando de uma Ásia “pacífica e democrática”. A Guerra da Coreia veio a calhar para se criar um verdadeiro Plano Marshall para o financiamento da segunda industrialização do Japão. Ver em: (OLIVEIRA, 2012, p. 89). 166 especialmente, na dinastia Han (206 a.C. - 220 d.C.) já se praticava um jogo chamado de cuju onde jogadores tinham como objetivo chutar uma bola de couro enxertada com penas para dentro de uma rede erguida sobre duas estacas de bambu. Mas não precisamos ir tão longe, os grandes clubes da cidade de Birmingham na Inglaterra hoje tem como proprietários ninguém menos que os chineses. Aston Villa, o West Bromwich Albion, o Birmingham City e o Wolverhampton Wanderes se juntaram ao AC Milan e o Inter de Milão, dois dos maiores times da Itália que desde 2017 também foram adquiridos por compradores chineses (FRANKOPAN, 2019, p. 31-32). Nos Estados Unidos, o time de basquetebol Brooklyn Nets, os hotéis Waldorf Astoria e o Plaza em Nova Iorque, bem como a Warner Music, são apenas algumas das empresas e marcas registradas com participação total ou societária de chineses. A Legendary Entertainment, famoso estúdio de Hollywood já é parte integrante da Dalian Wanda Group de propriedade do magnata dos negócios, o chinês Wang Jianlin, a quem pertencem também as cadeias de cinema Odeon, UCI, Carmike e Hoyts, espalhadas pela Europa, Estados Unidos e Austrália (com um total de mais de 14 000 salas), assim como a empresa de iates Sunseeker e a Infront Sports and Media, que detém os direitos de transmissão por exemplo, dos Mundias de futebol de 2018 e de 2022 (ibdem, p. 34-35). Esses altos investimentos satisfazem fervorosas paixões sem perder o caráter da seriedade pela vultuosidade e são resultantes das reconfigurações do PBI mundial ao longo dos últimos vinte e cinco anos, onde só na China, foram retirados 800 milhões de pessoas da linha da pobreza desde a década de 1980. Retirada a polêmica sobre os parâmetros do conceito de pobreza, não restam dúvidas do ritmo e da dimensão do espantoso crescimento chinês. Em 2001, o PIB da China representava 39% do PIB dos Estados Unidos, levando-se em conta a Paridade do Poder de Compra, atingindo em 2008 62% e perto de 2016 chegando a 114% do PIB dos Estados Unidos com perspectiva de crescimento acentuado nos próximos cinco anos. As profundas transformações na China acabam por impactar o mundo inteiro128. 128 Um empresário chinês, Hu Keqin, atento ao crescimento exponencial da classe média chinesa, comprou 3000 hectares de terra no centro da França com o objetivo de providenciar o abastecimento de farinha a uma cadeia de mais de mil boulangeries (padarias) que planeja abrir na China esperando que os chineses transcendam sua dieta baseada em arroz. Isso se tornou um motivo de preocupação na França, uma vez que exportada a farinha, as boulangeries locais deverão subir os preços dos pães. O mesmo se aplica a indústria vinícola, cujas exportações para a China aumentaram 14% em 2017, o equivalente a quase 220 milhões de litros, estima-se que as exportações de vinho francês para a China possam chegar a 20 bilhões de dólares nos próximos cinco anos. Uma notícia alvissareira para os viticultores mas não para os consumidores de vinho. E o incômodo vai além, muitas propriedades vinícolas de Bordéus foram compradas nos últimos anos por celebridades chinesas como a atriz Zhao Wei ou pelo magnata Jack Ma (dono de quatro, incluindo a célebre Châteu de Sours), mas também a alteração dos nomes dessas propriedades terem seus nomes alterados para 167 De acordo com a Associação Internacional de Transportes Aéreos, o número de passageiros que viajam de avião irá quase duplicar até 2036 levando-se em conta a prosperidade da Ásia. Segundo a Boeing129 será necessário a contratação de 500 000 novos pilotos para atender a demanda fazendo com que os salários dos pilotos, hoje já em escassez, subisse vertiginosamente. Gênero musical, decoração de quartos de hotel, bebidas disponíveis em bares têm sofrido influência da nova clientela. Em 1990, o número de turistas chineses mundo afora era insignificante, limitado por atividades oficiais do Estado. Em 2017, os gastos com turismo no estrangeiro por chineses multiplicou-se em 500 vezes aos gastos de 1990. Calcula- se gastos em torno de US$ 250 bilhões por ano, aproximando-se do dobro dos viajantes norte- americanos com tendência a crescimentos absurdos uma vez que hoje só 5% dos cidadãos chineses possuem passaportes. Estimativas dão conta que 200 milhões de chineses viajarão para o exterior em 2020 criando oportunidades nos setores de videogames, cosméticos e setor hoteleiro, além de ofertas de novos roteiros pelas companhias áreas. Um mundo reconfigurado que demanda também desafios esperados e outros inusitados130 (ibdem, p. 36- 37). Os chineses vêm causando estragos também no mercado imobiliário no mundo inteiro, os números apresentados são da ordem de US$ 50 bilhões em investimentos em casas e apartamentos no estrangeiro só em 2016 e 40 bilhões em 2017 e olha que especificamente nesse último ano não esta o capital investido em Londres, cuja fatia representou um terço do total de investimentos131 (ibdem, p. 39). se adequarem aos consumidores chineses. Châteu Senilhac, situado em Médoc foi rebatizado Châteu Antilope Tibetaine (Antílope Tibetano), Châteu La Tour Saint-Pierre, Châ, teu Lapin d’Or (Coelho Dourado) e Châteu Clos Bel-Air é atualmente o Châteu Grande Antílope. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 35-36). 129 Uma das maiores empresas norte-americanas, a Boeing tem previsão de venda de 7.000 aviões comerciais para companhias chinesas de aviação correspondendo a um faturamento de US$ 1,1 bilhão nos próximos vinte anos. A Xiamen Air, primeira companhia aérea chinesa fundada em 1984, em Xiamen, província de Fujian já estaria oferecendo US$ 400 000 de salários anuais a pilotos de aviões Boeing 737 com implicações óbvias nos custos das passagens no mundo inteiro, até mesmo com cancelamentos de voos por falta de pilotos. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 36-37). 130 A ascensão chinesa criou enormes problemas para os criadores de burros da Ásia Central à África Ocidental. A pele do burro é um dos ingredientes do ejiao, um produto da medicina alternativa fabricado na China que supostamente seria eficaz no alívio de dores, tratamento de acne, prevenção ao cancro e aumento da libido. A procura pelo ejiao aumentou de tal maneira nesses últimos vinte e cinco anos que a população de burros na China ficara reduzida a metade demandando um aumento de importação dos animais. O valor de mercado dos burros quadruplicou no Tajiquistão e subiram acentuadamente na África e, como os animais são usados como bestas de cargas, desempenhando importante papel na produção agrícola transportando alimentos para os diversos mercados, essa situação tem ameaçado a estabilidade econômica em vários países onde a economia já é precária, principalmente na África. Por esta razão, no Níger, em Burkina Faso e noutros países africanos decretou-se a proibição de exportação de burros para a China. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 38). 131 E não é um fenômeno londrino, os investidores chineses foram destaques em compras em Vancouver bem como todo o Canadá, São Francisco, em toda a Austrália, Nova Zelândia e atualmente em todo o Sudeste 168 O fato é que segundo os dados do Banco Mundial da Organização para a Cooperação e desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2017, das dez economias que mais cresceram em 2017 nenhuma estava no hemisfério ocidental e isso tem se repetido ao longo dos últimos dez anos. As preferências, as tendências passarão a ser gerados e desenvolvidos no Oriente e não no Ocidente. Entretanto, num relatório recente da McKinsey & Company referente a como os consumidores chineses escolhem seus produtos, em quase metade das categorias analisadas pela empresa, abrangendo alimentos, eletrônicos, higiene pessoal e marcas de cerveja, os pesquisados manifestaram preferência por marcas nacionais às estrangeiras, ou seja, sucessos e fracassos empresariais serão decididos no Oriente, e não no Ocidente (ibdem, p. 42-43). Acontecera com a China o que já fora tão bem explicado por Lenin (2012), uma vez produzido um enorme excedente de capitais é dado o momento de exportá-lo: O capitalismo é a produção de mercadorias no grau superior do seu desenvolvimento, quando até a força de trabalho se transforma em mercadoria. O desenvolvimento da troca, tanto no interior como, em especial, no campo internacional, é um traço distintivo e caraterístico do capitalismo. O desenvolvimento desigual, por saltos, das diferentes empresas e ramos da indústria e dos diferentes países é inevitável sob o capitalismo. (…) No limiar do século XX assistimos à formação de monopólios de outro gênero: primeiro, uniões monopolistas de capitalistas em todos os países de capitalismo desenvolvido; segundo, situação monopolista de uns poucos países riquíssimos, nos quais a acumulação do capital tinha alcançado proporções gigantescas. Constituiu-se um enorme “excedente de capital” nos países avançados. (…) Enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente de capital não é consagrado à elevação do nível de vida das massas do país, pois significaria a diminuição dos lucros dos capitalistas, mas ao aumento desses lucros através da exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados. (…) A necessidade da exportação de capitais obedece ao fato de que em alguns países o capitalismo “amadureceu excessivamente” e o capital (dado o insuficiente desenvolvimento da agricultura e a miséria das massas) carece de campo para a sua colocação “lucrativa” (LÊNIN, 2012, p.181-182). O investimento estrangeiro direto chinês teria como características principais a concentração nos setores primário e de serviço e como consequência investimentos Asiático. A indústria de luxo, ultimamente não tem do que reclamar, com procura estagnada desde a década de 1990, nos últimos anos a clientela chinesa representa um terço dos consumidores globais desse tipo de produto. Em razão disso, o Grupo Prada decidiu inaugurar sete lojas em 2018 apenas numa cidade: Xian. Os mesmos motivos levaram a Chanel a comprar uma série de fábricas de artigos de seda com o objetivo de garantir matéria-prima para os seus produtos dado o sucesso de venda dos seus produtos na China. Uma tendência seguida pela cadeia de cafeterias Starbucks que se expande pelo território chinês. Em 2017, a empresa anunciou a meta de inaugurar 2000 lojas na China até 2021, o equivalente a abrir uma loja a cada quinze horas. Ao anunciar em 2015, o fim da política do filho único, o governo chinês fez disparar as ações de algumas empresas do ramo de carrinhos de bebê, fraldas e leite em pó. Em contrapartida, marcas mais vendidas de preservativos tiveram queda acentuada no preço de suas ações. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 39). 169 direcionados para regiões abundantes em oferta de recursos naturais e centros financeiros importantes. Além disso, os principais vetores de investimento externo são empresas estatais dos setores petroquímico, energia e mineração revelando a preferência chinesa pelo tipo de investimento resource seeking132. O foco estratégico estaria em assegurar o acesso a recursos naturais através da aquisição de empresas dos setores de energia e alimentos com cinco objetivos básicos: alterar o padrão de intervenção do Estado chinês com objetivo de assumir posição de maior regulação do sistema, em vez de controlar diretamente a distribuição setorial/espacial dos investimentos diretos realizados pelo país, descentralizar e relaxar as concessões de autorização para saída das empresas chinesas, ampliar os incentivos para internacionalização das empresas eliminando obstáculos para saída dos investimentos, redução dos controles de capital e criação de novos canais de financiamento dos investimentos realizados no exterior e por último, integração à política de internacionalização das empresas chinesas e outras políticas existentes para o setor externo como forma de acelerar o processo de integração com países em que a China já havia estabelecido relações comerciais ou de política externa. Todo o esforço chinês tem objetivo de aumentar a segurança energética e alimentar que dê sustentabilidade ao seu processo de crescimento e expansão de sua economia. De um lado procura-se aumentar o volume de investimento externo direto aprofundando a inserção chinesa nas cadeias globais de valor e de outro, e de outro, acelera-se o processo de internacionalização das empresas, fomentando a abertura da economia, o fortalecimento da política industrial e o desenvolvimento econômico. Processo esse marcado pela presença decisiva do Estado chinês (MENEZES, 2018, p. 212-213). Num relatório comunicado pelo Ministério de Comércio da China em setembro de 2015 em Pequim, Zhang Xiagchen, representante do Ministério de Comércio para negociações internacionais anunciava que a China teria naquele momento se tornado o segundo maior investidor direto no estrangeiro no mundo, só atrás dos EUA133. Considerando suas atividades geoeconômicas como realizações da sua estratégia geopolítica global, a China cria condições favoráveis para sua existência e seu funcionamento no xadrez internacional com objetivo de resolver seus desafios a médio e longo prazo. Fruto de um efeito de replicação do crescimento contínuo da economia chinesa e do fato das exportações de mercadorias puxarem a exportação de investimentos, para muitos observadores, esses avanços 132 Atuação de empresas nos mercados externos com estratégia de exploração de recursos naturais e vantagens de custos de mão de obra não qualificada. Ver em: (ROVAI; CAMPANÁRIO; COSTA, 2011, p. 205). 133 Ver em: (SPUTNIK BRASIL, 2016, n.p). 170 nos investimentos externos, tem um motivo, a Nova Rota da Seda (SPUTINIK BRASIL, 2016, n.p.). As aquisições chinesas no exterior têm causado profundas reflexões em diversos países e vários pedidos para que os governos criem obstáculos nas vendas. Os críticos norte- americanos alegam terem ignorado os efeitos a longo prazo da aquisição estrangeira de ativos do país na forma de empresas, terrenos e recursos norte-americanas vendidos na promoção seus potenciais de geração de riquezas. E não param por ai ao dizerem: “uma grande parte dos norte-americanos não compreende o que acontece na China, nem o quão desenvolvidas se tornaram as suas empresas de alta tecnologia”, afirmou o senador Mark Waner, integrante da Comissão dos Serviços de Inteligência do senado norte-americano, e complementa como sendo imperdoável que empresas americanas: “terem degenerado tanto para entrarem no mercado chinês”, culpando essas empresas de “se terem prostituído” e dando como exemplo o Facebook que fez parcerias para compartilhamento de dados com pelo menos quatro grandes empresas de eletrônica chinesas com fortes laços com o governo de Pequim (FRANKOPAN, 2019, p. 147). Após a Guerra Fria, a Rússia perdera a sua ascendência sobre os países socialistas do Sudeste Asiático, o Japão diminuíra sua condição de polo econômico da Ásia Oriental e os Estados Unidos concentraram esforços militares no grande Oriente Médio dando origem a um protagonismo político da China e transformando-a no centro dos fluxos de riqueza e de tomada de decisão das principais iniciativas diplomáticas em termos de integração (Organização para a Cooperação de Xangai134, ASEAN+1, Iniciativa Cinturão e Rota), bancos de fomentos (AIIB), etc. A Iniciativa Cinturão e Rota representa a potencialização da dialética entre desenvolvimento nacional e a assertividade internacional da China (PAUTASSO; UNGARETTI, 2017, p. 26). A Iniciativa Cinturão e Rota decorre da conexão entre as demandas dos vizinhos chineses e as capacidades que esses chineses adquiriram com o seu recente sucesso econômico. Este ponto de vista é defendido por Pautasso & Ungaretti (2017) que complementa elencando as motivações principais para implementação da Iniciativa: 1) 134 Esta organização fundada em 2001, mas com fundações que remontam a 1996, tem como principais fundamentos a preservação da soberania dos seus membros e o combate ao terrorismo, extremismo e separatismo. As suas fundações remontam a 26 de Abril de 1996, sob a designação de ‘os Cinco de Xangai’, e nos seus membros se incluíam a Rússia, China, Cazaquistão, Tajiquistão e Quirguistão. O seu trabalho era desenvolvido através de uma lógica de cimeiras, sendo que seria apenas após a entrada do Uzbequistão, no ano de 2001, que seria institucionalizada de forma legal, passando para o atual formato de ‘Organização para a Cooperação de Xangai’ (doravante designada por ‘OCX’). Ver em: (BRANDÃO; DIAS, 2015, p. 1). 171 enorme estoque de capital disponível para financiamento; 2) uma indústria de base com grande capacidade produtiva (aço, cimento, máquinas, etc.); e 3) um impressionante know- how em serviços de engenharia. Para os pesquisadores, a exportação de capital pela China consolida o país como emissor de IED representando alternativas de financiamento contribuindo para a construção de um sistema financeiro mais abrangente. Os bancos criados no decorrer do processo como o AIIB, o Banco de Desenvolvimento da China (CDB), o Banco de Desenvolvimento China-África (CADB), o NDB/BRICS e o Fundo da Rota da Seda complementam os mecanismos de financiamento de projetos de infraestrutura mundias e em particular, na Ásia. Além disso, essa nova estratégia chinesa de construção de uma arquitetura financeira internacional baseada em novos padrões de governança, especialmente após a crise financeira de 2008 e as crescentes contestações às instituições de Bretton Woods sugerem que a proatividade da diplomacia sínica constitui um desafio a atual ordem-econômico-financeira internacional. Não é por acaso que nove dos doze membros presentes no Conselho de Diretores do AIIB sejam obrigatoriamente destinados a Estados asiáticos indicando a necessidade de maior representatividade dos países pobres na governança econômica internacional. Atrelado ao volumoso estoque de capital em reservas internacionais, as capacidades chinesas se estendem quando se constata seu poderio econômico. Atualmente a China é responsável por 11% de todo o comércio de petróleo no mundo, consome 54% do alumínio, 48% do cobre e 45% do consumo de aço mundial. Adquiriu expertise em gerenciamento de projetos de infraestrutura exportando serviços de engenharia destacando-se no segmento de ferrovias de alta-velocidade, núcleo estratégico de inserção internacional do país. Essas capacidades vêm de encontro à necessidade da maioria dos países vizinhos a China que tem grandes necessidades de investimento em infraestrutura de transporte, comunicação e energia para se desenvolverem mas não tem poder de investimento. As empresas estatais chinesas (SOE) têm um papel preponderante no sistema econômico e são proeminentes no Investimento Estrangeiro Direto da China sendo pioneiras na alocação de montantes financeiros para obtenção de recursos, mercados e ativos estratégicos responsabilizando-se, segundo estatísticas do Ministério do Comércio da República Popular da China (MOFCOM), por mais de 60% dos negócios no exterior. Porém, apesar dessa predominância, as empresas privadas se tornaram uma força emergente após o processo de liberalização dessas empresas permitindo e incentivando o investimento externo, em especial, após a crise financeira global de 2008. Exemplo bem-sucedido é a aquisição da 172 Volvo pela Zhejiang Geely Holding Group (Geely). Ativos subavaliados da indústria automotiva atingidos que foram pela crise financeira acabaram por atrair as empresas chinesas do setor. Para tanto, a Geely recebera apoio administrativo e financeiro completo do governo chinês e dos bancos nacionais. Com esse tipo de auxílio via políticas governamentais favoráveis e ao financiamento flexível, as empresas privadas também ganham importância no IED (MA; OVERBEEK, 2018, p. 90-91). Reestruturar as empresas estatais chinesas foi um dos maiores desafios da China. Em 1984, Zhang Ruimin, um burocrata de 35 anos, foi enviado para administrar uma dessas ruínas estatais, uma companhia eletrônica em Qingdao com aproximadamente 600 funcionários que produziam 100 geladeiras por mês, uma produtividade que estava levando a empresa a falência. Os trabalhadores iniciavam as atividades as 8hs da manhã e as 10hs já não se encontrava um no local de trabalho e o nível de negligência era enorme com fezes, urinas e lama espalhadas pelo chão da fábrica. A qualidade da produção também estava abaixo dos padrões chegando ao ponto do Zhang ordenar que 76 modelos de refrigeradores defeituosos fossem destruídos a marreta no piso da fábrica e estabelecer que daquele momento em diante só seriam aceitos especificações de aceitáveis e inaceitáveis para os produtos da fábrica. Num processo gradual, Zhang transformou a fábrica estatal de geladeiras sem destaque no que conhecemos hoje como a Haier Group Company, a maior fabricante de aparelhos domésticos da China e que atualmente produz um catálogo enorme de produtos eletroeletrônicos com filiais espalhadas pelo mundo. A Haier é um caso de negócio de sucesso dentre muitos outros que dão pistas para o futuro da China (NAISBITT, 2011, p. 111-112). Segundo o think tank (grupo de discussão) estadunidense American Enterprise Institute for Public Policy Research (Instituto Empresarial Americano para Pesquisa de Políticas Públicas), entre 2005 e 2018, a China esteve presente nos cinco continentes e investiu cerca de US$ 1,9 trilhão, equivalente a 13 vezes o valor do Plano Marshall, utilizado pelos Estados Unidos na reconstrução da Europa durante a Guerra Fria (FIGUEIREDO, 2019, n.p.). A China, com características próprias, replica a evolução histórica do modo de produção capitalista. Após um enorme acúmulo de excedentes, tanto financeiro quanto de capacidade produtiva, se vê com o desafio de exportar capitais e tecnologias assimiladas, principalmente no setor de infraestrutura. O que poderia se tratar de um processo natural, tem, com a crise de 2008, uma aceleração advinda da falta de crédito para se tocar projetos em boa 173 parte do planeta e uma percepção chinesa de que a estratégia adotada desde 1978, de um crescimento que tem como alicerce vendas de mercadorias para o exterior, ainda seria seguro. Após 30 anos do processo de abertura e reforma da economia chinesa, a partir de 2014, a China se torna uma exportadora líquida do seu capital. Investimentos que bem direcionados podem levar desenvolvimento a regiões carentes de recursos, como boa parte dos seus vizinhos, o continente africano, com seus vários problemas e ajuda negligenciada pelos países mais ricos, e o Caribe e a América do Sul de características não muito distantes dos países africanos. Faz-se necessários estarmos atentos para que esses novos passos dos chineses não reproduzam o modelo já apresentado pelas nações capitalistas centrais que na maioria das vezes não deixou saudades por onde passaram. 2.9 Considerações Em tempos de discussões acerca de multipolaridades ou hegemonismos a China apresenta bons exemplos, especialmente para os países que sofreram com o neocolonialismo e o processo de exploração dos países capitalistas centrais. Primeiro ela aponta por caminhos que possam ser seguidos adequando-se às realidades de cada nação para como quebrar as barreiras e obstáculos que insistem em manter um mundo extremamente injusto nas trocas comerciais. A China conseguiu através da inteligência da sua diplomacia se beneficiar dos arranjos geopolíticos que se apresentavam na sua reconstrução a partir da emancipação com a criação do seu Estado comunista. A China evoluiu nas últimas décadas, de um dos mais isolados países do mundo, socialista, para uma potência da economia mundial. Nunca tantas pessoas saíram da pobreza ou muito próximas disso em tão pouco tempo. No passado recente, os maiores desafios chineses estiveram na transição de uma economia socialista para uma de mercado, em boa parte superados com o mercado se fazendo prevalecer. Como resultado, os desafios de transição estão sendo gradualmente substituídos pelos desafios do desenvolvimento: a necessidade de investir em infraestrutura física e as habilidades humanas, a necessidade da criação de instituições eficazes, e a necessidade de proteger os desfavorecidos e vulneráveis da população. Estes novos desafios ainda são graves; eles não são necessariamente mais fáceis de manusear do que os desafios da transição. O sucesso da China dependerá da sua capacidade de criação de emprego estável e eficiente, instituições, para lidar com as pressões 174 sociais, e a melhoraria da qualidade das habilidades humanas. A unidade de desenvolvimento econômico é especialmente evidente hoje, mas, na verdade, foi quase um tema constante na história moderna da China. O sistema socialista foi aprovado durante a década de 1950, em parte porque os líderes assumiram que seria a maneira mais rápida de fazer a China, um país rico e forte. Os desastres do Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural levaram a desilusão com o socialismo como uma estratégia de desenvolvimento e a crescente convicção de que o mercado poderia ser um instrumento de desenvolvimento. Assim, a transição para o mercado foi lançada em conjunto com um renovado compromisso de promover o crescimento econômico. O duplo desafio de subdesenvolvimento e de transição foram interligadas em todas as fases do processo de transição. Quando a China iniciou seu processo de transição de mercado, 1978-1979, os maiores desafios foram a simples disponibilidade das principais commodities, como grãos e óleo, bem como a inexistência de infraestruturas básicas. Não era certo, naquele momento, de que a China seria capaz de acelerar o seu crescimento econômico, simplesmente porque não estava claro que havia comida o suficiente para alimentar as pessoas, eletricidade suficiente para as fábricas funcionarem, ou recurso financeiro suficiente para importar mercadorias para suprimentos vitais. Nenhuma dessas incertezas fundamentais fazem parte da China hoje (NAUGHTON, 2007, p. 5-6). Pleitear junto aos Estados Unidos a condição de nação mais favorecida, no início dos anos 70, como condição primeira ao processo de reaproximação dos chineses aos norte- americanos, condição essa já apresentada aos então tigres asiáticos, Japão, Taiwan e Coreia do Sul, Honk Kong e Singapura, replicando o modelo econômico baseado em industrialização com foco no mercado exterior desses, com controle das taxas cambiais, foi fundamental para o crescimento chinês. E nunca é muito ressaltar a importância de nas Zonas Especiais Econômicas serem cobradas transferências de tecnologias, condição sine qua non para a qualidade do crescimento para uma China que hoje concorre também no comércio de mercadorias de alto valor agregado. Fatores mais específicos como a manipulação do câmbio tem sido a principal forma de captação de poder, pela China, tanto regionalmente quanto internacionalmente. Desde o início das reformas, a China tendeu a desvalorizar sua moeda como forma de fomentar sua estratégia mercantilista resultando por conseguinte num acúmulo de reservas internacionais que fez com que a economia chinesa não se abalasse com as crises financeiras. Seu poder se projetou no mundo a partir de superávits com o centro do sistema capitalista e déficits com a periferia e 175 seus vizinhos, Outro aspecto importante é que 40% das exportações chinesas para os EUA são de empresas norte-americanas que se assentaram em território chinês (JABBOUR, 2012, p. 266–268). Para Belluzzo (2017), a natureza e a relevância da intervenção do Estado, em especial as políticas industriais e de direcionamento do crédito, os importantes acordos implícitos e as relações de “cooperação” e reciprocidade” entre o público e o privado; a subordinação das políticas macroeconômicas ao arranjo estrutural comprometido com a incorporação de novos setores “competitivos” à estrutura produtiva; o ajuste da matriz educacional às exigências do crescimento acelerado e do avanço tecnológico; e, a forma da inserção internacional são para considerações importantes a fazer sobre o crescimento chinês. Para o economista, a China replicou à sua moda as experiências do Japão, da Coreia, de Taiwan e Cingapura e iniciou sua escalada nos mercados mundiais, tornando-se a maior exportadora de manufaturas do mundo, dos têxteis, vestuário e brinquedos à eletrônica de consumo, microprocessadores, bens de capital, robótica e outros componentes de informática e microeletrônica e que durante o caminho, os chineses cuidaram dos investimentos em infraestrutura utilizando empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência mundial. Na China aconteceu a mobilização entre empresas estatais, bancos públicos e expansão de um pujante setor privado “competitivo” povoado de pequenas e médias empresas. Outro bom exemplo chinês é apostar na força do seu povo, no poder de resiliência e devoção do seu povo unido por um objetivo comum, o nascimento de uma sociedade mais próspera e igualitária. A China alcançou o estágio em que a ciência e a tecnologia passam a ser parte do capital constante. Uma das vantagens competitivas chinesas utilizadas amplamente para atração do capital estrangeiro no início das reformas foi a alta qualidade de sua mão de obra. Essa tendência se fortaleceu (JABBOUR, 2012, p. 408). A China quer mudar os conceitos mundiais, quer levar às outras nações seus casos de sucesso numa construção conjunta e pacífica de um mundo sustentável; mesmo que pela sua grandeza, o crescimento chinês terá repercussões no mundo inteiro. O movimento migratório chinês campo-cidade que possibilitou a disponibilidade da mão de obra necessária para implantação da fábrica do mundo resultou no maior processo de urbanização já visto na história da humanidade com reflexos em todo planeta. Associado a 176 esse fenômeno, profundas modificações nos padrões sociais que não têm paralelo conhecido na história, como a política de filho único (que erradicou do contexto social e das relações familiares a experiência de irmãos, tios, primos e sobrinhos), e cujos impactos no tecido e na experiência comunitária em médio e longo prazo ainda não foram totalmente dimensionados, assim como mudanças culturais com vastas repercussões ambientais, como o aumento radical do consumo de proteína (animal e vegetal) na alimentação. Estima-se que em 2030 a população urbana da China será de 1 bilhão de pessoas: uma em cada oito pessoas do planeta viverá em alguma cidade na China. Que tipo de vida terá essa população urbana e como serão essas cidades (moradias, mobilidade, saneamento, etc.)? Que fontes energéticas darão conta da demanda? Para sustentar este processo, que replica hábitos e padrões de consumo ocidentais, que demanda extrativa recairá sobre outros territórios? Quais os impactos ambientais e sociais, no plano local e ultramar? Paralelamente, ainda que em uma escala muito menor, a infraestrutura essencial, criada nos países desenvolvidos há cinquenta anos, deverá ser ampliada e melhorada assim como nichos em um mercado e hábitos de consumo, já demográfica e culturalmente estabilizados. Em outras palavras: enquanto a China é hoje o maior mercado para carnes frescas do mundo e marcas globais (como Starbucks) trabalham para criar, consolidar e expandir o hábito do café, por exemplo, é improvável que o consumo de carnes ganhe mais terreno na Alemanha, contexto em que o vegetarianismo/veganismo cresce como estilo de vida, e para muitos, opção política (MORENO, 2015, p. 17–19). Deng Xiaoping, na última atividade pública, em viagem pelo sul da China, indagado que fora sobre o futuro do marxismo e do socialismo, respondeu de forma clara e objetiva: Eu estou convencido de que mais e mais pessoas irão abraçar o marxismo. Por quê? Porque o marxismo é uma ciência. Através do materialismo histórico, foi possível descobrir as leis que governam a sociedade humana. A sociedade feudal substituiu a sociedade escravista; o capitalismo suplantou o feudalismo; e, depois de um longo tempo, o socialismo necessariamente sucederá o capitalismo. Trata-se de uma irreversível tendência histórica, mas a roda da história é feita também de reviravoltas. Durante vários séculos em que o capitalismo demorou para suplantar o feudalismo, quantas monarquias foram restauradas? (…) alguns países sofreram reveses e o socialismo, aparentemente desapareceu. Mas o povo deverá aprender as lições e colocar o socialismo no rumo justo, correto. (…) Nada de pânico, não acreditem que o marxismo desapareceu. Nada disso! A paz e o desenvolvimento são os dois principais temas de nossa época, porém nenhum dos dois está resolvido. A China socialista deverá mostrar ao mundo, através de suas ações, que se opõe ao hegemonismo e à política de força e que nunca deverá aspirar à hegemonia (…). 177 Nós deveremos tomar a estrada da construção do socialismo com características chinesas. O capitalismo desenvolveu-se ao longo de séculos. Quanto tempo há de demorar para construírmos o socialismo? (XIAOPING 1994 apud JABBOUR, 2012, p. 412). Dada a grandeza dos impactos sociais, tudo na China tende a ser lento, gradual e seguro. Mudanças na política cambial, a utilização de suas reservas internacionais na compra de ativos no exterior e a concentração das suas cadeias produtivas nacionais em face da concorrência externa seguem essa tendência. O yuan não poderá ter uma valorização conforme determinadas vontades ocidentais sem antes a China superar seus problemas como a diferença de renda entre o litoral e o interior, o campo e a cidade. A população está próxima de atingir seu pico em 2030 e até lá meios e maneiras de estabilização do nível de renda e emprego para cerca de 13 milhões de pessoas que entram no mercado de trabalho todo ano demandarão novas soluções uma vez que os desiquilíbrios estão sempre à mesa. O câmbio administrado estará sempre na ordem do dia de um país que tem como meta prioritária alimentar e vestir nada menos que 1,3 bilhão de habitantes (JABBOUR, 2012, p. 277). 178 3. OS GANSOS SELVAGENS DE XI JINPING Em pronunciamento em Astana, no outono de 2013, Xi Jinping, presidente chinês anunciou: “durante mais de 2000 anos, os povos que vivem nesta região que liga o Oriente e o Ocidente têm coexistido, cooperado e florescido apesar das diferenças de raça, crenças e ambientes culturais. Chegou o tempo de cimentar os laços econômicos, de melhorar as comunicações, encorajar o comércio e fomentar a circulação monetária. Chegou o tempo de construir um Cinturão Econômico da Rota da Seda, em outras palavras, uma Nova Rota da Seda.” O mundo muda à nossa volta. À medida que nos aproximamos de uma era em que o domínio político, militar e econômico do Ocidente está sob pressão, o sentimento de incerteza é desconcertante. Enquanto pensamos de onde poderá vir a próxima ameaça, como lidar com o extremismo religioso ou como negociar com Estados que parecem dispostos a ignorar a lei internacional, ao longo da espinha da Ásia estão a ser construídas silenciosamente novas redes e ligações; ou, antes, estão a ser restauradas. As Rotas da Seda de novo se levantam (FRANKOPAN, 2015, p. 588). 3.1 Introdução Para Carletti (2018), o “sonho chinês”, a exaltação nacionalista de um projeto de ressurgimento do poderio asiático que tem como objetivo expandir sua influência não só regionalmente mas no mundo inteiro tem, na iniciativa chinesa Um Cinturão, uma Rota, um marco histórico. O inicialmente chamado projeto OBOR, One Belt One Road (Um cinturão, uma rota) é fruto de discussões desde 2010, onde em um congresso realizado em Pequim, o New Silk Road (Nova Rota da Seda), o então premier chinês Zhu Rongji discutira possibilidades de construção de grandes obras de infraestruturas comerciais interligando com maior robustez os mercados asiáticos aos mercados ocidentais. Em maio de 2013, Xi Jinping de forma ampla e detalhada lança a ideia discutida 3 anos antes. Tratava-se de um investimento da ordem de US$ 4 trilhões em infraestruturas de transporte com o objetivo claro de beneficiar as interconexões marítimas e terrestre entre países da Ásia Oriental diminuindo as distâncias que ligavam a China à Europa. A inciativa crescera expandindo-se globalmente dizendo respeito também as conexões com a África e a América Latina. Para Alves (2018), após décadas de alto crescimento e uma influência crescente no mundo, a política externa de Xi Jiping, presidente chinês desde março de 2013, lidera uma transformação no comportamento diplomático da China. Com um ambicioso “sonho chinês” de estratégia para o “Renascimento Nacional”, substituindo a “diplomacia discreta” de Deng. A China tem sido mais pró-ativa e confiante no cenário mundial, com uma política militar e de segurança cada vez mais assertiva. Xi fez 28 viagens ao exterior que o levaram a 56 países 179 nos cinco continentes com a China tendo um impacto profundo no desenvolvimento econômico global, com iniciativas como o Banco de Investimento Asiático em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês), o Fundo da Rota da Seda, o Novo Banco de Desenvolvimento, também conhecido como Banco de Desenvolvimento do BRICS, além de investimentos em projetos produtivos e infraestrutura em 112 países, fazendo parte da Iniciativa Cinturão e Rota. A ideia de revitalização das interconexões entre os países do centro da Ásia não era uma ideia nova. No rescaldo da invasão ao Iraque, o governo norte-americano apontava para iniciativas similares. O secretário de Estado adjunto para os Assuntos da Ásia Meridional e Central, Richard A. Boucher, se pronunciara, no Congresso dos Estados Unidos diante da Comissão das Relações Internacionais, em 2006, que era objetivo dos Estados Unidos “revitalizar os antigos laços entre a Ásia Meridional e a Ásia Central e ajudar a criar novas associações nas áreas do comércio, dos transportes, da democracia, da energia e das comunicações.” No ano anterior, S. Frederick Starr, eminente especialista em assuntos eurasiáticos, redigira um documento fomentando reações contundentes na China por relatar que os “EUA maquinavam ‘Grande Estratégia para a Ásia Central’” onde através do Diário do Povo, os chineses retrucaram dizendo que “penetrar na Ásia Central e controlar esta região tem sido um objetivo persistente dos Estados Unidos” complementando que “o episódio do 11 de Setembro servira como oportunidade e pretexto aos Estados Unidos para consolidar a sua posição da Ásia Central e restruturar a região de forma que servisse os seus propósitos”. Junte-se a essas declarações e relatos a da então secretária de Estado, Hillary Clinton, em Chennai, 2011 que abordando essa mesma questão dissera que “no passado, as nações da Ásia Meridional e da Ásia Central encontravam-se ligadas entre si e às restantes nações do continente através de uma rede de comércio em constante expansão que se designava Rota da Seda. Proponho trabalharmos em conjunto para criar uma Nova Rota da Seda. Não me refiro a uma só rota, conforme a designação, mas sim a uma rede internacional de ligações econômicas e de vias de circulação. Isto significa construir mais ferrovias, autoestradas, infraestruturas energéticas […] modernizar instalações nas zonas fronteiriças […] suprimir obstáculos burocráticos e outros impedimentos que não permitiam a livre circulação de bens e pessoas […] e pôr de parte, políticas comerciais obsoletas” apresentando nada mais, nada menos, que uma “visão para o século XXI” (FRANKOPLAN, 2019, p. 92-93). 180 Para Mineiro (2018), a Iniciativa Cinturão e Rota é uma proposta econômica ampla, elaborada pelo governo chinês como estratégia comercial e de desenvolvimento, com impactos internos e internacionais. A ideia inicial é a conexão dos mercados europeus e chinês envolvendo interconexões dentro do território chinês, na Ásia Central, Oriente Médio, África Oriental e, nas versões mais novas, América Central e do Sul. A Iniciativa Cinturão e Rota tem como objetivo estabelecer e estreitar as parcerias entre os países assim como aprofundar e diversificar as interações econômicas desses países, ao mesmo tempo em que possibilita a coordenação de diferentes estratégias de desenvolvimento nacional, explorando não apenas os potenciais mercados nas regiões abrangidas, como ampliação dos investimentos e consumo, e desta maneira promovendo e qualificando oportunidades de emprego e interação cultural e educacional, permitindo uma maior compreensão mútua entre as populações dos diferentes países, dentro da visão chinesa de interação em “harmonia, paz e prosperidade”. Ou seja, a Iniciativa Cinturão e Rota nada mais é que uma resposta do governo chinês a ambições imperialistas norte-americanas que já estavam na pauta. Resposta essa que não demoraria135. Em 2013, Xi Jinping anunciou a proposta da criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) fazendo parte de uma iniciativa da República Popular da China (RPC) mais ampla e diversificada de uma Rede de Bancos de Desenvolvimento 135 No final do dia 6 de setembro de 2013, Xi Jinping, o presidente da China, aterrou em Astana, a nova e reluzente capital do Cazaquistão. Na manhã seguinte, o presidente Xi chegava à Universidade Nazarbayev para proferir um discurso que tinha como título “Fomentar a Amizade Interpessoal e Criar um Futuro Melhor”. (…) O presidente estipulava as boas relações com os países vizinhos como “prioridade da política externa” da China. Neste sentido, a rede de contatos estabelecidos no passado entre os vários povos deveria servir de inspiração. “Ao longo dos milênios”, referia Xi, “os povos de vários países situados ao longo da antiga Rota da Seda lograram escrever em conjunto um capítulo da amizade que passou de mão em mão até aos dias de hoje.” E o presidente da China acrescentava que os estudos centrados nas Rotas da Seda eram a prova de que os povos de “diferentes raças, credos e raízes culturais são perfeitamente capazes de lutar em conjunto pela paz e pelo desenvolvimento”. (…) Chegava a hora, dizia o presidente, de “estreitar os laços econômicos, fortalecer a cooperação e expandir o espaço para o desenvolvimento na região eurasiática”. Chegava a hora de construir uma “faixa econômica ao longo da Rota da Seda”. Fazê-lo implicava tomar diversas medidas conjuntas, tais como aperfeiçoar a comunicação e a coordenação entre as diferentes políticas internas, o fomento das vias de comunicação e de transporte entre países, a promoção do livre- comércio e o incremento da circulação monetária. Chegava a altura de revigorar as Rotas da Seda. (…) Efetivamente, nas palavras do presidente Xi, a iniciativa poderia mudar o mundo. “O afastamento dará lugar às trocas”, dissera o presidente. “Os conflitos darão lugar a uma mútua aprendizagem e o sentimento de superioridade dará lugar à coexistência.” A iniciativa prometia instaurar a paz, pois acabaria por “promover o entendimento, o respeito e a confiança mútuos entre os diferentes países”, Nas palavras do presidente da China, a Iniciativa Cinturão e Rota traria “um novo esplendor à civilização” e ajudaria a edificar “uma nova era da harmonia e das relações comerciais”. Segundo as declarações do presidente Xi, os planos da China deveriam estimular uma nova forma de pensamento e uma diferença de comportamentos. “Devemos fomentar um novo gênero de relações internacionais em que conste uma cooperação benéfica para todos os envolvidos”, declarara, “e devemos também forjar novas parcerias apontadas para um diálogo sem confrontos e para uma amizade entre países em vez de formar aliança”. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 91 – 95). 181 liderados pela China apontando para a consolidação da Ásia (e da China, em particular) como o epicentro do capitalismo contemporâneo intimamente conectado a um processo de reconfiguração do circuito de circulação de capital e uma nova onda de investimentos em infraestrutura no território asiático reordenando a geografia do capitalismo. Essa Rede de Bancos de Desenvolvimento seria composta pelo já citado BAII, o Fundo de Desenvolvimento China-África, o Banco de Desenvolvimento da China, o Banco de Desenvolvimento para a África, o EXIM Bank da China, o Novo Banco de Desenvolvimento – Acordo contingente de Reservas e o Fundo da Rota da Seda (RAMOS; VADELL; ADAD, 2018, p. 259-260). Inicialmente, a principal fonte de investimento prevista era o Fundo da Rota da Seda, fundado em dezembro de 2014, por 4 atores: • Administração Estatal de Política Externa (responsável por 65% do investimento); • Corporação de Investimento da China (15%); • Banco de Desenvolvimento da China (5%); • Banco de Exportação e Importação da China (15%). Era previsto que desse fundo sairiam um total de US$ 40 bilhões para investimentos em obras de médio e longo prazo. Além desse valor, no Fórum Internacional sobre a Rota da Seda, de 2017, o governo chinês anunciou um incremento de US$ 70 bilhões em investimento na rota (sendo aproximadamente US$ 15 bilhões do governo e US$ 55 bilhões dos dois bancos envolvidos), havendo possibilidade de financiamentos de bancos internacionais, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), do Banco de Desenvolvimento dos BRICS e do Banco Mundial (FIGUEIREDO, 2019, n.p.). O cinturão econômico da rota da Seda e a Rota da seda marítima do século XXI (One Belt, One Road) junto ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura são elementos centrais de uma estratégia de desenvolvimento e promoção da China que tem como alicerce a assistência, o comércio e investimentos em infraestrutura incluindo o estabelecimento de projetos de infraestrutura regional, liberalização comercial e integração financeira, com sérias consequências para a economia política da região asiática, mas também para o resto do mundo. Existem quatro elementos essenciais a serem observados nessa estratégia e suas consequências: A primeira seria uma pressão para uma reforma do FMI, o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento. Os chineses querem a ratificação pelo Congresso dos Estados Unidos sobre reforma das cotas do FMI acordado na reunião de cúpula de Seul do 182 G20 (2010). Além disso, os Estados Unidos não concordaram em aumentar o capital do Banco Asiático de Desenvolvimento que continua por sua vez sendo uma agência de exportação japonesa promovendo o financiamento do iene na Ásia. O estabelecimento do BAII significa o aumento da influência chinesa em detrimento do controle dos EUA e do Japão do(s) sistema(s) financeiro(s) internacional (e regional). A iniciativa Cinturão e Rota pode ser enxergada também como uma estratégia de contenção apresentada pelo governo Obama que teve a intenção de redistribuir 60% do poder aéreo e marítimo dos Estados Unidos para a região asiática até 2020, cercando a China e uma renegociação e implementação do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica com países asiáticos, excluindo a China (iniciativa abortada pela atual administração de Donald Trump)136. A iniciativa que objetiva construção de estradas, vias férreas, portos e gasodutos facilitará o escoamento do excesso de capacidade interna chinesa assim como o acesso à energia e alimentos, diminuindo a dependência das rotas de transporte atualmente controladas pelo exército dos Estados Unidos. Outra estratégia importante nesse contexto é a internacionalização do Renminbi. A Iniciativa Cinturão e Rota apoiou a tendência de depósitos e títulos em Renminbi assim como a abertura de um mercado de títulos asiáticos em Renminbi com sua ampla utilização como meio de troca nas relações comerciais intra países asiáticos. Desde outubro de 2016 o FMI incorporou o Renminbi à sua cesta de reservas cambiais e mecanismos de pagamento na moeda chinesa já foram estabelecidos entre a China e Coreia do Sul, Reino Unido, Alemanha, França e Luxemburgo. A rede chinesa de bancos de desenvolvimento e a nova rota da seda se prestam a formar uma readequação espacial do processo de absorção do capital excedente (ibidem, p. 266–269). […] a inclusão do yuan na cesta do Direito Especial de Saque (DES) do FMI simboliza a modificação mais significativa no cenário monetário internacional pós- crise: o reconhecimento do poder monetário da China […] a maioria das novas instituições financeiras internacionais dependem da China e majoritariamente refletem apenas o poder da China mais do que a diversificação de poder das economias emergentes com um bloco (PRATES; PERUFFO, 2016 apud XING; SHAW, 2018, p. 50). Nos últimos anos, a performance econômica da China com sua política financeira, valor da moeda, comércio, segurança, questões ambientais, gerenciamento de recursos, 136 Ao ser eleito, uma das primeiras iniciativas de Trump foi desfazer o Trans-Pacific Pact (TPP), iniciativa lançada pelo Obama, que selaria a política de contenção entre seus aliados contra a China. É ainda bastante prematuro e audacioso analisar a atuação de Trump em relação à China. Desde sua posse na Casa Branca, Trump alternou atos provocatórios a tentativas de negociação. Ver em: (CARLETTI, 2018, p. 44). 183 segurança alimentar, matérias-primas e preços de commodities inevitavelmente apresentaram implicações mundiais que estão ligadas às economias de milhões de pessoas fora das fronteiras, especialmente do resto do Sul Global. O esforço da presença regional e global da China fica evidente na defesa chinesa da Iniciativa Chiang Mai (CHIN, 2015), no Banco de Desenvolvimento dos BRICS, no Banco de Investimento e Infraestrutura Asiático (BAII) etc, e recentemente na Nova Rota da Seda por meio da estratégia One Belt, One Road (OBOR). O BAII passou a fornecer empréstimos oficialmente em 2016, em cooperação com outros bancos internacionais consolidados, como o Banco Mundial onde US$ 1,5 bilhão iniciais foram investidos em infraestrutura na Ásia Central e no Paquistão. Tais papéis podem ser contrastados com a construção de ilhas para defesa/ataque no Mar do Sul da China, assim como os Estados Unidos, não pode se eximir do nexo crescente de “água-energia-alimento” que inclui empresas estatais, particularmente as petrolíferas chinesas. Nessa direção, a China investiu US$ 40 bilhões no Fundo da Rota da Seda (XING; SHAW, 2016, p. 49). A utilização do Renminbi nas trocas comerciais entre alguns países asiáticos tem crescido exponencialmente. A Iniciativa Cinturão e Rota fomentou a tendência de depósitos e títulos em Renminbi assim como o estabelecimento de um mercado de títulos em moeda chinesa. Alguns mecanismos de pagamentos em Renminbi foram criados entre a China e alguns países como a Coreia do Sul, o Reino Unido, a Alemanha, a França e Luxemburgo. Conforme Harvey (2011), os processos de circulação do capital também são processos de um movimento espacial onde as “redes geográficas137 também ser construídas para facilitar os fluxos de capital financeiro global conectando as zonas de excedente de capital com as regiões de escassez de capital (…) Isso abre a possibilidade de ‘ajustes espaciais’ em cascata para o problema da absorção do capital excedente”138. Nesse sentido devem ser entendidas as políticas chinesas para infraestrutura e seus reflexos nos processos de como tratar a crise orgânica do capitalismo contemporâneo. Vistas num todo, a rede chinesa de bancos de desenvolvimento e a Iniciativa Cinturão e Rota se apresentam como uma forma de ajuste espacial do processo de captação do capital excedente. Essa rede de bancos de desenvolvimento significa um rearranjo institucional e administrativo uma vez que, no pós-II Guerra Mundial, as instituições financeiras de Bretton Woods e Bancos Multilaterais de 137 Conjunto de localizações humanas articuladas entre si por meio de vias e fluxos. Nesse sentido, ela constitui caso particular de rede em geral, esta forma que advém da topologia. Ver em: (CORRÊA, 2011, p. 200) 138 A circulação do capital é um momento crucial no processo de acumulação: “A criação de valor depende da capacidade de realizá-la através da circulação. O insucesso da realização de valor significa, simplesmente, a negação do valor criado potencialmente na produção”. Ver em: (HARVEY, 2006, p. 73). 184 Desenvolvimento (estes em menor escala) têm desempenhado um papel fundamental na criação e manutenção de medidas de proteção dos fluxos e acumulação do capital. Desde a virada neoliberal dos anos 1970 e mais acentuadamente após a crise de 2008, essas supracitadas instituições criaram obstáculos aos investimentos em infraestrutura e a Rede de Bancos de Desenvolvimento liderados pela China pode ser enxergada como um ponto de superação de uma crise que se arrasta desde os meados dos anos 1990 (RAMOS; VADELL; ADAD, 2018, p. 269-270). Com esse mesmo objetivo, a China investiu US$ 20 bilhões no Fundo de Investimentos China-CELAC para América Latina, bem como US$ 10 bilhões no Fundo de Investimentos China-LSC dando a entender que: Não há dúvida que a China aumentou de forma maciça a escala de financiamento para o desenvolvimento em países em todo o mundo. Também, nota-se que os bancos de desenvolvimento apoiados pela China atribuem ênfase diferente à política de desenvolvimento, com foco em infraestrutura e transformações estruturais, daquelas apoiadas pelo sistema ocidental. (KAMAL; GALLAGHER, 2016 apud XING; SHAW, 2018, p. 49-50) Escobar (2018) afirma quê, as Novas Rotas da Seda, também conhecidas como Iniciativa Cinturão e Rota ou Belt and Road Initiative (BRI), serão o eixo estratégico da política externa chinesa para as próximas três décadas, definindo a marca China no mundo: As Novas Rotas da Seda simbolizam muito mais do que ferrovias de alta velocidade cruzando a Eurásia, ou um labirinto de estradas, dutos e conectividade portuária. Elas representam uma aliança chinesa com pelo menos 65 países participantes, responsáveis por 62% da população mundial e 31% de seu PIB. (…) Como a China é a única nação no mundo que desenvolveu uma estratégia quase global em termos de comércio e investimento, a BRI está permitindo que a China molde o que Washington define como o sistema internacional ´baseado em regras´ de modo mais próximo de suas prioridades. O contexto econômico global, lenta mas seguramente, estará se adaptando ao que a BRI representa. O sonho Chinês de retomar a dianteira em se tratando de comércio internacional é o que motivou o governo de Pequim à criação desse projeto, e a maneira com a qual a China pretende lidar com os outros atores na implementação e realização do mesmo é, no mínimo, diferente da maneira que o atual hegemon - os Estados Unidos da América - lida com essa questão (LIMA; BARBOSA; FONSECA; JUNIOR; ALVES, 2016, p. 62). Comenta Jabbour (2006, p. 52) sobre a estratégia chinesa de inserção e novo papel no xadrez das relações internacionais: 185 Seria uma grande ingenuidade não percebermos que a China, na busca de um rápido crescimento econômico, não aproveite lacunas no movimento geopolítico internacional em favor de seus próprios interesses. Sua antiquíssima “diplomacia do bambu”, em alusão ao vegetal que se movimenta de acordo com a direção do vento, trabalha desde 1978 para a criação de um ambiente internacional de paz duradoura. Segundo Alves (2018), o colapso da União Soviética ajudou a reduzir as tensões ao longo das fronteiras do norte da China e provocou uma retomada da amizade entre os antigos parceiros socialistas formalizada numa declaração de restauração de laços em 2001 assinada por Pequim e Moscou. Tensões nas fronteiras da China – como conflitos com o Vietnã e a Índia, a guerra civil no Afeganistão – com envolvimento soviético – e o confronto entre as duas Coreias foram substancialmente reduzidos. A China melhorou as relações com todas as nações vizinhas restaurando laços diplomáticos com a Indonésia e estabelecendo relações diplomáticas com toas as outras nações asiáticas. Até com Israel, um inimigo histórico dos amigos árabes da China no Oriente Médio estabeleceu-se relações diplomáticas. Para Carletti (2018), o papel da Iniciativa Cinturão e Rota desempenhado no estreitamento das relações política e econômicas da China com a Rússia139 e com a União Europeia, especialmente com a Alemanha, deve ser observado com atenção especial. Putin e Xi Jinping equacionaram os seus projetos geopolíticos sobre a Eurásia convergindo seus interesses evitando conflitos e tensões pelas áreas comuns em disputa. Para Putin a BRI a priori poderia ser um obstáculo a sua iniciativa de criação e fortalecimento da União Econômica Eurasiática (UEE). Porém, a crise da Ucrânia fez com que o Putin enxergasse na Iniciativa Cinturão e Rota uma oportunidade de potencializar seu projeto na Ásia Central. Do lado Chinês, nas palavras do general do Exército da Libertação Popular, Liu Yazhou, “um núcleo eurasiático mais unido poderia representar a âncora da estratégia ocidental chinesa e quebrar as tentativas dos Estados Unidos de criar divisões entre China e seus vizinhos”. O eixo Pequim-Moscou se estende chegando a um terceiro importando player, A Alemanha. A tríplice Entente Pequim-Moscou-Berlim, com potencial para uma quadriga com a inclusão da França. Em dezembro de 2004, uma espécie de Entente não oficial quando na cidade de The Hague (Holanda), por ocasião da 7ª Vértice UE-CHINA, a União Europeia e a China 139 “A longa fronteira terrestre sino-russa, tradicionalmente conflituosa, tornou-se uma parceria promissora para os dois países pela identificação de interesses estratégicos comuns. A expansão das Rotas da Seda por vias terrestres passou a ser, para China, uma válvula de escape fundamental para diminuir os efeitos colaterais da contenção norte-americana principalmente nas fronteiras marítimas.” Ver em: (CARLETTI, 2018, p. 44). 186 assinaram uma Declaração Conjunta na qual reiteraram o compromisso de cooperação em múltiplos setores, do econômico ao político, da ciência à tecnologia, do turismo ao ambiente entre outros. A China começou a investir na União Europeia como parceiro comercial e político numa parceria estratégica. A Iniciativa Cinturão e Rota seria uma consequência natural de todo esse processo. A Alemanha é o local de convergência de todas as rotas terrestres das novas rotas da seda e seus portos são destacados como destinos naturais das trocas comerciais entre China e União Europeia. Bom salientar que a Iniciativa Cinturão e Rota não se trata de um caso isolado, vários estados asiáticos estão compreendendo as transformações pelo qual o mundo moderno está passando e estão procurando elaborar projetos que vêm de encontro às oportunidades e desafios que os esperam a curto e médio prazo analisando soluções a esses desafios. A Arábia Saudita por exemplo lançou o projeto Visão 2030, a União Econômica Eurasiática composta por Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Armênia e o Quirguistão anunciaram ao mundo a iniciativa Estrada Luminosa. O Cazaquistão lançou em separado, a iniciativa Dois Corredores, assim como o Vietnã tem o seu Círculo Econômico, a Turquia sua iniciativa Corredor do Meio, a Mongólia aparece com a Rota do Desenvolvimento e outros países como Laos, Camboja e Mianmar também estão atentos e desenvolvendo seus projetos de investimento. Começam a ser lançados também um catálogo de projetos advindos da Índia tais quais o plano de ação Act East, o projeto Trilateral Highway, a estratégia Go West e o plano Neighbourhood First. As iniciativas de cooperação asiáticas parecem não inspirar os países europeus onde barreiras estão sendo erguidas onde tem no Brexit seu maior exemplo mas não único, movimentos anti-União Europeia começam a ganhar força na Itália, Alemanha, Polônia, Hungria sem contar os movimentos separatistas da Escócia e da Catalunha (FRANKOPAN, 2019, p. 198). A crise na União Europeia (UE) atraiu investidores chineses com um enorme portfólio de oportunidades. Governos e empresas da UE em relação aos Estados Unidos têm se apresentado receptíveis aos investimentos chineses. Porém, recentemente, alguns sinais começam a indicar alguns questionamentos como em particular na Alemanha onde algumas tentativas de aquisição de tecnologias mais avançadas do país levaram a uma reação (MA; OVERBEEK, 2018, p. 89). Como seria lógico, a Iniciativa Cinturão e Rota mexe com interesses no planeta inteiro, os Estados Unidos têm difundido uma “teoria de compromisso da soberania” tentando 187 sabotar as relações entre a China e os países participantes da iniciativa140. Ao mesmo tempo, a principal inovação da iniciativa é a promoção do acoplamento de estratégias de desenvolvimento entre todos com autonomia das nações em desenvolver suas próprias estratégias e planos de desenvolvimento141. A Iniciativa Cinturão e Rota foca na interconexão prevendo um grande catálogo de grandes obras de infraestrutura a longo prazo que contêm riscos, mas de grande importância para o desenvolvimento econômico e social dos países inclusos. Muitas empresas ocidentais não se atrevem a ir a esses países, e as empresas chinesas enfrentam dificuldades. Na execução dos projetos de construção de rodovias, ferrovias, portos e centrais elétricas, tendo em conta fatores como o investimento de capital, período de retorno, tecnologia e talentos, as empresas chinesas têm negociado formas e prazos específicos com os países relevantes, não comprometendo a soberania dos envolvidos. A China sempre incentivou a cooperação com países terceiros em torno da iniciativa e firmou documentos de cooperação com a França, Itália, Espanha, Japão, Portugal, entre outros, acoplando a capacidade de produção vantajosa da China à tecnologia avançada dos países desenvolvidos em atendimento das necessidades dos países em desenvolvimento. Empresas norte-americanas como Caterpillar, Honeywell e General Electric também participaram de projetos da iniciativa chinesa. A iniciativa chinesa converteu-se em um produto público popular no mundo onde a comunidade internacional deveria auxiliar de maneira consistente com o objetivo de desenvolvimento dos países participantes contribuindo com menos custos, maior eficiência e, especialmente, com mais respeito e igualdade (XIUDONG, 2019, n.p.). 140 Alguns políticos, grupos de especialistas e meios de comunicação ocidentais têm deflagrado uma campanha recentemente onde defendem que a Iniciativa Cinturão e Rota comprometeria a soberania das nações envolvidas tendo como argumentos principais uma suposta indução pelo governo chinês aos parceiros nos projetos não terem autonomia sobre os mesmos num mecanismo de “armadilhas de dívida” e um controle sobre os projetos através de acordos de capital, arrendamentos ou contratos de operação a longo prazo pelas empresas chinesas. Os chineses se defendem argumentando que a Iniciativa Cinturão e Rota adere, desde o início, ao princípio da “cooperação recíproca, construção conjunta e benefício mútuo” alinhando-se aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas onde não se admite a exclusividade nem imposição a terceiros. A iniciativa tem se baseado no respeito e benefícios amplos a partir de diálogos, consultas e cooperação entre todos os participantes em pé de igualdade. Ver em: (XIUDONG, 2019, n.p.). 141 Até agora, nenhum acordo selado sob a Iniciativa Cinturão e Rota consistiu em um “tratado de rendição” ou “tratado desigual. A China ainda alega se preocupar com a sustentabilidade da dívida nacional dos países integrantes da iniciativa não coagindo os parceiros a criação de dívidas. A construção do Cinturão e Rota requer um grande investimento e a maioria dos países participantes estão em vias de desenvolvimento num contexto onde se deparam com um sistema financeiro imperfeito com falta de canais de financiamento comprometendo a plena execução dos projetos. A China tem se comprometido na formulação de uma nova plataforma de cooperação inovando os mecanismos de investimento e financiamento orientando ativamente vários tipos de participação de capital, não só limitando-se às instituições financiadas pela China, mas formando um sistema de garantia de fundos para as instituições com financiamento estrangeiro, introduzindo um conjunto de medida de controle e gestão de riscos associados aos projetos da inciativa. Ver em: (XIUDONG, 2019, n.p.). 188 Uma vez estudado o processo histórico e os fatores cruciais para que a China chegasse ao ponto de ser a maior exportadora de capitais do planeta, esse capítulo tem como proposta apresentar as nuances de uma iniciativa da grandeza da própria China. A Nova Rota da Seda, assim chamada pelos jornalistas, apresentada em 2013 pelo presidente Xi Jinping como o grande projeto One Belt, One Road (Um Cinturão, Uma Rota), hoje representa dezenas de acordos, tratados e projetos efetivos sobre o acrônimo BRI, Belt and Road Initiative (Iniciativa Cinturão e Rota), que apesar de na sua maioria estar concentrado na Ásia Central se espalha pelo mundo impactando a economia do planeta. 3.2 A antiga Rota da Seda A Rota da Seda foi um importante elo entre o Oriente e o Ocidente. Ela partia de Chagan, Capital da Dinastia Han do Oeste e Chegava a Roma. Ela foi inaugurada por Zhang Qian. Porém, segundo novas versões, a Rota da Seda era formada por duas estradas: sul e norte. A sul partia de Dunhuang, atravessando a cordilheira Kunlun, o Xinjiang, o Afeganistão, Irã e a Península Árabe, chegando a Roma. Ao norte partia também de Dunhuang, atravessando a cordilheira Tian e passando pela Ásia Central e confluindo com a sul. A estrada sudeste também foi importante. Ela partia da província de Yunnan, atravessando a Birmânia, Índia e chegando ao Irã. Em 1986, foram descobertos sinais de culturas ocidentais, tais como da Grécia e da Ásia Ocidental. Além disso, ainda foi qualificada uma outra via marítima que partia de Guangzhou, atravessando Malaca, Sião, Índia e África Oriental. Os registros históricos ainda comprovam que a via marítima foi formada na Dinastia Song. A Rota da Seda marítima foi considerada como um instrumento de diálogo entre o oriente e o ocidente, pois interligou a cultura chinesa e as demais civilizações do mundo. Os registros históricos também mostram que Marco Pólo chegou à China por via marítima, assim como usou do mesmo expediente para retornar a Veneza (COUTO, 2008, p. 13). O termo Rota da Seda fora cunhado pelo geógrafo alemão Friedrich von Richthofen no século XIX, não era utilizado durante a dinastia Tang e não se tratava de uma única rota mas sim de um emaranhado de veias e artérias que apareciam modificando as rotas constantemente pelo Mediterrâneo. Os historiadores identificam sua origem no século II a.C., mas existem registros anteriores que certificam o tráfego pela rota bem antes. Fragmentos de seda chinesa de 1500 a.C. foram encontrados em túmulos no norte do Afeganistão e também 189 nos cabelos de uma múmia egípcia do século X a.C. Quatro séculos depois ela foi encontrada no túmulo de um príncipe da Idade do Ferro na Alemanha, onde foi usada – como um retalho de grande beleza – no manto do cavalo de um comandante cita (antigo povo de pastores nômades equestres), arrancado de alguém como tributo ou obtido em troca de peles 24 séculos atrás. Além da seda, caravanas partiam de Changan – às vezes com milhares de camelos – carregadas de ferro, bronze e peças de laca e de cerâmica; e as que voltavam do oeste, traziam artefatos de vidro, ouro e prata, temperos e pedras preciosas da Índia, tecidos de lã e de linho, às vezes escravos e até uma impressionante invenção da época: a cadeira. Um comércio pequeno, mas crescente, de frutas e flores começou a ganhar força. Da China, saíam laranjas, damascos, amoras, pêssegos e ruibarbo rumo ao oeste, junto com as primeiras rosas, camélias, peônias, azaleias e crisântemos. Da Pérsia e da Ásia Central, vindo na direção contrária, chegavam vinho e as figueiras que se espalharam pela China, junto com linho, romãs, jasmim, tâmaras, azeitonas e uma série de legumes e ervas. Em tempos de estabilidade, quando o grande império Han se estendeu pela Ásia Central até a antiga cidade de Roma, ou quando o império mongol estabeleceu um inesperado período de paz, a Rota da Seda floresceu. Ainda assim, mesmo nessas épocas, algumas caravanas nunca percorriam o caminho todo. Nenhum romano andou pelos bulevares de Changan e nenhum mercador chinês se maravilhou com o monte Palatino (Monte mais central das sete colinas de Roma e uma das mais antigas partes da cidade). Na verdade, suas mercadorias eram trocadas ao longo de uma interminável e complexa rede de comércio, subindo de preço conforme sua raridade e distância do ponto de origem cresciam (THUBRON, 2017, p. 40-41). As principais rotas eram: i) Rota norte: passava através do Yuménguan (Passo do Portão de Jade) e atravessava uma parte do deserto de Gobi na direção do deserto de Hami, antes de seguir na direção das montanhas de Tianshan, rodeando as franjas ao norte do temível deserto de Taklimakan. Essa rota passava através do maior oásis de Turfan e Kuga antes de chegar a Kashgar, aos pés da cordilheira Pamir; ii) Rota sul: partia de Dunhuang (cidade na atual província de Gansu na China) passando através do passo de Yanguan, se estendendo nas bordas ao sul do deserto do Taklimakan, na bacia do rio Tarim, até se voltar para o norte e encontrar a outra rota em Kashgar. Muitas outras rotas foram usadas, o importante é compreender a complexidade dessa estrada, Kashgar se tornou a encruzilhada da Ásia. Dali partiam rotas do Pamir até Samarcanda, para o sul até o mar Cáspio, ou para o sul passando pela cordilheira do Karakorum até a Índia. Também havia uma rota que atravessava 190 a cordilheira de Tianshan para alcançar o mar Cáspio via Tashkent (hoje capital do Uzbequistão). Povoados muito raros, gente muito diferente, muito cansaço, mas momentos de descanso, momentos de comércio e decisões. Alguns já voltavam dali mesmo com outra caravana e outros produtos que haviam comprado, tendo já vendido os seus. Os mais aventureiros seguiam viagem vamos ver até aonde os levariam a religião ou a curiosidade. Até hoje é complicado viajar por essa região como turista, as distâncias são longas e escassamente povoadas e os confortos são poucos como podem ver pela foto, a estrada de ferro no meio do nada. Imensas montanhas, desertos, um clima impossível de descrever, nenhum conforto básico, total desconhecimento dos povos no caminho e o perigo que isso envolve, mas nada disso desanimou as figuras humanas tão variadas, que por ali passaram (WIKILIVROS, 2013, n.p). A circulação de pessoas e mercadorias entre territórios e culturas, tão díspares na antiga Rota da Seda, teve um impacto multilateral nas respectivas sociedades envolvidas entre o Oriente e o Ocidente. Assim, não apenas se transferiram produtos como as sedas e as porcelanas, como as respectivas e sofisticadas técnicas de produção. Os europeus transferiam, por seu lado, novas técnicas e especialidades, desde a construção naval, à astronomia e cartografia, às técnicas inerentes à revolução industrial. O escambo, a troca de mercadorias, o tráfego de produtos e serviços, até o que, atualmente, pode-se determinar como fluxo transfronteiriço de capitais entre países. Essas são categorias que aproximam o conceito contemporâneo de investimento internacional ao que ocorria em sociedades mais remotas (BRUNO; RIBEIRO, 2017, p. 197). Sobre a história do comércio ao longo da antiga Rota da Seda, o Thubron (2017) relata que assim como os chineses guardavam os segredos do bicho-da-seda, os partas142, e depois os sassânidas143, não compartilharam com os chineses o que realmente sabiam sobre o ocidente. No ano 67 d.C., um emissário chinês à procura da Síria romana foi desviado para o golfo Pérsico por seus anfitriões partas, e depois convencido de que a jornada pelo mar levaria absurdos dois anos e de que as pessoas morriam com saudades de casa no meio do caminho. O emissário preferiu voltar. Durante séculos, os persas mantiveram o controle do comércio por terra. As sedas chinesas chegavam a eles por intermediários, negociadas à base de 142 É um povo que integrou o Império Persa e depois formou um Estado autônomo (247 a.C a 224 d.C). 143 O Império Sassânida foi o último Império Persa pré-islâmico, governado pela dinastia sassânida (224–651). O Império Sassânida, que sucedeu ao Império Parta, foi reconhecido como uma das principais potências da Ásia Ocidental e Central, juntamente com o Império Romano/Bizantino, por um período de mais de 400 anos. 191 mímicas em troca do ouro e da prata ocidentais. Um incrível período de paz dominava a Rota da Seda. A brutalidade dos mongóis havia arrefecido, e do grande canado de uma China conquistada, suas dinastias governavam o Mediterrâneo de ponta a ponta. A partir do meio do século XIII, durante quase cem anos, o comércio fluiu por suas rotas à sombra de fortes e das bases dos mensageiros imperiais. Dizia-se que uma virgem com um prato de ouro poderia ir sem problemas da China à Turquia. Sob essa paz mongol, papas e reis europeus enviaram monges como emissários para o leste, buscando alianças com os mongóis contra os árabes e à procura do lendário reino cristão de Preste João. Um monge nestoriano turco da China chegou ao Vaticano e à corte de Felipe, o Belo, em Paris, e os irmãos Polo foram à capital de Kublai Khan levando como presente óleo do Santo Sepulcro. Enquanto isso, os mercados de Sultaniya144 estavam repletos de luxos recém-liberados. As sedas brutas e tecidas da China voltaram a ser trazidas por terra, junto com almíscar e peças de laca. Genoveses e venezianos se estabeleceram. Nessa época, a pólvora da China também chegou à Europa, assim como os teares de seda e o relógio mecânico. Cavalos árabes e falcões turcos apareceram, e produtos têxteis de Flandres e da Itália. Os dias de glória da dinastia Tang voltaram com especiarias indianas e pedras vieram do golfo Pérsico, rubis e lápis-lazúli, marfim e chifres de rinoceronte. Os paióis de grãos de todas as cidades estão repletos de reservas, e os cofres cheios de tesouros e ouro em valor de trilhões, escreveu Sima Qian145, historiador chinês do século 1 a.C. Há tanto dinheiro que os cordões usados para manter moedas unidas apodrecem e se quebram, uma quantia inimaginável. Os paióis de grãos da capital estão tão cheios que os grãos se espalham pelas ruas, apodrecem e não podem ser comidos. Qian se referia aos lendários superávits da dinastia Han em razão da expansão chinesa rumo ao oeste e sul pelo estabelecimento das rotas comerciais que vieram a ser conhecidas como a “Rota da Seda” interligando a capital chinesa no período, Xian, a Roma. Passados um milênio ou dois, o tema sobre a expansão chinesa está na pauta em decorrência do novo período de enormes superávits comerciais. Não há cordões que contenham os trilhões em reservas do país e além de silos repletos de alimentos a China também tem excedentes de imóveis, cimento e aço (CLOVER; HORNBY, 2015, n.p.). 144 Sultaniya, em Zanjan, no Irã, a 240 quilômetros de Teerã, era a capital dos Ilcanato, um dos quatro estados sucessores do império mongol, no século XIV. 145 Sima Qian (-145-85) é considerado o primeiro grande historiador chinês de fato, organizando os métodos, teorias e modos de apresentação da história chinesa. Seu livro, as Recordações Históricas (Shiji) é um marco na historiografia chinesa, servindo de modelo para os autores posteriores. (BUENO, 2011, p. 11-12) 192 Fonte: https://aulazen.com/historia/a-rota-da-seda/ Para Thubron (2017), com os marujos europeus se aventurando ao mar com galeões de três mastros utilizando-se de bússolas, pouco a pouco, a rota que antes ligava o Pacífico ao Mediterrâneo acabou ficando fragmentada e deserta e os oceanos se transformaram em agitadas novas rotas. No século XIX, algumas caravanas de camelos ainda levavam tijolos de chá de uma China enfraquecida a Sibéria, e às vezes os nômades iam com bandos de cavalos para serem vendidos na Grande Muralha. Durante três séculos, o Mediterrâneo Oriental caiu em silêncio frente ao clamor da costa Atlântica. Entretanto, se houve um momento realmente fatal para a Rota da Seda, não foi a tomada de Constantinopla, nem o isolamento dos Ming, nem a descoberta de Colombo, e sim o dia, em algum momento do século X, em que um chinês desconhecido inventou a bússola marinha. 3.3 A China tem a solução: uma comunidade e um futuro partilhado para a humanidade. Do oriente ao ocidente, as Rotas da Seda reaparecem. O deslocamento pelo mundo islâmico violento perturba e confunde com seu fundamentalismo assim como os conflitos entre russos e seus vizinhos ou entre os extremistas das províncias ocidentais chinesas e o governo central da China. Existem obviedades e a mais importante são os recursos naturais da Figura 2-Rota da Seda 193 região. Desde a Primeira Guerra Mundial, as riquezas da Pérsia, Mesopotâmia e do Golfo fora uma prioridade e desde então esforços não faltaram para domínio ocidental sobre essa região. Descobertas atuais aumentaram a intensidade da disputa: as reservas combinadas de crude sob o mar Cáspio são quase duas vezes maiores do que as reservas de todos os Estados Unidos. Do Curdistão, onde novos reservatórios de petróleo foram recentemente descobertos como o campo Taq Taq, cuja produção subiu de 2000 para 250 000 barris por dia desde 2007 – que valem centenas de milhares de dólares por mês – à grande reserva Karachaganak na fronteira entre o Cazaquistão e a Rússia, que contém cerca de 42 bilhões de pés cúbicos de gás natural, bem como gás liquefeito e petróleo bruto, os países desta região florescem com os seus recursos naturais. Depois há a bacia do Donbas que cruza a fronteira oriental da Ucrânia com a Rússia e onde desde há muito é conhecida pelos seus depósitos de carvão, que se estima terem reservas de cerca de 10 milhões de toneladas. Também esta é uma área de crescente importância por causa da riqueza natural. Recentes estudos geológicos conduzidos pelo Serviço Geológico dos EUA sugeriram a presença de 1,4 milhão de barris por dia de petróleo e 2,4 bilhões de pés cúbicos de gás natural, bem como consideráveis volumes de líquidos de gás natural. A par de tudo isso estão as reservas de gás natural do Turquemenistão. Com não menos de 700 bilhões de pés cúbicos de gás natural que se estima estar abaixo do solo, o país controla a quarta maior reserva do mundo. E depois há as minas do Uzbequistão e do Quirguistão que formam parte da cintura Tian Shan que só estão atrás da bacia Witwatersrand na África do Sul no que toca ao tamanho dos seus depósitos de ouro. Ou temos o berílio, disprósio e outros “minerais raros” do Cazaquistão, que são vitais para a manufatura de telemóveis, laptops e baterias recarregáveis, bem como o urânio e plutônio que são essenciais para a energia nuclear – e para as ogivas nucleares. O próprio solo é rico e valioso. Em tempos, os cavalos da Ásia Central eram um produto muito prezado, cobiçado na corte imperial na China e nos mercados, tão famosos para os cronistas de Kiev como para os de Constantinopla e Pequim. Hoje em dia, grandes partes da terra de pastagem das estepes transformaram-se nos campos de cereais surpreendentemente produtivos do Sul da Rússia e da Ucrânia: com efeito, a marca chernozem (literalmente terra escura) é tão fértil e procurada que uma ONG descobriu que esta terra é vendida num valor perto de US$ 1 milhão todos os anos só na Ucrânia (FRANKOPAN, 2015, p. 576-577). 194 Fonte:https://sites.google.com/site/fronteirasmaritimas/indice-1/fronteiras-maritimas-politicas-1/mar-caspio As economias asiáticas estão repetindo o modelo de origem do sistema capitalista internacional capitalista europeu baseado em acumulação de poder e riqueza. A Ásia se transformou no continente de maior dinamismo econômico do mundo e uma luta intensa geopolítica é travada regionalmente entre China, Japão e a Coreia do Sul com laços que estendem à Rússia e aos Estados Unidos. Nesse sentido, a China passou a ser uma espécie de ganso146 líder da integração asiática coordenando as ações e processos geoeconômicos regionais e globais. Tudo isso se personifica na Iniciativa Cinturão e Rota (FIORI; LEÃO, 2018, n.p.). Quando Xi Jinping anuncia o então projeto OBOR em 2013 no Cazaquistão com os quatro princípios norteadores: a cooperação pacífica, o aprendizado mútuo, a vantagem 146 “O início da Guerra Fria, em 1947, seguido da vitória da revolução comunista na China, em 1949, da Guerra da Coreia, em 1950, e do início da Guerra do Vietnã, em 1954, obrigaram os Estados Unidos a redefinir sua posição frente ao seu inimigo recém-derrotado, apoiando a reconstrução acelerada da economia japonesa e a recolocação do Japão como cabeça de ponte dos interesses estratégicos norte-americanos no Leste e Sudeste Asiático, ao lado da Coreia do Sul e de Taiwan. Como se fossem verdadeiros ‘protetorados militares’ dos Estados Unidos, com direito a um lugar privilegiado na grande expansão da economia capitalista do pós-guerra, liderada pelos norte-americanos e alimentada pela reconstrução da Europa destruída pela guerra. Mais tarde, essas mesmas condições vantajosas do Japão foram oferecidas à Coreia, à Taiwan e a todos os países da região chamados na época de ‘gansos’, por seguirem a liderança dinâmica da economia japonesa.”Ver em: (FIORI; LEÃO, 2018. n.p). Figura 3: Área de influência da Nova Rota da Seda no Mar Cáspio 195 recíproca e a integração ampla, tem na verdade o objetivo estratégico de poder usufruir de seu potencial para manter seu projeto de desenvolvimento e poder rivalizar com os Estados Unidos que domina a área transatlântica. Três seriam as principais motivações de Xi (e da China) que fundamentam a Iniciativa Cinturão e Rota no âmbito das relações internacionais e da economia. Primeiramente, trata-se de planejamento a longo prazo em que se considera as necessidades internas chinesas. A posteriori, estariam as necessidades energéticas da China que provavelmente se triplicariam até 2030. Daí a busca de construção de gasodutos e oleodutos que permitam a importação de reservas de gás e de petróleo vindos da Rússia e da Ásia Central. E não menos importante estariam acordos que garantam o transporte marítimo em grande escala já implementados com as empresas petrolíferas da Rússia e do Oriente Médio (Irã, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos). A China foi o maior importador de petróleo em 2017 quando importou em média mais de 8 milhões de barris por dia. E não só de hidrocarbonetos vive a China, um empreendimento conjunto foi firmado com a Kazatomprom, empresa nuclear estatal do Cazaquistão, e a empresa CGNPC permitindo a produção de combustível nuclear destinado às centrais elétricas da China a partir de 2019 (FRANKOPAN, 2019, p. 101). Essa releitura moderna da Rota da Seda é mais ambiciosa que a antiga. Autorizado em 2015 pelo Conselho de Estado da China, um plano de ação foi implementado com dois objetivos principais: o Cinturão Econômico da Estrada da Seda e a Rota Marítima da Estrada da Seda. O Cinturão tem como base três conexões que ligam a China à Europa (via Ásia Central), o Golfo Pérsico, o Mediterrâneo (pela Ásia Ocidental) e o Oceano Índico (pelo sul da Ásia). A Rota da Seda Marítima do século 21 tem a pretensão de abrir caminhos entre vias navegáveis regionais. As obras na Ásia Central já se encontram em processos avançados. Na África, mais de 10 países já tiveram ferrovias e portos construídos pelos chineses. Na Europa, diversas parcerias comerciais foram firmadas com países geralmente colocados à margem das grandes decisões da União Europeia. A exemplo, em 2017 representantes de 50 países se reuniram em Tbilisi, na Geórgia para uma conferência dos países signatários da Belt and Road Initiative (Iniciativa Cinturão & Rota). A China investiu cerca de US$ 19 bilhões para criar uma ferrovia e um porto na Geórgia com o objetivo claro de transformar a Geórgia num centro logístico de ligação entre China e União Europeia. Na mesma linha, tratativas foram implementadas na conhecida cúpula “16 + 1”, envolvendo a China e 16 nações da Europa Central e Oriental, em Budapeste. Nos Bálcãs, a China investiu mais de US$ 8 bilhões na 196 Sérvia, em Montenegro e na Bósnia-Herzegovina. Por trás desse imperativo estratégico, há uma infinidade de motivações secundárias. A China espera aumentar sua lucratividade investindo em infraestrutura nesses projetos que em juros dos títulos do Tesouro americano onde se encontram suas enormes reservas cambiais. Dessas parcerias espera-se prospecção de novos mercados para companhias chinesas, como empresas ferroviárias de alta velocidade assim como exportação do excedente em cimento, aço e outros metais. Para tanto, os chineses se aproveitam da necessidade dos países parceiros. “O Banco Mundial não tem feito o suficiente nesses países, as potências ocidentais fizeram isso no século 19, mas depois pararam. Então, a China está ocupando um vácuo”, afirma Lanxin Xiang, professor do Instituto de Graduação em Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra. “É importante salientar que a maioria dos países envolvidos, incluindo a Rússia, parece convencida de que a intenção da China é pacífica, o que torna menos provável um confronto militar”, diz. A estratégia de “desenvolvimento pacífico” da China, no entanto, pode criar desafios inesperados para o mundo. A Comissão Europeia se opôs aos investimentos chineses na região e afirma que os processos de licitação podem não ter cumprido as regras da UE. Países asiáticos, como Sri Lanka e Mianmar, rechaçam qualquer possibilidade de negociação na iniciativa (TURRER, 2017, n.p). Fonte: https://www.ocafezinho.com/2019/04/29/video-a-china-a-nova-rota-da-seda-e-o-brasil/ Figura 4-Nova Rota da Seda 197 As novas Rotas da Seda também viriam de encontro à política de diminuição dos desequilíbrios internos retomando e ampliando uma iniciativa de desenvolvimento da região central da China Ocidental lançada no período de Jiang Zemin. O projeto à época denominado de West Development Strategy (Estratégia de desenvolvimento do Oeste) visava deslocar o foco econômico tradicional da região costeira do leste para a região ocidental. Quando lançado o projeto não causou comoção aos investidores por conta dos baixos potenciais de consumo e pelo nível educacional baixo da região. A Iniciativa Cinturão e Rota estendida aos países vizinhos dessa região abarcaria 18 províncias chinesas que serviriam de passagem das rotas terrestres em direção aos países comercialmente mais atraentes do Oriente Médio e União Europeia. Rodovias, ferrovias e outras facilidades logísticas seriam construídas levando desenvolvimento a regiões periféricas chinesas resultando em ganhos políticos e coesão nacional (CARLETTI, 2018, p. 38). No avanço da Iniciativa Cinturão e Rota, a China planeja alavancar as vantagens comparativas147 de suas várias regiões, adotando uma estratégia de maior abertura, fortalecendo a interação e a cooperação entre as regiões Leste, Oeste e Central com o objetivo de ampliar a abertura econômica chinesa, favorecendo ao mesmo tempo a defesa do seu território expandindo para o interior o aparelho de poder chinês. O desenvolvimento urbano, industrial e financeiro chinês se concentra a priori na área costeira centro-norte da China (de Xangai em direção à fronteira coreana), e na área nordeste do país (onde está Pequim). Esse desenvolvimento se acelerou como resultado da forte conexão das cadeias produtivas chinesas com os setores produtivos da Coreia do Sul e do Japão, localizados na mesma região. Mais ao sul, mas ainda na região costeira, existem também conexões importantes especialmente a partir deste século, com a reincorporação de Hong Kong e Macau ao espaço econômico chinês, com o poder financeiro destas duas regiões, especialmente. Porém, estamos tratando do país com o terceiro maior território do mundo e integrar o universo territorial chinês (e ao mesmo tempo reduzir as desigualdades das escalas de desenvolvimento, uma vez que essas regiões mais industrializadas e urbanizadas são também as mais ricas), é de grande importância e não menos importante é a integração dos russos na Iniciativa Cinturão e Rota, 147 David Ricardo era um aplicado defensor do liberalismo no comércio internacional. Para ele, as transações entre os países eram um mecanismo poderoso para infundir ânimo aos sistemas econômicos. Em sua visão, as trocas internacionais seriam vantajosas mesmo em uma situação em que um determinado país tivesse maior produtividade que o outro na produção de todas as mercadorias. O comércio internacional sob condições de livre concorrência faria os países especializarem-se na produção dos bens em que tinham maiores vantagens comparativas, e aumentaria o potencial de acumulação em ambos. A teoria das Vantagens Comparativas de Ricardo foi a base para a construção de toda uma vertente de teorias de comércio internacional que dominou por muito tempo o debate econômico. Ver em: (RICARDO, 1996, p. 11). 198 uma vez que embora a região centro-oriental da Rússia tenha grande riqueza mineral e energética, essa área é muito fria e pouco povoada (MINEIRO, 2018, p. 21-22). A Iniciativa Cinturão e Rota se divide em 6 corredores econômicos com previsão de implementação total num período de 30 a 40 anos que podem ser elencados da seguinte forma: 1) a nova ponte terrestre Eurasiática até a Europa; 2) o eixo China-Mongólia-Rússia; 3) o eixo central China-Ásia Ocidental (passando pelo Oriente Médio); 4) o eixo Península China – Indochina; 5) o eixo China – Paquistão e 6) o corredor econômico Bangladesh-China- Índia-Mianmar (CARLETTI, 2018, p. 37). A Nova Rota da Seda começará na cidade de Xian, mas se articula para o Norte com Beijing e para o Sul, em Guandong, subindo daí até Lanzhou (província de Gansu), Urumqi (Província de Xinjiang) e Khorgas (Xinjiang), já próxima ao Casaquistão. Daí seguirá para o sudeste, alcançando o norte do Irã, na Ásia central, antes ir através do Iraque, Síria e Turquia. De Istambul, a Rota da seda cruzará o estreito de Bósforo e seguirá noroeste através da Europa, incluindo a Bulgária, a Romênia, a República Checa e a Alemanha, daí até o porto de Roterdam, na Holanda. Finalmente via o Sul chegará até Veneza onde se encontrará com a também ambiciosa Rota da Seda Marítima que sairá de Quanzhou na província de Fuja, e também atingirá Guangzhou, na província de Guandong, Beihai (Guanxi) e Haikou (Haina), antes de se dirigir para o estreito de Málaca, de Kula Lampur, se dirigirá a Calcutá, na Índia e depois cortará o restante do Oceano Índico para Nairobi, Kenya e seguindo até o Sri Lanka. De Nairóbi, a rota marítima irá para o norte em torno do “Chifre da África e dali para o Mar Vermelho e o Mediterrâneo, com uma parada em Atenas antes de atingir a Rota da seda terrestre em Veneza. Tudo isto só vem a revelar que um império, fechado no passado, que constrói as famosas Muralhas da China, abre-se novamente para o mundo árabe, africano e europeu, uma tarefa ciclópica (LIMA; BARBOSA; FONSECA; JUNIOR; ALVES, 2016, p. 63). 199 Fonte: (MINEIRO, 2018, p. 11). Um dos importantes projetos regionais derivados da Iniciativa Cinturão e Rota e um dos corredores de desenvolvimento é a rota econômica entre China e Paquistão que envolve um amplo conjunto de obras estruturais financiadas pelo Fundo da Nova Rota da Seda como a hidrelétrica de Karot, no rio Jhelum, noroeste do Paquistão que também abrange exploração de minas de carvão, construção de plantas de energia solar e eólica e modernização da ferrovia de Karakoram e de outra ligando Karachi e Pashawar e o mais famoso projeto, a construção do novo porto de Gwadar. Outra proposta importante é a criação do corredor econômico entre Bangladesh-China-Índia-Mianmar (BCIM) que inclui o término da infraestrutura multimodal de 2.800 km entre a Kunming (Yunnan) e Volkata (nordeste do território indiano) (PAUTASSO; UNGARETTI, 2017, p. 32). Outros projetos regionais vinculados à Iniciativa Cinturão e Rota são o corredor China-Ásia Central-Ásia Ocidental onde se destaca a proposta da ferrovia de alta-velocidade da Ásia Central traçando áreas desde Urumqi (Xinjiang) passando por Uzbequistão, Turcomenistão, Irã, Turquia tendo como destino final a Alemanha, e o corredor China- Península da Indochina que tem potencial de redução dos custos logísticos e incrementar a competitividade econômica de países como Indonésia, Filipinas, Camboja e Mianmar desenvolvendo a integração econômica da parte continental do Sudeste Asiático, conectando a posteriori os trechos marítimos e utilizando a plataforma política da Grande Sub-região do Mekong (GMS), interligando a sub-região do grande Mekong conectando Kunming com Figura 5-Um Cinturão, uma Rota – Corredores da Nova Rota da Seda 200 Singapura, alinhando-se às estratégias chinesas de cooperação na região competindo com a Índia (ibidem, p. 32-33). Em relação às rotas marítimas da Iniciativa Cinturão e Rota, além do já citado porto de Gwadar no Paquistão, destaca-se o envolvimento chinês na construção e modernização da infraestrutura portuária no Sri Lanka com o desenvolvimento do porto de Hambantota, na cidade de Colombo que tende a se transformar numa megalópole de 8 milhões de habitantes; em Mianmar, onde a China já é o maior investidor estrangeiro no país estando a frente da construção do porto de Kyaukphyu, potencial conexão efetiva com o Oceano Índico transformando-se numa alternativa para importações energéticas que trafegam pelo Estreito de Malaca, com gasodutos e oleodutos interligando o litoral de Mianmar à cidade chinesa de Naning; e em Bangladesh com a modernização do porto de Chittagong e a construção de rodovias e ferrovias entre Kunming (província de Yunnan) e a província de Chittagong demonstrando a importância da presença chinesa na edificação estrutural do país. A China ainda aprovou a proposta japonesa para construção de um porto de águas profundas em Martarbari, localizado a apenas 25 km de Sonadia assim como um entreposto marítimo nas Maldivas (Male) proporcionando outro acesso ao Oceano Índico e ao Mar Arábico (ibidem, p. 33-35). Saindo da Ásia, a Iniciativa Cinturão e Rota, num processo de intensificação da presença chinesa na África apresenta, nesse continente, vários projetos de infraestrutura e implantação de polos industriais. Esse interesse sobre o continente africano é colocado num contexto histórico por Santos (2002, p 74-75): A África é uma encruzilhada do mundo e sempre foi um terreno de batalha, em nome da cobiça, entre as grandes potências. A conquista do Novo Mundo e a necessidade de escravos levaram a lutas intermináveis entre países europeus. A crise ligada à segunda revolução industrial nos fins do século passado gerou o imperialismo e o colonialismo. Segundo a sua força relativa, as potências dividiram entre elas o território africano. O critério era, então, a possibilidade de produzir a baixo custo os alimentos e as matérias-primas vegetais necessárias ao desenvolvimento industrial europeu. Daí por que o país hegemônico, a Inglaterra, guardou pra si as terras consideradas melhores, aptas à produção de cacau, café, algodão. O Império Britânico também se reservou as áreas que continham os minerais industrialmente utilizáveis na época e, sobretudo, os terrenos auríferos, em uma fase da história comercial e financeira em que o ouro era, realmente, a mercadoria capaz de comprar todas as outras. Se o Saara coube à França, foi porque não se suspeitava que cobrisse um enorme lençol petrolífero, nem mesmo o petróleo tinha o valor comercial e estratégico atual. Portugal, potência colonial de quarta ordem, ganhou, por isso mesmo, terras consideradas sem valor... 201 A divisão territorial assim estabelecida se manteve após as independências, como, também, se mantiveram as esferas de influência. Entretanto, a revolução dos processos produtivos, ligada ao desenvolvimento científico e técnico do pós-guerra, permitiu a valorização de produtos até então não utilizados industrialmente por ninguém. A África, repositório dessas novas matérias-primas, teve ampliado seu papel de encruzilhada do mundo de um modo dramático. A bipolarização, já que a União Soviética se alçara à condição de supergrande, ajunta-se mais tarde, a política africana da China. Por outro lado, o comércio internacional, ainda que balizado pelos governos, é cada vez mais realizado pelas firmas multinacionais. Já em 1971, o total de exportações mundiais chegava a 310 bilhões de dólares, enquanto a produção das multinacionais somava 330 bilhões. Destes, 275 bilhões correspondiam às firmas norte-americanas, cuja presença na África se expandiu, de forma acelerada, desde os anos 50. Estima-se que existam hoje 2000 empresas chinesas instaladas no continente africano. Grupos empresariais como a China Comunication Construction Company (CCCC) se empenham na expansão do porto de Lamu (Quênia) e o porto de Djibouti está sob controle da China Merchants Holding (Internacional) Company Ltd (CMCH). Já a construção de um novo porto em Bagamoyo (Tanzânia) está sob a responsabilidade da China Harbour Engineering Company (CHEC), empresa chinesa que já atua no porto de Maputo (Moçambique). Outro exemplo é a Hutchins Port Holdings Ltd (HPH) que opera um terminal de cargas no porto de Dar es Salaam (Tanzânia). A costa ocidental africana não ficara esquecida uma vez que empresas chinesas controlam os portos de Kribi (Camarões), Libreville (Gabão) e Tema (Togo) (ibidem, p. 35). Desde a revolução comunista a África tem recebido um tratamento atencioso dos governantes chineses. Deng Xiaoping, em 1985, já aconselhava o presidente de Gana à época para que não copiasse o modelo chinês mas que as nações africanas deveriam buscar seus próprios caminhos de acordo com suas culturas e que a China não tinha como ambição interferir nos assuntos internos dos países estrangeiros. Hu Jintao em visitas ao continente africano anunciou oito medidas a serem tomadas em relação à África, em 1999: assistência ao continente; crédito e empréstimos preferenciais; construção de um centro de conferências para a União Africana; cancelamento de dívidas; maior abertura dos mercados chineses para a África; implantação de zonas econômicas e comerciais; e o treinamento de profissionais africanos. Os críticos acusam que os verdadeiros interesses chineses estariam na exploração dos recursos naturais africanos no que os chineses retrucam que para a maioria dos países africanos148, após a retirada da última potência colonial ocidental ter deixado o continente não 148 O modelo chinês de cooperação com os países africanos, que se caracteriza por não interferência nas questões internas desses países – pese embora não seja isento de críticas – pode ser uma boa alternativa comparada ao dos parceiros tradicionais de cooperação (o ocidente) cuja característica é de impor condições aos seus parceiros africanos, culminando com sanções severas caso os países africanos não cumpram com as 202 ter ajudado na resolução das demandas básicas e urgentes do continente como o combate a pobreza, instalação de serviços básicos e de melhoria da segurança da população e já a China tem propiciado melhoria de infraestrutura numa cooperação sul-sul com forte complementaridade econômica com resultados satisfatórios para ambos, China e África (NAISBITT, 2011, p. 188-189). Tabela 3.1-Países inseridos na Iniciativa Cinturão e Rota Rússia, Mongólia e Ásia central Sudeste AsiáticoÁsia Meridional Europa Oriental Ásia Ocidental e Norte da África CEI e Geórgia Mongólia Camboja Nepal Polônia Irã Bielorrússia Rússia Timor Leste Butão Montenegro Síria Ucrânia Cazaquistão Malásia Maldivas Macedônia Jordânia Azerbaijão Tajiquistão Filipinas Afeganistão Bósnia e Herzegovina Israel Moldávia Uzbequistão Singapura Paquistão Albânia Iraque Armênia Turcomenistão Tailândia Índia Lituânia Líbano Geórgia Brunei Bangladesh Letônia Palestina Vietnã Sri Lanka República Tcheca Egito Laos Eslováquia Turquia Mianmar Hungria Arábia Saudita Eslovênia Emirados Árabes Unidos Romênia Omã Bulgária Kuwait Sérvia Qatar Bahrein Iêmen Fonte: (PAUTASSO; UNGARETTI, 2017, p. 30) medidas por eles impostas. Não basta que os países africanos recebam investimento chinês nos moldes em que é feito atualmente, é necessário que os governantes africanos criem modelos autônomos, independentes de parceiros de cooperação que possam fomentar uma competição entre ocidente e a China. O que guia as relações China-África são necessidades econômicas e políticas sob a retórica de benefícios mútuos. Apesar de haver diferenças nas estruturas políticas domésticas, tal como o Ocidente, a China se esforça em liderar uma política econômica internacional que posiciona África como um continente fornecedor de recurso. É importante sublinhar que a China também é movida para a África por interesse em recursos energético, mas também pelo ouro, cobre e terra do continente. Para se ter uma ideia, cerca de 60% da produção petrolífera do Sudão, um dos maiores produtores em África, vai para a China cobrindo 5% das necessidades chinesas do petróleo. Angola e Nigéria são outros dois países que contribuem com ¼ da sua produção. A África é também fonte dos recursos minerais para a China. 60% da produção em minérios em África é exportada para a China. Mas estas relações não podem ser vistas apenas do ponto de vista de vantagens para a China porque a África também tem benefícios. A África comercializa produtos da manufatura primária da China; a China apoia na construção de infraestruturas. Os chineses têm vindo a cooperar com os africanos em todas as áreas, não se intrometendo na política doméstica dos africanos: vendem bens de consumo popular extremamente barato, acessíveis a várias camadas sociais antes carentes deles. Isso está causando uma transformação social pela base, impactando política e economicamente. Ver em: (CUCO, 2016, p. 2-5). 203 A interligação da China com a Europa, integrando a Eurásia abrange projetos estratégicos como a modernização do porto de Piraeus na Grécia e a construção de uma ferrovia entre Hungria e Sérvia. Nesse contexto está a ferrovia Chongqing-Xinjiang-Europa que tem a Alemanha como ponto inicial e final do trajeto. O acesso a Europa tem na Grécia e a Polônia importantes passagem com instituições como 16+1149 possibilitando um envolvimento político com os países da Europa Oriental e Central (ibidem, p. 30, 31). Segundo Frankopan (2019), o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, em reunião de cúpula da iniciativa 16+1 foi enfático ao dizer que deve-se defender o multilateralismo a todo custo. “Precisamos defender a todo o custo o livre-comércio […] e trabalhar em conjunto para impedir um abradamento da recuperação econômica à escala global” enfatizando que a União Europeia “é uma potência da maior importância para a paz, estabilidade e prosperidade. É uma potência indispensável ao mundo”. Para Carletti (2018), essas conexões auxiliarão a China a alavancar novos mercados com objetivo de escoamento de sua superprodução e em concomitância auxiliariam os países em desenvolvimento nos seus projetos de logística, uma carência quase unânime nesses países. Os projetos incluídos na iniciativa teriam um forte apelo econômico respondendo a demanda desafiadora de crescimento interno na China dirimindo as discrepâncias regionais, os desiquilíbrios econômicos e sociais existentes entre regiões pobres e as mais desenvolvidas do país. Trata-se de investimentos maciços em estradas, pontes, ferrovias ao longo do território eurasiático que permitiram o escoamento das grandes produções de aço, alumínio, ferro e carvão excedentes, sem absorção no mercado interno e que superaquecem a economia chinesa. As Novas Rotas da Seda amplificam e prospectam mercados essenciais às demandas chinesas. Não é uma tarefa simples analisar o que já foi investido na Iniciativa Cinturão e Rota assim como projetar investimentos futuros mas pode-se observar alguns projetos em curso150. 149 Organização para cooperação entre a China e os países da Europa Central e Oriental (China-CEEC). Ver em: (PAUTASSO; UNGARETTI, 2017, p. 30-31). 150 O Corredor Econômico China-Paquistão por exemplo se trata de um vultuoso investimento em construção de estradas e centrais energéticas, além do já citado porto de águas profundas em Gwadar, na costa da província de Baluchistão, região sul do Paquistão com valores que chegam a US$ 60 bilhões já investidos com previsão de US$ 100 bilhões até 2030. Ainda no Paquistão, financiamentos foram feitos para a construção da central termoelétrica a carvão do porto de Qasim, com pontência de 1320 megawatts, parques eólicos em grande escala na província de Sinde, diversos parques industriais e a construção de uma estação de tratamento de águas que servirá para abastecimento de água, impedindo que uma eventual escassez de água comprometa o megaporto de Gwadar. Outro projeto prestes a ser finalizado é a construção e funcionamento de uma ferrovia de alta velocidade entre Carachi e Peshawar, que irá aumentar em 500% o 204 Com o tempo, novos acordos são firmados. Em junho de 2018, foram assinados contratos entre a China e Nepal referentes a projetos que vão desde o setor energético e transportes a uma proposta de construção de um túnel subterrâneo nos Himalaias, destinado a fazer a ligação entre Catmandu, o Tibete e outras regiões mais distantes. Esses projetos estão num leque de tantos outros que incluem a construção de instalações ferroviárias para o transporte de mercadorias e de portos secos, como o de Khorgos, na fronteira do Cazaquistão com a China, permitindo que essas mercadorias cheguem até a Europa. Esse tipo de iniciativa é mais simbólica (não chega a 1 ou 2% do volume da carga marítima) que econômica uma vez que o transporte marítimo fica mais em conta151 (FRANKOPAN, 2019, p. 96–100). De acordo com Jabbour (2012), no recente processo de formação de uma economia continental como a chinesa projetado em meio a duas crises financeiras, a de 1997 na Ásia e a de 2008 focada nos Estados Unidos e Europa, tendo a China fronteiras que se estendem do Oriente Médio ao Pacífico, da Ásia Central a Índia, da Rússia ao Vietnã, e com a reedição – sob a forma de trem-bala – da Rota da Seda, a robustez do mercado interno chinês garante aos seus vizinhos um mercado para exportações e é impactante imaginar essa economia continental unificada nas próximas três décadas. Segundo Silva (2012), após 1999, as transações comerciais intrarregionais no Leste asiático cresceram de 42% para 52% entre 1990 e 2003. Para efeito de comparação, as transporte de mercadorias e elevar de 55 para 88 milhões o tráfego de passageiros por ano no trajeto, reduzindo pela metade a distância hoje percorrida, descongestionando as estradas hoje utilizadas diminuindo os custos associados às transações comerciais no Paquistão internas e internacionalmente. Esses projetos incrementaram a economia paquistanesa, as vendas de cimento registraram um aumento de quase 20% ao final de 2017 segundo a Associação de Fabricantes de Cimento do Paquistão. Na Malásia, os investimentos mais visíveis dão conta da construção de uma rede ferroviária de alta velocidade, destinada a passageiros e ao transporte de mercadorias por todo o território do Sudeste Asiático, incluindo a Linha Ferroviária da Costa Leste, projetada com 688 quilômetros interligando as costas leste e oeste da Malásia bem como os principais portos da península, num projeto avaliado em US$ 13 bilhões. Acrescentemos o plano de construção de uma ferrovia que atravessará o Laos num projeto avaliado em US$ 5,8 bilhões ou em Bangladesh, ou Camboja, Mianmar e Sri Lanka onde foram aprovados empréstimos estimados vários bilhões de dólares destinados a obras como estradas, pontes, centrais elétricas e portos de águas profundas. Concomitantemente em curso já estão projetos na Indonésia, Vietnã, Filipinas e Tailândia. E os projetos não estão limitados a Ásia, em Monbaça, na África, está sendo construída uma ferrovia avaliada em US$ 8.7 bilhões que fará ligação entre Monbaça e a fronteira com Uganda, o maior projeto de infraestrutura do Quénia desde que o país conquistou a sua independência e a emancipação da Grã-Bretanha em 1963. Além desses projetos, tribunais internacionais de comércio estão sendo criados Xian e Shenzhen para sirvam em resoluções de contendas a respeito de projetos que envolvam dificuldades ou desacordos no Cinturão e Rota. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 96 – 100). 151 Trens que chegaram a Barking, zona leste de Londres, vindos de Yiwu na China em janeiro de 2017 e que tiveram uma intensa cobertura da mídia, transportaram meros trinta e quatro contêiners quando um cargueiro pequeno levaria centenas, ao passo que um megacargueiro tem capacidade para transportar mais de 10.000 contêiners por viagem. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 100). 205 transações comerciais inter-regionais representaram apenas 10% do comércio do Mercosul152 em 1990, passando para 15% em 2003. Segundo Frankopan (2019), a ascensão chinesa e sua visão daquilo que a China quer agora e no futuro abre fronteiras como no caso do Oriente Médio. Pequim tem tido sucesso na aproximação a Riade como demonstra o interesse de aquisição de participação no capital da Aramco153, empresa petrolífera saudita, pelos chineses que também estão a investir em instalações logísticas, projetos de infraestruturas e pequenas indústrias do reino. O manta das Rotas da Seda serve para romper possíveis barreiras, segundo Wang Li, ministro das relações exteriores da China, “o espírito de paz e cooperação, de abertura e inclusão, de mútua aprendizagem e de benefícios igualmente mútuos da Rota da Seda” devem ser açambarcados por todos os países devendo igualmente “procurar uma maior sinergia” com vista a uma “renovação nacional”. Todo esse discurso soa como música aos ouvidos sauditas a despeito dos empréstimos e investimentos chineses ao Irã, arqui-inimigo da Arábia Saudita bem como a visita do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a China uma semana após ter recebido no seu país o rei Salman da Arábia Saudita e pouco tempo depois de Netanyahu ter recebido o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas. Uma constatação desse potencial foi o anúncio do Ministério do Comércio da China declarando que o comércio da China com países envolvidos em seu programa conhecido como Um Cinturão, Uma Rota cresceu 16,3% em 2018 e que o volume total de comércio com os países da iniciativa subiu para US$ 1,3 trilhão no último ano, segundo o órgão, respondendo por 27,4% do comércio exterior da China no ano anterior. A China ainda importou US$ 563 bilhões em bens e serviços desses países em 2018, um aumento de 23,9% 152 Com mais de duas décadas de existência, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é a mais abrangente iniciativa de integração regional da América Latina, surgida no contexto da redemocratização e reaproximação dos países da região ao final da década de 80. Os membros fundadores do MERCOSUL são Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, signatários do Tratado de Assunção de 1991. A Venezuela aderiu ao Bloco em 2012, mas está suspensa, desde dezembro de 2016, por descumprimento de seu Protocolo de Adesão e, desde agosto de 2017, por violação da Cláusula Democrática do Bloco. Todos os demais países sul-americanos estão vinculados ao MERCOSUL como Estados Associados. A Bolívia, por sua vez, tem o “status” de Estado Associado em processo de adesão. O Tratado de Assunção, instrumento fundacional do MERCOSUL, estabeleceu um modelo de integração profunda, com os objetivos centrais de conformação de um mercado comum - com livre circulação interna de bens, serviços e fatores produtivos - o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC) no comércio com terceiros países e a adoção de uma política comercial comum. Ver em: (MERCOSUL, 2019, n.p.). 153 A China está fazendo uma oferta para comprar até 5 por cento da Saudi Aramco diretamente, disseram fontes. Uma manobra que poderia dar à Arábia Saudita flexibilidade para considerar diversas opções para seu plano de colocar o maior produtor mundial de petróleo no mercado de ações. As petroleiras estatais chinesas PetroChina e Sinopec escreveram à Saudi Aramco nas últimas semanas para expressar interesse em um acordo direto, disseram fontes da indústria à Reuters. As companhias são parte de um consórcio estatal que inclui o fundo soberano da China, dizem fontes. Ver em: (O PETRÓLEO, 2017, n.p). 206 na comparação anual. O ministério não especificou quantos países foram cobertos nesses números. O investimento direto não-financeiro da China nos países do programa subiu 8,9% em 2018 em relação ao ano anterior, para US$ 89,3 bilhões (ESTADÃO CONTEÚDO, 2019, n.p). A Iniciativa Cinturão e Rota possibilitará o aumento das oportunidades das empresas chinesas. O mercado de eletrodomésticos na Ásia Meridional, por exemplo, atualmente é muito limitado: menos de 10% dos residentes possuem computador pessoal ou micro-ondas, sendo que apenas um terço das famílias têm frigorífico em casa. Melhorando a logística com melhoramento das redes de transportes e facilitando a obtenção de recursos energéticos pelas populações da região, haverá uma expansão econômica, aumento do poder de compra das populações assim como o crescimento da procura por bens e serviços que as empresas chinesas estarão prontamente aptas a fornecerem (FRANKOPAN, 2019, p. 103). Se por um lado a Nova Rota da Seda é uma estratégia de desenvolvimento exterior para expansão significativa do alcance político e econômico chinês ultra marítimo, ela também tem implicações domésticas importantes. A Iniciativa Cinturão e Rota busca apoiar o desenvolvimento e reformas de todas as províncias e regiões chinesas interconectando seus projetos à Iniciativa. Xinjiang pela sua localização é considerada prioridade nesse processo. Xinjiang é vista como a “janela para o oeste”, vizinha que é do centro, do sul e do oeste asiáticos, onde pretende-se implantar o centro financeiro da China ocidental. Xinjiang é uma região subdesenvolvida de muita agitação devido à supressão do governo chinês da população uigure, e que viu o reassentamento de um grande número de migrantes de todas as partes da China para Xinjiang como parte de uma politica de pacificação. Um relatório sobre a BRI e seus possíveis impactos em Xinjiang pelo Projeto Uigure de Direitos Humanos verificou um afastamento dos uigures dos processos de desenvolvimento considerando a Iniciativa Cinturão e Rota uma continuação de abordagens estatais anteriores de desenvolvimento contendo a identidade cultural exacerbando as tensões em relação à assimilação e à marginalização cultural em contrapartida do ganho equitativo de benefício aos uigures demonstrando que o governo central necessita acelerar o desenvolvimento e a modernização econômica de regiões como Xinjiang e também o Tibet para alcançar as suas integrações ao moderno Estado chinês (LEE, 2017, n.p). 207 Xinjiang é uma província autônoma onde predomina a etnia dos iugures de maioria muçulmana e onde a décadas atua um movimento separatista de orgiem turca154. A dificuldade de controle do governo central sobre essa região cria incertezas e ameças de desestabilização uma vez que a maioria da população não aceita a imposição da etnia Han (majoritária na China) nesta região e reclama de falta de infraestrutura e do baixo desenvolvimento econômico. Os investimentos advindos da Iniciativa Cinturão e Rota poderiam reequilibrar o aspecto geopolítico interno dirimindo as arestas políticas na região (CARLETTI, 2018, 38). Para Frankopan (2019), a segurança é uma das principais motivações para a Iniciativa Cinturão e Rota. A conturbada situação do Afeganistão, por exemplo, é uma preocupação constante para Pequim que teme o contágio do fundamentalismo islâmico na China ocidental. O governo central chinês se preocupa com o grande número de uigures que migraram para a Síria para lutar pela causa do Estado Islâmico. Os recursos energéticos de Xinjiang tornaram essa província fundamental para a estratégia de crescimento chinês transformando-a em foco de preocupação à sua defesa resultando numa forte repressão política. Há todo um esforço de prevenção de quaisquer ameaças que possam ter as maiores reservas de gás da China, metade dos seus depósitos de carvão e um quinto do total das reservas de petróleo do país. Já Fujian é importante para a Rota da Seda marítima e focará no desenvolvimento futuro em logística e nos setores navais e marítimos. As regiões do Oeste de Chongqing, Shaanzi, Sichuan, Xinjiang e Yunnan também focarão em projetos de infraestrutura, urbanização e expansão das oportunidades comerciais. Enquanto isso, Gansu, Ningxia e Xinjiang terão papel importante devido aos seus potenciais agrícolas e recursos naturais. A expectativa é de que em Fujian, Guangdong Jiangsu e Zhjiang, províncias orientais, serviços financeiros e profissionais no setor naval e logística, manufatura avançada, e-commerce, saúde e ciências da vida desenvolvam criando novas oportunidades. A Iniciativa Cinturão e Rota ao contribuir com a diminuição do desenvolvimento desigual na China auxilia na legitimidade do Partido Comunista Chinês levando estabilidade social, algo atrelado a manutenção de taxas estáveis de crescimento econômico e por consequência bons níveis de emprego (LEE, 2017, n.p). 154 O presidente Xi Jinping é acusado de tentativa de subjugar a região por vezes rebelde, inclusive com a detenção de mais de 1 milhão de uigures e outras minorias muçulmanas. Há evidências de que o governo está colocando os filhos dos detidos e xilados em dezenas de orfanatos por toda Xinjiang com objetivo de distanciar sistematicamente os jovens muçulmanos de suas famílias e cultura. O governo tem construído milhares de escolas “bilingues” onde crianças de minorias são ensinadas em mandarim e punidas por falarem em suas línguas nativas. Especialistas dizem que a China repete o modo como colonizadores brancos trataram crianças indígenas nos Estados Unidos, Canadá e Austrália com políticas que deixaram gerações traumatizadas. Ver em: (WANG; KANG, 2018, n.p). 208 O oceano Índico é dominado por duas imensas baías, o mar de Omã (da Arábia) e o golfo de Bengala, cruciais para a circulação marítima para a Índia e da China. A China tem estudado a possibilidade de abertura do canal de Kra, que cortará o istmo da Tailândia, lembrando o que fora feito no Panamá, com esse canal ligando o oceano Índico à costa pacífica da China, viabilizando às marinhas de guerra e comercial chinesas uma via de acesso direto entre a África oriental e o mar do Japão. Além da rota de Kra, concebia para livrar os navios chineses de constrangimentos eventuais (inclusive a pirataria) nos caminhos que cruzam os estreitos do Sudeste asiático, Pequim vai abrindo ligações entre o Índico e o interior chinês, através de dutos e sistemas hidrográficos no Paquistão e em Mianmar. A China implantou na ilha Mauritus umas das sete zonas econômicas especiais criadas pelos chineses na África associado a grandes investimentos (OLIVEIRA, 2012, p. 100). Para Burger (2018) o discurso chinês de sociedade harmoniosa sem pretensões hegemônicas, o “sonho chinês”155 de busca do bem-estar e prosperidade, estabilidade e desenvolvimentos para todos é colocado em cheque com o temor da comunidade internacional de que seu reposicionamento esteja associado a conflitos onde um dos possíveis cenários é o Mar do Sul da China, disputado com os seus vizinhos156. O que nos anos de 1960 representavam disputas por direitos de pesca, tiveram nas descobertas de petróleo e gás natural na região acirrado os ânimos dos Estados que reclamam direitos territoriais sobre áreas que se sobrepõem. 155 A busca existencial para se reafirmar como nação e entidade política forte e próspera tem sido a preocupação fundamental na história moderna da China. Desde a derrota na Guerra do Ópio no início da década de 1840, questões acerca de poder e riqueza nacionais, sobrevivência da nação e identidade cultural tornaram-se preocupações centrais de todos os chineses, especialmente dos intelectuais e revolucionários pioneiros. Ver em: (XING; SHAW, 2018, p. 43). 156 O Mar do Sul da China contempla uma área de cerca de 3.500.000 km², no Oceano Pacífico, onde estão situadas pequenas ilhas que formam arquipélagos e são objeto de disputa entre China, Taiwan, Filipinas, Malásia, Brunei, Tailândia, Singapura, Indonésia, Vietnã e Camboja que possuem interesse no controle de partes diversas daquele espaço. Comprovadamente há reservas de bilhões de barris de petróleo e ainda maiores reservas de gás natural. Um relatório do Congresso dos EUA de 2018 aponta um valor comercial anualmente em curso no Mar do Sul da China de US$ 3.4 trilhões. O documento reconhece, no entanto, que fontes como o Departamento de Defesa alegam que esse valor ultrapassa os US$ 5 trilhões, o que corresponderia a 30% do comércio marítimo mundial. Os principais territórios pleiteados são as Ilhas Paracel e as Ilhas Spratly, sobre as quais a China também postula soberania. O país alega a existência de uma “linha de nove traços”, cujo fundamento é a presença histórica desde o período imperial de pescadores chineses na região, e que demarca o território reivindicado. Há cinco anos a China constrói ilhas artificiais ao redor de recifes na tentativa de consolidar sua presença e reafirmar suas demandas por autoridade. Em 2016, porém, a Corte Permanente de Arbitragem em Haia decidiu a favor de uma demanda das Filipinas, declarando que a China não possui base legal para suas reivindicações. As pretensões chinesas alcançam 90% do total da área, e desde a instalação do processo pelas Filipinas, em 2013, o governo chinês afirmou que não reconheceria a decisão do tribunal. O governo das Filipinas buscava defender direitos de Zona Econômica Exclusiva (ZEE) contra a presença chinesa no espaço contestado. Ver em: (BEGOSSO, 2018, n.p). 209 Pelo Mar da China Meridional trafegam 40% de todo o comércio chinês, 30% do valor total das mercadorias indianas e quase um quarto das mercadorias do Brasil, bem como por volta de 10% das mercadorias comercializadas pelo Reino Unido, Itália e Alemanha, o que faz dessa região o ponto de encontro da economia global. Só por ai se explicaria a importância dada pelo governo central chinês do controle dessa região acrescido do fato que a grande maioria de importação de petróleo ter nessa rota marítima, que inclui o estreito de Malaca, via de passagem mais rápida e econômica existente entre os oceanos Pacífico e Índico, a principal rota de alcance a China. O governo chinês tem consciência da vulnerabilidade estratégica dada a forte dependência do país no setor do transporte marítimo de mercadorias assim também nos pontos nevrálgicos de acesso ao Mar da China Meridional. “Não será exagero afirmar que quem controla o estreito de Malaca tem também a rota do fornecimento energético da China à sua mercê”, comentava-se num jornal chinês há mais de uma década. Trata-se da garantia presente e futura de que a China irá obter suas necessidades sem interferências e de forma segura sem ameças que venham restringir o crescimento econômico do país que tem nas rotas marítimas chinesas ponto de origem ou chegada dos mercados de todo o mundo (FRANKOPAN, 2019, p. 110). Fonte: http://ruvasa2a.blogspot.com/2008/01/1357-aldeia-global-portuguesa-6-malaca.html O petróleo tem uma importância vital para a sustentabilidade da organização industrial chinesa uma vez que para produzir US$ 1 milhão em riquezas ela necessita de quatro vezes Figura 6-Mar da China Meridional/Estreito de Malaca 210 mais desse recurso natural que os EUA, seis vezes mais que a Alemanha e sete vezes mais que o Japão. Para Jabbour (2012) e Harvey (2005), quem controlar o Oriente Médio controlará a torneira global do petróleo controlando a economia global pelo menos num futuro próximo e mais, coloca que a China não é dominada pelos Estados Unidos, como por exemplo o Japão o seria, e teria a capacidade de assumir um papel de liderança territorial no sudeste asiático onde a contenção política e militar pelos Estados Unidos seria essencial para manter a hegemonia norte-americana e no tocante a isso, o controle das reservas de petróleo do Oriente Médio serviria muito bem aos interesses dos americanos caso o país viesse a julgar necessário conter ambições geopolíticas chinesas. No topo da lista das necessidades chinesas está o petróleo. Os Estados Unidos, durante o século XX, conseguiram alimentar seu desenvolvimento com petróleo retirado dos depósitos no Alasca, nos estados do Golfo, Oklahoma, ao largo da costa da Louisiana, Califórnia e Illinois. Mas a geologia da China é menos fecunda. Ela fez algumas descobertas importantes nos anos 1960 e 1970, mas durante as últimas duas décadas a produção ficou bem abaixo da demanda doméstica. Vinte anos atrás, era a maior exportadora de petróleo na Ásia Oriental. Agora, é a segunda maior importadora de petróleo do mundo. Em 2004, era responsável por 31% do crescimento global da demanda de petróleo, sugerindo que o aumento no preço do óleo acima de US$ 70,00 por barril em meados de 2005 se devia, significativamente, à influência da demanda chinesa (KYNGE, 2007, p. 177 - 178). Estados Unidos e China, países de vertentes nacionalistas nítidas, não convergem para objetivos comuns a não ser quando colocados a manter suas interdependências econômicas. Não é de interesse chinês a derrocada da economia americana, aqui já discutido, em função da China ser o maior credor dos títulos da dívida pública americana, entretanto, disputas geopolíticas são travadas quando o assunto se trata do controle dos mares orientais onde os Estados Unidos mantém inúmeras bases militares. O sudeste asiático tão importante é para China quanto o Caribe para os Estados Unidos e esse não sensibiliza com a questão. Dos seis corredores que compõem a Iniciativa Cinturão e Rota, três são rotas marítimas necessárias à livre navegação pelos chineses garantindo seu abastecimento em termos comerciais e de recursos energéticos. Citando um válido conselho de Sun-tze: “O triunfo máximo é submeter o inimigo sem combate”, a expectativa é que a China baseie sua política externa principalmente nos termos do soft power. Uma competição estratégica entre a potência ascendente e a potência hegemônica de forma pacífica (CARLETTI, 2018, p. 45 - 46). Para Fumoto (2019), a desconfiança da comunidade internacional recai sobre o real objetivo da Iniciativa Cinturão e Rota servir como subterfúgio, a partir da compra de 211 lealdades políticas, com financiamentos de projetos de infraestruturas, consolidar posições geoestratégicas chinesas nas regiões de abrangência dos projetos. A estratégia chinesa não é novidade uma vez que a Inglaterra, durante os séculos XVIII e XIX utilizou da mesma postura construindo ferrovias e portos em diversos lugares do mundo, assim como os Estados Unidos também o fizeram nas décadas de 1940 e 1950. O objetivo por trás de tais investimentos é claro: além de ocupar a capacidade ociosa das milhares de indústrias chinesas, gerando empregos, visa-se à abertura de novos mercados para o escoamento dos abundantes produtos chineses. A ingerência chinesa em portos como o de Hambantota, no Sri Lanka, assim como o grande endividamento desse país, levam os críticos a acusarem a Iniciativa Cinturão e Rota de ser um programa que gera um novo tipo de colonialismo que tem como característica apropriação de ativos estrangeiros, assim com procedera a Grã-Bretanha no processo de apoderamento de Hong Kong no século XIX, em detrimento de medidas de promoção do desenvolvimento em outras nações. Não só a partir de empréstimos se deu a expansão geoeconômica chinesa mas também através de aquisições numa estratégia mais ampla e articulada. Algumas empresas chinesas, por exemplo, fizeram aquisições de parte ou do todo de terminais de mercadorias localizados na Espanha, Itália157 e Bélgica. Em 2016, a transportadora chinesa Cosco assumiu o controle do porto de Pireu, na Grécia, anunciando investimentos de US$ 620 milhões na expansão e modernização do estaleiro e paralelamente a Cosco adquiriu a Orient Overseas Container Line se transformando em uma das maiores transportadoras do mundo, uma supresa para uma empresa de pouco mais de 10 anos (FRANKOPAN, 2019, p. 112 - 113). No início do século XV, o almirante imperial chinês Zheng He, levando a “Frota do Tesouro” do imperador Yongle, chegou a África atravessando o Oceano Índico. Por falta de tempo não atingira a Europa. Quase 500 anos se passaram e a China definitivamente desembarca na Europa impondo e influenciando economicamente regiões importantes do Velho Continente. Posta a influência econômica, a influência geopolítica vem na esteira com a 157 Um acordo com Roma, mas de olhos postos na Europa: os chineses em Trieste acreditam que Pequim tem uma imagem clara dos seus objetivos em Itália e o porto da cidade, na costa nordeste do país, deverá desempenhar um papel chave no quadro do projeto da Nova Rota da Seda. Qian Zhang, representante da comunidade chinesa em Trieste: “Nos últimos anos, a China tem tentado aumentar ainda mais as exportações, face à desaceleração do crescimento interno. A Nova Rota da Seda é promovida pelo governo chinês para melhorar o acesso ao mercado europeu.” Trieste tem uma posição geográfica estratégica. No norte do Adriático, é uma plataforma onde os contentores podem ser transferidos de navios para comboios e chegar ao coração da Europa e até ao Mar Báltico. Um projeto com grande interesse econômico, mas que obrigará a Itália a gerir com grande destreza a relação com a China. Ver em: (EURONEWS, 2019a. n.p). 212 China conquistando apoios importantes de potências da Europa para seus grandes projetos estratégicos, deixando os Estados Unidos de Donald Trump em estado de alerta. Não se tem mais aqui uma ruptura entre o oriente e o ocidente europeu, Xi Jinping desencadeia acordos com países do porte da Inglaterra e Itália. O aceite da Itália em participar da grande Iniciativa Cinturão e Rota já pegara a todos de surpresa158. Já a Inglaterra permitira que a Huawei, a maior companhia de telecomunicações do mundo, operasse seus sistemas de tecnologia 5G em seu território, além de ser ele, o Reino Unido o primeiro país a participar do Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura dirigido pela China com ambas medidas desagradando Washington profundamente. A China tem forte presença nos portos europeus do Mediterrâneo: tem pesados investimentos no grego Pireu, nos espanhóis Valência e Bilbao, nos franceses Le Havre e Marselha, no holandês Rotterdam, e em Malta. Já possuía virtual controle sobre o porto italiano de Vado Ligure. As novas aquisições portuárias compõem o quadro das várias cabeças de dragão da China nos portões da Europa (ACIER, 2019, n.p.). Os alarmes soaram, e a Europa adormecida parece ter acordado com um dragão na janela. A última vez que os líderes da União Europeia mantiveram conversas estratégicas sobre a China havia sido durante o massacre da Praça de Tiananmen em 1989. Àquela época, 12 membros da União Europeia decidiram impor sanções ao que consideraram como “repressão brutal” pelo governo de Deng Xiaoping. Quase 30 anos depois, a cúpula da União Europeia em Bruxelas se reuniu para, de modo um tanto desesperado e tardio, buscar arquitetar uma política comum diante da ameaça chinesa no que respeita à guerra comercial com os EUA, à segurança cibernética e à política industrial159. A China já é a segunda parceira comercial da União Europeia (a UE é a primeira parceira comercial do governo chinês); em 158 A Itália foi o primeiro país do G7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo) a ser incluído no projeto de interligação de 80 países da África, Europa e da Ásia por meio de construção de rodovias, portos e ferrovias financiadas pela China. O memorando de entendimento assinado pela China-Itália inclui 29 acordos comerciais avaliados em 20 bilhões de euros. Se trata ainda de um investimento menor que em outros países europeus (Pequim investiu 90 bilhões de euros no Reino Unido, e 45 bilhões na Alemanha, nos últimos 15 anos), mas foi muito comemorado em Pequim. A Itália está atolada em dívidas e não teve como resistir à entrega de portos como os de Trieste e Gênova em troca da modesta exportação de laranjas da Sicília ao gigante asiático. Ao mesmo tempo, a China oferece renovar o fluxo financeiro para a Itália através do Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura, em um momento em que o país ingressou oficialmente em “recessão técnica” depois de dois meses com crescimento negativo, com uma dívida pública que alcança 130% do PIB. Estes resultados fizeram com que a chegada de Xi Jinping a Roma fosse tomada por sentimentos contraditórios no interior do governo italiano, composto pelo Movimento 5 Estrelas, de Luigi Di Maio, e pela extrema direita Liga, de Matteo Salvini. Salvini, mais próximo de Donald Trump, desenvolveu as preocupações de Washington com o acordo, anunciando receios de “colonização chinesa”; Di Maio, por outro lado, foi o principal defensor do estreitamento das relações com Pequim. Ver em: (ACIER, 2019, n.p.). 159 No Financial Times, um dignitário da UE classificou a situação de maneira sóbria: “Enquanto estivemos absorvidos em nossas crises pelos últimos 10 anos, o PIB da China decolou e Trump foi eleito. Entramos sem saber num jogo diferente”. Ver em: (ACIER, 2019, n.p.). 213 2018, a China foi responsável por 20% das importações europeias, e por 10% das exportações do continente. A Europa tem grandes investimentos no “Reino do Meio”: companhias como a BASF, o Carrefour e a Siemens tem grande presença no país. A alemã Volkswagen foi a companhia automotriz com mais veículos vendidos na China nos últimos 20 anos, responsável por 39% das suas vendas no ano passado. A novidade é que o grau de investimentos chineses na Europa decolou nos últimos anos, pondo em risco ativos estratégicos dos principais países do continente, como a participação da China no Deutsche Bank (principal banco alemão), e a compra da fábrica de produção de robôs de alta tecnologia, KUKA. Refeita da hipnose, a União Europeia emitiu um relatório categorizando a China como um “rival estratégico” entrando em consonância com a administração Trump que em 2018 classificou a China como uma competidora estratégica desencadeando uma guerra comercial com os chineses160 (ibidem, n.p.). Especialmente diante desse quadro, os governos imperialistas europeus voltam a sentir com força a ilusão de considerar a União Europeia como um “supra-estado”: pulverizado de fronteiras nacionais, interesses estatais e aduanas, as contradições do Velho Continente estouram por todos os poros desde o início da Grande Recessão em 2008, e tornam demasiadamente difícil uma conduta comum. A agonia da crise do Brexit, com as idas e vindas no processo de saída do Reino Unido da UE, é um sintoma patente das divisões internas no bloco europeu (ibidem, n.p.). O protecionismo trumpista (sintetizado no America First) também não contribui para o multilateralismo neoliberal das potências europeias. Ademais, Washington também ameaça a Europa com represálias tarifárias, tornando a ideia de uma frente única comercial transatlântica contra a China algo quase inimaginável (ibidem, n.p.). A Itália não é o único estado que busca estreitar laços com Pequim. Portugal é um dos 13 países da UE que assinou memorandos de entendimento em apoio à Nova Rota da Seda. Antônio Costa, primeiro-ministro português, descreveu como “muito positiva” a experiência com os investimentos chineses. Além disso, a China tem profundas relações diplomáticas e econômicas com os países do Leste europeu. Os resultados da penetração chinesa na Europa chegara ao ponto de gerar uma ala no interior do imperialismo alemão que defende a criação 160 As guerras comerciais pressionam modelos de negócios e cotação de ações das empresas que planejam se expandir para a China. As ações da General Motors e da Fiat Chrysler, por exemplo, caíram abruptamente 8 e 16% respectivamente num único dia, após previsão de cortes orçamentários e expectativas de redução das exportações chinesas após serem anunciadas sobretaxação das importações do minério de ferro o que levara também à queda da remuneração dos fundos de pensão dos trabalhadores norte-americanos. Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 165). 214 de “campeãs regionais”, megaempresas que, em distintos ramos da economia, façam frente às gigantes chinesas161 (ibidem, n.p.). Para Acier (2019), pressionados entre o crescimento chinês e o protecionismo americano, a Europa se vê diante de tomadas de decisões mais agressivas de autodefesa no combate a essas ameaças. E o mesmo fenômeno europeu se estende a África. Antes mesmo do anúncio da Iniciativa Cinturão e Rota, entre 2000 e 2014, foram investidos cerca de US$ 20 bilhões em construção de estradas e ferrovias por todo o continente africano com o mesmo montante sendo destinado a financiamento de centrais e redes elétricas, gasodutos e oleodutos. Na cúpula de Pequim em 2018 por conta do Fórum de Cooperação China-África, o presidente Xi esclareceu que a estratégia utilizada nas relações com a África, a China adotaria os “cinco nãos”: “Não interferir nos assuntos internos dos países africanos”; não impor a nossa vontade aos países africanos; não impor quaisquer condições políticas no apoio conferido a África; por fim, não retirar proveitos políticos egoístas no âmbito de investimentos e financiamentos desenvolvidos em cooperação com a África. O presidente Xi acrescentou ainda que a China sempre seria “um bom amigo, parceiro e irmão da África”. Estratégias idênticas às adotadas no Caribe, América Central e na América do Sul, onde a China é de suma importância na promoção de projetos de infraestrutura e no setor energético. Nos últimos quinze anos, a China teria feito empréstimos na ordem dos US$ 220 bilhões a região, não ainda inclusos empréstimos recentes a Venezuela de US$ 5 Bilhões, país de origem de cerca de 700.000 barris de petróleo por dia com destino a China. Vivemos em período de grandes mudanças, afirmou Xi Jinping numa reunião com 33 líderes dos Estados-membros da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e o mais prudente seria as nações se prepararem para o futuro para que possam tirar proveitos das oportunidades abrindo as portas da Iniciativa Cinturão e Rota para as nações presentes à reunião. Se em outros tempos, todos os caminhos levavam a Roma, hoje estão todos indo a Pequim (FRANKOPAN, 2019, p. 113 - 116). 161 Peter Altmeier, atual ministro da economia da Alemanha, foi favorável às negociações entre a alemã Siemens e a francesa Alstom para conformar um monopólio de trens que fizesse sombra à chinesa CRRC, a maior companhia de equipamentos ferroviários do mundo. No caso da Alemanha, a abordagem é mais suave que a dos EUA: o país tem 5000 empresas na China, e um Investimento Estrangeiro Direto de 76 bilhões de euros. As cadeias de produção alemãs são muito interligadas com as exportações à China, o que dá um caráter “sui generis” à relação dos dois (a Alemanha é mais dependente da China que os EUA). No marco da surpreendente queda no índice de produtividade industrial da Alemanha, qualquer disputa mais feroz seria nociva para Berlim. Ver em: (ACIER, 2019, n.p.). 215 Falando ao Diário do Povo oficial do Partido Comunista, Yang Jiechi, que dirige o Comitê de Relações Exteriores do partido, declarou: “A China tem enfatizado muitas vezes que a sua iniciativa é para promover o desenvolvimento conjunto, [O projeto] Uma Rota, Um Cinturão é aberto, inclusivo e transparente. Não faz pequenos jogos geopolíticos. Não se envolve na exclusão de pequenos círculos exclusivos”. O oficial chinês observou que muitos países, empresas e pessoas comuns que participam do projeto haviam “publicamente refutado rumores” de que isso seria uma armadilha da dívida. Os projetos da Nova Rota da Seda, desde sua seleção até seu financiamento, passam por avaliações cuidadosas de risco e os princípios da iniciativa enfatizam o desenvolvimento sustentável, disse ele. “Para os parceiros de cooperação que têm dificuldades com dívidas, o princípio da China é resolver isso apropriadamente através de consultas amistosas e nunca forçou a dívida” a ninguém, complementou Yang. Até o momento nenhum país participante enfrentou uma crise da dívida — ao contrário, muitos países conseguiram escapar da “armadilha do não desenvolvimento”, escreveu ele (SPUTINIK, 2019, n.p.). A China quer avançar na construção de cabos óticos transfronteiriços e outras redes de comunicação numa estratégia clara de avanço na trilha de uma sociedade digital. As sedas e especiarias, as riquezas do mundo antigo, hoje se traduzem em informações e o domínio sobre essas. Ao reviver a Rota da Seda a China quer aumentar também a conectividade com os países parceiros, além de projetos de infraestrutura portuária, transporte e corredores econômicos, um outro componente da agenda de maior importância é a Digital Silk Road (Rota da Seda Digital). Um documento oficial lançado em 2015 pelo governo chinês apontava que o país investiria também em construção de cabos ópticos transfronteiriços e outras redes de comunicações para melhorar a conectividade internacional, a implementação de cabos terrestres e marítimos entre a China e os Emirados Árabes já estaria em processo. Na 4ª Conferência Mundial de Internet em 2017, o presidente Xi Jinping falou sobre a necessidade da criação de um “Corredor de Espaço e Informação”, uma aposta no futuro da economia digital que sustentasse os níveis de crescimento chinês que atualmente tem avançado num ritmo mais lento diante da demanda fraca e o envelhecimento da população. Essa agenda da Rota da Seda Digital tem despertado não só o interesse do governo mas também da iniciativa privada que sempre podem contar com a generosidade do Estado e apoio político. O exemplo é uma linha de crédito de US$ 2,5 bilhões criada pelo Banco de Desenvolvimento da China e o Banco Industrial e Comercial da China para a Bharti Airtel, a maior operadora de 216 telecomunicações da Índia. Responsável por transportar mais de 98% do tráfego internacional de internet no mundo, a rede cabos submarinos de fibra ótica ainda é, em sua maioria, geograficamente concentrada e dominada pelos Estados Unidos. A construção de cabos transfronteiriços e submarinos, como o Projeto de Fibra Óptica Paquistão-China vem de encontro a questões de segurança ao proteger as comunicações entre esses países da curiosidade de agências de inteligência estrangeiras. Essa ambiciosa Rota da Seda Digital pretende se estender a mais de 60 países alcançando uma cobertura digital com 35 satélites e acabando ou quase com a dependência dos Estados Unidos. Mais do que oportunidades e desafios, essa Nova Rota da Seda da China pode levar questões importantes sobre o futuro da ordem digital global162 (SANTOS, 2018, n.p). Remeter-se às Rotas da Seda do passado tem sua importância na medida em que agrega povos e culturas numa narrativa cooperativa, mas as decisões tomadas no mundo concreto com objetivo de criar as Rotas da Seda do futuro são muito mais importantes. Iniciativas que buscam servir-se da inteligência artificial, da nanotecnologia e da computação quântica na construção de cidades inteligentes, parte de um esforço mútuo na procura de soluções para os desafios que se apresentam nos grandes centros urbanos da Ásia de grande densidade populacional. Outras frentes incluem a utilização de big data e imagens de satélite para apurar índices de poluição na atmosfera assim como, esforços para redução dos riscos de catástrofes numa região propensa a terremotos dentre outros riscos naturais. Essas preocupações levaram ao desenvolvimento de um programa científico digital voltado pra a 162 Todos os momentos de nossas vidas estão sendo explorados por governos e empresas que possuem meios para transformar cada interação humana em dados com valor financeiro. Esse processo de extrair riquezas de muitos para o ganho de poucos é milenar, mas na escala e intensidade da era digital está criando um novo tipo de exploração, que o pesquisador britânico Nick Couldry chama de colonialismo de dados. O sociólogo e pesquisador da London School of Economics faz um paralelo entre as explorações europeias durante as grandes navegações e seu consequente colonialismo histórico com a sociedade da hiperconexão e seu colonialismo de dados no qual movimento recente, para Couldry, seria capaz de criar uma ordem social tão poderosa que o conceito de liberdade estará de definitivamente ameaçado. China e Estados Unidos entram nesse cenário de disputa com visões distintas. Do lado ocidental, o colonialismo é feito por empresas americanas privadas, como Google e Facebook, que segundo Couldry e outros especialistas mantêm um discurso considerado hipócrita de respeito à liberdade. No leste, governos como o chinês assumem que exploram os dados dos cidadãos em nome de uma suposta ordem e desenvolvimento social planejado. Para Couldry, “essa obtenção de dados não é apenas um modelo de negócio, mas sim a ordem social da próxima era. Por isso, acredito que essas mudanças são tão profundas e de longo prazo que merecem ser chamadas de colonialismo. Apenas o colonialismo histórico promoveu mudança em tal escala na história humana (…) há dois polos do colonialismo: os Estados Unidos, que são muito poderosos historicamente nesse campo, e a China, que está tentando competir com os EUA. A China quer dominar a inteligência artificial até 2030 em uma escala global. Estamos vendo a batalha da Huawei com o governo norte-americano. Estamos só no começo de uma batalha imensa pela colonização, assim como já houve uma entre Portugal e Espanha no passado [da primeira era colonial]. Há muitas preocupações com o 5G no campo político. Estamos vendo as batalhas entre Estados Unidos e China para serem os líderes do colonialismo de dados, que acontece num nível político mais alto com a guerra comercial.” Ver em: (BERNARDO, 2019, n.p). 217 Iniciativa Cinturão e Rota para que a ciência e as tecnologias de espaço e observação da terra possam resguardar a modernização das infraestruturas, proteção ambiental, redução de risco de catástrofes, gestão de recursos hídricos, planejamento urbanístico, segurança alimentar, gestão das regiões costeiras e preservação e gestão do patrimônio natural e cultural, fortalecendo os vínculos e otimizando a sustentabilidade criando mecanismos mais eficazes que possam estar às mãos na resolução dos obstáculos que surjam ao longo das novas Rotas da Seda (FRANKOPAN, 2019, p. 116 - 117). Há sempre o risco da provável “estrada” criada através da Iniciativa Cinturão e Rota seja turbulenta a despeito das oportunidades que serão geradas com o investimento chinês. Existe um desafio enorme para que os investidores chineses se estabeleçam em alguns países com sérios riscos operacionais. Afeganistão, Iraque e Síria continuam sendo assolados por conflitos. Nações da Ásia Central, como o Uzbequistão e Cazaquistão, apresentam riscos políticos e econômicos potenciais. No tocante a África e em alguns lugares do continente asiático sofrem com falta de infraestruturas jurídicas e operacionais assim como a problemas de acesso a fundos de financiamento. Esses e outros riscos legais, regulatórios e soberanos nos países pelos quais a rota passa, necessitam de cuidado no planejamento dos investidores que transitarão ao longo dessas interconexões. Tratados bilaterais (BITs) e vários tratados multilaterais de investimento (MITs)163 cruzam a superestrada da Iniciativa Cinturão e Rota fornecendo uma fonte robusta de potenciais proteções aos investimentos (MORAES, 2018, n.p). 163 Os BITs e os MITs são acordos entre países que incentivam o investimento e definem as proteções que cada um deve proporcionar junto aos investidores. Com a inclusão dos mecanismos de solução de controvérsias entre investidor e Estado nesses tratados de investimento, os investidores corporativos e individuais podem iniciar um procedimento arbitral face aos governos abrangidos pela iniciativa, por violações dos direitos substantivos do investidor estabelecido nesses tratados, sem necessidade de recorrer ao sistema legal doméstico dos países envolvidos. A independência desse processo em relação aos sistemas legais internos significa que as proteções dos MITs e dos BITs são um baluarte crucial contra os riscos políticos e legais que os investidores provavelmente enfrentarão. A inserção de cláusulas arbitrais em referidos tratados se tornou um mecanismo poderoso e cobiçado para os investidores, uma vez que permitem que os investidores façam valer seus direitos sem depender de procedimentos locais ou meios diplomáticos. Notavelmente, o método usual de resolução de disputas sob os BITs e MITs chineses, a saber arbitragens ICSID, permite que os investidores contem com mecanismos de execução simplificados, previstos pela Convenção de Washington. Os Estados anfitriões signatários da Convenção de Washington são obrigados a executar as sentenças arbitrais prolatadas dentro do âmbito dessa Convenção, tornando a execução das sentenças uma obrigação legal internacional. Atualmente, 55 países ao longo da Iniciativa Cinturão e Rota são signatários da Convenção de Washington e o cumprimento voluntário é a norma, embora nem sempre seja a regra. Ver em: (MORAES, 2018, n.p). 218 Tabela 3.2-Acordos e comunicados bilaterais entre China e alguns países ao longo do Cinturão e Rota Uzbequistão Estabelecimento de um plano de cooperação envolvendo nova parceria e ratificação do comprometimento acerca da Iniciativa Cinturão e Rota. Rússia Estabelecimento de um plano de cooperação bilateral para integrar a Iniciativa Cinturão e Rota com a União. Polônia Elevação das relações para uma parceria estratégica, de modo a desenvolver a Iniciativa Cinturão e Rota. Sérvia Elevação das relações para uma “parceria estratégica” e reforço da já estipulada cooperação no desenvolvimento da Iniciativa Cinturão e Rota. Alemanha Finalização da quarta consulta intergovernamental e compromisso com o desenvolvimento dos corredores de transportes na Eurásia. Laos China e Laos acordaram que existe a necessidade de adequar a Iniciativa Cinturão e Rota com os 8ª Plano de Desenvolvimento Social e Econômico de Laos. Sri Lanka Reforço dos laços bilaterais e compromisso com o desenvolvimento de infraestrutura do Sri Lanka. República Tcheca Estabelecimento de relações estratégicas bilaterais, bem como a assinatura de dois memorandos de cooperação relativos à Iniciativa Cinturão e Rota. Irã Ambos os países estabeleceram um plano de cooperação que prevê a continuidade da parceria estratégica para os próximos 25 anos. Egito A RPC e o Egito estabeleceram um plano que prevê o aprofundamento da cooperação entre os dois países para os próximos 5 anos. Arábia Saudita Ambos os países acordaram em aprofundar as relações bilaterais. Cazaquistão Comprometimento em englobar os planos “Bright Road” (Rota Brilhante) do Cazaquistão na Iniciativa Cinturão e Rota. Paquistão Finalização dos acordos relativos à construção do corredor econômico entre ambos os países. Fonte: (PAUTASSO; UNGARETTI, 2017, p. 31) Segundo Frankopan (2019), alguns países temem que as oportunidades criadas não estariam em pé de igualdade aos empréstimos contraídos164. O endividamento de muitos 164 O atual presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, relatou ser importante perceber que “os artigos de origem queniana podem vir a ser introduzidos no mercado chinês”. Porém, US$ 3,6 bilhões em dívidas para saldar fazem o Kenyatta concluir que a estratégia tem de ser benéfica para todos e que será necessário que a China se mostre receptiva para a África, da mesma maneira que o continente se abre para a China. O próprio Quênia, tem numa nova rede ferroviária e uma autoestrada projetada para o interior do país a ameaça de um aumento de dívida pública na ordem de 20% do PIB, saindo dos atuais, 40% para perto dos 60% (Fonte: New fronts, Brave voives, Press Freedom in South Asia 2016-2017, IFJ Press Freedom Report for South Asia (2016-2017); Daily Times, “Anoyher journalist targert”, 23 de junho de 2018; Raju Gopalakrishnan). Casos semelhantes acontecem no Congo que contraiu dívidas com um consórcio chinês para exploração de minas de cobalto avaliadas em mais do que orçamento anual do país. Concomitantemente, países como Paquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Laos e a Mongólia dentre outros também estão em estado de alerta por conta dos endividamentos. Em 2011, o governo do Tajiquistão cedeu várias centenas de quilômetros quadrados de território à China em troca do perdão de dívidas cujos juros o país não fora capaz de pagar. O custo da rede ferroviária que está sendo construída para interligar Kunming e Vienciana no Laos, avaliado em US$ 7 bilhões, representa mais de 60% do PIB do país. Em Angola, a construção de 4.000 quilômetros de ferrovias e estações no trajeto por empreiteiras chinesas, de acordo com o jornal Expansão, dividido seus custos para cada angolano, em 2017, levaria a uma dívida per capita de US$ 754 à China. Isso num país de renda per 219 países de capacidades de pagamento questionáveis causam apreensão. Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, salientou em visita a Pequim em 2018, que a despeito da importância da Iniciativa Cinturão e Rota, “alguns empreendimentos podem também conduzir a um problemático aumento da dívida, podendo inclusive travar outros investimentos, à medida que sobem os valores do serviço da dívida, criando desafios no que diz respeito à balança de pagamentos”. Pressões fiscais aumentam as dificuldades em economias débeis criando obstáculos para o desenvolvimento de infraestruturas em grande escala nesses países. Bom salientar a rivalidade histórica entre Índia e China desde o conflito armado deflagrado em 1962165 que faz com que os indianos tenham sérias ressalvas à Iniciativa Cinturão e Rota. A Índia não vê com bons olhos o melhoramento das redes de transporte na Caxemira considerando uma afronta a sua soberania na região. Os diversos investimentos no Paquistão, também um inimigo histórico dos indianos causam apreensão à Nova Deli. O CPEC (Corredor Econômico China-Paquistão) atravessa território reivindicado pela Índia capita anual de pouco mais de US$ 4.000. O Quirguistão consegue estar em situação mais dramática ainda, dívida estatal de US$ 703 por cidadão com renda per capita anual de US$ 1.000, país onde além das dívidas, teve em janeiro de 2018, uma avaria em suas centrais térmicas que custaram de US$ 386 milhões deixando 200.000 casas sem aquecimento durante cinco dias num inverno de temperaturas que chegaram a -30ºC. No Sri Lanka o problema foi no porto de águas profundas em Hambantota no valor de US$ 1,3 bilhão no qual a utilidade concreta não se revelou como nas previsões não justificando o investimento feito. Em troca do pagamento, concedeu-se a uma empresa chinesa a exploração das atividades no porto por noventa anos suscitando apreensões na Índia diante da expansão estratégica, comercial e militar no oceano Índico, além do alerta quanto a não viabilidade econômica dos projetos propostos na Iniciativa Cinturão e Rota. Ainda no Sri Lanka o mesmo problema de superavaliação de demandas aconteceu no novo aeroporto internacional de Matala, construído junto ao porto de Hambantota onde previsões do quantitativo de usuários do aeroporto não se concretizaram. No caso em questão a Índia abriu conversações com o Sri Lanka diante da perspectiva de também o aeroporto ficar de posse dos chineses.Ver em: (FRANKOPAN, 2019, p. 122 - 125). 165 O conflito na Caxemira gira em torno principalmente da disputa entre Índia e Paquistão pelo território fronteiriço. Outros grupos militantes também estão inseridos no confronto, colaborando para a deterioração da segurança regional. Foram contabilizadas 70 mil mortes pelo conflito, sendo 45 mil devido a ataques chamados terroristas nos últimos 30 anos. A disputa se iniciou oficialmente em 1947, a partir de uma guerra entre os principais envolvidos e perdura até hoje. As razões derivam de um problemático processo de descolonização após o domínio britânico. Quando a Índia proclamou sua independência, ela incorporou as reivindicações territoriais britânicas. Isso incluía Aksai Chin e a linha demarcada por Henry McMahon em 1914, que foi assinada pelos representantes do Tibete e do Reino Unido, compreendendo a região tibetana da China e o nordeste da Índia. Hoje é a fronteira efetiva entre China e Índia.Em 1959, após o asilo do Dalai- Lama na Índia, a China propôs usar a Linha McMahon como base de negociações em troca do reconhecimento das reivindicações chinesas sobre Aksai Chin. O Primeiro Ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, rejeitou a proposta, pois tinha interesse pelo Tibete devido à proximidade histórica e cultural que o povo da região tem com a Índia. Em 1961, a Índia deslocou seus postos militares adiante e os militares indianos foram ordenados a atirar contra as tropas chinesas presentes no caminho e a dominar seus postos estabelecidos na fronteira. Em 1962, China e Índia foram à guerra. O ataque chinês chegou nas proximidades da tradicional linha demarcatória imperial. Nesse ponto, o Exército de Libertação Popular parou e recuou ao lugar onde começara devido à dificuldade de manter as linhas de suprimento. Como resultado, foi criada uma área sem presença militar. O território permanece em disputa até hoje, mas nenhum lado procurou impor suas reivindicações além das linhas de controle existentes. A China não conquistou território algum na Guerra Sino-Indiana de 1962, apenas preservou sua fronteira e manteve a ocupação em Aksai Chin, que é reivindicada pela Índia. (ALVES; PONTÉ; APARECIDO, 2019, p. 1-4). 220 além de ser um alento para a economia paquistanesa aumentando o poder de competição política e militar do Paquistão. Analistas dão conta de que o Corredor Econômico China - Paquistão poderá ser responsável pelo aumento de até 8% do PIB paquistanês. O conflito de interesses sino-hindu atingiu seu auge em 2017 quando a Índia reagiu de forma célere a construção, por parte de empreiteiros chineses, de uma estrada que levaria ao planalto de Doklam, nos Himalaias, estado de Sikkim, região compartilhada entre a Índia, o Butão e a China, onde se encontra o corredor Siliguri, também conhecido como chicken’s neck (pescoço de galinha) que faz a ligação entre os estados do nordeste da Índia e o resto do país, uma fresta terrivelmente vulnerável da geografia indiana (FRANKOPAN, 2019, p. 126 – 127). Frankopan (2019) ainda relata que, Wang Yi, ministro dos Negócios Estrangeiros da China, teria dito que “a China defende que todos os países, pequenos ou grandes, devem estar em pé de igualdade”. Boa narrativa para justificar investimentos em São Tomé e Príncipe na África Ocidental, arquipélago onde o Banco Mundial diz não existir nada economicamente que possa motivar um crescimento, mas que tem uma localização estratégica e para toda a África e por isso mesmo tem sido destino de grandes investimentos chineses como a construção de um porto de águas profundas no país ao custo de US$ 800 milhões. Em contrapartida, São Tomé e Príncipe revogou o reconhecimento de Taiwan como um estado independente. Este cenário se repete no Panamá, onde algumas empresas chinesas com ligações estreitas com o governo investiram quase um US$ 1 bilhão em melhoramentos de instalações portuárias para tráfego de embarcações de maior porte. Outro país com destino a investimentos na ordem dos US$ 3 bilhões é a República Dominicana onde seu presidente acompanhando seu colega do Panamá declarara: “só existe uma China no mundo, e Taiwan é parte integrante e inalienável do território chinês”, orientação seguida também por El Salvador ao passo que para esse último o porta-voz da Casa Branca enviou um duro aviso que se estende aos demais países da região: países como El Salvador poderão se arrepender do apoio financeiro chinês que tem como objetivo criar dependência e domínio econômico, não parcerias. 3.4 Considerações A Iniciativa Cinturão e Rota ou Nova Rota da Seda é um ambicioso conjunto de projetos propostos pela China que tem claros objetivos de uma coordenação conjunta de 221 políticas, a conectividade da infraestrutura, a integração financeira, o fomento ao livre fluxo do comercial e o entendimento entre os povos. Para Mineiro (2018, p. 13-14), os países ao longo da Iniciativa Cinturão e Rota devem trabalhar pela coordenação de suas estratégias e políticas de desenvolvimento econômico que busque medidas de cooperação regional e não apenas a implementação de cooperação prática, mas também a partir de projetos de larga escala: Por cooperação prática entende-se uma parceria pontual no sentido de viabilizar o projeto, enquanto que projetos de larga escala envolvem uma integração mais orgânica com a estratégia geral, no sentido de um projeto de desenvolvimento integrado em algum nível com a estratégia geral da Iniciativa Cinturão e Rota. Deveriam ainda melhorar a conectividade de seus planos de construção de infraestrutura e sistemas técnicos padrão, impulsionar a construção de troncos de transporte internacionais e formar uma rede de infraestrutura conectando todas as sub-regiões da Ásia e entre Ásia, Europa e África progressivamente. A Iniciativa busca ainda promover a cooperação na conexão de infraestruturas energéticas, trabalhando em conjunto para garantir a segurança dos oleodutos e gasodutos e outras rotas de transporte (é bom lembrar que parte da região abrangida pela Iniciativa está imersa em conflitos que persistem, como Iraque, Afeganistão e outros), construir redes de fornecimento de energia transfronteiriças e rotas de transmissão de energia e cooperação na modernização e transformação da rede elétrica regional. […] Na área de comunicação, para os países envolvidos na Iniciativa Cinturão e Rota, é importante avançar na construção de cabos óticos transfronteiriços e outras redes de linhas troncais de comunicações, melhorar a conetividade internacional de comunicação e criar uma espécie de “Rota da Seda” da informação em paralelo à integração física e produtiva, conectados co cabos óticos submarinos transcontinentais e comunicação via satélite, expandindo a circulação e troca de informações. Para D’atri (2017), a China vem ocupando espaço na agenda político-econômica mundial, rompendo os limites do comércio já consolidados, sendo protagonista em decisões tomadas pelos organismos multilaterais e no processo de aquisição de empresas em escala global. Com uma política assertiva, a China tem proporcionado alternativas aos mecanismos existentes, como a criação, por exemplo, de novos bancos de desenvolvimento e tem na Iniciativa Cinturão e Rota seu projeto mais impactante que faz frente ao processo de desaceleração estrutural da própria economia chinesa que tem como desafio a redução dos desequilíbrios que foram acentuados com a crise de 2008, com destaque para a alavancagem elevada e o excesso de capacidade instalada em diversos segmentos industriais, muitos deles vinculados à infraestrutura. Na perspectiva de Pereira (2018), as iniciativas do projeto megarregional chinês contribuirão nas diretrizes da política interna e externa chinesa de alinhamento aos objetivos 222 de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030166, desenvolvimento esse com caráter inovador, coordenado, verde, aberto e compartilhado, reforçando ideias apresentadas na Cúpula dos Estados-Membros da ONU em abril de 2016. Trata-se de uma estratégia de aproximação a partir de alianças econômicas sobretudo com a região asiática mas que estende-se ao continente africano e eventualmente com as Américas. Ressalta-se o lastro de negociações entre a China e o Sudeste Asiático, principalmente os países que compõem a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) com o objetivo de criar uma Parceria Econômica Regional Compreensiva abarcando Estados que inclusos no Acordo de Cooperação Transpacífico (iniciativa do governo Obama com objetivo de neutralização econômica da China) como o Japão, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Laos, Vietnã, Mianmar e Camboja promovendo o desenvolvimento econômico com equidade visando resultados compreensivos e balanceados. Segundo Jabbour (2012), a força política chinesa se concentra na crescente gravitação de países da periferia em torno dela. Do ponto de vista estratégico, essa relação entre a China e o Terceiro Mundo é primordial para um país pronto para disputar, inclusive no campo moral, a hegemonia internacional167. Por outro lado existe a crescente dependência de empresas norte-americanas e europeias que se instalam em território chinês. Sanções contra as práticas industrializantes da China acabam comprometendo a superestrutura do imperialismo. Sob a ótica geopolítica, a Iniciativa Cinturão e Rota apresenta-se como um ferramental importante para a aumento da influência chinesa regionalmente e internacionalmente. Alguns questionamentos são feitos sobre o sucesso da Iniciativa a começar pelas reações contrárias dos países vizinhos com o aumento da exposição e influência chinesa na região. As novas rotas em sua maioria atravessa regiões conflituosas do ponto de vista político e até militar com atores importantes como a Índia, Irã e Estados Unidos, entre outros. O corredor China- Paquistão é um exemplo clássico. O Paquistão, território extremamente instável, é um inimigo tradicional da Índia desde sua criação e é um dos poucos aliados da China. Apesar da situação, a China levou avante a criação do corredor concluindo que o retorno estratégico seria maior que os riscos que tivesse que enfrentar. O corredor China-Paquistão permite ao 166 Nas duas últimas décadas, a partir da articulação no nível interestatal na seara da Organização das Nações Unidas (ONU) demandas acerca de um desenvolvimento sustentável, construído como paradigma para pensar o desenvolvimento humano a partir de uma perspectiva intergeracional que transcenda o crescimento econômico e contemple as dimensões social e ambiental do desenvolvimento são discutidas levando a sete Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que foram ampliados e convertidos em 2015 na Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ver em: (PEREIRA, 2018, p. 345, 346) 167 Em 2003, a China extinguiu as tarifas de importação para os 35 países mais pobres do mundo além de perdoar as dívidas externas desses mesmos países para com a China. Ver em: (JABBOUR, 2012, p. 285). 223 país acesso ao Oceano Índico, na cidade de Gwadar, onde a China construiu um porto com mão de obra chinesa, em tempo menor evitando o traslado pelo estreito de Malaca. O problema é que a Gwadar situa-se numa região separatista do Beluquistão onde há anos uma guerrilha luta pela independência do país. Em função desse cenário, para a segurança da construção do porto, a China deslocou 13 mil soldados para a região causando indignação e protestos do vizinho Irã e da Índia, inimiga de longas datas do Paquistão, resultando no acordo desses países para a construção no território do Beluquistão iraniano do porto de Chabahar, a 70 km de distância de Gwadar, competindo com o porto chinês (CARLETTI, 2018, p. 38-39). Há um nítido deslocamento do centro do poder e um mundo novo se avizinha onde assim como no passado, só um conflito, uma doença rara ou uma alteração climática brusca tem ou teria potencial de impedir novos caminhos e novos modelos em implantação ou que tendem a consolidar num futuro próximo. Xi Jinping proferiu um discurso na reunião de cúpula em Davos, 2017, onde proclamou que todas as nações trabalhassem em prol de objetivos comuns em vez de buscarem o confronto mútuo. “O nosso verdadeiro inimigo”, disse Xi Jinping, “não é o país vizinho; é antes a fome, a pobreza, a ignorância, a superstição e o preconceito.”. Segundo o presidente da China, não havia como aceitar que “1% da população mais rica à escala mundial possuísse mais riqueza do que os restantes 99% […] [ao passo que] para muitas famílias ter uma casa com aquecimento, comida suficiente e empregos estáveis é ainda um sonho longínquo”. Além do mais, acrescentava, “quando confrontados com dificuldades, não devíamos queixar-nos do que nos diz respeito, culpar os outros, perder a confiança e fugir das nossas responsabilidades. Devíamos dar as mãos e enfrentar o desafio. A história é criada pelos audazes. Promovamos a confiança, passar à ação e marchar lado a lado rumo a um futuro auspicioso.” Segundo um porta-voz do governo chinês, é uma clara resposta à política do presidente Trump que quer “abrir fogo contra o mundo inteiro” enquanto “a China manter-se-á firme com o resto do mundo na oposição ao protecionismo, que é retrógrado, antiquado e ineficaz, bem como ao unilateralismo, que implica um retrocesso no curso da história. Na contramão dos Estados Unidos, a China oferece solidariedade, uma convergência de interesses e benefícios mútuos (FRANKOPAN, 2019, p. 233-234). A Iniciativa Cinturão e Rota trata-se de uma reestruturação geoeconômica transcontinental que impactará significativamente as relações comerciais e os investimentos 224 no planeta revivendo no século XXI as antigas rotas milenares que conectavam o Ocidente e o Oriente. São movimentações que se alinham a outras tantas reconfigurando o mundo projetando o estabelecimento de um grande mercado eurasiático irradiando, além disso, efeitos secundários com integração econômica com desenvolvimento compartilhado de setores como finanças, energia, comunicações, logísticas e turismo. Ressaltas-se que os investimentos são pilares do desenvolvimento capazes de promover uma efetiva melhora na qualidade de vida das populações dos países receptores desse investimento, através do aumento de receito, nível de empregos e modernização tecnológica (BRUNO; RIBEIRO, 2017, p. 194–210). 225 4. O BRASIL E A INICIATIVA CINTURÃO E ROTA Nas condições atuais, os próprios bens da fortuna convertem-se em elementos do infortúnio. Enquanto no período passado a massa desses bens, na falta de um sujeito social, resultava na chamada superprodução, em meio às crises da economia interna, hoje ela produz, com a entronização dos grupos que detêm o poder no lugar desse sujeito social, a ameaça internacional do fascismo: o progresso converte-se em regressão (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 4). 4.1 Introdução Desde o achamento das terras que vieram a ser o que chamamos hoje de continente americano que as mesmas tiveram suas riquezas naturais exploradas. Os espanhóis se fartaram dos metais preciosos na parte de terra que lhes couberam. Aqui no Brasil, os portugueses levaram de papagaio a madeira num primeiro momento e não tendo a sorte dos seus vizinhos ibéricos utilizaram as grandes porções de terras encontradas para o plantio de cana-de-açúcar. Duzentos e cinquenta anos se passaram até serem encontradas as primeiras minas de ouro no Brasil. Depois vieram os ciclos econômicos do café e da borracha sempre voltados para a exportação. No início do século XX, a América Latina dá seus primeiros passos rumo ao desenvolvimento industrial. Porém, nesse século XXI, essa América Latina e especialmente o Brasil, com o crescimento chinês e a forte demanda de commodities pela China, tem experimentado um processo de reprimarização, ou seja, um processo de desindustrialização com foco nas exportações de produtos primários, agrícolas e minérios. Até a entrada na China na OMC em 2001 o comércio chinês era basicamente feito com países desenvolvidos industrializados e a partir desse fato acontece uma guinada para os países em desenvolvimento, ou seja, as relações Brasil e China são um fenômeno recente mas de muita intensidade. Se em 2000, a China representava 2% das nossas exportações em 2018 é o nosso principal parceiro comercial com participação em 26,8% nas exportações e 19,2% das importações em 2018168. Ainda nos encontramos longe de estar entre os principais parceiros da China, mesmo porque há um componente importante, a distância169. 168 Ver em: (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2019, n.p.). 169 Deve-se destacar que há um forte conteúdo regional no processo de desenvolvimento chinês. A atração de empresas dos países vizinhos teve impactos significativos para o desenvolvimento da indústria chinesa e para o desempenho exportador. Por sua vez, a ascensão da China e o reforço dos laços produtivos teve impacto nas relações produtivas e comerciais em toda a região. Houve forte crescimento do comércio intrarregional, sendo que as exportações intrabloco passaram de 37% do total em 1985 para 55% em 2005. 226 A China se viu pressionada a criar soluções diante dos desafios de uma transição de modelos econômicos e partiu para implantação de alguns reordenamentos internos para que a população reduza sua taxa de poupança aumentando o consumo interno. A Iniciativa Cinturão e Rota vem de encontro a nova estratégia que busca uma cooperação econômica, comercial e financeira baseada em investimentos exponenciais em infraestrutura exportando seus excedentes nos setores de infraestrutura, siderurgia e energia. Essa iniciativa revigorou o mercado de commodities no mundo inteiro e em especial no Brasil, aprofundou nossa especialização primária. Exemplo disso, foi o aumento em 36,3% das exportações brasileiras com destino a China em 2017 com destaque para as remessas de soja, minério de ferro e petróleo que respectivamente aumentaram, 22%, 90,7% e 160,9%, levando-se em consideração o primeiro semestre de 2016 (LEITE; NETTO, 2018, p. 301). Fatos recentes demonstram o aumento do interesse do governo chinês na região caribenha e latino-americana. A china se engaja numa política externa independente e pacífica promovendo a expansão de interesses comuns com outras nações com foco numa cooperação win-win170 numa proposta ambiciosa de cooperação seja no campo político, com intercâmbio entre legislatura e experiências de governança ou na economia com cooperação nas áreas agrícolas, financeira e marítima perpassando pelos aspectos sociais, culturais, esportivos, ambientais, judiciais e militares tornando um pivô na região. E nesse contexto, devido sua dimensão econômica, seu parque industrial, seu aparato militar, população e território o Brasil se destaca como o maior player na região, principalmente a partir do século XXI (FONSECA; ALVES; LIMA, 2018, p. 228-229). A Iniciativa Cinturão e Rota, ainda que predominantemente seus projetos atendam a Ásia Central e por caminhos que chegam a Europa, pelo seu tamanho tem reflexos em todo o planeta. A reconfiguração de fluxos comerciais e de investimentos, abertura de novos mercados, reconfigurações políticas e intercâmbio cultural acaba fomentando o surgimento de novas oportunidades. Em contrapartida, algumas portas podem se fechar, especialmente para Grande parte desse crescimento pode ser atribuído a operações intrafirma, com forte venda de componentes e equipamentos para a China que, por sua vez, se especializa na montagem dos produtos e na exportação para os países ocidentais. Estimativas do Banco Mundial apontam que 55% das exportações da China são feitas por multinacionais, a partir da importação de componentes e montagem em território chinês. Ver em: (CUNHA, 2008. p. 14-18). 170 Na virada do século, o “novo conceito de segurança” introduziu no vocabulário diplomático chinês o termo win-win para se opor a uma concepção realista que, grosso modo, sustenta a existência de relações de soma zero. As relações win-win prezariam pela formação de Parcerias Estratégicas como espaços para concerto de interesses. Com as potências estabelecidas, o tom do discurso passou a apostar no “poder responsável” e no “desenvolvimento pacífico”. Ver em: (PEDROZO, 2017, n.p.). 227 os que ficarem fora do alcance da abrangência da Iniciativa e dos debates que em torno do seu modelo de desenvolvimento. A China atualmente é o maior parceiro comercial do Brasil. No mínimo, o que se espera é que os dirigentes brasileiros acompanhem de perto os debates e as iniciativas associadas com um engajamento mais institucionalizado com um peso estratégico mais condizente ao tamanho do projeto. Uma comissão interministerial, com representantes de diversos órgãos que trabalhem com planejamento econômico e de política externa, fortalecendo e garantindo a presença brasileira com participação substantiva nos principais debates acerta da Iniciativa Cinturão e Rota. Da mesma forma, a sociedade civil deve engajar-se nas discussões, promovendo pesquisas e debates sobre o assunto através do setor privado, centros de pesquisa e Organizações Não Governamentais. Em um mundo cada vez mais multipolar, o Brasil não pode ficar de fora das principais discussões e iniciativas geopolíticas (ABDENUR; MUGGAH, 2017, n.p.). Apresentada a grande Iniciativa Cinturão e Rota, seus projetos já concluídos, os em processo de conclusão e alguns que ainda estão por vir discutindo alguns impactos sobre a geopolítica e economia mundiais, o capítulo a seguir tem como objetivo apresentar o histórico das relações chinesas com a América Latina e especificamente o Brasil e especialmente no período recente. Desde o início do século XXI, os chineses abordam a região como fortes compradores de recursos primários e grandes investidores e também oferecendo créditos para projetos. Propõe-se apresentar características históricas das relações econômicas e políticas dos chineses com a América Latina e o Brasil e quais os reflexos da Iniciativa Cinturão e Rota com na região. 4.2 As relações China - América Latina Descoberta a América Latina e Central, essa região teve seus ordenamentos produtivos e financeiros subjugados a dinâmica econômica europeia, no entanto atualmente, os países das Américas têm experimentado um novo paradigma político-econômico histórico reorientando- se à Ásia, em especial, à condição político-econômica da China. Se no tempo pretérito as demandas e oportunidades tinham cerne no eixo norte do capitalismo global, no século XXI, o cenário reconfigura-se numa lógica mais ampla, os centros dinâmicos da economia estão sofrendo alterações e determinam a ordem da produção, do comércio, do crédito e dos investimentos no sistema internacional. Transformações que são reconfiguradas a partir de 228 alterações nas ordens de acumulação no sistema internacional. Em pouco mais de uma década a China passou de uma quase ausência a um protagonismo nas relações econômicas com a América Latina e o Caribe, consequência clara da política do going out chinês na região. Sob um olhar histórico, essa aproximação chinesa representaria a quarta etapa da inserção do capitalismo global na região. No primeiro registra-se a inclusão da região como fornecedora de matérias-primas, a elevados preços, que deram sustentabilidade ao superciclo de crescimento da Europa, a partir da segunda metade do século XIX. A segunda etapa é marcada pelo processo de substituição de importações, erguidas no marco do Estado de bem-estar social, onde os países desenvolvidos alteram a ordem clássica liberal para as linhas de um liberalismo mais brando, em uma plataforma comercial-econômica multilateral e a terceira etapa está representada pela implementação do neoliberalismo acordado pelo Consenso de Washington que deliberou ajustes após a crise da dívida externa em conformidade a entendimentos dos credores e das organizações financeiras globais. A América Latina e o Caribe vão estar inseridas nas superestruturas institucionais do capitalismo global como uma região dependente dos interesses e demandas organizadas em cada período histórico às interconexões que objetivam a acumulação de capital dos países centrais. Entretanto, a quarta etapa, que é marcada pela reconfiguração do eixo de inserção, não necessariamente implica numa ruptura das estruturas históricas de atraso e de subdesenvolvimento da região. A despeito do reordenamento, não se vê substituição quanto à forma de envolvimento das nações latino-americanas no quadro do capitalismo global, muito pelo contrário, as semelhanças na substância político-econômica são evidentes para quem quer que a China se apresente como um paradoxo, esse que se apresenta como salvador mas aparece como uma reprodução de uma nova escala de dependência a longo prazo (VADELL; NEVES, 2018, p. 207–210). Na chamada “década perdida” dos anos 1980, os mercados voluntários de crédito simplesmente sumiram levando a América Latina a transferir conjuntamente para os países desenvolvidos entre US$ 220 e US$ 250 bilhões num contexto de taxa de crescimento negativa, inflação alta, déficits fiscais acentuados, investimento fraco, contração financeira interna e recorrentes processos de desvalorização com taxas de câmbio relativamente altas. A década de 1990, em contrapartida, foi marcada pleo financiamento fácil, de alto crescimento, porém insuficiente para a maioria da região atingir uma distribuição de renda mais justa e melhores condições de vida para a população. Mais de um terço da população da América 229 Latina convive com uma renda inferior ao custo da cesta básica de bens e serviços na década de 1990 e uma parte nem para tanto tem, vivendo abaixo da linha da pobreza extrema. Não foram criadas condições macroeconômicas, políticas ativas e regulamentações que aceitassem fluxos de capitais compatíveis com os objetivos de taxa de crescimento e estrutura de crescimento setorial e territorial estabelecidos como meta. A região em conjunto deveria levar aos órgãos multilaterais de crédito, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento ou os bancos regionais, ações de auxílio no contexto de restrição de fluxo de capital cobrando uma postura compensadora ao contrário do que tem sido prática nos tempos recentes nos países da região. As recessões e depressões econômicas são sentidas de forma diferenciada com impactos distintos sobre a sociedade. Os efeitos negativos diminuem na medida que aumenta a qualificação do trabalhador e se agravam quando levados em consideração o meio familiar, a riqueza acumulada e, em muitos casos, a raça, a religião ou o gênero. As recessões acabam contribuindo para a concentração de renda ampliando as distâncias sociais. Passada a crise, os menos qualificados têm menores possibilidades de recuperação chegando a níveis inferiores ao que tinham antes da crise. As desigualdades se estendem além dos limites da renda, inclui-se ainda as injustas condições em matéria de saúde, educação, serviços básicos, posse de terra, mobilidade social, etc (LAVAGNA, 2012, p. 72-76). Para Menezes (2018), a valorização das commodities no mercado mundial a partir do início do século XXI tiveram um papel preponderante na melhoria econômica da América do Sul como um todo e as exportações de agroindustriais, metais e hidrocarbonetos da região tiveram como destino principal a China que por sua vez fortaleceu o caixa dos países nesse período. Essa conjuntura a partir de 2012 começa a reverter-se como resultante da crise de 2008 e por consequente queda dos preços das commodities. A economia dos Estados Unidos, Europa e Japão171 entraram num período de crescimento claudicante e veem na China, com crescimentos menores mas bem acima da média mundial, 10% em 2012 e 7% em média nos anos seguintes, assumir uma posição de potência econômica e geopolítica na ordem internacional. Assim posto, a China planeja aumentar as relações comerciais com a região em 171 De acordo com estatísticas aduaneiras chinesas, o volume de comércio sino-japonês em 2018 foi de US$ 327,66 bilhões, um aumento de 8,1%, com o Japão mantendo-se como o segundo maior parceiro comercial da China. Já os dados do Ministério da Fazenda do Japão mostram que o volume total de comércio entre Japão e China em 2018 foi de US$ 35,77 bilhões, um aumento de 7,4% em relação ao ano anterior colocando a China como a maior parceira comercial do Japão. O atual relacionamento sino-japonês apresenta uma nova atmosfera de melhoria e desenvolvimento. Espera-se que ambos os lados trabalhem juntos para manter o atual momento positivo fortalecendo projetos e promovendo maior desenvolvimento das relações bilaterais. Ver em: (GUANHE, 2019, n.p.). 230 US$ 500 bilhões com o investimento estrangeiro chegando a US$ 250 bilhões em 2025. Fato é que o Banco de Desenvolvimento da china e o Banco de Exportação e Importação da China, atualmente destinam mais financiamento para a América Latina do que a soma total oferecida pelo Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Corporação Andina de Desenvolvimento (CAF) a cada ano. O lado ruim da notícia é que as importações de matérias- primas, cobre, ferro, petróleo e soja, que representam ¾ do total das exportações para a China pouco tem impactado para a geração de empregos na região. Um estudo da Universidade de Boston, publicado na revista The Economist, apontou que as exportações para a China geraram 17% menos empregos por dólar do que exportações para outros países e mais, a mesma revista, agora publicando um estudo da Atlantic Council, concluiu que as exportações chinesas “afetaram a desindustrialização da região”. No começo do século XXI, a República Popular da China desempenhava um papel reduzido nas importações e exportações da região da América Latina só tomando relevância, sendo um dos 5 principais mercados de exportação dos produtos latino-americanos, quando entre 2000 e 2012 saltou de 2,8% para 6,5% para exportação, e 2,5% a 7,5% no caso de importações. Porém, importante ressaltar que esse incremento comercial não reflete de maneira tão positiva quando se observa a composição da balança comercial entre China e os países da região uma vez que a despeito do superávit comercial com a China em relação aos produtos primários, quando comparamos com os produtos manufaturados, notamos um grande déficit na relação. Ao observamos o México e a América Central, nota-se um desequilíbrio total em favor da China. De fato, apenas três países possuíram um superávit comercial com a China no biênio 2014-2015 na região sendo eles Brasil, Chile e Venezuela (FONSECA; ALVES; LIMA, 2018, p. 236-237). Enquanto a América Latina exporta basicamente produtos primários para a China, importa dessa, manufaturas de alta, média e baixa tecnologia. Um crescimento intenso se deu nas relações comerciais da América Latina com a China na última década e meia. Em 2000 a China comprava cerca de 1% da região e exportava quase nada para cá. Dez anos depois esse número subiu para 10% com perspectiva de em 2020 ultrapassar a União Europeia como principal parceiro chinês competindo com os Estados Unidos, ainda um parceiro fundamental para o conjunto da região, mesmo com a redução do seu dinamismo na região após a crise de 2008. Para a China os principais mercados são a Ásia, União Europeia e Estados Unidos com a América Latina ainda ocupando uma parcela pequena quando comparada a essas outras três 231 regiões. Em contrapartida, sobretudo para a América do Sul, as relações comerciais com os chineses se mostram fundamentais: do montante exportado para a China em 2014, o Brasil responsabilizou-se por 42,6% (US$ 40,6 bilhões), seguido pelo Chile com 19.4% (US$ 18,4 bilhões), Venezuela 10,8% (US$ 10,3 bilhões), Peru 7,3% (US$ 6,9 bilhões), México 6,3% (US$ 5,9 bilhões), Colômbia 5,9% (US$ 5,6 bilhões) e Argentina 4,9% (US$ 4,6 bilhões) contabilizando 97,2% dos bens exportados pela América Latina e Caribe para o mercado chinês172. Descontada a participação mexicana, a América do Sul seria responsável por 91% do total (MENEZES, 2018, p. 210-212). Para a CEPAL173 (2018), aprofundaram-se algumas tendências do cenário econômico internacional que geraram um clima de incerteza nos investimentos transfronteiriços confirmando as possíveis restrições comerciais e pressões para relocalização da produção nos países desenvolvidos. Em particular, a China, restringiu as saídas de IED numa reconfiguração estratégica. A tudo isso acrescenta-se a expansão das empresas digitais que requerem menores investimentos em ativos tangíveis para crescerem internacionalmente e que se acham hoje concentradas nos Estados Unidos e China diminuindo a necessidade de fusões e aquisições transfronteiriças. Os fatores colocados de certa forma explicam a queda do IED mundial em 2017 a despeito do crescimento da economia mundial (3,2%), elevada liquidez internacional, altos lucros para as grandes empresas e otimismo nos mercados financeiros. Na esteira desse cenário em 2017 os fluxos de IED na América Latina e no Caribe caíram pelo terceiro ano consecutivo, para US$ 161,673, cifra 3,6% menor que a registrada no ano anterior e 20% abaixo do volume recebido em 2011. Essa queda contínua a médio prazo desde 2011 explica-se pela queda nos preços das commodities levando consigo a redução significativa dos investimentos nas indústrias extrativas e pela recessão econômica de 2015 e 2016, principalmente no Brasil. Em 2017 com a recuperação dos preços do petróleo e dos metais, uma parcial reversão aconteceu com o crescimento da economia na região (1,3% do PIB) aumentando a rentabilidade do investimento mas ainda insuficiente na recuperação do 172 Fonte: CEPAL. América Latina y el Caribe y China Hacia una nueva era de cooperación económica. Santiago, 2015 173 A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) foi estabelecida pela resolução 106 (VI) do Conselho Econômico e Social, de 25 de fevereiro de 1948, e começou a funcionar nesse mesmo ano. Mediante a resolução 1984/67, de 27 de julho de 1984, o Conselho decidiu que a Comissão passaria a se chamar Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. A CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede está em Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir ao desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho foi ampliado aos países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social. Ver em: (CEPAL, 2014, n.p.) 232 IED nas indústrias extrativas alcançando somente 1/3 do nível apresentado em 2011 e 2012. Já no setor de manufatura os investimentos se mantiveram estáveis e o setor de serviços registrou uma queda de 11%. Políticas nacionais de desenvolvimento e investimentos contribuíram para gerar efeitos positivos sobre o emprego, a produtividade e a sustentabilidade das economias da América Latina e Caribe destacando-se investimentos cada vez maiores do setor automotivo no México e Brasil e as manufaturas e serviços para exportação na América Central e República Dominicana porém insuficientes para uma transformação produtiva na região. Isso só acontecerá quando políticas de atração de IED estiverem integradas a planos de desenvolvimento na região, voltados para o crescimento das capacidades locais. No que diz respeito aos investimentos, entre 2005 e 2016, a China investiu um total de US$ 135 bilhões só na América do Sul174. O IED é notadamente destinado nos setores de commodities, e isso fica claro ao observar que 90% dos investimentos entre 2010 e 2014 foram canalizados para o segmento de recursos naturais, setor de matérias-primas que atendem as necessidades de crescimento dos chineses. Identificam-se três padrões de investimentos chineses na região: 1) foco nos setores de exportação de commodities, como petróleo; 2) destinação aos setores de infraestruturas e exportação; 3) presença de plantas produtivas chinesas nos países, como é no caso do México. Observa-se também uma concentração nos receptores dos investimentos com o Brasil sendo responsável por 30% e o Peru por 20% entre 2005 e 2015. Classificando os países acerca do tipo de relação que eles possam ter com a China, uns se valem da “loteria das commodities175”, alguns países que são privilegiados por oferta abundante em certos produtos primários necessários à China e têm preferência nas relações comerciais com os chineses. Outros dependem da existência ou não de uma forte relação comercial com os Estados Unidos, o que acirra uma competição com a China e por último os que dispõem de um grau de diversificação da produção industrial interna, quanto mais complexo o parque industrial, maior a pressão competitiva chinesa sobre o conjunto do sistema produtivo do país (FONSECA; ALVES; LIMA, 2018, p. 240–242). Para Moreno (2015), a China é um fator determinante para entender vários aspectos da conjuntura política latino-americana atual e se justifica: 174 Disponível em: Acesso em: 10 de Fevereiro de 2020. 175 O termo é bastante utilizado na área de história da América Latina e remete a ideia de que os países dependeram muito do tipo de produto primário exportado, ou seja, há produtos primários que estimulam o desenvolvimento do país, enquanto outros, por serem mais simples, não. Ver em: (FONSECA; ALVES; LIMA, 2018, p. 241) 233 […] o “fator China”, enquanto horizonte e escala de demanda e ingressos, tem funcionado como um elemento importante para o respaldo político em diferentes contextos e governos. No período pós-crise, e no caso de países com dificuldade de acesso a créditos internacionais como Venezuela, Argentina e Equador, a China foi responsável por garantir empréstimos através do Banco de Desenvolvimento da China, transformando-se também em um importante credor. Alguns países tomaram empréstimos da China garantidos por petróleo, como o Brasil, Equador e a Venezuela. Há uma ideia equivocada de que, após assinado o contrato, se envia uma quantidade fixa de barris para a China por dia, a despeito da variação de preço e câmbio. A China, ao contrário, compra o petróleo a preços de mercado e deposita uma quantidade do valor no Banco de Desenvolvimento da China, que então saca o dinheiro da conta e desembolsa como uma parcela do crédito (MORENO, 2015, p. 26-27). Segundo Menezes (2018), apesar da pouca diversidade na pauta das exportações concentradas nas commodities, essencialmente, produtos primários, os países da América do Sul poderiam se recuperar a partir das novas oportunidades de negócios, criando condições favoráveis para o desenvolvimento a partir do aumento dos investimentos chineses no setor de inovação. Podemos ter como exemplo o desenvolvimento de máquinas agrícolas autônomas, algumas dessas com utilização de inteligência artificial que, dado o crescimento do setor do agronegócio na América do Sul e especificamente no Brasil, poderia contar com investimentos, créditos e transferência de tecnologia chinesas176. Ao emitir um documento sobre a América Latina e do Caribe, um artigo sobre políticas públicas, lançado em 2008 e atualizado em 2016, selando a unidade sino-latino- americana dos tempos atuais, o governo chinês esclarece os objetivos da política chinesa na região, esboçando princípios orientadores para uma cooperação futura entre os dois lados em vários segmentos sustentando a solidificação contínua e global das relações entre a China e a América Latina e o Caribe pautada nos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica com o intuito de construir um mundo harmonioso de paz duradoura e prosperidade comum consolidando os países da região como parte importante de um mundo em desenvolvimento e protagonista na arena internacional. Nesse arranjo, o aprofundamento das relações com a América Latina e o Caribe podem ser dividir em cinco grandes tópicos: a cooperação política, a cooperação econômica, a cooperação intercultural, a cooperação sobre a paz, a segurança e 176 O grupo Telmatics Industry Application Alliance (TIAA), onde faz parte a estatal chinesa de tratores YTO, revelou em postagem no site Yandex russo, testes com tecnologias autônomas em pequenas lavouras chinesas, o trator elétrico Super Tractor One, sem operador e dotado de inteligências artificial, fruto de um projeto em desenvolvimento pelos chineses. Ver em: (FARMFOR, 2019, n.p). 234 os assuntos judiciais e a cooperação para relação com as organizações regionais latino- americanas (VADELL; NEVES, 2018, p. 211-212). Pesquisas foram feitas antes da crise de 2008 sobre as relações da China (e Índia) e os países latino-americanos chegando a conclusão que de 1980 aos anos 2000, a economia chinesa ultrapassou a latino-americana em tamanho do PIB, na integração dos mercados exportadores globais e como receptora de fluxos de capitais dos países da OCDE. Concluiu-se que a China estava: a) deslocando os países latino-americanos para fora do mercado de exportações mundiais ganhando concorrência em terceiros mercados; e b) substituindo a América Latina como destino dos Investimentos Estrangeiros Diretos dos países-membros da OCDE. Em contrapartida, a pesquisa deixou claro que a China representou oportunidades: a) beneficiou a região da América Latina como grande fornecedora de commodities necessárias ao crescimento chinês; b) com o acúmulo de capital excedente, transformou ela, a China, grande investidora direta na região; c) aumentou a cooperação tecnológica (por exemplo, o desenvolvimento do satélite brasileiro e a fábrica da EMBRAER na China); e d) impactos positivos de crescimento nos terceiros mercados. Tudo leva a crer num jogo de soma positiva no agregado a despeito de problemas pontuais como no desmonte das maquiladoras mexicanas (SILVA, 2012, p. 180). Existe uma estimativa que a China teria emprestado aos países da América Latina entre 2005 e 20013 aproximadamente US$ 86 bilhões. Em 2012, o China Ex-Im Bank e o BID anunciaram um fundo conjunto de U$ 1 bilhão para investimentos do setor privado e público na América Latina. Em 2013 o Banco Popular da China anunciou o investimento de U$ 2 bilhões em projetos do BID, (desembolsados a partir de 2015/2016 até o final da década) serão destinados ao setor público e privado na América Latina e no Caribe. A contribuição será destinada a cofinanciar até U$ 500 milhões em empréstimos ao setor público e até U$ 1,5 bilhão ao setor privado. Além disso, a China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) anunciaram no início de 2014 a criação de um mecanismo oficial de diálogo. CELAC é o novo mecanismo de concertação política e integração que abrigará os trinta e três países da América, com exceção dos EUA e do Canadá. Lançado com a Declaração de Brasília, adotada em julho de 2014 (logo após a VI Cúpula dos BRICS), o Fórum CELAC-CHINA é um novo instrumento de cooperação Sul-Sul e reúne países que respondem por “21% do PIB, 26% da população e 19% do território global. Para marcar a oficialização do Fórum, a China ofereceu US$ 35 bilhões de recursos próprios para financiar 235 projetos na América Latina, através da criação de um Fundo de Cooperação China - América Latina e Caribe (cujo estabelecimento definitivo foi vinculado às negociações do Fórum permanente e da proposta chinesa para criar novos laços com a região) (MORENO, 2015, p. 28-29). Para Menezes (2018), os países do Mercosul ainda derrapam na consolidação de estratégias assertivas na negociação com a China e com a queda dos preços das commodities e o arrasto da crise global de 2008, a América do Sul em especial está aumentando a dependência dos chineses que se aproveitam para avançar sobre as economias da região. A despeito de o Brasil e América Latina serem fontes potenciais dos recursos naturais necessários ao crescimento chinês assim como área propícia aos investimentos e expansões creditícias dessa mesma China, as consequências desse processo recente são incertas. Apesar das incertezas apresenta-se pela frente uma interação cada vez maior entre as partes com uma consolidação da extroversão das economias latinas. Uma conclusão mais definitiva se exige décadas de avanço dessa cooperação chinesa por mais que tudo atualmente levem a crer os críticos estamos diante de uma reprimarização e crescimento da vulnerabilidade das economias latino-americanas no sistema internacional (VADELL; NEVES, 2018, p. 229). 4.2.1 Nova Rota da Seda avança sobre a América Latina A partir da concretização de verdadeiras revoluções logísticas sobretudo na Ásia e na África, o governo chinês de Xi Jinping foca atualmente nos países latino-americanos. A Iniciativa Cinturão e Rota responsável por financiamentos de obras de construção de estradas, rodovias e portos facilitando as transações comerciais desde 2013 agora enxerga como caminho natural seguir para a América Latina177 (COPETTI, 2018, n.p.). 177 A diretora do Instituto de Estudos Latino Americanos, Wu Hongying, informou, durante a abertura do II Seminário China – América Latina, que 10 países latino-americanos já assinaram a adesão ao programa de investimentos e financiamentos da Nova Rota da Seda. Em tese, as assinaturas não estariam condicionadas a algum tipo de compromissos especiais mas significaria já estar integrado a iniciativa aceitando e priorizando parcerias com empresas chinesas na construção de estradas, ferrovias e portos melhorando a logística da região e já podendo ter acesso a três grandes fundos chineses de financiamento. O Brasil ainda avalia a adesão a Iniciativa, e apesar da grande carência de investimentos em infraestrutura, e na visão do embaixador brasileiro na China, Marcos Caramuru de Paixa, o país estuda vantagens e desvantagens do acordo e não dando maiores detalhes, especialmente sobre as desvantagens, afirma que independentemente da Iniciativa Cinturão e Rota, o Brasil seguiria recebendo investimentos chineses. Na América Latina, onde a carência de recursos para investimentos é generalizada, o apoio à inciativa vem ganhado força e adesões. Para o Ministro de Assuntos Marítimos do Panamá, Jorge Barakat Pitty, por exemplo, o projeto é uma “inquestionável” oportunidade para a região. “A China é hoje o maior mercado banqueiro e investidor da América Latina. Mas, diferentemente de velhos imperialismos, é também um transferidor de tecnologias”, 236 Como uma extensão natural do Cinturão e Rota, a América Latina se tornou o segundo maior destino de investimentos externos da China, precedida apenas pela Ásia. Em 2018, o volume de negócios bilaterais entre a China e os países latino-americanos atingiu US$ 307,4 bilhões. No final de 2017, o investimento chinês na América Latina somou US$ 387 bilhões. A China está construindo linhas de transmissão conectando o Brasil de norte a sul, concluiu o Projeto Belo Monte I — transmissão de ultra-alta tensão — três meses antes do planejado, e já está em andamento o projeto Belo Monte II. Na Argentina, a China participou da transformação da ferrovia Belgrano de cargas, revitalizando uma ferrovia centenária. No Equador, a China construiu a usina hidrelétrica de Sinclair, com uma capacidade instalada total de 1.500 MW, para atender à demanda de eletricidade de um terço da população do país. Para os países latino-americanos, os investimentos chineses promoveram a melhoria da intercomunicação regional e do seu vínculo com o mundo inteiro (YANG, 2019, n.p.). Para Muzell (2018), com os Estados Unidos, sob o comando de Donald Trump, inclinados a resolver gargalos da sua economia domésticos e, com a Europa, saindo da crise, ao mesmo tempo enfrentando a ascensão de nacionalismos no bloco, os chineses se firmaram como os maiores investidores estrangeiros no Brasil em 2017. De olho nas oportunidades, o governo brasileiro lançou um Fundo Brasil-China para a Expansão da Capacidade Produtiva, em 2017, com o objetivo de selecionar e beneficiar projetos prioritários para os dois países178. Dados recentes da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) corroboram os números expostos no parágrafo anterior apontando a China como segundo parceiro comercial mais importante da América Latina e o primeiro da América do Sul e sua defende Pitty. Também apoiador do projeto, o embaixador da Argentina na China, Diego Ramiro Guelar, faz um alerta que serve mais aos próprios países latinos do que à China. Ele avalia que o maior risco é seguir no esquema centro-periferia e continuar como meros exportadores de matérias-primas. "É fundamental que os países da América Latina agreguem valor a as produções primárias, diversifiquem a oferta, direcionem nossas produções industriais e de serviços para nichos específicos do mercado chinês", alerta Guelar. Ver em: (COPETTI, 2018, n.p). 178 “A China se tornou o grande parceiro do mundo, com mais de US$ 3 trilhões e a procura de diversificação nos investimentos além das aplicações em títulos americanos procurando com essa estratégia diminuir os riscos e aumento na taxa de retorno. Para quem tem uma necessidade de investimentos, como o Brasil e muitos outros países, a China se torna um candidato supernatural”, disse Jorge Arbache, à época, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento do governo Michel Temer. Já Tulio Cariello, coordenador de pesquisas e análises do Conselho Empresarial Brasil-China, avalia que “a mudança na economia chinesa faz com que empresas chinesas estejam buscando boas oportunidades de negócios mundo afora. O mercado chinês deixou de ser grande suficiente para as suas empresas, que se tornaram gigantes, um movimento que faz parte do próprio processo de internacionalização, encorajada pelo governo chinês. Além disso, as empresas querem seguir no aprimoramento da forma como elas trabalham e buscam outras oportunidades, associadas a tecnologia, a escala e a redes de distribuição que já estão presentes.” Cariello observa que, diante da subida dos nacionalismos na Europa e nos Estados Unidos, curiosamente os chineses despontaram como os guardiões da globalização – como indica o mega projeto de infraestruturas made in China em 60 países do mundo, chamado de Nova Rota da Seda. Ver em: (MUZELL, 2018, n.p.). 237 secretária-executiva em dezembro de 2018, Alicia Bárcena, destacou em Paris, em apresentação do quarto Fórum da Roda da Seda realizado pelo Centro Chinês para o Conhecimento Internacional sobre o Desenvolvimento (CIKD) e pela Fundação Chinesa para o Desenvolvimento (CDRF), com apoio do Ministério das Relações Exteriores da China e do Centro de Investigação do Desenvolvimento do Conselho de Estado da China, que o projeto de desenvolvimento chinês “One belt, One Road” poderá ser uma importante oportunidade para impulsionar investimentos inclusivos e sustentáveis. A secretária salientou que a região da América Latina e do Caribe vê a iniciativa com grande interesse, à medida que oferece a oportunidade de diversificação e melhoria da qualidade das complementaridades com a China e, especificamente, atração de investimentos importantes em infraestrutura, indústria e serviços e complementou: “embora o comércio entre a China e a América Latina e o Caribe tenha aumentado 22 vezes nos últimos oito anos, a iniciativa ‘One Belt, One Road’ é uma importante oportunidade de fortalecimento da conectividade digital e comercial entre ambas as pares, além da exportação de produtos básicos. Para nossa região, agora é hora de definir os projetos específicos que poderão ser levados a cabo no âmbito da iniciativa de investimento chinesa e as modalidades para financiamento e implementação, assegurando sempre que os benefícios sejam tangíveis e compartilhados mutuamente”. A secretária-executiva da CEPAL ainda destacou as mudanças que ocorreram no mundo nas últimas décadas com aumento do protecionismo e questionamento cada vez mais forte à globalização ameaçando o sistema multilateral e relembrou que a China convidou oficialmente, em janeiro de 2018, no Chile, a América Latina e o Caribe para participarem da iniciativa de desenvolvimento. Desde então, mais de dez países da região firmaram memorandos de entendimento com o país asiático, incluindo Chile, Bolívia, Costa Rica, República Dominicana, Panamá, Uruguai, Venezuela e outras nações do Caribe (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2018, n.p). Ao final de janeiro de 2018, durante o II Fórum Ministerial entre China e CELAC realizada em Santiago, Chile, delegações chinesas liderada pelo Ministro de Relações Exteriores Wang YI e da CELAC discutiram o tema de uma possível inclusão da América Latina e Caribe na Iniciativa Cinturão e Rota, sendo que já naquele momento vários países latino-americanos responderam com sinalizações positivas à iniciativa, como foram os casos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Panamá, Peru e Venezuela, países esses que solicitaram participações no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura bem como acordos bilaterais negociados ou em discussão com a China. Porém, esse aceno poderá 238 acarretar em problemas futuros para a região. O padrão de trocas que está cristalizado na proposta chinesa (commodities agrícolas, energéticas e minerais da América latina e Caribe contra produtos manufaturados da China) reproduz uma estrutura de padrão colonial há muito conhecida, e questionada, pelos países da região. Não havendo uma política fiscal forte por parte do Estado, que se aproprie de parte expressiva da renda exportadora para conduzir programas de redistribuição de renda, a tendência é que se aumente o hiato entre as rendas dos mais ricos em relação às camadas mais pobres fora os impactos negativos sobre o meio ambiente que o desenvolvimento baseado no extrativismo acarreta, não só diretamente, mas pela combinação deste com toda a malha de infraestrutura necessária para a exportação dos produtos (MINEIRO, 2018, p 28-29). Dada a conjuntura, é imperioso que repensemos as ações do homem na natureza e como estamos tratando as mediações políticas, sociais, econômicas e naturais. Nesse sentido argumenta Löwy: A crise econômica e a crise ecológica resultam do mesmo fenômeno: um sistema que transforma tudo – a terra, a água, o ar que respiramos, os seres humanos – em mercadorias, e que não conhece outro critério que não seja a expansão dos negócios e a acumulação dos lucros. As duas crises são aspectos interligados de uma crise mais geral, a crise de um modo de vida, a crise da civilização capitalista industrial moderna. Isto é, a crise de um modo de vida – cuja forma caricatural é o famoso american way live, que obviamente, só pode existir enquanto for privilégio de uma minoria – de um sistema de produção, consumo, trasnporte e habitação que é, literalmente, insustentável (Löwy, 2013, p. 79-80). A busca de um desenvolvimento sustentável sob a ótica de melhores condições humanas além do crescimento econômico deve ser uma política permanente do Estado. Deve- se procurar contemplar as dimensões social e ambiental do desenvolvimento. Há uma necessidade de combinar os elementos ambiental, cultural, sociopolítico e econômico. Tratar adequadamente a questão ambiental é essencial para a perpetuação da própria raça humana. A sociedade civil deve estar atenta e ativa e lutar por um sistema judiciário independente com objetivo de impedir a execução de projetos ambientalmente questionáveis. 4.3 As relações sino-brasileiras As relações sino-brasileiras remontam o final do século XIX quando Dom Pedro II resolvera, nas últimas décadas do Império, ampliar as relações internacionais sob efeito da 239 expansão colonial europeia nos primórdios do imperialismo. Dentre as iniciativas que marcaram a expansão da política externa brasileira, destaca-se o estabelecimento de relações diplomáticas regulares com a China, em 03 de Outubro de 1881179. A missão à China, decidida em 1879 tinha por objetivo inicial promover uma corrente de imigração chinesa para atender às necessidades da lavoura, ressentida pela escassez crescente de braços escravos e insuficiência de imigração europeia. A iniciativa porém, não lograra êxito. O governo brasileiro não obtendo autorização explícita desejada pelo tratado resolveu lançar mão de um dispositivo facultando aos súditos de ambos impérios a liberdade de comerciar e transitar pelo outro país (DUTRA, 2012, n.p.). Em 1949, com a vitória de Mao Tsé-Tung e a consequente transferência da embaixada brasileira para a ilha de Taiwan o relacionamento sino-brasileiro esfriou. Durante os primeiros 20 anos da República Popular da China, as relações bilaterais entre o Brasil e a China foram praticamente inexistentes e, no plano multilateral, de antagonismos. A partir da política externa independente no governo Jânio Quadros, o relacionamento ganha novo folego no plano multilateral, com a construção de uma agenda política comum dos países em desenvolvimento na defesa de uma nova ordem econômica internacional (MASIERO, 2010, p. 145). Em 1974, o Brasil reata relações diplomáticas com o governo da República Popular da China. À época o PIB chinês era de uns US$ 170 bilhões e as exportações perfaziam um total em exportações de US$ 7 bilhões. A China estava ainda distante do estágio de progresso e desenvolvimento já alcançados pelo Brasil. O nosso país ainda estava no auge da sua fase do “milagre econômico” com uma expansão econômica acelerada. Naquele ano, o PIB brasileiro já estava em US$ 334 bilhões a preços de 1997 e exportava um montante de US$ 22 bilhões, superando em mais de 50% o valor dos bens e serviços que fluíam da China. (TANG, 2015, p. 53). Para Masiero (2010), aumentar a competitividade através da inovação tecnológica acaba promovendo melhorias na qualidade de vida dos cidadãos. Uma das formas de promover esse desenvolvimento tem-se materializado nos acordos bilaterais ou multilaterais de cooperação em Ciência e Tecnologia, esforços organizados com o objetivo de 179 O relacionamento político e comercial do Brasil com a China teve início oficial com a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação em 1881. Dois anos mais tarde, o Brasil abriu consulado em Xangai. As primeiras negociações bilaterais diziam respeito à imigração de chineses para a substituição da mão de obra escrava que paulatinamente conquistava sua libertação no final do Brasil Imperial. Ver em: (MASIERO, 2010, p. 145). 240 desenvolvimento de atividades por meio de intercâmbio: informações técnicas e científicas, cientistas, pesquisadores e acadêmicos. As bases para a estabelecimento dessa modalidade de cooperação entre o Brasil e a China estão no Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica assinado em 1982, que visava abranger as seguintes áreas: agricultura, pecuária e piscicultura; silvicultura; saúde; energia elétrica, microeletrônica e informática; espaço; e normalização. Em 1988, foram assinados ajustes complementares ao acordo de 1982. O primeiro referente à Cooperação no Campo de Pesquisa Científica e do Desenvolvimento Tecnológico no Setor de Transportes, e, o segundo incluiu a energia hidrelétrica na seção destina à matéria de energia elétrica. Outros ajustes complementares foram acordados entre Brasil e China nos setores de biotecnologia aplicada à agricultura, metrologia e qualidade industrial, saúde e ciência médicas, e farmacêutica. O Brasil e a China assinaram o protocolo de pesquisa e produção conjunta de Satélites Sino- Brasileiros de Rastreamento Terrestre (CBERS) em 1988. Esse programa de pesquisa liderado pela parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) e a Academia de Tecnologia Espacial da China (CAST). Esse programa se estendeu com outros acordos realizados em 2000, 2007, 2010 e 2013. Esses satélites de sensoriamento terrestre têm como objetivo de contribuir para o monitoramento de desastres naturais, desmatamento, desenvolvimento da produção agrícola, planejamento urbano, gerenciamento hídrico e outros riscos à saúde pública. Desde junho de 2004, mais de meio milhão de imagens já foram distribuídas para cerca de 20 mil usuários, em mais de 2000 instituições públicas e privadas. Em maio de 2009 foi anunciado um Plano de Trabalho sobre cooperação em ciência, tecnologia e inovação entre o Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil e o Ministério de Ciência e Tecnologia da República Popular da China para os campos da bioenergia e biocombustíveis, nanotecnologia, e ciências agrárias. Na década de 1990, com a abertura comercial e financeira do Brasil e as reformas de abertura da China, amplia-se as relações comerciais e a cooperação científica e tecnológica aproximando-se os dois países. A visita de Zhu Rongji, diplomata chinês, em 1993, uma parceria estratégica foi formalizada. A partir de uma relação política diferenciada e intensa atividade diplomática entre a China e o Brasil, a aproximação estratégica dos dois países formalizou-se em três eixos: o político, caracterizado pela atuação convergente do Brasil e da China em assuntos multilaterais relacionados à paz e segurança global, ao meio ambiente, ao desenvolvimento sustentável, entre outros, no âmbito das Nações Unidas; ao eixo econômico, com a China, no início do século XXI vindo a ser o 241 principal destino das exportações brasileiras; e, no eixo científico e tecnológico com acordos firmados no início dos anos 1980 nas áreas da medicina, eletrônica, tecnologia de informação e na exploração do espaço, e os firmados depois do ano 2000, que incluíram biotecnologia, genética, novos materiais e nanociência como os precursores do relacionamento estratégico entre os dois países nessa área (MASIERO, 2010, p. 158). Durante as décadas de 1980 e 1990, o comércio sino-brasileiro manteve-se estável, oscilando em torno de um intercâmbio anual da ordem de US$ 1 bilhão. A partir de 1999, iniciou um crescimento explosivo. Em 2003 por exemplo, o valor das exportações brasileiras para a China aumentou 80% em relação a 2002. Em 2008, o fluxo de comércio bilateral foi de US$ 36 bilhões, um aumento de 56% em relação a 2007, ou mais de 30 vezes superior ao volume registrado uma década antes. Apesar desse enorme crescimento, o debate sobre as relações bilaterais se caracteriza por foco nas oportunidades e desafios resultantes da ascensão chinesa e pela dificuldade de formular agendas robustas para lidar com a China e as novas circunstâncias econômicas internacionais por ela induzidas. A despeito das preferências ideológicas desse ou de outros governos brasileiros Pequim sempre defende seus interesses com o instrumental que julga necessário e apropriado. O Brasil não tem recursos de projeção de poder como outros parceiros relevantes da China, não se encontra em uma das principais zonas de interesse geoestratégico chinês e, tem que se ter sempre em conta, que o intercâmbio com o Brasil mal representa 1% do comércio exterior chinês. Sem levar essa realidade em consideração, fica difícil propor arranjos estratégicos importantes (AMORIM, 2012, p.133- 135). As relações dos países latino-americanos – e, em especial, o Brasil – com a China não são tão recentes. Porém, a percepção de que “o mundo é made in China” tem se misturado no cotidiano de um espectro cada vez mais amplo de pessoas, e de forma cada vez mais aguda. Como principais compradores de commodities e bens naturais da região, os chineses têm adotado, em troca, um crescente protagonismo nos investimentos em infraestrutura e demais facilitadores do processo produtivo (numa relação win-win bastante bem-vista pelo mercado). Com a vantagem adicional de que, diferentemente de Cortez e seus “tiros de arcabuz”180 (ou dos EUA e seus marines), a China é (por enquanto) declaradamente pacifista e se ocupa dos territórios exclusivamente através de acordos comerciais, mercados ávidos e investimentos vultosos. Marcadamente neoextrativo, teve o mérito de, paulatinamente, suprimir do 180 “Com tiros de arcabuz, golpes de espada e hálitos de peste, acometiam os escassos e implacáveis conquistadores da América. Assim conta a voz dos vencidos.” Ver em: (GALEANO, 1981, p. 24). 242 consciente coletivo progressista o paradoxo que é a promoção de “bem-estar” via exploração predatória bens naturais (MORENO, 2015, p. 6-7). Amorim (2012) relata que em visita à China em 2004, um empresário exportador de commodities ao descrever o impacto inusitado da demanda chinesa sobre as exportações brasileiras dos nossos recursos primários fez a seguinte analogia: foi como observar leite esquentando. Num instante, você olha e nada acontece. De repente, você se distrai e ele derrama. Ninguém estava preparado para que acontecesse tão rápido. A metáfora pode ser aplicada ao despreparo generalizado do Brasil em tratar a China e por extensão toda a Ásia Oriental, quanto aos impactos, positivos e negativos, do crescimento abrupto das economias daquela região específica: […] enquanto se despendeu muito tempo e energia tentando proteger alguns segmentos industriais, houve pouco espaço para a discussão - e a proposição – de políticas públicas adequadas sobre a questão de a expansão comercial chinesa não ser somente um fenômeno quantitativo, ligado à escala de produção e à musculatura industrial chinesa mas também qualitativo, na media em que acarreta a rápida intensificação tecnológica da base industrial. Para um país com um parque industrial grande e diversificado como o Brasil, uma das principais implicações industriais das evoluções de custo, qualidade e teor tecnológico das exportações chinesas é que a competição comercial não se manifesta somente através de perdas setoriais no mercado brasileiro, mas na redução da participação em terceiros mercados. Ou seja, a China compete seriamente em áreas nas quais a indústria brasileira tem boa presença internacional. […] Em ouros aspectos, o Brasil não forma especialistas em China em quantidade minimamente relevante. A ascensão econômica do país tem funcionado como um magneto para estudantes estrangeiros, e milhares de europeus e norte-americanos atualmente estudam em universidades chinesas ou estudam mandarim em cidades chinesas (AMORIN, 2012, p. 106). No final de 2004, a China é reconhecida como uma economia de mercado181 e acontece um aumento de cobranças sobre a “invasão” de produtos chineses em território brasileiro. Os problemas de competição em vários setores se intensificam e chovem acusações sobre práticas ilícitas de comércio182. A reação pública de alguns setores menos competitivos 181 Ao ingressar na OMC em 2001, a China concordou em não ser tratada como economia de mercado durante um longo período de transição. Nos termos da OMC, economias não reconhecidas como de mercado são submetidas a critérios especiais em investigações antidumping. Em termos práticos, o país proponente de uma investigação pode usar os preços de referência vigentes em um terceiro país, no qual julgue haver condições semelhantes de produção. Em 2004, o Brasil reconheceu o status de economia de mercado da China causando enorme insatisfação de alguns setores produtos nacionais, em especial, o setor de calçados e têxteis. Não houve uma ratificação do Congresso ao memorando pelo qual o governo fazia o reconhecimento da China como economia de mercado seguindo um inusitado vácuo jurídico. Ver em: (OLIVEIRA, 2012, p. 144-146) 182 Além do contrabando de produtos chineses, como os itens de baixa qualidade que alimentam o comércio informal em cidades brasileiras, são comuns ocorrências de desvio de comércio, falsificação de documentos e utilização de empresas de fachada. Ver em: (OLIVEIRA, 2012, p. 136). 243 não ajudou na formulação de estratégias mais adequadas para o desafio que a China começava a gerar. Exposto o contexto e um contínuo crescimento das relações bilaterais, aparecem quatro grandes linhas de respostas das empresas e governo: i) primeiro veio um sentimento de frustração com investimentos prometidos pelos chineses no Brasil que não se efetivaram. Dificuldades de licenciamento, avaliações criteriosas de suas premissas acabaram por cancelar a maioria dos projetos anunciados para 2004; ii) uma onda de investimentos brasileiros na China , ainda que discreta, foi promovida183; iii) a terceira grande linha de atuação das empresas e governo brasileiro está na reação pública de empresas afetadas pela concorrência dos produtos chineses. Segmentos das indústrias têxtil, de calçados e vários outros, não apenas os intensivos em mão de obra, sentem os impactos do crescimento abrupto e rápido das importações de concorrentes chineses e pressionam o governo para tomar medidas defensivas184; iv) O quarto e último grande elemento a considerar nessa análise: uma compreensão menos ajustada dos impactos das relações comerciais com a China tem o potencial de levar problemas para diversas indústrias, brasileiras ou multinacionais que aqui operam e cuja produção tem como origem unidades chinesas. A adoção de barreiras podem levar a retaliações comerciais que por ventura trariam significativo prejuízo a vários setores da economia. O Brasil tem um papel estratégico no fornecimento para a indústria chinesa e produtos de base essenciais (minérios e metais, petróleo, madeira, papel e celulose, alimentos e óleos vegetais), inclusive em arranjos que beneficiem setores industriais específicos por 183 Após a Embraco, em 1995, adquirir uma unidade em Pequim, Embraer, Vale e a WEG implantaram unidades na China e uma série de empresas menores começaram a se instalarem na China a partir de 2005 e várias outras foram na esteira ainda que longe de estarem em pé de igualdade das empresas oriundas dos países- membros da OCDE. O Brasil prescinde de instituições com capacidade operacional e recursos de inteligência que possam auxiliar as empresas nacionais a usufruírem de oportunidades de investimento e complementação de suas redes globais de produção na China. Atualmente é inconcebível não pensar na China como um país de desafios mas também de enormes oportunidades. Ver em: (OLIVEIRA, 2012, p. 137). 184 O crescimento da inserção internacional de produtos chineses afeta praticamente todos os setores da indústria nacional. Porém, boa parte desse aumento é fruto da substituição de outros fornecedores estrangeiros. A partir de 2002, produtos chineses que aqui chegavam o fizeram em troca de outros que anteriormente tinham origem principalmente nos Estados Unidos, Europa ocidental e Japão. Estudos demonstram que a suposta invasão chinesa nada mais fora que uma redistribuição das fatias de mercado resultado do amadurecimento de investimentos estrangeiros na China. Outro aspecto a considerar é que empresas multinacionais, especialmente dos países desenvolvidos, transferiram para a China linhas de produtos comoditizados que não seria interessante preservar em seus países de origem. A China cobra dessas empresas para se instalarem nas suas Zonas Econômicas Especiais transferência de tecnologia e modelos de gestão e colocam no mercado internacional equivalentes nacionais em prazos cada vez mais curtos. Os reflexos na indústria brasileira são vários a começarem pela redução exponencial de custos. A China começou a preencher vorazmente espaços dominados tradicionalmente por outros países. O México é um exemplo com a forte exposição de suas indústrias ao mercado norte-americano que agora perdem espaço para concorrência chinesa. A ascensão chinesa compromete países cujas indústrias se caracterizam por baixa sofisticação tecnológica e elevada dependência de mão de obra barata. Ver em: (OLIVEIRA, 2012, p. 137– 139). 244 meio de acordos preferenciais ou outros mecanismos. Cabe ao Brasil se articular, governo e empresas, para oferecer uma efetiva e mútua vantajosa parceria estratégica a longo prazo. (OLIVEIRA, 2012, p. 136-142). O papel das exportações e importações da China na América Latina começou a mudar entre o período de 2008 a 2013 quando o comércio bilateral ultrapassou os US$ 250 bilhões. Porém, apenas três países na região conseguiram balança comercial favorável no biênio 2014- 2015, a saber, o Brasil, o Chile e a Venezuela. Outro fator significante é a baixa diversificação das exportações em relação ao resto do mundo com os produtos primários representando 70% das exportações da América Latina para China em contrapartida de 34% para o resto do mundo. As manufaturas de baixa, média e alta tecnologia representaram apenas 8% de exportação para china e 49% para o resto do mundo. Em contraposição os produtos manufaturados de baixa, média e alta tecnologia perfizeram 91% das importações caindo para 72% para o resto do mundo. Fica claro que as trocas comercias entre a China e a região latino- americana são de matérias-primas por manufaturas evidenciando uma readequação do modelo de crescimento chinês que buscam uma diminuição do peso da aquisição de commodities e a busca do incremento do peso das exportações e manufaturados (FONSECA; ALVES; LIMA, 2018, p. 234–240). Para Procópio (2012), posta à mesa o ambientalismo contemporâneo, as democracias emergentes não têm se preocupado com a tarefa de auferir vantagens ecológicas em seus projetos. Confiam nos remédios da modernidade material-consumista sem se importar com as consequências. Suga-se água nos plantios que são levados na soja como exemplo sem valorizar os bilionários pacotes tecnológicos repletos de tratores, adubos químicos, transgenias, fungicidas, inseticidas e herbicidas acoplando praticamente do agronegócio a economia das transnacionais. A monocultura satisfaz a voracidade dos compradores e vendedores numa complexa convivência de desigualdades. A soja acopla a devastação com a fartura recaindo sobre ela tarifas e cargas tributárias por meio das quais se honram os compromissos do Estado empregador. As commodities seguem para o mercado externo e voltam em certa quantidade para os países exportadores em produtos com alto valor agregado. Patês de aves engordadas com soja e queijos nobres fabricados com leite de vacas alimentadas com farelo desse grão são exemplos. Minerais exportados ou contrabandeados reaparecem sob o formato, dentre outros, aparelhos Made in China. 245 Em 2009, a China assumiu a posição de primeiro parceiro comercial do Brasil com as exportações brasileiras com destino a China atingindo o montante de US$ 20 bilhões e em contrapartida alcançamos o patamar de US$ 15 bilhões em importações de produtos chineses, o que numa conta simples resultou numa balança comercial superavitária (US$ 5 bilhões) (MENEZES, 2018, p. 215). Tabela 4.1-Exportações do Brasil para a China, 2001-2015 (agregado) NCM Produto Valores US$ FOB % total 2601.11.00 Minérios de ferro e seus concentrados 96.790.613.879 30,6 1201.90.00 Soja, mesmo triturada, exceto para semeadura 61.428.666.723 19,4 1201.00.90 Outros grãos de soja, mesmo triturados 41.186.372.790 13 2709.00.10 Óleos brutos de petróleo 30.948.388.348 9,8 4703.29.00 Pastas químicas de madeira 10.607.009.529 3,4 Fonte: (LEITE; NETTO, 2018, p. 287) Pela tabela acima apresentado observa-se que os cinco principais produtos, apresentados pelas suas Nomenclaturas Comuns do Mercosul – NCM, correspondem a 76,1% do total de US$ 316,4 bilhões exportados para o país no período entre 2001 e 2015 resultando num alto nível de concentração da pauta e uma evidente baixa composição de valor agregado aos produtos exportados, em contrapartida o quadro apresentado abaixo mostra que as exportações chinesas com destino para o Brasil prima pela diversidade com a pauta bem mais complexa onde os cinco principais produtos que chegam ao território brasileiro não representam 11% do total dos US$ 268,6 bilhões de produtos importados de 2001 e 2015. Nesse período apurado, as importações chinesas para o Brasil subdividiram-se em 8.826 NCMs distintas, ao que passo que tiveram destino à China 4.710 produtos brasileiros indicando um maior dinamismo da economia chinesa. Percebe-se também que os produtos chineses têm uma complexidade tecnológica e um valor agregado muito maior que as mercadorias exportadas pelo Brasil demonstrando uma significativa desvantagem qualitativa nas relações comerciais sino-brasileiras. As consequências negativas deste processo de concentração econômica na exploração dos recursos naturais são discutidos décadas pela CEPAL. Já pelos anos de 1940, Raúl Prebisch questionava as pretensas vantagens comparativas da América Latina ser responsável pelo fornecimento de bens primários para os países capitalistas centrais desconstruindo a ideia de que os ganhos de produtividade nos países industrializados levariam a uma queda nos preços relativos dos bens manufaturados em relação às commodities transferindo então os ganhos advindos da mais valia relativa, inovação 246 e tecnologia, para os países da periferia. Prebisch denuncia que os dados e os fatos acontecidos nos séculos XIX e XX não apontaram para esse repasse, muito pelo contrário, os preços dos produtos industrializados estiveram sempre na contramão dos preços da produção primária. O crescimento econômico dos países industrializados propicia um repasse dos lucros aos trabalhadores. Porém, a falta de capacidade de mobilização da classe operária nos países em desenvolvimento impede ganho de salários iguais aos dos países industrializados impossibilitando a superação do subdesenvolvimento. Um outro fenômeno, a financeirização das commodities juntamento as oscilações especulativas e um controle interno e externo sobre a oferta e consumo dos bens primários, aumentaram exponencialmente a volatilidade dos preços das commodities nos últimos tempos (LEITE; NETTO, 2018, p. 287–291). Tabela 4.2-Importações da China para o Brasil , 2001-2015 (agregado) NCM Produto Valores US$ FOB % total 8529.90.20 Outras partes para aparelhos receptores de radiofusão, televisão, etc. 9.962.731.229 3,7 8517.70.99 Outras partes para aparelhos de telefonia/telegrafia 7.480.693.840 2,8 9013.80.10 Dispositivos de cristais líquidos (LCD) 3.615.615.046 1,3 8517.12.31 Terminais portáteis de telefonia celular 3.186.957.492 1,2 8473.30.92 Tela para microcomputadores portáteis, policromática 3.129.399.387 1,2 Fonte: (LEITE; NETTO, 2018, p. 288) No ano de 2018 o Brasil exportou US$ 240 bilhões com relevância para as commodities onde a soja mesmo triturada representou 13%, óleos brutos de petróleo foi responsável por 11% e os minérios de ferro e seus concentrados 7,9% e da cesta de exportação brasileira. Com 26,8% (US$ 64,21 bilhões) das exportações brasileiras tendo como destino a República Popular da China, os chineses se transformaram no nosso maior parceiro comercial, destacando-se a soja mesmo triturada, com uma participação de 43% das importações chinesas, num valor total de US$ 27,35 bilhões, óleos brutos de petróleo com 22%, um montante de US$ 14,35 bilhões, os minérios de ferro e seus concentrados com 17% (US$ 14,35 bilhões) e a celulose com 5,5% (US$ 3,54 bilhões) (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2019, n.p). Para Leite & Netto (2018), o crescimento econômico asiático, em especial o chinês, reconfigurou as cadeias produtivas globais com inclusão de bilhões de novos consumidores 247 agregando significativamente e por longo prazo os preços das commodities. A extensa mão de obra barata rebaixou os preços dos manufaturados. Entretanto, configurado um cenário de crise, os países dependentes de seus recursos naturais têm suas economias em situação muita crítica. Os sedutores superávits comerciais com a China deram a falsa impressão que a deterioração dos termos de troca era coisa do passado e que finalmente as vantagens comparativas faziam sentido. O processo de desenvolvimento industrial em substituição de importados, iniciados nos anos 30 entrou em decadência. A entrada de dólares no mercado interno promove a sobrevalorização da moeda nacional encarecendo os produtos industrializados nacionais tornando o setor manufatureiro menos competitivo185. Carneiro (2012) chega à seguinte conclusão ao abordar o contraponto à tese de que poder-se-ia superar o subdesenvolvimento dos países periféricos através de uma especialização maior desses países a partir de suas vantagens comparativas elaborada pelo Prebisch: […] Assim, a expansão da indústria seria capaz de criar os mercados para si própria, mas o contrário não seria verdadeiro, tendo o setor primário que depender dos mercados criados pela indústria, ou, na sua inexistência, pelos oriundos da demanda externa. O argumento vai, portanto, além da postulação de que os mercados para bens agrícolas cresceriam a um ritmo inferior aos mercados de bens industriais refletindo elasticidades-renda da demanda diferenciada. A questão residiria mais propriamente no potencial elevado de diversificação da atividade industrial ante o baixo potencial de upgrading das atividades primárias em direção a maior valor adicionado dos produtos, sua baixa capacidade de spillover tecnológico e fraco encadeamento com outras atividades produtivas domésticas (CARNEIRO, 2012, p.8). O governo chinês adota uma política fiscal que vem de encontro a esta dinâmica. A tabela abaixo aponta a média das alíquotas mínimas tributadas sobre diferentes produtos que tem como origem o Brasil: Tabela 4.3-Tratamento tributário às Importações Brasileiras na China-Brasil Produto Descrição SH (*) Tributação Média (Alíquota Mínima) Produto Descrição SH Tributação Média (Alíquota Mínima) Soja, mesmo triturada, exceto para 3,00% Molho de soja 28,00% 185 Defende-se que o valor agregado criado pela indústria sobre o setor primário fomenta a ampliação do fluxo interno da renda, dinamizando a economia doméstica reduzindo as pressões distributivas sobre as políticas sociais estatais. Ver em: (LEITE; NETTO, 2018, p. 293-294). 248 semeadura Pasta química de madeira de não conífera, à soda ou sulfato, semibranqueada ou branqueada 0% Papel, cartões, têxteis, sensibilizados, não impressionados, em rolos 18,00% Couros e peles inteiros, de bovinos ou equídeos, preparados após curtimenta ou secagem 6,50% Outros calçados de couro natural ou reconstituído 24,00% Fumo não manufaturado, total ou parcialmente destalado 10,00% Cigarros contendo fumo 25,00% Fonte: (LEITE; NETTO, 2018, p. 295) (*) número de desdobramentos possíveis da linha tarifária chinesa A tabela aponta discrepâncias tarifárias entre produtos com mais ou menos valor agregado. A China importa in natura, agrega valor internamente e exporta. E para garantir o modelo cobra alíquotas muito maiores na importação de produtos já processados. Vide a taxa média mínima de 3,0% para a soja, mesmo triturada para semeadura ao passo dos 28% para o molho de soja. Sob essa ótica, fica claro o papel do Brasil nas relações comerciais sino- brasileiras: provedor de commodities e mercado consumidor dos produtos finais chineses. Segundo o IBGE, a participação da indústria extrativa brasileira em relação ao PIB subiu de 1,6% em 2001 para 3,7% em 2014 e em contrapartida, a participação da indústria de transformação no PIB nacional caiu de 15,3% em 2011 para 12% em 2014. Os indicadores indicam uma tendência a vulnerabilidade de uma economia brasileira extremamente dependente dos recursos naturais trazendo a baila a busca de uma reflexão melhor sobre nossas relações comerciais com a China a partir de uma revisão na nossa política externa, instrução dos marcos regulatórios, política industrial e agrícola que motivem um planejamento nacional que apontem para o desenvolvimento do país (LEITE; NETTO, 2018, p. 295-296). O Brasil, por ter baixa influência no mercado internacional, baixa relação crédito por PIB, cerca de 40%, antes de 2008, baixo endividamento das famílias, baixo financiamento imobiliário, alavancagem muito baixa, resultado das antigas regras de compulsórios do Banco Central, elevadas reservas internacionais e uma elevadíssima taxa de juros que desestimulou a formação de bolhas e outras aventuras financeiras locais num primeiro momento foi pouco atingido pela grande crise de 2008. O impacto a priori fora menor mas não resolveu os defeitos estruturais da economia brasileira que insistem em retardar o nosso crescimento que 249 fora de 2,46% entre 1980 e 2008 enquanto o mundo cresceu a 3,33% no mesmo período. Bresser-Pereira (2012) elenca os defeitos sem ordená-los por importância e impacto: a) Estado que tem quase o dobro do tamanho de seus equivalentes em países com rendas per capita semelhantes, e que continua crescendo; b) risco de um equilíbrio fiscal instável, em face do crescimento do consumo do governo ao dobro da taxa de crescimento do PIB de 2004 a 2012, associado a uma queda de receitas, fruto da crise internacional; c) crescente complexidade e interferência das regulações do governo, em alguns casos efetivamente dificultando a realização de investimentos privados; d) infraestrutura decadente com baixo investimento público no setor, e e) um dos piores ensinos básicos do mundo. Para Leite & Netto (2018), os superlativos superávits comerciais para o Brasil devido ao apetite chinês pelas commodities transformou, até então ameça das importações chinesas que comprometeram a indústria brasileira, em um parceiro estratégico. Dados da Secretaria do Comércio Exterior - SECEX, entre 2001 e 2015 apresentaram um crescimento exponencial nas relações comerciais entre a China e o Brasil. No início do período apurado, as exportações e importações totalizavam US$ 3,2 bilhões chegando ao pico dos US$ 83,3 bilhões em 2013 representando um salto de 2.479,5%. Os valores exportados do Brasil para a China registrou crescimento médio anual de 29,1% com tendência só revertida nos dois últimos anos da série histórica com retração em 2014 de 11,8% e em 2015 12,3%. Porém, mesmo registrando queda dos valores exportados associada à retração nos preços das commodities, fora suficiente para diminuir a importância das relações comerciais sino-brasileiras mas evidenciou uma característica negativa nessas relações, a dependência brasileira à venda de commodities. O processo de depreciação qualitativa da pauta de exportações brasileiras não pode ser compreendido em dissociação ao fenômeno chinês e aos seus efeitos sobre os preços das commodities. A inclusão econômica do gigante asiático desencadeou um monumental e acelerado processo de industrialização, originalmente, alimentado pela realocação das cadeias produtivas promovida por multinacionais sedentas por mão de obra barata, que, em algumas décadas, redefiniria a conjuntura econômica global (YU-QING, 2016; KEE AND TANG, 2015 apud LEITE; NETTO, 2018, p. 283-284). O aumento no preço das commodities começou a ser revertido após a crise financeira de 2008. Após uma valorização significativa entre 2001 e 2008 acontece uma reversão brusca já em 2009, registrando uma recuperação entre 2010 e 2013 e um declínio no biênio 2014- 2015. Esse comportamento dos preços das commodities ratifica a tese do Prebisch onde a despeito da inédita valorização desses preços, com a inclusão de bilhões de consumidores, as 250 oscilações cíclicas persistem e na crise tendem a dissipar os ganhos ocorridos no período de crescimento econômico. A volatilidade dos preços das commodities atualmente ainda se agrava com o fenômeno da financeirização. Junte-se a essa queda no valor dos bens primários e uma crise política tem-se como resultado um cenário complexo e incerto que inibe investimentos e crescimento econômico no Brasil. Desde 2012, a exportação brasileira entra em declínio em valores apesar do crescimento do volume em quilos exportados. Em 2015 exportou-se 10,6% a mais em volumes em relação a 2014 e registrou-se uma queda de 15,1% nos valores exportados em relação ao mesmo ano. A balança comercial safa-se em 2015 fruto de uma valorização acentuada do dólar frente ao real associado a uma queda no consumo doméstico. O superávit de US$ 19,6 bilhões apresentado ao final de 2015 deveu-se muito pela queda nas importações (-25,2%) do que a retração nas exportações (-15,1%) (LEITE; NETTO, 2018, p. 299-300). As transações comerciais sino-brasileiras são motivos de uma outra particularidade, um desequilíbrio no âmbito federativo. Alguns estados com potencial de riqueza em recursos naturais, produtos de baixo valor agregado conseguem vultuosos superávits refletindo o fenômeno da dependência brasileira às commodities em maior escala. Na contramão dessa constatação aparecem aqueles Estados que não produzem mercadorias de interesses da China e que em contrapartida se tornaram grandes consumidores dos produtos de origem chinesa apresentando defícits em suas balanças comercias com esse país. Como as commodities têm como características baixa complexidade, pouco valor agregado e de formação de preços determinado pelo comércio global acabam tendo pouca contribuição para economia nacional assim como pouco controle via políticas domésticas e com grande oscilação de demanda e preços sujeitas que são as intempéries do mercado (ibidem, p. 304). Dados registrados entre 2011 e 2015 demonstram esse desequilíbrio: Tabela 4.4 - Balança Comercial Brasil – China por Unidades da Federação 2011-2015 (agregado) UF Ranking em Exportações Valor US$ FOB Exportado Ranking em Importações Valor US$ FOB Importado Saldo na Balança Comercial MG 1º 49.633.643.737 7º 8.116.173.966 41.517.469.771 PA 2º 23.922.267.335 19º 343.242.417 23.579.024.918 MT 3º 21.695.408.995 18º 610.737.756 21.084.671.239 RJ 4º 21.252.106.051 5º 10.359.677.637 10.892.428.414 RS 5º 20.110.359.917 8º 5.781.745.542 14.328.614.375 PR 6º 17.161.143.916 4º 14.463.317.702 2.697.826.214 SP 7º 15.221.124.949 1º 60.569.381.674 -45.348.257.180 251 BA 8º 8.803.277.346 9º 3.718.584.500 5.084.692.846 GO 9º 8.197.775.237 14º 1.115.723.163 7.082.052.074 MS 10º 6.475.537.020 12º 2.202.093.991 4.273.443.029 ES 11º 5.605.415.203 6º 8.594.505.947 -2.989.090.744 SC 12º 3.393.870.527 3º 22.226.853.866 -18.832.983.339 MA 13º 2.217.699.405 17º 657.298.510 1.560.400.895 TO 14º 1.077.555.050 20º 327.461.714 750.093.336 AP 15º 837.244.483 25º 111.457.556 725.786.927 PI 16º 467.851.394 22º 312.064.870 155.786.524 CE 17º 304.538.303 10º 3.352.164.019 -3.047.625.716 AL 18º 230.842.241 16º 762.161.293 -531.319.052 DF 19º 218.410.456 21º 325.796.400 -107.385.944 PE 20º 210.937.735 11º 2.875.302.614 -2.664.364.879 AM 21º 89.109.741 2º 23.186.381.509 -23.097.271.768 RO 22º 83.809.454 13º 1.166.042.624 -1.082.233.170 RN 23º 34.392.149 23º 251.465.051 -217.072.902 PB 24º 17.040.336 15º 795.975.512 -778.935.176 SE 25º 2.860.132 24º 144.631.429 -141.771.297 AC 26º 969.284 27º 3.034.474 -2.065.190 RR 27º 764.263 26º 18.474.577 -17.710.314 Total 207.791.920.176 172.410.117.129 35.381.803.047 Fonte: (LEITE; NETTO, 2018, p. 305-306). Pela tabela apresentada percebe-se que cinco foram os estados com maior intercâmbio comercial sino-brasileiro: Minas Gerais, Pará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Somente Minas Gerais fora responsável por US$ 49 bilhões em exportações para a China entre 2011 e 2015 acumulando um superávit de US$ 41,5 bilhões186. O caso mineiro deixa claro a falta de uma política industrial e o pouco incentivo ao desenvolvimento resultando numa concentração perigosa da pauta de produtos exportados, basicamente commodities. Tabela 4.5: Principais Produtos Exportados de MG para China, 2011-2015 (acumulado) NCM Descrição Valores US$ FOB Peso Líq. Kg Part.% 26011100 Minérios de ferro concentrados 42.176.807.499,00 544.040.194.264,00 84,9 12019000 Soja 2.155.413.455,00 4.406.308.715,00 4,2 72029300 Ferro-nióbio 1.637.946.705,00 67.009.540,00 3,3 17011400 Outros açúcares de cana 754.989.676,00 1.864.351.317,00 1,5 47032900 Pastas químicas de madeira 679.741.022,00 1.278.482.000,00 1,3 25161200 Minérios de ferro aglomerados 563.430.249,00 3.828.970.240,00 1,1 26011200 Granito 297.153.074,00 1.264.724.595,00 0,5 186 A pauta de exportações ancora-se na tríade minérios de ferro, soja e pasta química de madeira (celulose), mais seus derivados. Só de minérios de ferro e seus concentrados, não aglomerados foram mais de US$ 42 bilhões correspondendo a 84,9% dos valores registrados de exportações para a China no período pesquisado. Ver em: (LEITE; NETTO, 2018, p. 307). 252 NCM Descrição Valores US$ FOB Peso Líq. Kg Part.% 12010090 Outros grãos de soja 253.258.046,00 458.551.351,00 0,4 17011100 Açúcar de cana, em bruto 150.316.172,00 274.214.014,00 0,3 15071000 Óleo de soja, em bruto 122.087.105,00 108.718.171,00 0,2 Fonte: (LEITE, NETTO, 2018, 308) Na pauta paraense, segundo do ranking, o padrão se reproduz com exportações de minérios de ferro e seus concentrados, não aglomerados sendo responsáveis por 89,9% de tudo que o Pará exportou para a China. Tabela 4.6: Principais Produtos Exportados do PA para a China, 2011-2015 (acumulado) NCM Descrição Valores US$ FOB Peso Líq. Kg Part.% 26011100 Minérios de ferro concentrados 21.503.212.773,00 273.750.515.000,00 89,8 26030090 Outros minérios de cobre 763.807.073,00 4.406.308.715,00 3,1 26020090 Outros minérios de manganês 521.018.650,00 67.009.540,00 2,1 12019000 Soja 193.840.061,00 4.406.308.715,00 0,8 41041114 Outros couros e peles bovinos 184.822.160,00 4.406.308.715,00 0,7 72011000 Ferro fundido bruto não ligado 129.803.187,00 3.828.970.240,00 0,5 28182010 Alumina calcinada 112.537.520,00 1.264.724.595,00 0,4 72026000 Ferro-níquel 99.252.000,00 458.551.351,00 0,4 26060011 Bauxita não calcinada 93.232.310,00 274.214.014,00 0,3 47032900 Pastas químicas de madeira 92.373.383,00 108.718.171,00 0,3 Fonte: (LEITE, NETTO, 2018, 309) Já no Mato Grosso a commoditie que lidera as exportações com destino a China é a soja e seus derivados com um predomínio distinto de Minas Gerais e Pará com o setor agropecuário dominando a pauta. Tabela 4.7: Principais Produtos Exportados do MT para a China, 2011-2015 (acumulado) NCM Descrição Valores US$ FOB Peso Líq. Kg Part.% 12019000 Soja 16.554.796.100,00 34.215.532.820,00 76,3 12010090 Outros grãos de soja 3.143.848.321,00 6.421.370.522,00 14,4 52010020 Algodão 1.017.537.112,00 523.148.832,00 4,6 15071000 Óleo de soja, em bruto 490.650.544,00 467.908.069,00 2,2 41041114 Outros couros e peles bovinos 159.664.791,00 50.269.610,00 0,7 2023000 Carnes desossadas de bovino 118.406.454,00 25.075.971,00 0,5 44079990 Outra madeira serrada 44.071.653,00 51.945.179,00 0,2 10059010 Milho em grão 38.836.676,00 163.257.323,00 0,1 152000’0 Glicerol em bruto 37.487.187,00 116.185.829,00 0,1 41041124 Outros couros e peles bovinos 28.625.569,00 4.756.367,00 0,1 Fonte: (LEITE, NETTO, 2018, 310) 253 A composição do catálogo de produtos exportados pelo Rio Grande do Sul não foge a regra com a soja respondendo por 62,4% e outros grãos de soja registrando mais 11,7%. Tabela 4.8: Principais Produtos Exportados do RS para a China, 2011-2015 (acumulado) NCM Descrição Valores US$ FOB Peso Líq. Kg Part.% 12019000 Soja 12.541.971.772,00 26.230.750.706,00 62,4 12010090 Outros grãos de soja 2.346.459.829,00 4.640.112.670,00 11,7 24012030 Tabaco não manufaturado 1.859.147.052,00 251.509.214,00 9,2 15071000 Óleo de soja, em bruto 701.926.167,00 689.639.520,00 3,5 47032900 Pastas químicas de madeira 510.243.656,00 1.085.959.057,00 2,5 89052000 Plataformas de perfuração 394.180.887,00 53.701.770,00 2,00 2071400 Pedaços de galinhas 260.326.299,00 150.134.724,00 1,3 71039900 Outras pedras preciosas 113.167.490,00 14.075.593,00 0,6 15200010 Glicerol em bruto 85.042.551,00 319.487.594,00 0,4 39021020 Polipropileno em forma prim. 83.420.354,00 62.920.700,00 0,4 Fonte: (LEITE, NETTO, 2018, 311-312) Encerrando a lista dos cinco maiores exportadores para a China, o Rio de Janeiro aparece com seu grande potencial petrolífero. Dos US$ 21 bilhões exportados pelo estado para a China, 96,9% correspondeu à venda de óleos brutos de petróleo demonstrando o apetite chinês por determinadas commodities. Tabela 4.9: Principais Produtos Exportados do RJ para a China, 2011-2015 (acumulado) NCM Descrição Valores US$ FOB Peso Líq. Kg Part.% 27090010 Óleos brutos de petróleo 2.059.096.700,00 36.361.258.402,00 96,9 39021020 Polipropileno em forma prim. 92.538.746,00 69.247.100,00 0,4 99997103 Joalheria de ouro 90.815.476,00 192,00 0,4 26040000 Minérios de níquel 77.625.861,00 58.188.302,00 0,4 39012029 Polietilenos em forma prim. 67.662.036,00 58.191.750,00 0,3 26011100 Minérios de ferro concentrados 54.431.371,00 1.110.425.118,00 0,3 74040000 Desperdícios de cobre 46.963.603,00 9.831.977,00 0,2 72101200 Laminados planos de ferro 25.611.195,00 38.247.545,00 0,1 73052000 Tubos p. Extração de petróleo 22.039.588,00 1.283.040,00 0,1 26011200 Minérios de ferro aglomerados 19.660.219,00 264.992.485,00 0,1 Fonte: (LEITE, NETTO, 2018, 312) Unidades federativas de parques industriais pouco desenvolvidos ou solapados pela concorrência internacional compõem o outro lado da equação. Muitos deles são produtores agrícolas não intensivos em tecnologia com mão de obra não qualificada e, consequentemente, mal remunerada sem capacidade de concorrer em bens de consumo e máquinas produzidas em países com vantagens competitivas. Esses estados ficam desamparados sem políticas que possam desenvolver suas potencialidades estando na sua 254 maioria fragilizados em comparação aos caracterizados aqui como favorecidos (ibidem, p. 307–314). Para Kynge (2007), o crescimento chinês é uma realidade que trouxe benefícios globais mas que está associado a um custo ambiental de grandes proporções. A escassez de água nas províncias chinesas do Norte do país, onde se encontram as maiores plantações de soja levou a uma queda de produção ao mesmo tempo que se registra aumento de demanda por uma população cada vez mais próspera resultando no aumento das importações. A China passou de uma presença modesta nos mercados internacionais a maior importador do mundo. Agricultores brasileiros foram rápidos em satisfazer a fome da China, derrubando extensões da floresta amazônica para novas plantações de soja. 4.3.1 Investimentos Diretos Chineses no Brasil A China se transformou no segundo maior investidor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos. Mas o Brasil, principal economia da América Latina, não consegue diversificar suas relações comerciais com a potência asiática (MENEZES, 2018, p. 210). Para Menezes (2018), somente nos quatro primeiros meses de 2017, investimentos diretos advindos da China somaram cerca de US$ 6 bilhões em fusões e aquisições no Brasil, a despeito da insegurança política e econômica do governo Michel Temer e sua grande predisposição liberalizante com ativos colocados a venda predominantemente nos setores de energia e mineração em consonância com a estratégia de going global chinês. O Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022 da Confederação da Indústria (CNI) aponta que o Brasil deveria aumentar a participação do investimento em infraestrutura na ordem de 3,0% do PIB até 2022 e ao que tudo indica, analisando os dados divulgados pelo IBGE e os cálculos realizados pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) que excluem os setores de produção industrial, mineração, petróleo e gás, e serviços, obtém-se como resultado uma taxa variável de investimento em infraestrutura declinante no período, o que aumenta a importância dos Investimentos Estrangeiros Direto (IED) cabendo então considerar a contribuição dos investimentos chineses (SEAIN, 2018, p. 4). Em 2014, um ranking de qualidade geral da infraestrutura, realizado pelo Fórum Econômico Mundial, apontou o Brasil na 120ª posição em um total de 144 mostrando que o 255 país involuiu nos últimos anos (em 2010, assumia a 84ª posição). Um estudo do FMI (2015) mostrou que o país tem infraestrutura pior do que seus principais competidores e países com renda similar. Esse deficit aparece sobretudo na área de transporte (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos). Em oferta de energia elétrica, por exemplo, o país está acima da média. Essas pesquisas refletem a queda do investimento em infraestrutura, de cerca de 5,2% do PIB nos anos 1980 para, em média, menos de 2,5% nas últimas décadas. Esse investimento foi menor do que o observado em outros países da América Latina e emergentes. O Chile saltou de um investimento de 3,44% entre 1981 e 1986 para 5,21% entre 2001 e 2006. Mesmo a Colômbia, que sofreu uma queda em seus 3,13% de investimento na década de 1980, ainda investiu proporcionalmente 0,66% mais do que o Brasil entre 2001 e 2006 – mantendo um nível de 2,77% (CARVALHO, 2018, p. 168). Os investimentos chineses ao longo de 2007 a 2012 complementaram uma gama de setores que vão além da busca por recursos naturais. Do total das aquisições187, 30% estavam no setor primário (18 projetos), 47% focaram o setor secundário (28 projetos) com o setor terciário se responsabilizando pelos 23% restantes. O setor automobilístico foi protagonista com 13 anúncios de projetos, seguido pelos eletroeletrônicos, máquinas e equipamentos. Nesse período (2007-2012) identificaram-se 60 projetos de investimentos de 44 empresas chinesas que somaram um aporte de US$ 24, bilhões. Essa tendência de busca de menos concentração em produtos básicos revela uma postura diferente do Brasil em relação a América Latina que avança para setores de manufaturas e serviços indicando três fases da atuação chinesa e seus investimentos na região: 1) a primeira fase se sustentou pela procura de recursos naturais na busca de satisfação da demanda por minerais, petróleo e gás natural, além de produtos agrícolas; 2) a segunda é marcada por uma transição com foco em setores como energia, telecomunicações e projetos de infraestrutura; 3) investimentos chineses em atividades dos setores de bens de capital, automotivo e eletroeletrônicos nos últimos anos. A China agora se concentra em investimentos no Brasil além das relações comerciais. A abertura de filiais de empresas chinesas no país cresce assim como aquisições de negócios ligados ao segmento de commodities e de energia. E atualmente segmentos industriais e financeiros 187 Para exemplificar, em Setembro de 2016, o State Grid da China comprou uma participação de 23% da empresa de energia brasileira CPFL, por US$ 1,8 bilhão e a Wtorre, empresa de construção brasileira assinou um acordo com a China Communications and Construction Company International para construir um novo porto no Maranhão. A Fosun, uma empresa de investimentos comprou também em 2016 uma participação de controle na Rio bravo, que gerencia ativos em São Paulo e no ano de 2015, o Bank of Communications comprou 80% do BBM, um credor brasileiro, por US$ 174 milhões. Ver em: (MENEZES, 2018, p. 218–219). 256 ganharam relevância como setores de máquinas pesadas, principais bancos chineses além de grupos de telefonia. No ano de 2006, Brasil e China firmaram um ato para cooperação no setor de infraestrutura num processo de elaboração de atividades que conjugassem os campos de energia elétrica, recursos hídricos, petróleo e gás natural visando cooperação entre os grandes bancos nacionais de desenvolvimento, o BNDES pelo Brasil e o Banco de Desenvolvimento da China pelos chineses, antecedendo um aporte de créditos chineses na construção do gasoduto GASENE que permitira a união entre as regiões Sudeste e Nordeste resolvendo a demanda de produção e distribuição de gás. Com esse ato conjunto criou-se a Subcomissão de Energia e Recursos Minerais com funções específicas dentro a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível e Concertação e Cooperação estreitando os segmentos: governamental, pelas celebrações de interesses mútuos; o financeiro, entre as instituições financeiras nacionais, por meio da combinação de crédito; o técnico-institucional, por meio da criação da Subcomissão, voltada para as organizações contratuais e operativas do processo. Frente ao capital voltado para o petróleo, em 2009 promove-se um acordo de entendimento a convergência de interesses no entorno do pré-sal. Constitui-se um documento que servira de guia na condução de um protocolo de exploração em: a) expansão da comercialização de petróleo entre Brasil e China com preferência a esse último de fornecimento estável e duradouro pelo primeiro. A comercialização do petróleo ficaria a cargo da SINOPEC assegurada por um compromisso de financiamento à Petrobras pelo Banco de Desenvolvimento da China (China Development Bank Corporation); b) cooperação entre as empresas brasileiras e chinesas em conformidade com a legislação brasileira e sob as condições do mercado na exploração e desenvolvimento dos blocos de petróleo e gás no Brasil; c) aquisição de bens e serviços, pelas empresas brasileiras, de fornecedores de produtos e serviços chineses sob condições do mercado e de acordo com a legislação brasileira assegurado também por financiamento à Petrobras pelo Banco de Desenvolvimento da China e d) promoção de investimentos chineses no Brasil associado a empresas brasileiras no intuito de fornecimento de serviços e mercadorias no segmento petrolífero (VADELL, NEVES, 2018, p. 223–225). Os investimentos chineses em projetos no Brasil vem se intensificando e de 2003 para cá chegaram a um valor acumulado de US$ 69,2 bilhões fazendo da China o maior investidor na região em projetos de fusões e aquisições no ano de 2017, quando empresas chinesas 257 entraram fortemente no setor energético brasileiro contribuindo paralelamente para recuperar o baixo investimento em infraestrutura dos últimos anos (SEAIN, 2018, p. 4). O Brasil tem nos bancos chineses um suporte que até bem pouco tempo era ocupado pelo Banco Mundial. Os bancos chineses e o Banco Mundial não disputam atualmente no processo de alocação dos recursos, uma vez que esse último atua em projetos voltados para as demandas dos governos estaduais atendendo objetivos específicos para o bem-estar dos grupos sociais em algumas regiões do Brasil (VADELL, NEVES, 2018, p. 221). A recessão brasileira e o enfraquecimento de grandes grupos nacionais, abatidos que foram pelas investigações de corrupção no processo denominado Lava-jato, tornaram companhias e ativos brasileiros, presas fáceis para o apetite chinês. Com excedentes de capital, empresas do gigante asiáticos somam US$ 46,1 bilhões em negócios nos últimos 10 anos, sem contar as compras realizadas em 2017 (REDAÇÃO NSC, 2018, n.p.). Dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) mostram que, somente entre 2015 e 2016, auge da queda da economia brasileira, os aportes chegaram a US$ 15,8 bilhões, mais de um terço do contabilizado em uma década. Os últimos movimentos miram o segmento de energia. A State Grid finalizou em janeiro a compra do grupo CPFL, maior empresa privada do setor no país, após adquiri em 2016 fatia que era da Camargo Corrêa. Com a transação, avaliada em R$ 14 bilhões, passou a controlar concessionárias que levam luz a metade do território de São Paulo e dois terços do Rio Grande do Sul (RGE e RGE Sul), além de se firmar como terceira maior geradora no Brasil. No negócio mais recente, a Shanghai Eletric assumiu oficialmente, no fim do ano passado, a liderança no consórcio que aplicará quase R$ 4 bilhões para construir 1,9 mil quilômetros de linhas de transmissão no Rio Grande do Sul. Esse projeto foi conquistado em leilão pela Eletrosul. Uma das principais portas de entrada das importações chinesas no Brasil na última década por ter cinco portos, Santa Catarina começa a brilhar no radar dos investimentos do país asiático em infraestrutura e em outros setores. A gigante chinesa estatal de grãos Cofco está investindo R$ 200 milhões em porto privado para granel em São Francisco do Sul, o TGB. Além disso, mais grupos chineses estão sendo sondados para investir nesse mesmo terminal e no futuro Porto Brasil Sul. O Estado já conta com investimentos menores de grupos chineses, mas todos focados em setores promissores e de tecnologia. Até a montadora TAC, produtora do 4 x 4 Stark, um sonho de investidores catarinenses que foi transferida para o Nordeste porque aqui não era competitiva, foi adquirida por um grupo chinês por R$ 190 milhões (ibdem, n,p). 258 Até 2010, os chineses priorizaram commodities – minérios, petróleo e grãos –, para garantir o seu suprimento de matérias-primas. Depois de 2011, o interesse passou a ser o mercado interno brasileiro, com o ingresso no setor industrial, como o de eletrônicos e automóveis. A partir de 2013, os alvos foram os serviços, especialmente financeiros. Por fim, com o início da crise, o foco virou para infraestrutura, centrada em energia. A China vê o momento de crise como oportunidade. Basta observar os investimentos no setor energético: o Brasil passou a oferecer ativos a preços convidativos, e a China detém algumas das maiores empresas de energia do mundo. É uma combinação de interesses. Enquanto os EUA sob Donald Trump dão sinais contraditórios em relação à política externa e caminham para o isolacionismo, o dragão asiático dá passos largos na direção do posto de nova nação hegemônica do planeta com uma mudança importante, a China agora aponta para o crescimento voltado para o consumo interno onde os próximos setores a gerarem interesse sejam os de carne e celulose devido o aumento de renda da sua população e consequente mudança de hábitos. Além de comer melhor, os chineses vêm sofisticando a higiene. Um dos mercados que mais crescem por lá é o de papel tissue, usado para fabricar papel higiênico. A investida das empresas chinesas não só no Brasil, mas em outros países da América Latina e da África, integra a estratégia de internacionalização das suas empresas e de sua moeda, o yuan, como forma de fazer da China uma nação cada vez mais respeitada. Na África, houve tensão pela busca de trabalhadores chineses para tocar empreendimentos de capital de origem asiática e acusações até de que estaria em curso uma espécie de nova colonização do continente. No caso do Brasil, o governo deve estar atento para aplicar boas regras regulatórias. Há também a necessidade de convencimento dos chineses da existência de bos oportunidade não só de aquisições, mas também de projetos greenfield, oferecendo um cardápio de opções de investimento, especialmente em infraestrutura. Existe espaço para qualificar a chegada do capital chinês188 (ibdem, n.p). 188 Um exemplo são os investimentos em transmissão. Como a Shanghai Electric no Estado de Santa Catarina, a State Grid vai desembolsar R$ 9,6 bilhões para construir uma linha de 2,5 mil quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, até o Sudeste. A chinesa Baidu é dona do Peixe Urbano, maior plataforma de compras do Brasil que transferiu, no ano passado, sua matriz de São Paulo para Florianópolis e em dezembro firmou uma fusão com o Groupon Brasil, também de compras coletivas. No setor financeiro, o Banco de Construção da China (CCB), considerado o quarto maior do mundo, atua no Estado com três agências – em Florianópolis, Blumenau e Chapecó. Elas pertenciam ao BicBanco, adquirido em 2013 por cerca de R$ 200 milhões pelo CCB. No setor automotivo, a TAC, produtora do jipe 4 x 4 Stark, que foi fundada em Joinville em 2004 e transferida para Sobral, Ceará, em 2012, foi adquirida ano passado pela chinesa Zhejiang Zotye Auto. O investimento alcançou R$ 190 milhões com produção nordestina. Ver em: (REDAÇÃO NSC, 2018, n.p.). 259 Bom salientar que há uma polêmica sobre os efeitos dos Investimentos Estrangeiros Diretos. Para os neoliberais, os IEDs têm resultados positivos nos países que os recebem, pensamento não corroborado pelos desenvolvimentistas. A polêmica concentra-se no “como” se abre os países para a entrada desses capitais. Na China, o Estado forte e centralizador controla e orienta os IEDs. No caso do Brasil, não existe uma política de controle que defina os setores da economia para os quais seriam direcionados esses investimentos. Num exemplo simples, na China não se permite investimento em tecnologia de baixa qualidade como na indústria de bebidas pois o país já dispõe dessa tecnologia. As Zonas Econômicas Especiais chinesas são um fator determinante para atratividade para os IED. O Brasil perde na concorrência por esses capitais por não ter conseguido implantar políticas econômicas parecidas ao longo do tempo (SEYDI, 2012, p. 46). Face às turbulências financeiras internacionais e à contração da economia global e seus reflexos nas economias brasileira e chinesa, é de se esperar que as relações Brasil-China enfrentem dificuldades importantes nos próximos anos. Por um lado, com a queda nos preços das commodities, já foram verificados prejuízos nas exportações brasileiras para a China (BECARD, 2010, p. 169). Gráfico 7- Visão Geral dos Investimento chineses no Brasil 260 Fonte: Boletim sobre Investimentos Chineses no Brasil – nº 7 – Secretaria de Assuntos Internacionais (SEAIN) - Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Divulgado em 21/12/2018 A título de exemplos, em outubro e novembro de 2018 foram confirmados quatro projetos de investimentos chineses no Brasil, conforme abaixo: • 08/10/2018 - A empresa chinesa Tencent Holdings Ltd., dona do aplicativo chinês WeChat, pagou US$180 milhões por uma participação minoritária de 5% na empresa brasileira de tecnologia financeira Nu Pagamentos AS-Nubank. (fonte: www.reuters.com e www.infomoney.com.br); • 09/11/2018 - A chinesa Anhui Zhongding Rubber-Plastic Products Co. Ltd. da China, uma das maiores fabricantes de borracha do mundo que não atua no ramo de pneus, iniciou suas atividades em São Paulo - SP. Esta é a primeira fábrica da empresa no exterior, e foi criada para atender às exigências de fabricação local por sua plataforma Global Emerging Markets da General Motors, que foi projetada para 9 modelos de carros de passeio de nível básico e veículos utilitários crossover para mercados em desenvolvimento. A planta deve liderar a expansão da Zhongding no mercado de amortecimento de ruído automotivo da América do Sul. (FONTE: www.rubbernews.com); • 19/11/2018 - A marca chinesa Gree, de ar-condicionado, anunciou que pretende nos próximos 5 anos, ampliar sua participação no mercado brasileiro de 10% para 30%. Para tal, vai colocar em operação a nova fábrica da companhia na Zona Franca de Manaus. O investimento total foi de cerca de R$ 80 milhões (US$ 20,7 milhões). (FONTE: http://broadcast.com.br/cadernos/financeiro/); • 28/11/2018 - A estatal chinesa State Grid teve oferta concluída com sucesso para a aquisição do restante das ações da CPFL Energias Renováveis. A empresa chinesa pagará R$ 16,85 por ação, ou um total de R$ 4,1 bilhões (US 1,06 bilhão). Com essa aquisição, a State Grid passou a deter 99,94% do capital social total da empresa. (FONTE: https://renewablesnow.com); • 19/11/2018 - BNDES aprova crédito de R$5,2 bilhões à State Grid para obra de linhão de Belo Monte. O valor emprestado representa 61% do total do empreendimento, estimado em R$8,5 bilhões. (https://br.reuters.com); • 29/11/2018 - Em reunião com o presidente do Complexo Industrial Portuário de Suape, representantes da chinesa CCCC (China Communications Construction 261 Company) retomam negociação e demonstraram interesse em investir na Ferrovia Transnordestina e no Terminal de Minérios do Porto de Suape. (FONTE: www.portosenavios.com.br); • 06/09/2018 - Chinesa Alibaba quer criar centro de distribuição no aeroporto de Viracopos: Dona do Ali-Express, a gigante chinesa Alibaba fez uma proposta para adquirir a concessão do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). (FONTE: https://olhardigital.com.br); • 12/11/18 - Comissão de tecnologia da China prospecta novas parcerias em Pernambuco: Comitiva visitou o Porto Digital, a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) e a UFPE, em busca de parcerias econômicas e científicas com o Estado. (FONTE: www.folhape.com.br) • 28/11/2018 - Brasil e China firmam memorandos de entendimentos para facilitar comércio de frutas e pescados. Os memorandos foram assinados entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério da Administração Geral da Aduana Chinesa. (FONTE: www.comexdobrasil.com) • 04/12/2018 - Vice-governador do Maranhão e cônsul chinesa celebram avanços nas obras do Porto de São Luís: O motivo principal da visita foi a apresentação dos investimentos chineses que já estão sendo iniciados. (FONTE: https://oimparcial.com.br) O Brasil, quarto maior destino dos investimentos externos chineses, é um espaço estratégico para o capital chinês devido a sua maior estrutura produtiva e seu maior potencial de recursos primários na América Latina tem se tornado protagonista nas relações comerciais com a China. O país ainda é o segundo destino dos créditos chineses na região, esses voltados para a infraestrutura. O saldo positivo da balança comercial agregada (2001-2016) é da ordem de US$ 391 bilhões de superávit para o Brasil e em relação aos créditos são US$ 36 bilhões registrados de 2007 a 2016 com investimentos focados em três grandes áreas: energia, minério e agricultura (VADELL; NEVES, 2018, p. 215-216). O Brasil desde 2014 tem acentuado uma crise econômica com consequências desastrosas com perda de competitividade no comércio internacional assim como na América do Sul. Uma onda de liberalização foi colocada à mesa pelo governo de Michel Temer após o impeachment da presidente Dilma Rousseff189 e setores como o de energia, petróleo (caso Pré- 189 O governo Michel Temer lançou em setembro de 2016 um reformado pacote propondo a realização de 34 concessões e privatizações de empresas públicas, uma remodelagem do fora previsto em 2015 pela Dilma 262 sal) e aviação civil foram desregulamentados facilitando a aquisição de empresas pelo capital chinês o que para os chineses representa uma diversificação dos investimentos para além da estratégia de going global, aqui significa uma intensificação da dependência brasileira do setor primário (MENEZES, 2018, p. 223). Investimentos Externos Diretos num país como o Brasil com tantas necessidades, pouca capacidade de investimento do Estado e pouca poupança interna é sempre bem-vindo desde que atenda a uma lista prévia de setores essenciais identificados pelo Estado. Os investimentos são alvissareiros desde que contemplem áreas que venham de encontro a uma política de desenvolvimento econômico sem incorrer em riscos à soberania nacional. Difícil vislumbrar essa conjuntura atualmente no Brasil que invariavelmente está à mercê de uma elite burguesa predadora que sempre se encontra ávida pelo lucro fácil e que para tanto coloca os interesses da grande maioria da população do país em última análise. No seu processo de crescimento econômico a China sempre procurou estabelecer prioridades na utilização dos investimentos chegavam ao país advindos do exterior. A priori os chineses ultramarinos alocaram seus recursos em projetos determinados até geograficamente, nas chamadas Zonas Econômicas Especiais, onde foram construídas indústrias com foco na exportação. Bem, há muito não temos uma política industrial no Brasil. A partir da crise de 2008, como já foi relatado aqui, a China passa a ser um dos maiores exportadores de capital. Na Europa, principalmente na Alemanha, leis e regulamentações foram criadas para a entrada desses recursos para que os mesmos atendessem às demandas daquele país. Cito a maior economia da Europa atualmente já duvidando e muito que um mínimo esforço do congresso nacional ou do governo atual possa ser feito com o objetivo em se criar filtros similares. 4.3.2 Os BRICS O acrônimo BRIC foi cunhado pelo economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O’Neil, em 2001, num estudo conhecido como “Building Better Global Economic BRICs”. Este conceito representava o Brasil, Rússia, Índia e China, caracterizados como economias Rousseff que não progredira. A proposta previa a privatização de quatro aeroportos, sete empresas de energia, três empresas de saneamento ambiental, além da concessão de três ferrovias, três rodovias e dois portos com ainda previsão de venda de parte das loterias da Caixa e leilão de três campos de exploração de petróleo e quatro áreas de mineração. Michel Temer fora considerado com um viés mais pró-mercado enquanto a Dilma Rousseff foi acusada de interferir demais na determinação dos modelos de privatização de concessão. Ver em (BENITES, 2016, n.p.) 263 emergentes que poderiam se destacar na economia mundial. De início, seria somente um instrumento de marketing financeiro, onde se definia uma carteira de investimentos para investidores em busca de oportunidades. O acrônimo foi além das expectativas financeiras evoluindo para um agrupamento de países emergentes que buscam maior participação no sistema internacional. Essa evolução foi possível porque nesse período, início do século XXI, houve um relativo vácuo de poder global causado pelos novos desafios da governança global e pelas limitações dos EUA para impor sua vontade sobre as outras nações (AGUIAR, 2014, p.1). Em 2011, em Sanya, na china, a 3ª Cúpula do BRICS, resolve incluir a África do Sul. Os BRICS assim passa a representar 42% da população e 14% do PIB mundiais e aproximadamente três quartos das reservas de divisas. Considerando-se as reservas, o conjunto dos cinco países dispõe, hoje, de mais de US$ 4 trilhões, mas de forma extremamente desigual: 72% desses recursos pertencem à China, 12% à Rússia, 7,5% cada ao Brasil e à Índia, e apenas 1% à África do Sul. Isso por si só já sugere parte das dificuldades de acerto quanto ao uso de recursos para socorro financeiro às economias emergentes em dificuldade. Todos os países BRICS pertencem ao G-20 financeiro, o fórum mais importante hoje para a definição de governança global. Trata-se de países com trajetórias históricas muito diferentes, com interesses aparentes distintos e estruturas produtivas diversificadas. Porém, configurações básicas convergiram os países-membros a criar mecanismos conjuntos de atuação. Por exemplo, Brasil, Rússia, Índia e China são (inclua-se os Estados Unidos) os únicos países que apresentavam, ao mesmo tempo, três condições: i) têm grande dimensão geográfica, com mais de 2 milhões de km2; ii) têm PIB nominal que superou os US$ 2 trilhões em 2014 e iii) grande população, acima de 100 milhões de habitantes. A adesão posterior da África do Sul está associada menos a essas características e mais a uma decisão geopolítica de incluir uma economia de peso do continente africano. Além dessas particularidades, esses países concentram a metade dos pobres do planeta, e representam aproximadamente uma quinta parte do PIB mundial (BAUMANN, 2015, p. 21-22). No início de 2012, em Nova Déli, numa reunião de cúpula dos BRICS, a Índia lançou a ideia de criação de um novo banco de desenvolvimento para financiar infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Os líderes dos países participantes da organização pediram a seus ministros de Finanças que examinassem a viabilidade com negociações transcorrendo por pouco mais de dois anos até que, em julho de 2014, assinaram um Convênio Constitutivo, 264 com todos os membros engajando em igualdade de esforço a despeito de uma alguma relutância da Rússia, no início de 2013. Nascia o primeiro banco de desenvolvimento de alcance global estabelecido apenas por países de economia emergente, O Novo Banco de Desenvolvimento, o NBD, refletindo claramente uma insatisfação dos BRICS com as instituições multilaterais existentes e sua demora em se adaptar ao século XXI mostrando-se incapaz de prover os países em desenvolvimento relevância nas decisões globais. O objetivo é evitar no novo banco a excessiva politização das decisões que se observam nas instituições multilaterais existentes (BATISTA JR., 2016, p. 179). O questionamento que fica é se aposta em uma força contra-hegemônica como o BRICS é válida ou se apenas reproduz a mesma relação de subordinação colonizada das populações que historicamente foram vítimas da dominação do capitalismo euro-americano. Qual a diferença do camponês ou de uma comunidade indígena ter a terra de onde tira seu sustento ter-se contaminado com agrotóxico americano ou chinês? Se a mineradora é canadense ou chinesa? Se a soja que ocupa seus territórios alimentará suínos na Espanha ou chineses na China? Como convencer que o “sonho chinês” não se trata de uma nova onda de novos pesadelos desenvolvimentistas? Os membros do BRICS, em alguma medida, possuem interesses políticos e econômicos que não se aglutinam. No plano econômico China e Índia caracterizam-se pela exportação de produtos industriais e tecnológicos e pela exponencial importação de matérias- primas. Em contrapartida, Brasil, Rússia e África do Sul exportam basicamente grandes volumes de recursos minerais e agrícolas, além de importarem tecnologias industriais. No plano político, a China e a Rússia têm adotado posturas internacionais mais rígidas, enquanto os demais membros se postam de forma menos incisiva, com raras exceções, mas é de bom tom, assistir países emergentes, assim como México, Coreia do Sul, além dos BRICS e tantos outros, exercendo papéis cada vez mais significativos no plano internacional. Mas é sempre bom também que para obter sucesso, esse agrupamento deverá estabelecer uma maior coesão e estratégias coordenadas, como articulações políticas mais sintonizadas para que eles possam se consolidar, de fato, como uma nova ameaça à hegemonia das potências internacionais (PENA, 2019, n.p.). Dos cinco países-membros, a Rússia é de longe a mais empenhada em maximizar o potencial dos BRICS como uma instituição internacional190. A Rússia se vale de que as 190 Já em 2013, Vladimir Putin apelou à transformação dos BRICS “de um fórum de diálogo, que coordena as posições sobre um número limitado de questões, num verdadeiro mecanismo de cooperação estratégica”. 265 principais preocupações da China estão em outro lugar, a Índia tem assumido um perfil deliberadamente modesto, consciente de restrições estratégicas (como manter os Estados Unidos do seu lado). As fraquezas crônicas do Brasil e a tirania da distância limitaram severamente sua influência para além da América Latina. E a presença da África do Sul é essencialmente para aumentar as credenciais globais do grupo. Em Pequim, por outro lado, o BRICS é classificado como uma prioridade secundária. Isso se deve, em parte, as preocupações mais urgentes: reforçar o governo do Partido Comunista; as exigências da modernização econômica; a relação global da China com os Estados Unidos; e desenvolvimentos estratégicos na Ásia Oriental191. Ao contrário da Rússia, a China não vê nenhuma necessidade particular de se promover como influente a nível mundial, porque isso se tornou evidente por si mesmo. O problema para Pequim é o contrário: ele deseja moderar as expectativas sobre a capacidade da China de contribuir e contrapor a visão generalizada no Ocidente de que ela é um “free rider” de bens públicos internacionais. Embora a Rússia e a China tenham interesse comum no desenvolvimento regional, um exame mais aprofundado também revela diferenças significativas. Como a segunda maior economia do mundo, a China é o banqueiro dos BRICS em tudo menos no nome. Sem a liderança econômica chinesa e as garantias financeiras, os BRICS não teriam nenhuma agenda de desenvolvimento a professar. Moscou tem, desde então, exercido esforços árduos para impulsionar o grupo nessa direção – com um grau de sucesso formal. Isso se reflete no número de iniciativas destacadas na “Declaração UFA”, o comunicado da cúpula BRICS de 2015. Entre elas, destacam-se a entrada em vigor do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e do Acordo de Reserva de Contingência (CRA). Mas a Declaração também se refere a outros mecanismos, reais e antecipados: um Mecanismo de Cooperação Interbancária; uma Estratégia de Parceria Econômica; um Grupo de Trabalho sobre Cooperação Anti-Corrupção; o Conselho Empresarial; e uma Rede Universitária. Embora Putin tenha descartado a criação precoce de uma “estrutura burocrática” para os BRICS, ele confirmou que “para melhor coordenar nossa cooperação… nós criaremos uma secretaria virtual ou eletrônica”. O entusiasmo de Moscou se dá por ser os BRICS uma instituição sem domínio do Ocidente dando a Rússia um papel de liderança. Para o Kremlin, os BRICS são emblemáticos de um novo dinamismo na política internacional, em contraste com um Ocidente decadente e complacente, com suas instituições obsoletas e normas descabidas. Ver em: (LO, 2017, n.p.). 191 Historicamente, também, a falta comparativa de interesse de Pequim nos BRICS deve muito à sua forte preferência pela diplomacia bilateral. Dito isto, ao longo da última década, o governo chinês mostrou uma maior disposição para o multilateralismo, reconhecendo que isso pode complementar e auxiliar seus objetivos bilaterais. Além de se envolver mais ativamente nos órgãos da ONU, sobretudo no Conselho de Segurança, A China é um líder na Organização de Cooperação de Xangai (SCO), no Grupo de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) e na Cúpula da Ásia Oriental (EAS). Suas motivações variam dependendo da instituição, mas um denominador comum é o desejo de retratar a China como um bom cidadão regional e global. Visto neste contexto, os BRICS são apenas um entre um conjunto cada vez maior de instituições internacionais nas quais a China participa. Além disso, seu valor para Pequim é inferior ao de muitas outras – o Conselho de Segurança da ONU, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o G-20, a Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC) e a Cúpula do Leste Asíatico (EAS). O interesse chinês pelos BRICS também é motivado pelo ressurgimento de uma agenda de desenvolvimento regional. Embora o principal motor seja o projeto “One Belt, One Road” (OBOR), incluindo o “Cinturão Econômico da Rota da Seda” (SREB) e o AIIB, os BRICS podem ainda desempenhar um papel útil. O Novo Banco de Desenvolvimento poderia ajudar a financiar projetos de infraestrutura na Eurásia. Ver em: (LO, 2017, n.p.). 266 Também não haveria instituições financeiras. Isso reflete uma verdade maior e implicitamente reconhecida – que sem a China os BRICS não carregam nenhum peso (apesar da desaceleração do crescimento chinês). Como poder indispensável, ela decide que áreas priorizar, quanto esforço investir em empreendimentos particulares, e o tom de pronunciamentos públicos. Apesar das recentes recusas, seria surpreendente que os BRICS, ao longo do tempo, não expandissem sua composição para incluir representantes de outras partes do mundo: América Latina de língua espanhola (Argentina, México), África do Norte (Egito), África Ocidental (Nigéria), Oriente Médio (Turquia, Irã) e Sudeste Asiático (Indonésia, Vietnã). Há oportunidades para o desenvolvimento institucional e de políticas, e a construção do BRICS deverá continuar de alguma forma nos próximos 15 a 20 anos. Inversamente, é improvável que os BRICS surjam como um bloco de poder coeso nos assuntos mundiais. Com exceção da Rússia, nenhum de seus membros tem interesse em tal resultado para os próximos tempos, dada a crescente assimetria da parceria sino-russa, as tensões geopolíticas entre Pequim e Nova Delhi e a marginalização estratégica do Brasil e da África do Sul (LO, 2017, n.p.). Em novembro de 2018, a Argentina foi sede da reunião do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo. Pela primeira vez, líderes das maiores potências mundiais se encontravam na América do Sul. No encontro, um fato pouco destacado no Ocidente, foi a reunião entre os líderes Xi Jinping, Vladimir Putin e Narendra Modi para impulsionar a cooperação do “triângulo estratégico” que está reconfigurando a correlação de forças na Eurásia e que tem se apresentado como uma alternativa à governança global. O protagonismo dessa reunião trilateral foi bem mais importante que a reunião do grupo BRICS, que fez uma reunião protocolar com as presenças coadjuvantes de Michel Temer do Brasil e de Cyril Ramaphosa da África do Sul. O BRICS se apequenou e o RIC se agigantou (ALVES, 2018, n.p.). 4.3.3 A Iniciativa Cinturão e Rota e o Brasil Sob a Iniciativa Cinturão e Rota, a cooperação sino-brasileira é muito promissora. A Iniciativa poderá auxiliar tanto a China quanto o Brasil a aproveitarem oportunidade da Quarta Revolução Industrial com benefícios mútuos. E, se promoverá a cooperação e o intercâmbio cultural, melhorando o conhecimento e a amizade entre os nossos povos. É 267 impossível separar pessoas com objetivos e ideais comuns; nem mesmo montanhas e mares os separam. Embora existam uma longa distância e condições nacionais diferentes entre a China e o Brasil, as suas vantagens complementares podem existir. Para o cônsul-geral da China no Rio, Li Yang, “o Brasil será sempre bem-vindo a aproveitar as oportunidades e extrair ao máximo as suas vantagens únicas, possibilitando a prosperidade para o país através da união na Iniciativa Cinturão e Rota” (YANG, 2019, n.p.). Belo Monte é o primeiro projeto ultramarino de transmissão de ultra-alta tensão (UHV, na sigla inglesa) no qual a China investiu de forma independente192. O atual início da segunda fase representa um grande passo na iniciativa Um Cinturão e Uma Rota na América Latina. O projeto de transmissão de energia, com mais de 2.518 quilômetros de extensão, conecta a 192 Em 2005 o Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo nº 788/2005 que autorizou a implantação do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) de Belo Monte. Em 2008 ocorre o Encontro Xingu Vivo para Sempre, com representações da população local e nacional, a fim de debater os impactos de hidrelétricas na Bacia do Rio Xingu que foi marcado pelo confronto entre os índios e o representante pelos estudos ambientais da hidrelétrica de Belo Monte. A Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte começou a ser construída em julho de 2010, englobando suas atividades nos municípios paraenses de Altamira, Vitória do Xingu e Senador José Porfírio. Até a primeira fase da obra ser entregue houve atrasos, embargos e conflitos socioambientais. Somente em abril de 2016 a UHE de Belo Monte iniciou sua operação comercial com a entrada de energia da primeira turbina, com potência instalada de mais 611,11 megawatts (MW) disponível para o Sistema Interligado Nacional. Uma das mudanças ocorridas com o início da construção da UHE, a partir de 2011, é o aumento do fluxo migratório. O destaque fica para o município de Altamira, onde contém, em sua sede urbana, infraestrutura que já atendia como referência a região Transamazônica do Xingu, sendo polo desta. O aumento populacional na região ocasionou um acelerado processo de construção de edificações e pavimentação das ruas, além de oferta de novos lotes imobiliários, não somente no município de Altamira, mas também em Vitória do Xingu e Brasil Novo. Foi registrada a intensificação do uso e ocupação desordenado do solo. No contexto ambiental, causou a supressão da cobertura vegetal, impermeabilização do solo, além da construção de fossas sépticas sem rigor, contaminando o lençol freático. Na abordagem dos impactos físico-ambientais, o principal problema apontado está relacionado com o represamento e desvio de parte das águas do rio Xingu. A edificação da represa principal (reservatório dos canais) e do local onde foi instalada a casa de força principal da hidrelétrica ocorreu com desmatamentos às margens do rio e remoção de estruturas geológicas, por meio de implosões de rochas, o que desencadeou a desconstrução da estrutura geomorfológica do canal fluvial. A biodiversidade local também foi afetada. Um dos grandes impactos não previsto no EIA da usina de Belo Monte foi o registro da morte de 16,2 toneladas de peixes durante o processo de enchimento do reservatório. Este fato aconteceu entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016. De acordo com o IBAMA (2016), “a mortandade ocorreu em razão das condições de operação dos vertedouros e do canal de derivação, que causaram turbilhonamento excessivo da água”. Impacto este imensurável, o qual pode ter sido a causa da extinção de espécies da biodiversidade fluvial. Ocorreu, uma exclusão social da população ribeirinha. Já as comunidades pesqueiras que não foram removidas pelo projeto mudaram totalmente a rotina, com profundas modificações nos hábitos culturais, uma vez que o fluxo do rio modificou-se, apresentando-se agora mais perigoso e traiçoeiro. Por outro lado, houve o impacto positivo no que diz respeito ao reordenamento urbano da sede municipal de Altamira. Diante da consolidação da obra da UHE de Belo Monte, foram previstas ações no Plano Básico Ambiental para minimizarem os impactos relacionados à alteração nas condições de vida das populações residentes, sobretudo àquelas mais pobres localizadas em áreas sujeitas a alagamento nas margens dos Igarapés Altamira, Ambé, Panelas e na orla da cidade as margens do rio Xingu. Inclui-se o benefício com a construção dos aterros sanitários nos municípios de Altamira e Vitória do Xingu. Nestes, as obras foram finalizadas e encontram-se em operação. Já o projeto básico de remoção e remediação do lixão que antes recebia a coleta dos resíduos sólidos urbanos só foi realizado em Altamira. Ver em: (FREIRE; LIMA; SILVA, 2018, p. 26 - 37) 268 Floresta Amazônica, no norte, e o Rio de Janeiro, a sul. Depois de concluído, fornecerá eletricidade a 18 milhões de pessoas. Cai Hongxian, chefe da filial brasileira da State Grid, disse que a complexidade do ambiente e das leis locais foi o primeiro desafio. O projeto está agora em andamento, e é esperado que a linha seja concluída dois meses antes do prazo estipulado. O projeto da segunda fase de Belo Monte não só promoveu o desenvolvimento socioeconômico local no Brasil, como também levou a uma importação de equipamentos de tecnologia UHV chinesa no valor de quase 5 bilhões de yuans. A State Grid da China está se esforçando para expandir os seus negócios locais, buscando cooperação com empresas de equipamentos elétricos europeias e brasileiras (DIÁRIO DO POVO ONLINE, 2018, n.p.). Desde que a China Merchants Port (CMP) estabeleceu negócios em Paranaguá, as coisas começaram a melhorar nesta pequena cidade no sul do Brasil, com 151 mil habitantes. Em fevereiro de 2018, a empresa adquiriu uma concessão de 30 anos para 90% do Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP)193, o segundo maior do país, e lançou operações lá, incluindo trabalhos de expansão para lidar com o crescente comércio do Brasil com a China. O projeto coloca Paranaguá no mapa da Iniciativa do Cinturão e Rota, proposta pela China, que visa promover o comércio e o desenvolvimento ao longo das antigas rotas da Rota da Seda e além, construindo uma rede de infraestrutura nos continentes. Segundo o CEO da TCP, Luis António Alves, a China Merchants Ports tem tudo para desenvolver ainda mais os laços China-Brasil: “estamos ampliando o terminal para elevar o volume anual de 1,5 milhão de contêineres para 2,4 milhões e investindo US$ 165 milhões para expandir o porto em 1.100 metros, e isso trará desenvolvimento para toda a região. Isso tem um impacto em toda a cidade de Paranaguá e no Estado do Paraná, melhorando a logística, as ferrovias e as rodovias. Estamos gerando riqueza entre a população local.” Já o chefe financeiro do TCP, Luiz Alberto Bressan complementa: “a China continuou a investir no Brasil apesar dos tempos difíceis para a economia brasileira. Por meio do TCP, esperamos um aumento no intercâmbio, aumento no transporte marítimo e aumento na importação da China”. Bressan disse que valoriza a inclusão do Brasil na Iniciativa do Cinturão e Rota porque abre oportunidades para mais investimentos e negócios. Além do TCP, Paranaguá abriga um 193 A China Merchants Port Holdings Company Limited (“CMPort”), a Advent International (“Advent”) e os acionistas fundadores da TCP Participações (“TCP”), anunciaram hoje a assinatura de um contrato vinculante pelo qual a CMPort comprará 90% da TCP – empresa que opera o Terminal de Contêineres de Paranaguá (um dos maiores terminais de contêineres da América do Sul) e a empresa de serviços logísticos TCP Log – por aproximadamente R$ 2,9 bilhões (US$ 925 milhões). Ver em: (ADVENT INTERNATIONAL, 2017, n.p) 269 terminal público de contêineres que movimenta grãos, principalmente para a China, e exportações de automóveis para os países do Mercosul (XINHUA, 2018, n.p.). De fato, o Brasil nunca chegou a aderir à Iniciativa Cinturão e Rota. Chegou a receber algumas propostas ambiciosas, como por exemplo, a de financiar a construção de uma ferrovia bioceânica194, que atravessaria o território brasileiro, conectando os oceanos Atlântico e Pacífico, projeto que nunca saiu do papel uma vez que a viabilidade ambiental e financeira da obra é duvidosa. Vale mencionar também o Fundo Brasil-China para Expansão da Capacidade Produtiva, no valor de US$ 20 bilhões (dos quais US$ 15 bilhões seriam da China, criado em 2015 para fomentar investimentos em infraestrutura e em outras áreas econômicas. O Brasil chegou a escolher projetos que poderiam ser financiados pelo fundo, mas nenhum deles foi viabilizado até agora. Talvez por isso a China esteja ampliando o escopo da iniciativa. O cinturão hoje não se limita aos projetos de infraestrutura física sendo muito mais abrangente com vantagens inesperadas aos participantes da iniciativa. Um bom exemplo são os acordos sanitários e fitossanitários entre a China e os países da BRI com esses últimos tendo acesso ao mercado chinês para cerca de 50 produtos agropecuários importados (PALERMO, 2019, n.p.). Durante sua visita à China, oficialmente iniciada na segunda-feira 20 com a participação em um seminário na Bolsa de Valores de Xangai, o vice-presidente Hamilton Mourão sinalizou o interesse do Brasil em integrar a iniciativa bilionária do governo Xi Jinping para estimular o comércio mundial, apelidado de Nova Rota da Seda. Segundo o próprio general Mourão, “o Brasil não pode ser só uma loja onde a China vai comprar itens”. Não pode, mas tudo indica que continuará a ser. O Brasil deve procurar ampliar a participação de itens de maior valor agregado ingressando na economia do conhecimento dando um passo adiante na relação com a China. Deve-se provar aos investidores asiáticos que há oportunidades no Brasil, especialmente no setor de infraestrutura (MASSON, 2019, n.p.). 194 Ter saída para o Oceano Pacífico é uma bandeira que vem sendo elaborada há algum tempo pelas elites políticas econômicas brasileiras. A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) lançada em 2000 é um exemplo do reconhecimento da necessidade de uma integração física no subcontinente. Do ponto de vista do Brasil, poder exportar pelo Pacífico assumiu uma retórica ainda mais urgente quando a China, ao fim da primeira década do século, assume o posto de nosso maior parceiro comercial. Os gargalos logísticos encareciam nossos produtos, ainda que estivéssemos vivendo um período de boom das commodities, impulsionado pela ascensão vertiginosa chinesa. A Ferrovia Transcontinental Brasil-Peru é um projeto que visava interligar os Oceanos Pacífico e Atlântico por um corredor ferroviário que sairia do Porto do Açu no estado do Rio de Janeiro e desembocaria no porto de Bayovar no Peru. Seu traçado inicial em território nacional incluía além do Rio de Janeiro, os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre, conectando os polos de soja e de minério a uma rede que permitiria escoar a produção pelos dois oceanos dependendo de para qual mercado se exportaria. Ver em: (FARIA; GOMES, 2017, p. 11-12). 270 Em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo, a cônsul da China no Recife, Yan Yuqing, declarou que a China estaria disposta a contribuir para o desenvolvimento da tecnologia de informação no Brasil sob a Iniciativa Cinturão e Rota. Essa disposição é um dos aspectos da guerra comercial China x Estados Unidos onde, esse último, tem pressionado o governo Bolsonaro para barrar certos investimentos chineses no país. Em contrapartida, empresas de tecnologia da China, inclusive as banidas pelo governo americano, tem procurado aumentar seus laços e suas vendas a governos do Nordeste do Brasil. Empresas chinesas de tecnologia Huawei, ZTE, Dahua e Hikvision, todas sob algum tipo de embargo americano sob acusação de representarem ameaça à segurança nacional, estão negociando ou fornecendo serviços e produtos no Nordeste brasileiro. O grupo Consórcio do Nordeste, formado no início do ano por governos estaduais para promover parcerias na região, vai lançar em breve o programa Nordeste Conectado, uma PPP (parceria público-privada) para instalar milhares de quilômetros de fibra ótica e conectar os estados195. Os EUA tentam convencer o presidente Bolsonaro a seguir países como Austrália, Nova Zelândia e Taiwan, que vetaram investimentos e produtos de empresas chinesas para contratos públicos, fornecedores do governo ou qualquer um que receba empréstimo do governo. Para governadores do Nordeste, os investimentos chineses são vistos como a salvação, em meio à penúria orçamentária da maioria dos estados e a economia anêmica no país. “O único país que investe maciçamente é a China, que ainda oferece empréstimos do banco de desenvolvimento com juros subsidiados”, diz o vice-governador do Maranhão, Carlos Brandão. “Vamos trabalhar com todos os países que aqui queiram investir, e a China é quem tem melhores condições; os interesses do povo brasileiro vão prevalecer, independentemente das ideologias”, diz Dias, governador do Piauí. Para Camilo Santana, governador do Ceará, a China, com a Huawei oferece o que há de melhor em tecnologia. “Precisamos ampliar nossas relações com a China”, afirma. Questionada sobre a possibilidade da pressão americana 195 “A Huawei e a ZTE estudam as etapas de tele-educação, tele segurança e tele saúde, e estão interessadas no projeto Nordeste Conectado”, afirmou à Folha o governador do Piauí, Wellington Dias. A ZTE investe no projeto Piauí Conectado, PPP para instalação de 5.000 quilômetros de rede de fibra ótica no estado. Os estados da região também querem se unir para comprar sistemas de monitoramento para segurança pública, aproveitando a experiência do país na área. Segundo Lucas Kubaski, gerente da área de pré-vendas da Dahua, o Consórcio do Nordeste estaria interessado nas tecnologias para segurança e câmeras que fazem reconhecimento facial e já está fornecendo equipamentos para os governos de Pernambuco e Bahia. Na Bahia, foram investidos mais de R$ 18 milhões no sistema de reconhecimento facial da chinesa Huawei. Segundo o governo, a tecnologia permite à polícia baiana comparar os rostos de pessoas que circulam nos locais onde as câmeras estão instaladas com os do banco de dados da Secretaria de Segurança Pública. O Ceará estuda ampliar seu sistema Spia, de videomonitoramento, com parcerias com a Dahua. Em Pernambuco, foram compradas 1.380 câmeras da mesma empresa para segurança no metrô. Ver em: (MELO, 2019, n,p.). 271 prejudicar os negócios das empresas chinesas no Brasil, a cônsul Yan Yuqing afirma que “todos os estados do Nordeste criaram oportunidades para as empresas progredirem”. “A China e o Brasil possuem amplos interesses em comum. Acreditamos que o governo brasileiro, juntamento ao chinês, poderá defender o sistema de comércio multilateral e as regras do comércio mundial.” Para o advogado Walfrido Warde, presidente do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, com esses investimentos, o governo chinês está demonstrando que tem interesse duradouro no Brasil, e não quer apenas acesso a matérias-primas (MELLO, 2019, n.p.). 4.4 Considerações Não há dúvidas que a América Latina e o Brasil em especial foram afetados pelo crescimento chinês. O que se questiona é a sustentabilidade desse processo. Não existe um projeto brasileiro a longo prazo para que a conjuntura atual possa ser revertida para melhoria da população como um todo, isso só observando internamente, porque creio que seria necessário uma integração maior entre toda a região para obter um poder de barganha maior não só com a China, mas aos blocos de poder estabelecidos desde sempre e os novos. A África por exemplo que tem similaridades com as regiões latinas e caribenhas já está se articulando numa direção de integralidade, precisamos fazer o mesmo196. Para Procópio (2012), os poderosos exportam produtos com valor agregado e os países da periferia vendem commodities na parcela desigual. É nessa injusta relação que a nostalgia do colonialismo renasce. Por causa disso, o trabalho expressa preocupações dos países emergentes relacionadas à desindustrialização, evasão de riquezas e deslocação de prioridades. Brasileiros e vizinhos desejam a sino-presença dentro de suas sociedades, não como rearranjo da dinâmica econômica que perpetua a relação centro-periferia. Tampouco 196 Do peixe fresco das Seychelles ao petróleo de Angola, 90% de todos os bens trocados em África vão passar a circular sem serem sujeitos a taxas aduaneiras. Os líderes africanos lançaram oficialmente uma zona de comércio livre no continente. Com a Eritreia de fora, o novo bloco econômico entre 54 países, vai unir um bilhão e trezentos milhões de pessoas e representar um Produto Interno Bruto (PIB) combinado de US$ 3,4 trilhões, isto é, mais de 3 bilhões de euros. Uma aliança comercial que poderá contribuir para a industrialização dos países africanos e a redução da dependência de outras potências econômicas, como a China ou a União Europeia. Um primeiro passo naquilo que poderá ser a criação de um mercado único. O bloco europeu é o maior parceiro comercial de África, representando 36 % do comércio de mercadorias africano, que em 2017, ultrapassou os 243 bilhões de euros. Valores que posicionam a União Europeia como o mercado mais aberto às exportações africanas a nível mundial. De acordo com a União Africana, a nova zona de livre comércio será a maior do mundo e irá permitir um aumento de 60% de trocas comerciais na região, até 2022. Ver em: (EURONEWS, 2019b. n.p). 272 como réplica das injustas relações comerciais das potências imperialistas em declínio com as nações emergentes. Segundo Moreno (2015), sob o chamado neoextrativismo, atualmente, novos debates acontecem. Até bem pouco tempo defendia-se a promoção da industrialização nacional, diminuição da dependência comercial e a busca de uma transnacionalização, agora, recordes de exportação de matérias-primas são festejados. A dependência extrativista está abarcada por aquilo que seria o “Consenso das Commodities”, em analogia ao que representou o Consenso de Washington na década de 1990. Tanto os governos adeptos ao Consenso de Washington quanto os que dizem ter rompido com ele, aceitam igualmente uma inserção no sistema de produção e acumulação global como provedores de produtos básicos, com baixo conteúdo de valor agregado, aproveitando os elevados preços internacionais. Dessa forma, priorizam o desenvolvimento e expansão de megaprojetos extrativistas constituindo-se em territórios voltados à exportação de seus recursos naturais para os países desenvolvidos do planeta. Mesmo Estados que se valem de políticas progressistas assumem a necessidade de potencializar o que seria um “modelo de desenvolvimento neoextrativista”, e que inexoravelmente, só há esse caminho para o crescimento econômico e por conseguinte, desenvolvimento. O crescimento chinês sem dúvidas é o fato gerador de todo esse novo contexto. A influência chinesa sobre os países da América Latina, por exemplo, mais do que se caracterizar por uma relação de cooperação onde se percebem ganhos recíprocos e mútuos se evidenciam pela prevalência do chamado Consenso de Beijing: a adesão à ideia de que o caminho inevitável para o desenvolvimento da região é o aprofundamento dos vínculos com a República Popular da China. Vínculos que se apresentam como de cooperação entre países em desenvolvimento mas que acabam reproduzindo padrões de subordinação e dependência característicos de relações entre centro e periferia. Nesse contexto, o interesse chinês em fortalecer “complementariedades” entre as economias seria questionável, pois de via de regra, os investimentos diretos da China na região estariam destinados à compra de matérias-primas e formação de joint ventures na aquisição de licenças de exploração de recursos naturais e, em casos de obras de infraestrutura, para atuação de empresas transnacionais em aliança com estatais chinesas, evidenciando assim a oportunidade que a América Latina oferece apenas para provisão de matérias-primas na contramão do que seria uma relação mais equitativa, que potencializasse o comércio intra-industrial. 273 Para Jabbour (2012), a China procura se colocar como comum ao mundo periférico com princípios que a diferencia dos parâmetros colocados nas relações internacionais pelas “potências democráticas”. É evidente que existem questões implícitas como a necessidade chinesa de suprimento enérgico e de outras matérias-primas, além de apoio político dos países periféricos em disputas históricas como a causa tibetano ou de soberania em Taiwan. Mas há também relações financeiras onde os interesses mútuos dos chineses e de seus parceiros são respeitados como empréstimos sem condicionalidades e transferências de tecnologia jamais imaginadas por países acostumados com formas “democráticas” de relações bilaterais. Ademais, os líderes chineses já têm seus problemas internos graves, como a desigualdade social e os problemas ambientais que já consomem grande parte dos seus esforços na tentativa de encontrar soluções definitivas. Para Moreno (2015), o relacionamento político e econômico entre a China e os países latino-americanos e caribenhos cresceu nos últimos anos. O Brasil e a região até 2015 souberam utilizar o aumento dos preços das commodities, na última década para resgatar algumas dívidas históricas com suas respectivas sociedades. Reduziu-se a pobreza, combateu- se as desigualdades e aumentou-se o bem-estar dos cidadãos, incorporando milhões de excluídos a uma emergente classe média. Construiu-se também economias com fundamentos mais sólidos, e concluí: Entre 2008 e 2010, a China assegurou cerca 50% do crescimento do PIB mundial. Para a América Latina e sua inquestionável “vantagem comparativa” atribuída a um território com vastas reservas de recursos naturais, isso resultou na possibilidade de alguns países ancorarem suas políticas públicas na renda obtida com a priorização e intensificação das atividades extrativas; a intensificação dessas atividades na pauta exportadora nos últimos anos serviu de principal estratégia para alguns países – em um horizonte de tempo eleitoral – garantir ingressos e financiar programas sociais, tendo contribuído, assim, de forma decisiva para a continuidade de governos do campo identificado como progressista” (MORENO, 2015, p. 31). Segundo Silva (2012), o Brasil tem uma base industrial forte e tem que procurar soluções estratégicas inteligentes para maior integração com a economia global, mantendo e atualizando sua base produtiva enquanto expande seu potencial de crescimento. Deve se planejar melhor, estipular metas e planos de ações para poder atingir seus objetivos atentando aos seguintes aspectos: i) tentar criar e manter uma estabilidade macroeconômica; ii) buscar continuamente uma modernização industrial fomentando políticas públicas voltadas às inovações com investimentos pesados em qualificações profissionais; iii) melhorar a 274 qualidade das intervenções públicas com avaliações contínuas do bom uso do recurso público melhorando o custo-benefício dos investimentos; e, iv) promover a produtividade e competitividade instigando a redução de resíduos industriais, custos mais baixos na produção nacional, aumento investimentos em infraestrutura para melhoria da logística e melhorando o ambiente e o clima das relações comerciais bilaterais e multilaterais com metas claras de aumento de produtividade sustentável a longo prazo. Por essa linha de raciocínio fica claro que o Estado precisa investir. Investir numa ponta em educação, ciência e tecnologia para aumentar a sua capacidade produtiva e em outra ponta, investir em setores pontuais que possam criar empregos para a grande massa que até então não teve acesso a uma qualificação de qualidade. Deve-se criar linhas de crédito governamentais para fomentar a pesquisa e, não só o Estado, mas a iniciativa privada possa conjuntamente, em parceria com as Instituições de Ensino e Pesquisa, criar inovações. Do outro lado, como a China fez, tem que investir em infraestrutura, no afã de melhorar a logística do país, mas também gerando emprego em grande escala. As medidas neoliberais implementadas desde o golpe de 2016 já se mostraram ineficientes no mundo e só serviram para aumentar o abismo entre a renda dos mais ricos e dos mais pobres. Aqui no Brasil, isso já se alcançou um limite insustentável. É chegada a hora de reverter esse quadro. Pomar (2009) traz outra discussão importante sobre os impactos negativos da indústria chinesa sobre a América Latina e, mais especificamente, o Brasil: […] responsabilizar a China, ou mesmo os tigres asiáticos, pelas dificuldades na industrialização da América Latina e do Brasil, demonstra miopia histórica. Na verdade, o questionamento à teoria de que o futuro da região passaria pela indústria deve ser buscada no século 18, quando D. Maria I, mãe de D. João VI, mandou destruir teares e tudo que parecesse maquinário existente na colônia. Nos séculos posteriores, esse questionamento foi promovido pelas oligarquias rurais e pelas potências industriais do ocidente. […] nos últimos 25 anos foi justamente a China quem derrubou as teorias do comércio internacional tradicional e das reformas macro e microeconômicas, baseadas no receituário de “terapia de choque”, “inovação destrutiva”, “privatização plena” e “Estado mínimo”, empacotando com o rótulo de “liberalização econômica” (POMAR, 2009, p. 41). Sobre as fusões e aquisições no país, Jabbour (2012) observa que a administração do câmbio e o controle sobre o fluxo externo de capitais influencia diretamente no comportamento dos Investimentos Estrangeiros Diretos. Brasil e China divergem totalmente sobre essa temática. Enquanto na China em 1998 somente 1,8% dos IEDs foi direcionado a fusões e aquisições; em 1999, 5,9%; em 2000, 5,5%; em 2001, 5,0%, e em 2002, 3,9% no 275 Brasil da década de 1990, mais de 70% desse tipo de investimentos foram direcionados para privatizações ou desnacionalizações e fusões e aquisições. O essencial no regime dos IEDs é ter um projeto nacional, como é proposto na China, que propicie a maximização das oportunidades abertas por essa modalidade de investimento. Há de se observar que todo o esforço chinês de levar adiante a Iniciativa Cinturão e Rota, com seu grande arcabouço de investimentos, objetiva melhorar a logística com construção de ferrovias, rodovias e portos, dos seus parceiros comerciais da Ásia e Oriente Médio que concorrem com o Brasil no fornecimento de recursos primários para a China. Obviamente haverá uma redução de custos para os chineses obterem suas matérias-primas e recursos energéticos dos seus vizinhos fazendo com que o Brasil faça um planejamento para readequação de seus custos para não perder espaço nesse novo contexto. A solução poderá vir do mesmo lugar, a China, e do mesmo expediente, financiamento chinês derivados da Iniciativa Cinturão e Rota e as linhas de crédito abertas pela iniciativa. Segundo Mineiro (2018), o Brasil é atualmente, um dos países-chave para o êxito de qualquer estratégia global chinesa dada as características de integração econômica entre os países e o papel do Brasil na nova divisão internacional do trabalho, importante fornecedor de matérias-primas e commodities agrícolas e minerais para o crescimento chinês, mas não sem sérias consequências para o meio ambiente e para os povos e comunidades, em especial os das regiões de “fronteira”, onde a expansão do modelo se apresenta com mais força e os impactos são mais dramáticos, muito em função de não trazer desenvolvimento social e humano para esses povos e comunidades, com frequência traduzindo no aumento da violência, da pobreza e da injustiça que oprime aqueles grupos e empobrece a sociedade com um todo, embora de maneira desigual. 276 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sob a égide do materialismo histórico de Marx, a humanidade pressionada pela subsistência tem seus modos de produção em mutação, amalgamando necessidades aos instrumentos, mecanismos, modos de sobrevivência. O capitalismo, modelo vigente, inaugurou pela primeira vez na história, tempos onde se excede a produção diante das necessidades e, para tanto, passa a fatura. Numa riqueza dada pela produção de “mercadorias”, proprietários dos meios de produção exploram duramente uma classe desprovida desse poder que, entregue ao sistema, luta diariamente na busca pela dignidade. Mas infelizmente, a boa nova, no seu fundamento, não prima pela igualdade e muito menos por uma liberdade, desde o nascedouro do modo de produção capitalista, proclamada. A prosperidade é para poucos, e com o tempo, cada vez para menos. E a concorrência para se manter no topo da cadeia evolutiva do capitalismo levou à subjugação de povos, em conflitos que quase acabaram com a humanidade. Em contrapartida, floresceram ideias de um mundo mais harmonioso e solidário. A ideia de uma sociedade onde os meios de produção são democraticamente compartilhados entre os indivíduos nasce, cresce e por conseguinte é combatida exacerbadamente por aqueles que dominam o sistema então vigente. Nações aqui e ali resolvem retirar os meios de produção do poder privado para colocá-los agora sob orientação de um Estado que se autoproclama democrático e sabedor das vontades do seu povo. O mundo se divide. Os capitalistas agora pressionados por um sistema alternativo são obrigados a socializar parte da sua sanha concentracionista de renda e, de outro, Estados planejados a partir de um poder central procuram reverter os excedentes gerados na promoção social dos povos sob seus domínios. Na China, após quase dois séculos, de experimentação imposta de uma das etapas do capitalismo, o imperialismo praticado pelas nações capitalistas centrais que levaram o mundo a um conflito global, que não poupou os chineses, muito pelo contrário, uma inflexão se deu. Um movimento popular proclamou a liberdade que deveria vir com uma proposta socialista, aquela, onde os meios de produção estariam nas mãos do povo. Foram anos de incertezas onde erros e acertos não trouxeram a prosperidade prometida. A sociedade chinesa que é gerada após três décadas de experiência do modelo onde os meios de produção na verdade estão nas mãos do Estado, é mais igual, mas na pobreza. Não se resolveu a questão primeira do materialismo histórico do Marx, a sobrevivência e no final dos anos 1970, outra inflexão é 277 anunciada. A China apresenta ao mundo seu socialismo de mercado ou seu socialismo com características chinesas que mais parecem determinações criadas para dourar a pílula do capitalismo que lá, até mais que na Revolução Gloriosa da Inglaterra acumulou excedentes como nunca antes registrado na história da humanidade, fazendo com quê, em um tempo recorde transformasse essa China em uma potência econômica no século XXI. O valor criado pela liberação de mais de 850 milhões de pessoas da pobreza; migração de mais de 270 milhões das fazendas, onde eles talvez criassem galinhas, para fábricas onde montam aparelhos eletrônicos; o salto nos padrões educacionais; a construção de uma infraestrutura de Primeiro Mundo; o crescimento das cidades; a comercialização da habitação; e a subida do progresso na escala da tecnologia; todos esses fatores ajudaram a libertar uma das mais significativas ascensões de todos os tempos em termos de propriedade geral. O principal beneficiário disso tem sido a própria China, porém, do ponto de vista regional, os benefícios não estão distribuídos de forma equânime. Em geral, os países que mais ganharam são aqueles já ricos em energia e outros recursos, mas que pouco fazem no sentido da manufatura. O comércio entre a China e os países do continente africano cresceu consideravelmente nas últimas décadas ajudando a fortalecer uma situação que, espera-se, leve ao crescimento africano a níveis nunca registrados. Na Ásia, também, o cenário é geralmente positivo. Espera-se que o comércio com as nações-membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático aumente exponencialmente. No Norte da Ásia, as coisas também se apresentam vibrantes, e tanto Coreia do Sul como o Japão agora contam com a China entre seus maiores parceiros comerciais. A Austrália tem sido uma vencedora, ao exportar minério de ferro, alumina, gás natural e ser receptora de outros recursos e commodities. Na América Latina, o panorama é confuso, com um aumento no comércio de commodities e recursos um tanto prejudicado pelo impacto da concorrência contundente entre as indústrias manufatureiras do México e do Brasil. Mas a Europa e a América do Norte tem apresentado uma época muito mais turbulenta. Muitas das realizações chinesas das últimas décadas não poderiam ser possíveis sem a infusão de capital, especialização e tecnologia estrangeiros e o acesso a mercados no exterior. Mas os Estados Unidos e a Europa, em parte por suas deficiências internas, acham cada vez mais difícil identificar uma vantagem líquida de seu envolvimento com a China. Uma questão fundamental para o futuro, portanto, não é tanto como o surgimento da China afetará o mundo, mas até que ponto o mundo permitirá que a China continua sua ascensão. Um fechamento geral do comércio traria um impacto 278 catastrófico sobre a economia global, a quebra parcial nos elos comerciais e o aumento gradual do protecionismo ocidental em relação à China, acarretará efeitos profundos no bem- estar mundial e criaria tensões que poderiam se espalhar para outras regiões (KYNGE, 2007, p. 288-290). O crescimento chinês resultou num grande excedente de capital e como a história já ensinou chega o momento, em uma das contradições do capitalismo, o excesso de divisas faz mal, e precisa-se escoá-lo para não perdê-lo. E a China decide, primeiro investir em seu próprio território, vasto e desigual que é, exportando capital em forma de investimento pesado em infraestrutura nas suas províncias mais afastadas e depois lançando uma gama enorme de projetos em parceria, primeiro com seus vizinhos e por extensão com o mundo inteiro, a Iniciativa Cinturão e Rota. É insofismável que dado o grande montante de yuans, dólares e euros que serão investidos na implantação da Iniciativa Cinturão e Rota as engrenagens não só dos países diretamente envolvidos mas do mundo todo irão se mover. Para os céticos, alguns que terão seus interesses contrariados e outros que terão sua área de influência sendo ameaçada, propalam que a Iniciativa não passa de um sonho megalomaníaco, mas vários projetos já foram implantados e outros tantos estão em via de serem concretizados. A China é atualmente o maior parceiro comercial do Brasil, já surfamos a onda das commodities recentemente levando-nos a um crescimento razoável, um aumento de renda das classes menos favorecidas resultando em altas nos índices de consumo mas que em contrapartida aprofundou nossa reprimarização e ao contrário do que se poderia acreditar, acentuou o abismo histórico de discrepância de renda entre as elites e os pobres. É bem verdade que ao longo dos tempos, mudanças aconteceram no país em resposta a situação de caos interno ou externo que de tempos em tempos nos assombram. Mas creio estarmos diante de uma encruzilhada, um já conhecido cavalo de oportunidades onde temos que ter líderes pertinentes e sensatos pra saber tomar às rédeas esse cavalo e gerar desenvolvimento efetivo no Brasil. A despeito dos indícios históricos, o nosso futuro deve ser pautado numa ruptura com as práticas malfadadas do passado e uma busca efetiva de construção de um modelo econômico novo que traga progresso técnico que expandindo a riqueza nacional já se pense num planejamento para distribuição dessa riqueza. Passamos por tempos difíceis com processos de “uberização” do trabalho e, isso não é uma novo, 50% dos trabalhadores no país já trabalham sem carteira assinada. Não se pode 279 analisar a precarização do trabalho no Brasil como uma novidade, muito longe disso. O projeto burguês no Brasil fracassou. Aconteceu uma rendição completa à divisão internacional do trabalho. A Revolução Chinesa de 1949 e a aliança dos chineses com os Estados Unidos em 1971 a posteriori são fatos históricos que geraram no mundo uma fábrica mais potente que a inglesa estudada por Marx no século XIX, capaz de colocar aqui no Brasil e no mundo inteiro, devido a revolução dos transportes, produtos que custam 25% daquilo do que era produzido no ABCD paulista ou em outras fábricas no Brasil, colocando-nos a mercê do estabelecido da divisão internacional do trabalho, viramos a “fazenda do mundo”. A burguesia fracassada brasileira apresenta sua solução acelerando a precarização do trabalho e superexplorando o trabalhador brasileiro. O que sobra é a venda de recursos naturais nacionais, uma vez que não conseguimos mais competir na dinâmica internacional do trabalho, operando o liberalismo sem defesa alguma ao patrimônio nacional e a burguesia cada vez mais migrando para o rentismo. Temos que reverter as medidas neoliberalizantes que têm sido uma máxima desde sempre. Mudar a lógica capitalista promovendo a Revolução Brasileira. Após a crise de 2008, o mundo se caracterizou por uma guerra de capitais, na verdade de blocos de capitais manipulados por poderosos Estados nacionais que defendem seus interesses. Daí a urgência do Brasil criar uma estratégia nacional que propicie o seu desenvolvimento. O Brasil hoje, tem um enorme problema, cerca de 12 milhões de desempregados e ainda que com uma produtividade baixa, 1% ao ano, é responsável por 1 milhão de desempregados no mercado de trabalho. Junte-se a esse índice mais 1 milhão de jovens que chegam ao mercado e precisaremos de um crescimento mínimo de 2% ao ano para que o número de desempregados não passe dos agora 12%. A solução plausível é o forte investimento público em infraestrutura, rodovias, ferrovias e obras públicas de grande monta. O maior problema do Brasil hoje é a falta de um projeto nacional de desenvolvimento. O modelo de socialismo de mercado chinês, uma combinação de diferentes modos de produção, historicamente distantes gerando uma nova formação econômica social, pode funcionar como resposta a algumas questões historicamente colocadas, como soberania nacional, desenvolvimento econômico e direito ao planejamento do seu desenvolvimento econômico. Distante do capitalismo e ainda muito distante do comunismo propriamente dito ou socialismo avançado, o socialismo de mercado chinês caracteriza-se por intervenção forte do Estado sobre o fluxo de renda e sobre o próprio processo de desenvolvimento. 280 Atualmente, o desenvolvimento é o irmão siamês do planejamento. Crer no contrário, num Estado para tocar o dia a dia da burocracia enquanto o mercado responde pelas necessidades materiais da população é algo que os acontecimentos em andamento no âmbito da economia internacional trataram de procrever (JABBOUR, 2012, p. 406). O mundo está num processo de reconfiguração onde as sociedades estão organizadas em redes, onde o sistema de produção está migrando em alta velocidade para uma realidade onde a principal commodity é o conhecimento e a informação. Nesse contexto, onde aplicativos tomam o lugar que antes era de empresas físicas e seres humanos são substituídos por sistemas operacionais, precisamos repensar nosso modo de produção. Dado o novo paradigma tecnológico, a 4ª Revolução Industrial com o Big Data, a Inteligência artificial, a Internet das Coisas e todo e qualquer artefato tecnológico que está por vir, o Brasil não pode perder mais tempo. Quanto mais longínquo estiver desse mundo que se apresenta maior será o atraso e as consequências desse atraso já é conhecido na sociedade brasileira. O caminho não é fácil. Sofremos desde sempre com a submissão consequente do nosso processo histórico, assim como a China, temos que criar mecanismos para uma inflexão, uma ruptura com o papel até aqui, delegado ao Brasil, por uma razão simples. O brasileiro tem direito e merece ter uma vida digna. A questão central é se, e em que condições, a ascensão chinesa, com todas as suas imperfeições e prováveis reveses futuros, pode ser considerada o arauto daquela maior igualdade e respeito mútuo entre os povos. Uma análise minuciosa indica que SIM (ARRIGHI, 2008, p.383). 281 6. REFERÊNCIAS ABDENUR, Adriana Erthal; MUGGAH, Robert. A Nova Rota da Seda e o Brasil. Disponível em: . Acesso em: 26 de dezembro de 2018. Publicado em: 12 de junho de 2017 ACADEMIA DE CIÊNCIAS DA URSS. Manual de Economia Política. Disponível em: . 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